Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 806/2022-T
Data da decisão: 2023-09-21  IVA  
Valor do pedido: € 565.852,68
Tema: IVA. Redébito de gastos em consórcio. Serviços de construção civil – Art. 2.º, n.º 1, al. j) CIVA.

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SUMÁRIO:

 

  1. A refaturação, sem margem, de gastos incorridos com subempreiteiros no âmbito da edificação de um centro comercial de grandes dimensões e do respetivo estacionamento, quando esses gastos se referem ao fornecimento e aplicação e montagem de estruturas metálicas e de aço, de cofragem, à execução de paredes em blocos de betão pré-fabricados, ao reboco de fachadas, a trabalhos de proteção de vermiculite (anti incêndio), de clarabóias de alumínio, de proteções coletivas de obra, de isolamento térmico e de pichelaria, enquadra-se no conceito de prestação de serviços de construção civil previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, pelo que é aplicável o regime de autoliquidação de IVA nele contemplado. 
  2. Esta conclusão é de manter quando os serviços sejam adquiridos em nome próprio, por um dos membros do consórcio, por conta de outro dos membros do mesmo consórcio.

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27 de março de 2023, Alexandra Coelho Martins (presidente), António de Barros Lima Guerreiro, designado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e Cláudia Rodrigues, indicada pela Requerente, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., S.A. – Sucursal em Portugal, adiante “Requerente”, com o número de identificação de pessoa coletiva ... e domicílio fiscal na ..., ..., ..., ...-... ..., Cascais, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto relativamente aos atos tributários de  liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) referentes a 2017, no valor de € 565.852,68, acrescidos de juros compensatórios na importância de € 29.892,83, perfazendo o total de € 595.745,51, bem como a anulação destes atos e a indemnização por prestação indevida de garantia nos termos do disposto nos artigos 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 171.º do CPPT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em 30 de dezembro de 2022 e, de seguida, notificado à AT.

 

A Requerente designou como árbitro a Dra. Cláudia Rodrigues, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, tendo a Requerida indicado o Dr. António de Barros Lima Guerreiro.

Os árbitros designados comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como árbitro presidente, conforme preveem os artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 6 do RJAT.

 

Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo. O Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, em 7 de março de 2023, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo sido manifestada oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 27 de março de 2023.

 

Em 8 de maio de 2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, tendo junto em momento ulterior o processo administrativo (“PA”).

 

Em 20 de junho de 2023, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com inquirição de uma testemunha indicada pela Requerente. O Tribunal determinou o aperfeiçoamento do pedido arbitral e deferiu o pedido de continuação da audiência, em nova data, para inquirição de outra testemunha (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Em 12 de julho de 2023, foi realizada a segunda inquirição e notificadas as Partes para apresentarem alegações escritas, fixando-se o prazo limite para prolação da decisão (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

 Em 4 de setembro de 2023, a Requerente apresentou alegações, reafirmando a posição inicial.  A AT contra-alegou em 7 de setembro, remetendo para a posição expressa na Resposta.

 

Posição da Requerente

 

            A Requerente alega que a aplicação, por si efetuada, do regime de autoliquidação de IVA pelo adquirente, previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código deste imposto, no âmbito da refaturação de gastos à sociedade B..., S.A. (“B...”), respeitou esta norma legal. Estão, com efeito, unicamente em causa serviços de construção do complexo comercial do C... em Loulé, que beneficiam do enquadramento na citada norma, em linha com os esclarecimentos constantes do Ofício-Circulado n.º 30101, de 24 de maio de 2007, da Direção de Serviços do IVA e da lista exemplificativa do seu Anexo I. 

 

            Especifica que os gastos refaturados o foram na proporção (de 40%) prevista no contrato de consórcio celebrado com a B... e respeitam a contratos de subempreitada juntos aos autos, cujo objeto são operações subsumíveis ao regime de inversão de sujeito passivo.

 

            Reitera que as operações em causa não respeitam à mera transmissão de materiais de construção, mas à prestação de serviços de construção civil e que as faturas dos seus fornecedores, que estão na origem da sua refaturação à B..., não mencionam a citada norma do Código do IVA [artigo 2.º, n.º 1, alínea j)], por aqueles serem estabelecidos em Espanha, aplicando-se aí, pelo princípio da territorialidade, as regras da legislação espanhola. 

 

            A Requerente salienta, ainda, que o facto de uma parte das faturas por si emitidas (FA 2017/03, FA 2017/08, DA 2017/09 E FA 2017/16) não mencionar o artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA constitui mero lapso omissivo, não devendo esse erro obstar ao devido tratamento em IVA dos débitos dos correspondentes serviços de construção civil, como ressalta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual as irregularidades formais não comprometem o enquadramento das operações, no pressuposto de ser disponibilizada à Administração Fiscal informação suficiente que possibilite um adequado controlo do imposto. 

 

            Por outro lado, refere que o procedimento adotado vai ao encontro do estabelecido no artigo 4.º, n.º 4 do Código do IVA, que determina que, quando a prestação de serviços for efetuada por intervenção de um mandatário agindo em nome próprio, este é, sucessivamente, adquirente e prestador do serviço.

           

           

            E, bem assim, indica que a própria Direção de Serviços do IVA se pronunciou no mesmo sentido num procedimento em que se suscitou idêntica questão (n.º 1919, de 12 de maio de 2011), referente ao reembolso de despesas sujeitas ao regime de autoliquidação do artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, quando efetuadas no âmbito de um consórcio.

 

            Adicionalmente, a Requerente sustenta  que as correções efetuadas às faturas que emitiu  à B..., não poderiam ser feitas, como foram, com base no montante total do valor tributável, uma vez que aquele teria de ser expurgado da importância das notas de crédito por si emitidas [pela Requerente], que foram desconsideradas pela AT (NC 2017/10 e NC 2017/11), com fundamento no facto de as mesmas não terem sido contabilizadas pela B... e de não existir prova de que a B... tenha tomado conhecimento da sua emissão, o que seria condição de regularização das faturas iniciais nos termos do artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA.

