Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 620/2016-T
Data da decisão: 2017-06-30  Selo  
Valor do pedido: € 49.299,60
Tema: IS – Isenção - artigo 6.º alínea d) do CIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro Dra. Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 30 de Dezembro de 2016, acorda no seguinte:

 

1.        RELATÓRIO

 

1.1. A A…, contribuinte nº … com sede na …, …, Lisboa, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT[1]).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos actos tributários de liquidação de IS, com o nºs 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, no montante total de €49.299,60 (quarenta e nove mil duzentos e noventa e nove euros e sessenta cêntimos), relativos aos anos de 2012, 2014 e 2015, e melhor identificados na petição inicial apresentada pela Requerente, e que aqui se dão por articulados e reproduzidos, para todos os efeitos legais, os quais respeitam ao terreno para construção propriedade da Requerente, sito na Freguesia de …, Concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º…, com o valor patrimonial tributário de €1.832.930,00 (um milhão oitocentos e trinta e dois mil novecentos e trinta euros).

Mais requer a Requerente a condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas e que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas. 

 

1.3. A Requerente apresentou o seu pedido com o fundamento de que, tratando-se o imóvel em questão de um terreno para construção, não vê como teria a referida afectação habitacional, a qual é um pressuposto necessário da aplicação da norma sub judice. Alega ainda a Requerente que as liquidações não apresentam a fundamentação suficiente para apreensão das razões da mesma, nem as normas concretamente aplicadas, nem a autoridade que praticou os actos. E, finalmente, que não lhe foi facultado o legítimo exercício do direito de audição prévia. Por tudo isto, carecendo os actos sub judice de vício de forma.

A Requerente coloca ainda em questão o valor patrimonial tributário atribuído pela AT ao seu imóvel, sendo que efectuou um pedido de segunda avaliação que terá sido indeferido.

Nas suas alegações, a Requerente apresenta o facto de, sendo uma entidade canonicamente erecta, ser equiparada a uma IPSS, e, consequentemente, isenta de imposto do selo.

 

1.4. A AT defende que o pedido sub judice deveria ser julgado improcedente. Desde logo, no que concerne ao IS relativo ao ano de 2012, a Requerida defende-se por excepção, considerando que é manifestamente extemporânea a impugnação da respectiva nota de cobrança, implicando a caducidade do direito de acção.

Por impugnação, defende-se a Requerida dizendo que a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo se aplica igualmente a terrenos para construção e que a própria Requerente reconhece que o imóvel sub judice qualifica como tal. Não considera também a Requerida que, por esse facto, viole a verba 28.1 qualquer princípio constitucional. Discorda também a Requerida que as notas de cobrança aqui em questão sofram de vício formal de falta de fundamentação, dado que a Requerente demonstrou ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação em causa. Discorda ainda que tenha existido violação do direito de audição prévia.

1.5. Ambas as partes apresentaram as suas alegações, de forma sucessiva. Foi dispensada a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT, por não existir necessidade de apresentação adicional de prova.

 

             2.    SANEAMENTO

                

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

 

 

 

             3.    MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

1)      A Requerente era, à data das liquidações sub judice, proprietária do prédio urbano objecto dessas mesmas liquidações;

 

2)      A Requerente foi notificada para liquidar IS sobre o referido imóvel, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo, relativo aos anos de 2012, 2014 e 2015, tendo efectuado o pagamento do imposto;

 

3)      O imóvel em questão é um terreno para construção com um valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00 (1 milhão de euros);

 

4)      A Requerente é uma pessoa moral canonicamente erecta tendo a sua existência sido comunicada em 29 de Junho de 1970 pelo Vigário Geral do Patriarcado de Lisboa, nos termos dos artigos 3º e 4º da Concordata celebrada entre a Republica Portuguesa e a Santa Sé, conforme certidão junta à petição (documento nº 2).

 

5)      A data limite de pagamento do IS relativo a 2012, que se consubstanciou numa prestação única, foi Abril de 2016, conforme nota de cobrança anexa à petição inicial pela Requerente.

                                                           

Factos não provados

 

Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.

 

Fundamentação da Matéria de Facto

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova apresentada Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

5. DO DIREITO

 

Fixada a matéria de facto, importa conhecer a matéria de direito suscitada pelas partes.

Conforme supra identificado, a questão decidenda prende-se com a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IS, relativos aos anos de 2012, 2014 e 2015, sobre o imóvel propriedade da Requerente. De acordo com as respectivas notas de liquidação, trata-se da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre um terreno para construção, propriedade da Requerente, cujo valor patrimonial tributário excede €1.000.000,00 (1 milhão de euros).

 

a)      Defesa por Excepção

 

Ora, a primeira questão que importa analisar prende-se com a defesa por excepção apresentada pela Requerida relativamente ao IS de 2012, considerando que é manifestamente extemporânea a impugnação da respectiva nota de cobrança, implicando a caducidade do direito de acção.