 

Refere, ainda,  a Requerente  que as faturas FA 2017/52 e FA 2017/68 respeitam ao mesmo facto tributário,  englobando o reembolso das mesmas despesas incorridas com os  mesmos fornecedores dos serviços de construção civil. A primeira fatura foi emitida pelos fornecedores da Requerente, a segunda fatura foi emitida pela Requerente à B..., visando o redébito dos montantes faturados, mas o serviço a que respeitam ambos os documentos seria o mesmo. Ignorando esse enquadramento, os SIT não se limitaram a corrigir o valor tributável da FA 2017/52 por inteiro, tendo também corrigido o montante total da FA 2017/68, que suporta a mesma operação ativa, pois constitui o débito das mesmas despesas, pelo mesmo valor (€ 251.790,92).

 

            Tal liquidação adicional do  IVA em dobro ter-se-ia traduzido, de acordo com a Requerente, num enriquecimento ilegítimo do Estado por duplicação de coleta de € 251.790,92, com  a inerente violação do princípio da neutralidade e do artigo 205.º do CPPT.

 

            Sem essa duplicação gerada pela desconsideração integral das notas de crédito, as correções de IVA ascendem somente a € 446.789,71 (e não a € 565.852,68), que a Requerente, em qualquer caso, entende ser indevida por respeitar a serviços de construção civil, pelo que não devia suscitar IVA na sua esfera.

 

Conclui com o pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios referentes ao ano 2017 e dos despachos de indeferimento da Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico que mantiveram tais atos, peticionando a indemnização pelos encargos incorridos com a prestação de garantia, nos termos do disposto no artigo 53.º da LGT, a liquidar em fase de execução de sentença.

 

Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida defende que o “redébito” de gastos em análise não pode ser enquadrado no regime de inversão do sujeito passivo, previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, por não estarem verificados os requisitos cumulativos aí previstos.

 

Defende que, em parte, as operações refaturadas pela Requerente respeitam a aluguer de andaimes, gruas, remoção de entulhos e meros fornecimentos de materiais ou de outros bens, que “isoladamente não relevam do conceito de serviços de construção”. Deste modo, qualifica as operações como prestações de serviços genéricas, sujeitas a IVA à taxa de 23% (v. artigos 4.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código do IVA).

 

Argumenta também que a Requerente não contabilizou as faturas dos fornecedores na parcela correspondente ao outro membro do Consórcio (de 40%) como quantias pagas em nome e por conta deste, nem as registou em contas de terceiros apropriadas.

 

Em relação às notas de crédito, invoca que a sua consideração, para efeitos de ajustamento da base de incidência e do IVA corrigido na ação inspetiva, depende do preenchimento dos pressupostos estabelecidos no artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA. A demonstração destes pressupostos, designadamente de que o adquirente tomou conhecimento da retificação do IVA, constitui ónus da Requerente (v. artigo 74.º da LGT), que esta não satisfez. Conclui, assim, pela improcedência da ação.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a atos de liquidação de IVA e juros compensatórios inerentes, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com os artigos 39.º, n.º 10 e 102.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPPT, tendo em conta que a presente ação foi deduzida em 19 de dezembro de 2022 e que o indeferimento do Recurso Hierárquico foi notificado, por via eletrónica, através de ofício datado de 13 de setembro de 2022.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A..., S.A. – Sucursal em Portugal, aqui Requerente, é uma representação permanente em Portugal da sociedade anónima de direito espanhol, sob idêntica denominação, que faz parte do grupo D... (“grupo D...”), dedicado a diversos setores de atividade, incluindo a construção civil – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), junto como Documento 3.
  2. A Requerente exerce, a título principal, a atividade de construção de edifícios, residenciais e não residenciais, e, a título secundário, a compra e venda de bens imóveis, a que correspondem os CAE 41200 e 68100, respetivamente, tendo o seguinte objeto:

1. A contratação e a execução de toda a classe de obras e construções no seu mais amplo sentido, tanto públicas como particulares e, em especial, das obras de construção, conservação e renovação de vias férreas; 2. A exploração de minas e pedreiras e a comercialização dos seus produtos; 3. Promoção, gestão e execução de todo o tipo de negócios imobiliários, tanto na sua vertente urbanística como da construção em si, para a sua exploração, venda ou aluguer; 4. Manutenção, reabilitação e acondicionamento de edifícios; 5. A aquisição, administração e festão, promoção, exploração em locação ou em qualquer forma, construção, compra e venda de toda a classe de bens […]– cf. RIT.

  1. A Requerente iniciou a sua atividade, para efeitos fiscais, em 1 de janeiro de 2000 e é um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral – cf. RIT.
  2. Conjuntamente com a sociedade B..., S.A. (“B...”), a Requerente apresentou uma proposta de empreitada de construção de um complexo comercial, localizado em Loulé, em resposta a um concurso lançado pelo C...– cf. RIT.
  3. Para este efeito, a Requerente e a B... constituíram um consórcio na forma legal (Decreto-lei n.º 231/81, de 28 de julho), no qual se convencionou que a participação da Requerente seria de 60% e a da B... de 40% – cf. RIT.
  4. A proposta foi aceite pelo C..., que adjudicou a empreitada de construção ao consórcio composto pela Requerente e pela B... .Foi, neste âmbito, celebrado, em 3 de março de 2016, entre as três entidades – Requerente, B... e C...–, o Contrato de “Empreitada Geral de Construção – Estruturas, Redes Enterradas, Alvenarias, Caldeiras, Redes Hidráulicas e Parque de Estacionamento do Centro Comercial de ...” – cf. RIT.
  5. Em 26 de dezembro de 2016, o Contrato de Empreitada vertente foi objeto de um Aditamento, por forma a incluir trabalhos a mais solicitados pelo C... e alterações relevantes ao projeto de execução, passando a abranger isolamentos e impermeabilizações, coberturas, revestimentos de paredes, serralharias em ferro, apoio a instalação de elevadores, claraboias, paredes e tetos interiores dos cinemas – cf. RIT.
  6. Tendo em vista a execução da obra encomendada pelo C..., as sociedades que faziam parte do consórcio -  a Requerente e a B...- procederam à subcontratação de diversas componentes da sua execução a outras entidades, celebrando com estas Contratos de Subempreitada, conforme enumeração infra:
    1. E..., S.L. (“E...”) – para a estrutura metálica – cf. Documento 4;
    2. F..., S.L. (“F...”) – para a estrutura metálica – frentes de loja – cf. Documento 5;
    3. G..., S.L. (“G...”) – para a cofragem e armação de ferro – cf. Documento 6;
    4. H..., S.L. (“H...”) – para material e mão-de-obra para reboco de fachadas – cf. Documento 7;
    5. I..., S.L. ( “I...”) – para mão-de-obra de alvenaria  – cf. Documento 8;
    6. J..., S.L.U. (“J...”) – para aplicação de argamassa retardadora de combustão (“ignífuga”) em estrutura metálica – cf. Documento 9;
    7. K..., S.L. (“K...”) – para fornecimento e colocação de clarabóias de alumínio – cf. Documento 10;
    8. L..., S.L. (“L...”) – para instalação, manutenção e desmontagem de proteções coletivas em obra – cf. Documento 11;
    9. M..., S.L. (“M...”) – para isolamentos e impermeabilizações – cf. Documento 12;
    10. N..., S.L. (“N...”) – para proteção anti combustão (“ignífuga”) de estrutura metálica – cf. Documento 13;
    11. O..., S.A. ( “O...”) – para armação em ferro – cf. Documento 14;
    12. P..., S.L. (“P...”) – para cofragem corpo E – cf. Documento 15;
    13. Q..., S.L. ( “Q...”) – para montagem de aço – cf. Documento 16.
  7. Estes Contratos de Subempreitada visaram a prestação de serviços essenciais à construção do edifício do Centro Comercial ... de ..., compreendendo o fornecimento dos materiais, a sua incorporação no edificado e outros trabalhos de construção. Neste contexto, os subempreiteiros não forneciam apenas os materiais, assegurando sempre a respetiva instalação e montagem no edificado com a sua própria mão-de-obra especializada. Os subempreiteiros contratados assumem as obrigações, responsabilidades e riscos do empreiteiro – cf. Documentos 4 a 17 e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
  8. O procedimento de faturação adotado pelo consórcio foi o seguinte – cf. RIT:
    1. A Requerente faturava a totalidade da empreitada de construção ao cliente C..., sem liquidação de IVA, aplicando o regime de inversão do sujeito passivo / autoliquidação previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, conforme mencionado nas faturas, e recebia a totalidade dos pagamentos;
    2. Por seu turno, a consorciada B... faturava à Requerente, também com aplicação do mesmo regime (autoliquidação) e norma (artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA), os 40% da obra, que correspondiam à sua participação no consórcio;
    3. Posteriormente, a Requerente faturou à B... a respetiva quota-parte, de 40%, nos gastos incorridos, de modo a que todos os gastos e rendimentos ficassem em cada uma das entidades do consórcio na proporção da sua participação, e aplicou o regime de autoliquidação ao abrigo do citado artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, e, nalguns casos, a isenção prevista no artigo 14.º do RITI.
  9. Os gastos refaturados pela Requerente à sociedade consorciada B... no período em causa (2017) respeitam aos fornecedores e serviços descritos no quadro infra – cf. Documentos 17 a 29 e RIT:

Fornecedor

Fatura Fornecedor

Descrição

Fatura emitida pela Req. à B...

Base tributável corrigida pelos SIT (€)

IVA corrigido pelos SIT (€)

 

E...

 

6176/2016

Fornecimento e montagem de estruturas metálicas

 

FA 2017/03

 

240.735,37

 

55.369,14

E...

 

6159/2016

Fornecimento e montagem de estruturas metálicas

 

FA 2017/08

 

50.466,90

 

11.607,39

 

E...

 

6153/2016

Fornecimento e montagem de estruturas metálicas

 

FA 2017/09

 

58.309,65

 

13.411,22

 

E...

 

7008/2017

Fornecimento e montagem de estruturas metálicas

 

FA 2017/16

 

209.474,02

 

48.179,02

F...

 

170096

Fornecimento e montagem de estruturas metálicas

 

 

 

 

 

 

 

FA 2017/37

 

55.408,01

 

12.743,84

 

G...

 

292017

Fornecimento, montagem e desmontagem de cofragem

 

31.380,42

 

7.217,50

 

H...

 

19/2017

Fornecimento e execução de paredes em blocos de betão pré-fabricados

 

42.416,68

 

9.755,84

H...

22/2017

Reboco de fachadas

971,58

223,46

 

Grupo AA...

 

2017/2

Mão-de-obra de alvenaria (colocação de bloco)

 

11.394,00

 

2.620,62

F...

 

170124

Fornecimento e montagem de estruturas metálicas

 

39.841,76

 

9.163,60

 

Grupo AA...

 

2017/1-00001

Mão-de-obra de alvenaria (colocação de bloco)

 

 

 

 

 

 

FA 2017/38

 

11.423,60

 

2.627,43

 

G...

 

212017

Fornecimento, montagem e desmontagem de cofragem

 

16.121,57

 

3.707,96

 

G...

 

202017

Fornecimento, montagem e desmontagem de cofragem

 

8.024,03

 

1.845,53

 

H...

 

000006/2017

Fornecimento e execução de paredes em blocos de betão pré-fabricados

 

49.248,52

 

11.327,16

H...

000008/2017

Reboco de fachadas

6.131,96

1.410,35

J...

2/O/17056

Trabalhos de proteção de vermiculite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FA 2017/40

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FA 2017/40

 

8.990,21

2.067,75

K...

 

170051

Fornecimento e montagem de clarabóias de alumínio

 

49.965,21

 

11.492,00

F...

 

170158

Fornecimento e montagem de estruturas metálicas

 

47.079,33

 

10.828,25

 

L...

 

PT180

Instalação, manutenção e desmontagem de proteções coletivas de obra

 

5.686,28

 

1.307,84

 

G...

 

402017

Fornecimento, montagem e desmontagem de cofragem

 

24.935,60

 

5.735,19

 

H...

 

36/2017

Fornecimento e execução de paredes em blocos de betão pré-fabricados

 

37.456,64

 

8.615,03

H...

38/2017

Reboco de fachadas

1.258,46

289,45

 

M...

 

61/17

Fornecimento e aplicação de isolamento térmico

 

31.630,99

 

7.275,13

N...

2017/031

Serviços de pichelaria

3.491,40

803,02

H...

50/27

Reboco de fachadas

1.337,97

307,73

 

H...