Vejamos. Estabelece o artigo 10º do RJAT que o pedido de constituição de tribunal arbitral tem que ser apresentado no prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT.

E a alínea a) do nº1 do artigo 102º do CPPT refere que a impugnação será apresentada no prazo de 3 meses contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias em questão.

Ora, no caso em apreço, e no que a 2012 se refere, o IS foi liquidado por prestação única com data limite de pagamento em Abril de 2016. Assim sendo, é, de facto, extemporânea a sua impugnação pela Requerente não procedendo, porque sem qualquer base legal, o argumento da Requerente de que estando a contestar, em conjunto, três liquidações de IS relativas aos anos de 2012, 2014 e 2015, o prazo para o pedido de constituição do tribunal arbitral contar-se-ia a partir da data de pagamento da última prestação de IS relativa ao ano de 2015.

 

b)      Defesa por Impugnação

 

Ora, importa agora então analisar, no que concerne às liquidações de IS relativas aos anos de 2014 e 2015, se a Requerente está ou não isenta de Imposto do Selo, conforme refere nas suas alegações. Neste contexto, é aplicável a alínea d) do artigo 6º do Código do Imposto do Selo que refere o seguinte:

“São isentos de imposto do selo, quanto este constitua seu encargo:

d)      As instituições particulares de solidariedade social e entidades a estas legalmente equiparadas;

 

No caso em apreço, importa concluir se a Requerente é ou não equiparada a uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), caso em que beneficiaria da isenção acima prevista.

A Requerida, na sua defesa, sustenta existir incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o reconhecimento de benefícios fiscais, requerendo que o tribunal se abstenha de apreciar quaisquer questões relativas à equiparação da Requerente a IPSS e respectivas consequências. A alegada incompetência do Tribunal Arbitral decorre, segundo a Requerida, do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, que permite concluir que “não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral o conhecimento da matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias”.

Tendo em vista a decisão sobre esta excepção arguida pela Requerida, entende o Tribunal que o objeto dos autos não é uma questão de reconhecimento de uma isenção, mas sim uma questão de uma isenção objetiva, prevista na lei, a que a Requerente considera ter direito, e que foi desconsiderada pela Requerida, daqui resultando a prática dos atos de liquidação de IS ora impugnados.

Assim, improcede a excepção e julga-se este Tribunal materialmente competente para dirimir o litígio.

Então vejamos. São consideradas entidades equiparadas as instituições religiosas que para além dos fins religiosos prossigam outros fins enquadráveis no Estatuto das IPSS.

De acordo com o artigo 3º da Concordata de 1940, o reconhecimento pelo Estado Português da personalidade jurídica das entidades canonicamente erectas resulta da simples comunicação escrita à autoridade competente.

Com a Concordata de 2004, estabelece-se que o Estado Português reconhece a personalidade jurídica de todas as entidades canonicamente erectas que tenham sido constituídas e participadas à entidade competente antes da sua entrada em vigor, não se aplicando a essas a obrigatoriedade de estar inscritas em registo próprio do Estado.

Ora, a Requerente é uma entidade canonicamente erecta e a sua existência foi comunicada em 29 de Junho de 1970 pelo Vigário Geral do Patriarcado de Lisboa, nos termos dos artigos 3º e 4º da Concordata celebrada entre a Republica Portuguesa e a Santa Sé, conforme certidão junta à petição (documento nº 2). Esta comunicação ocorreu em momento anterior à entrada em vigor da Concordata de 2004, pelo que a obrigatoriedade de registo não se lhe aplica. Adicionalmente prossegue a Requerente, para além dos fins religiosos, actividades enquadráveis no Estatuto de IPSS, nomeadamente em matéria de assistência social e educação.

Assim, só se pode concluir pela equiparação da Requerente às IPSS, pelo que se lhe aplica o artigo 6º alínea d) do código do Imposto de Selo, enfermando então os actos tributários sub judice, relativos aos anos de 2014 e 2015, de ilegalidade.

 

 

 

Tendo concluído este tribunal neste sentido, fica prejudicada, porque processualmente inútil, a apreciação dos restantes vícios aduzidos pelas partes.

 

6. DECISÃO:

 

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral:

 

1.      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IS dos anos de 2014 e 2015, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito.

2.      Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de IS do ano de 2012 por caducidade do direito à acção.

3.      Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios peticionado pela Requerente, no que ao IS pago relativamente aos anos de 2014 e 2015 concerne.

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em €49.299,60 (quarenta e nove mil duzentos e noventa e nove euros e sessenta cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

O montante das custas é fixado em Euros 2.142 (dois mil cento e quarenta e dois euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, repartidas proporcionalmente pela Requerente (33,33%) e pela Requerida (66,66%), de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

          Lisboa, 30 de Junho de 2017

 

 

 

O Árbitro

 (Maria Antónia Torres)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.