 

48/27

Fornecimento e execução de paredes em blocos de betão pré-fabricados

 

21.412,52

 

4.924,88

 

Grupo AA...

 

2017/2-00010

Mão-de-obra de alvenaria (colocação de bloco)

 

16.889,40

 

3.884,56

 

L...

 

PT183

Instalação, manutenção e desmontagem de proteções coletivas de obra

 

4.920,73

 

1.131,77

 

M...

 

82/17

Fornecimento e aplicação de isolamento térmico

 

40.608,64

 

9.339,99

 

G...

 

522017

Fornecimento, montagem e desmontagem de cofragem

FA 2017/52 substituída pela fatura FA 2017/68

 

15.116,40

 

3.476,77

N...

2017/035

Serviços de pichelaria

17.589,30

4.045,54

 

O montante total da fatura perfaz € 251.790,72, pelo que € 219.085,02 não correspondem a débito de despesas de construção civil

 

 

 

N...

 

2017/043

 

Serviços de pichelaria

FA 2017/53 anulada pela nota de crédito NC 2017/11

 

2.948,40

 

678,13

 

O montante total da fatura perfaz € 153.599,46, pelo que € 150.651,06 não correspondem a débito de despesas de construção civil

 

 

 

O...

 

3270007948

Fornecimento e montagem de estruturas de aço

 

 

 

FA 2017/62

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FA 2017/62

 

 

 

89.896,85

 

20.676,28

 

O...

 

3270007949

Fornecimento e montagem de estruturas de aço

 

16.652,49

 

3.830,07

 

O...

 

3270007953

Fornecimento e montagem de estruturas de aço

 

-2.458,11

 

-565,37

 

O...

 

3270007952

Fornecimento e montagem de estruturas de aço

 

76.110,08

 

17.505,32

 

O...

 

3270007956

Fornecimento e montagem de estruturas de aço

 

16.850,56

 

3.875,63

 

O...

 

3270007957

Fornecimento e montagem de estruturas de aço

 

12.898,12

 

2.966,57

 

O...

 

3270007946

Fornecimento e montagem de estruturas de aço

 

20.279,21

 

4.664,22

K...

 

170129

Fornecimento e montagem de clarabóias de alumínio

 

10.415,33

 

2.395,53

P...

66/17

Fornecimento e montagem de cofragem

FA 2017/63

29.569,18

6.800,91

N...

2017/066

Serviços de pichelaria

 

FA 2017/64

 

5.212,16

1.198,80

Q...

A481

Montagem de aço

13.647,99

3.139,04

Q...

A587

Montagem de aço

6.089,68

1.400,63

Montante total de  IVA corrigido

335.300,69

  1. A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo, ao abrigo da  Ordem de serviço OI2019..., datada de 28 de maio de 2019, com referência ao ano de 2017, de que resultaram correções em IRC e IVA, estando em causa, nos presentes autos arbitrais, apenas o IVA – cf. RIT.
  2. Na sequência do exercício do direito de audição, pela Requerente, relativo à proposta de correções de IVA, esta foi alterada parcialmente (reduzida), cifrando-se, a final, no montante total de € 565.951,98 – cf. Documento 1 e RIT.
  3. O Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) fundamenta as correções de IVA nos seguintes termos:

III. – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1 – VERIFICAÇÕES EFETUADAS

[…]

III.1.1 – CONTRATO DE CONSTRUÇÃO

 

Para melhor compreensão de toda a análise efetuada, importa resumir em que consistiu a atividade da A... no ano de 2017 e caraterizar o funcionamento do consórcio que constituiu.

Em 2015, C..., S.A. […], atualmente R..., S.A. e que adiante designaremos de C... ou R..., lançou um concurso para execução de uma empreitada de construção de um complexo comercial, localizado em ..., que integrava um centro comercial, lojas outlet, uma loja C..., uma zona de lazer ao ar livre, parques de estacionamento e vias de acesso.

A A... e a B..., S.A.[…] apresentaram uma proposta de execução conjunta, constituindo um Consórcio para esse efeito.

A proposta do consórcio ao referido concurso foi aceite, pelo que em 03-03-2016 celebraram um Contrato de “Empreitada Geral de Construção – Estruturas, Redes, Enterradas, Alvenarias, Caleiras, Redes Hidráulicas e Parque de Estacionamento do Centro Comercial de ...” com o C..., com um valor global de € 16.403.274,65 acrescido de IVA, cujo prazo de conclusão era 31-05-2017 (Anexo III, págs. 2 a 7).

Em 26-12-2016, as partes celebraram um Aditamento ao Contrato de Empreitada, adiante designado de Aditamento (Anexo III, págs. 8 a 13), resultante da necessidade de redefinir o objeto do Contrato de Empreitada, em virtude dos vários trabalhos a mais solicitados pelo C... e das relevantes alterações efetuadas ao projeto de execução. Desta ampliação do objeto do contrato inicial, para abranger a execução de trabalhos referentes a isolamentos e impermeabilizações, coberturas, revestimentos de paredes, serralharias de ferro, apoio a instalação dos elevadores, claraboias, paredes e tetos interiores dos cinemas, o preço da empreitada aumentou € 3.375.474,38, passando assim a um valor global de € 19.778.749,03 acrescido de IVA.

Ainda em 26-12-2016 foi celebrado um Acordo (Anexo III, págs. 14 a 23), resultante dos atrasos nos prazos estabelecidos no programa de trabalhos constante do Contrato, na sequência de profundas alterações dos trabalhos. Através deste Acordo, foi aceite a contratação relativamente aos Trabalhos Adicionais já executados ou em execução pelo montante global fixo e não revisível de € 1.000.812,95, bem como foi estabelecida a concessão de um Prémio de Execução no montante máximo de € 2.100.000,00 a atribuir caso fossem cumpridos os prazos estabelecidos para cada uma das 4 etapas:

- Milestone 1: conclusão dos trabalhos na loja ... até 17-01-2017 (€ 500.000,00)

- Mitestone 2: conclusão dos trabalhos no espaço dos cinemas até 09-02-2017 (€ 500.000,00)

- Milestone 3: conclusão da estrutura metálica geral até 25-01-2017 (€ 500.000,00)

- Milestone 4: conclusão dos trabalhos no edifício e loja C...  até 28-02-2017 (€ 600.000,00).

No decurso da obra ocorreram diversos condicionalismos com impacto no ritmo dos trabalhos, o que determinou que a data da conclusão não fosse 31-05-2017 conforme constava no Contrato de Empreitada, o que também originou aumentos nos custos da sua execução. Conforme informou o s.p. através de email de 05-02-2020, a conclusão dos trabalhos de empreitada ocorreu em 21-10-2017 (anexo IV, págs. 19 e 20).

Atualmente encontra-se a decorrer o processo nº 2/2019, no Centro de Arbitragem Comercial (anexo III, págs. 24 a 31), onde o consórcio formado pela A... e a B... solicitam o pagamento de € 7.711.813,15 (anexo III, pág. 31) ao C..., que se decompõe do seguinte modo:

  1. € 4.903.299,00 a título de sobrecustos suportados no período de 26-12-2016 a 18-09-2017, conforme consta no nº 2306 da petição inicial […];
  2. € 928.395,65 a título de faturas em dívida […];
  3. € 108.600,82 a título de juros de mora à taxa legal […];
  4. € 41.953,90 a título de juros de mora à taxa legal […];
  5. € 1.729.563,78 a título de materiais/trabalhos a mais executados durante o ano 2017 […].

 

III.3 – ANÁLISE EM SEDE DE IVA

 

Para melhor enquadramento das operações realizadas entre os dois membros do consórcio, e o dono da obra (C...S.A.) apresenta-se o seguinte esquema:                                                     

 

C... S.A.

 

 

 

                 (IVA Autoliquidação)

                 Recebimento 100% da obra

 

NIF […]

                                                                                                              

 

 

 

 

B... S.A.

 

 

 

 

A… SUCURSAL EN PORTUGAL

                                       

 

 

NIF […]

                                         Débito de custos a mais suportados pela A...

 

 

NIF […]

 

 

 

 

Participação de

60% no consórcio

 

                                         Faturação 40% da obra (IVA Autoliquidação)

 

 

Participação de

40% no consórcio

          (IVA Autoliquidação)

 

 

Estando subjacente às operações económicas realizadas entre o consórcio (A... e B...) e o dono da obra (C...) trabalhos de construção civil, importa fazer a análise das normas gerais de aplicação em sede de IVA, salientando-se o seguinte:

- A A... faturava a totalidade da obra ao C... (IVA com autoliquidação alínea j), nº 1, art.º 2) e recebia também a totalidade dos pagamentos do C..., deste modo, a totalidade dos serviços de construção civil prestados pelo consórcio foram debitados pela A... ao C... mencionando “IVA autoliquidação art. 2, nº 1 alínea j)” nas faturas emitidas (anexo VI pág. 3);

- A B... faturava à A... (IVA com autoliquidação alínea j), nº 1, art.º 2) os 40% da obra correspondentes à sua participação no consórcio;

- A A... refaturava à B... os gastos (IVA com autoliquidação alínea j), nº 1, art.º 2 ou Isento art.º 14º do RITI) que suportava por sua conta na obra, de modo a que todos os gastos e rendimentos ficassem em cada uma das entidades do consórcio na proporção da sua participação.

 

III.3.1 – Refaturação dos gastos à B...

 

A alínea j), do nº 1, do art.º 2ºdo CIVA prevê que são sujeitos passivos do imposto:

“As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicilio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.”

O ofício circulado nº 30101, de 24 de maio de 2007, veio esclarecer o funcionamento do IVA nos serviços de construção civil e a aplicação da alínea j), do nº 1, do art.º 2º do CIVA, conforme se resume de seguida.

Na inversão do sujeito passivo, cabe ao adquirente a liquidação e entrega do imposto que se mostre devido, sem prejuízo do direito à dedução, nos termos gerais do CIVA, designadamente do previsto nos seus artigos 19º a 25º.

Em caso de inversão e atendendo ao nº 13, do art.º 36º do CIVA, as faturas emitidas pelos prestadores de serviços deverão conter a menção “IVA – autoliquidação”.

No entanto, para que haja lugar à inversão do s.p., é necessário que se verifique cumulativamente as seguintes condições:

  1. se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil;
  2. o adquirente seja sujeito passivo do IVA em Portugal e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.

Por serviços de construção civil consideram-se todos os que tenham por objeto a realização de uma obra, englobando todos o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização.

Considera-se obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.

A faturação de serviços, ao prestador dos serviços de construção, que isoladamente não relevam do conceito de serviços de construção, tais como:

-   aluguer ou colocação de andaimes;

-   aluguer de gruas e de outros bens;

-   serviços de limpeza, sinalização, fiscalização, remoção de entulhos;

-   serviços de projetistas ou de arquitetura,

ou os meros fornecimentos de materiais ou de outros bens, não é abrangida pelas normas de inversão, cabendo ao prestador dos referidos serviços ou ao transmitente dos bens a normal liquidação do IVA que se mostre devido.

A obra do C... de ..., executada pelo consórcio A.../B..., consórcio que funcionou deste modo:

  1. a A... faturou a totalidade da obra ao C... mencionando nas faturas “IVA – autoliquidação” (anexo VI, 3), pelo que o C... deduziu e liquidou o IVA da empreitada; 
  2. como apenas 60% da empreitada era responsabilidade da A..., a B... faturaram 40% da totalidade da obra à A... mencionando nas faturas “IVA – autoliquidação (anexo VI, 4); 
  3. a A... suportou alguns gastos da obra pela totalidade, mas que só 60% lhe eram imputáveis, pelo que para repartição dos 40% à B... de modo a fazer o ajuste à sua participação no consórcio, lhe faturou os gastos suportados na proporção dos 40% mencionando nas faturas “IVA Autoliquidação art.2, nº 1 alínea j” (anexo VI, págs. 21 a 34) ou “Isento art.º 14 do RITI (ou similar)” (anexo VI, págs. 11, 13 a 17, 20).

Apesar de se tratar de um sujeito passivo misto com afetação real de todos bens, em 2017 deduziu a totalidade do IVA constante nas faturas das aquisições que efetuou, porém quando as redebitou à B... para efeito de compensação de modo a garantir as participações de cada uma das empresas no consórcio, não debitou o IVA tendo considerado “IVA autoliquidação art. 2, nº 1 alínea j)” ou “Isento art.º 14 do RITI (ou similar)”. É o IVA destas operações que se analisará de seguida, de modo a apurar o correto enquadramento destas operações, bem como a totalidade do IVA não liquidado pelo s.p..

Note-se que, todas as faturas emitidas pela A... à entidade B..., dizem respeito ao redébito de gastos que suportou a 100% e que no âmbito da sua participação no consórcio apenas deveria suportar por 60%. Da análise efetuada às faturas emitidas, constatou-se que a A... não procede ao detalhe dos serviços e bens faturados. Por esse motivo efetuou-se circularização à B... de forma a obter a informação da natureza dos serviços e bens redebitados, que integra o anexo Vl.

Importa ainda salientar que se todos os gastos fossem desde logo debitados pelos fornecedores em 60% para a A... e em 40% para a B..., cada uma das entidades deduzia o IVA correspondente e estas operações de redebito da A... à B... seriam desnecessárias, uma vez que estaria garantida a repartição dos gastos a cada uma das entidades de acordo com a sua participação no consórcio.

Nos casos em que o fornecedor fatura a 100% à A... e esta posteriormente redebita 40% à B... importa garantir igualmente o direito à dedução do IVA a cada uma delas, porém não poderá a A... beneficiar de uma dedução do IVA (100%) sobre a totalidade de um gasto, quando na verdade só suporta 60% daquele gasto e consequentemente, o IVA que tem direito a deduzir será na mesma percentagem.

Deste modo, quando a A... refaturou os gastos à B... deveria ter procedido à d[i]scriminação das despesas, com vista ao correto enquadramento das operações para efeitos de IVA, ao invés de ter optado por não liquidar qualquer imposto, fazendo uma descrição genérica da prestação de serviços e colocando a menção “IVA autoliquidação art. 2, nº 1 alínea j)” ou “Isento artigo 14º do RITI (ou similar)” não dando a conhecer as despesas que estava a refaturar. Em última rácio, pode-se concluir que a A... não efetua nenhum serviço de construção civil à B..., nem realiza com esta entidade nenhuma transação intracomunitária, pelo que não se aplica nenhuma das legislações mencionadas. Ora, tendo resultado da análise efetuada que o sujeito passivo nas diversas aquisições realizadas deduz o IVA suportado a 100%, o que se traduz em pedidos de reembolsos reiterados de valor elevado, a refaturação destas despesas à B..., deveria permitir, não só repor o gasto, mas igualmente o montante do imposto deduzido, correspondente ao nível de atividade do s.p. no consórcio (60%).

O s.p. considerou as faturas nº 3, 5, 6, 7, 8, 9, 16 (anexo VI, págs. 11, 13 a 17, 20), todas emitidas à B..., isentas de IVA nos termos do art.º 14º do RITI (ou similar) Estas faturas em regra apresentam a descrição genérica “Custos a mais suportados pela A... a 23-12-2016. Porém a referida legislação não tem aplicação no caso em apreço por se tratarem de duas entidades sujeitos passivos de IVA em território nacional, motivo pelo qual a A... deveria ter emitido as mesmas faturas com IVA à taxa de 23%, correção que se efetua no presente relatório conforme consta adiante determinado no quadro 15,(anexo VI, página 5), Confirmou-se que algumas destas faturas (nºs 5 e 6) foram anuladas através das notas de crédito nº 6 e 7, pelo que não se procede relativamente a estas a correção do IVA em falta. Já a fatura nº 7 foi anulada parcialmente através da nota de crédito nº 8, procedendo-se à correção do IVA na devida proporção.

Por sua vez, para as faturas 37, 38 40, 52, 53, 62, 63, 64, 67, 68, 69, 70, 71 (anexo VI, págs. 21 a 34), emitidas pela A... à B... mencionando “IVA Autoliquidação art. 2, nº 1 alínea j)”considera-se que não se encontra devidamente comprovado a aplicação deste normativo, uma vez que a A..., em cada uma destas faturas encontra-se a redebitar diversos gastos que suportou em nome e por conta da B..., não usando qualquer margem de comercialização, limitando-se a debitar de forma agregada, sem especificar os bens/serviços que estão a ser debitados, tendo sido, apurado junto da B... que cada uma destas faturas engloba o redébito de diversos bens e serviços, individualizados, e não de uma prestação de serviços de construção civil.

Por outro lado, de referir, tal como se demonstrou no esquema supra, que à faturação dos 40% dos serviços prestados ao C..., processada pela B... à A..., a qual se refere especificamente ao débito dos serviços de construção executados na empreitada, mencionando os respetivos autos de medição, cf. anexo VI págs. 3 e 4, considera-se comprovada a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo prevista no art. 2.º n.º 1 alínea j) do CIVA, de harmonia com o ofício circulado 30301- IVA serviços de construção civil. O redébito de despesas obedece ao seguinte enquadramento, assim as despesas tenham sido suportadas, ou não, em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços.

Relativamente ao valor tributável das operações, prevê o art.º 16º do CIVA, o seguinte:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

5 - O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui:

a)    Os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com excepção do próprio imposto sobre o valor acrescentado;

b)    As despesas acessórias debitadas, como sejam as respeitantes a comissões, embalagem, transporte, seguros e publicidade efectuadas por conta do cliente;

c)    As subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.

6 - Do valor tributável referido no número anterior são excluídos:

a) Os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;

b) Os descontos, abatimentos e bónus concedidos;

c)  As quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços, registadas pelo sujeito passivo em contas de terceiros apropriadas;" (realce nosso)

A este propósito do redébito de gastos, tendo em conta a alínea c), do nº 6, do art.º 16º do CIVA, veja-se Filipe Duarte Neves:

“No caso das despesas incorridas em nome e por conta de outrem, ou seja, as faturas ou documentos equivalentes, são desde logo emitidas em nome da entidade que efetivamente suporta o custo final, o “débito” efetuado para obter o reembolso da despesa está excluído da base tributável do IVA.

Nestes casos, devem as despesas ser contabilizadas pela entidade que suporta a despesa em nome e por conta de outrem em contas de terceiros apropriadas, sendo que, para efeitos de IVA, essas operações estão fora do campo do imposto.

Por exemplo, as despesas incorridas pelos advogados em nome e por conta dos seus clientes em relação a processos judiciais devem seguir este regime.

Diferente é o regime do débito de despesas incorridas em nome próprio, mas por conta de outrem, em que o débito efetuado para obter o reembolso da despesa configura uma prestação de serviços (vide art.º 4). Com efeito, a norma de incidência real do IVA quanto às prestações de serviços tem um carácter residual, abrangendo todas as operações onerosas praticadas por um sujeito passivo deste imposto que não sejam transmissões de bens, importações ou aquisições intracomunitárias.

O débito de despesas incorridas em nome próprio ainda que por conta de outrem, embora constituindo uma prestação de serviços, deve seguir o regime aplicável à operações sobre as quais recaio débito (desde que não haja a inclusão de “margem”), isto é, o IVA deve ser aplicado de acordo com a natureza da despesa que se debita. O documento de suporte deve consistir numa fatura ou documento equivalente por cada débito de despesas efetuado, sendo que as mesmas devem cumprir os requisitos previstos no artigo 36º, sob pena de o imposto liquidado não conferir o direito à dedução na esfera do adquirente quando este goze do direito à dedução nos termos gerais.

De acordo com o nº 1, do art.º 4º do CIVA, são consideradas como prestações de serviços “as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”

No caso em apreciação, o sujeito passivo em análise registou as faturas dos fornecedores, emitidas em nome da A... como um gasto, deduziu e liquidou o IVA no caso das intracomunitárias e deduziu o IVA no caso dos fornecedores nacionais. Posteriormente emitiu faturas à B... pelos montantes registados como gasto, faturas essas que registou como rendimentos, conforme se demonstra de seguida com um exemplo, partindo da fatura nº 6176 2016 do fornecedor Integrália, com o posterior redébito através da fatura nº FA 2017/3 da A... à B... e respetivo pagamento

Quadro 12

Data

Diário

N.º Arquivo

Descrição

Conta

Débito

Crédito

Anexo

 

 

 

 

 

01-01-2017

 

 

 

 

41 Compras-

Faturas

 

 

 

 

 

34

 

 

FAS 23 Nº2/2017

621999

FSE-Estimativa Subcontratos

240.735,37

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VI, pág. 6 a 8

 

 

2225120031

Fornecedores-Sub Empreiteiros-Fact/Recp e conferência-gerais-Mercado intracomunitário-E..., S.L.

 

 

 

240.735,37

 

 

VFA nº 6176 2016

62121

FSE – Subcontratos mi autoliquidação U.E.

240.735,37

 

22211120031

Fornecedores-Sub Empreiteiros-c/c-gerais-Mercado Intracomunitário-E..., S.L.

 

 

240.735,37

24323132321

EOEP-IVA-Dedutível-OBS-Continente-Tx Normal 23%-MI-TT/Dedutível

 

55.369,14

 

24 [… ilegível]

EOEP-IVA-Liquidado-Aquis.Intracomunitária-OBS-continente-Tx Normal-Tx 23%

 

 

55.369,14

2225120031

Fornecedores-Sub Empreiteiros-Fact/Recp e conferência-gerais-Mercado intracomunitário-E..., S.L.

 

 

240.735,37

 

621999

FSE-Estimativa Subcontratos

 

240.735,37

16-01-2017

65 Oper

Diversas

4

Redébito E...

2721191

Outras contas a receber e a pagar-mercado nacional-Outros devedores por acréscimos de proveitos - Prov

 

240.735,37

 

 

 

VI, pág. 9

78582

Outros Rendimentos e Ganhos – RG em subsidiárias, associadas-Provisão

 

 

240.735,37

 

 

16-01-2017

 

51 Vendas

Crédito-MN

 

 

3

 

FA nº 3/2017

27 [… ilegível]

Outras contas a receber e a pagar-ODG-Dev Diversos c/c Gerais-Mercado Nacional-B...

 

240.735,37

 

 

 

 

 

 

VI, pág. 10 e 11

7816113

Outros Rendimentos e Ganhos – OR Suplementares-Serviço – Redébito de Despesas-mercado Nacional-Taxa Normal

 

 

240.735,37

78582

Outros Rendimentos e Ganhos – RG em subsidiárias, associadas-Provisão

 

240.735,37

 

2721191

Outras contas a receber e a pagar-mercado nacional-Outros devedores por acréscimos de proveitos - Prov

 

 

240.735,37

23-01-2017

31 Bancos Depósitos

5

RE Nº 4/2017

12102

Depósitos à Ordem – Banco Santander

240.735,37

 

 

Anexo VI, pág. 12

278111[]0003

Outras contas a receber e a pagar-DOC-Dev Diversos c/c Gerais-Mercado Nacional-B...

 

 

240.735,37

Nota: para melhor compreensão do quadro 12 e 14, salienta-se que as linhas de fundo branco são lançamentos de estimativas ou de transição, relevando essencialmente os movimentos contabilísticos que se encontram nas linhas sombreadas

Da análise dos documentos de suporte, conclui-se que o fornecedor E... (ES) fatura ao s.p. diversas rubricas das quais se destaca o fornecimento/colocação de estruturas de elevação. Posteriormente é refaturado pela A... à B..., 40% do valor desta fatura, como sendo uma operação isenta de IVA nos termos do artigo 14.º do RITI. Resulta que operação não tem enquadramento no artigo 14.º do RITI, nem tão pouco goza de qualquer isenção prevista para o mercado interno.

Porque os débitos da A... à B... nem sempre eram feitos individualmente para cada fatura dos fornecedores, como aconteceu no exemplo que se evidenciou anteriormente no quadro 12, prossegue-se para a análise de um exemplo em que a A.. redebita à B... numa só fatura (FA 2017/37) o valor correspondente a várias faturas de diversos fornecedores, em que alguns desses fornecimentos não se enquadram nos trabalhos de construção civil, conforme o ofício nº 30101, de 24 de maio de 2007. Assim, o quadro seguinte resume os elementos das faturas de diversos fornecedores (anexo VI, págs. 50 a 74) que suportam o débito de € 334.560,48 efetuado pela A... à B... mediante a fatura nº FA 2017/37 (anexo VI, pág.21):

Quadro 13

Data

Nº Fatura

Fornecedor/ Subcontratado

NIF

Descrição

Valor

IVA

Total

Anexo VI

28-02-2017

17A/97

S..., UNIPESSOAL, LDA

 

[…]

 

Montagem, desmontagem, aluguer de andaimes

13.755,43

3.163,75

16.919,18

pág. 50

28-02-2017

17A/96

14.892,00

3.425,16

18.317,16

pág. 51

20-02-2017

6/2

 

 

 

 

Y... S.L

 

 

 

 

[…]

Argamassa

792,96

 

792,96

pág. 52

10-01-2017

1/2

Argamassa

2.823,68

 

2.823,68

pág. 53

10-03-2017

9/2

Argamassa

1.197,12

 

1.197,12

pág. 54

28-02-2017

8/2

Aluguer de silos

42,00

 

42,00

pág. 55

28-02-2017

7/2

Argamassa

805,44

 

805,44

pág. 56

30-11-2016

21/2

Argamassa

3.222,40

 

3.222,40

pág. 57

23-03-2017

170096

F...

 

[…]

 

Chapas, perfis, colocação e montagem

 

55.408,01

 

 

54.770,01

pág. 58 e 59

12-03-2017

FT2017/34

T... LDA

 

[…]

 

Serviços realizados na v/obra

 

27.632,00

Auto

liquidação

 

27.632,00

pág. 60

24-03-2017

292017

Z... SL

[…]

Fornecimento, montagem desmontagem em madeira

 

31.380,42

 

 

31.380,42

pág. 61 a 63

14-03-2017

19/2017

H…, SL

 

[…]

 

Trabalhos realizados em fevereiro

42.416,68

 

42.416,68

pág. 64 e 65

14-03-2017

22/2017

971,58

 

971,58

pág. 66 e 67

24-03-2017

2017/2

GRUPO AA...

[…]

Colocação de bloco

11.394,00

 

11.394,00

pág. 68

27-03-2017

160026

V...

 

[…]

 

Fornecimento e colocação material

 

34.072,04

 

 

34.072,04

pág. 69

27-03-2017

160025

Serviço Prestado Pichelaria

20.484,09

Auto

liquidação

20.484,09

pág. 70

28-03-2017

FAO20171/70

U... SA

[…]

Trabalhos realizados

33.428,87

Auto

liquidação

33.428,87

pág. 71 e 72

06-04-2017

170124

F...

 

[…]

 

Chapas, perfis, colocação e montagem

39.841,76

 

39.841,76

pág. 72 e 73

Totais

334.560,48

6.588,91

340.511,89

 

Nota: O valor da fatura nº 170096 é de € 54.770,01, no entanto o valor considerado pela A... foi de € 55.408,01 no débito à B... .

O montante de € 334.560,48 da fatura nº FA 2017/37 (anexo VI, pág. 21) foi registado pela A... como rendimento (anexo VI. pág. 77), enquanto as diversas faturas dos fornecedores que lhe serviram de base, mencionadas no quadro 13, bem como no documento anexo à referida fatura que se encontra no anexo VI, pág.49, foram contabilizadas como gastos, deduzindo e liquidando o IVA no caso das aquisições intracomunitárias, apenas deduzindo o IVA, como aconteceu com as faturas da S..., UNIPESSOAL, LDA (NIF...), relativas à montagem, desmontagem e aluguer de andaimes. (anexo VI pág. 75), conforme se evid[e]ncia no quadro seguinte:

 

Quadro 14

Data

Diário

N.º Arquivo

Descrição

Conta

Débito

Crédito

Anexo

 

 

 

 

 

 

 

08-03-2017

 

 

 

 

 

41 Compras-

Faturas

 

 

 

 

 

583

 

 

FAF23 Nº 121/2017

 

626159992

FSE-Aluguer de Máquinas e Equipamentos-Estimativas-C. Indireto

 

14.892,00

 

 

 

 

 

 

 

VI, pág. 75

27825110104

Outros Devedores e Credores -

 

14.892,00

27825110104

Outros Devedores e Credores -

14.892,00

 

 

626159992

FSE-Aluguer de Máquinas e Equipamentos-Estimativas-C. Indireto

 

 

14.892,00

 

 

VFA nº 17A/96 S..., UNIPESSOAL, LDA

62615132

ESE-Aluguer de Maquinas e Equipamentos-

14.892,00

 

 

24323132311

EOEP-IVA-Dedutível-OBS-Continente-Tx Normal-MN-TT/Dedutível

 

3.425,16

 

 

27821110104

Outros Devedores e Credores – Credores Diversos c/c[…]-mercnacional-S... UNIPESSOAL, LDA

 

 

18.317,16

 

 

 

13-03-2017

 

 

65 Oper

Diversas

 

 

88

 

 

Redébito S... ES

 

 

2721191

Outras contas a receber e a pagar-mercado nacional- Outros devedores por acréscimos de proveitos - Prov

 

14.892,00

 

 

VI, pág. 76

 

78582

Outros Rendimentos e Ganhos – RG em subsidiárias, associadas-Provisão

 

 

14.892,00

 

 

 

 

 

 

 

26-05-2017

 

 

 

 

 

51 Vendas

Crédito-MN

 

 

 

 

 

45

 

 

 

 

 

FA nº 37/2017

 

2781110003

Outras contas a receber e a pagar-ODC-Dev Diversos c/c-Gerais-Mercado Nacional-B...

 

334.560,48

 

 

 

 

VI, pág. 77

 

7816113

Outros Rendimentos e Ganhos –OR Suplementares-Serviço C Redébito de Despesas-mercado Nacional-Taxa Normal

 

 

334.560,48

 

78582

Outros Rendimentos e Ganhos – RG em subsidiárias, associadas-Provisão

 

334.560,48

 

 

2721191

Outras contas a receber e a pagar-mercado nacional- Outros devedores por acréscimos de proveitos - Prov

 

 

334.560,48

 

Depois de analisados os diversos lançamentos contabilísticos, concluiu-se que:

-  o s.p. registou como gastos as faturas que recebeu dos seus fornecedores, emitidas em seu nome e não em nome da B..., embora correspondentes aos 40% da B...;

-  o s.p. procedeu ao registo contabilístico do faturado pelos fornecedores a 100% dos gastos, do mesmo modo que o faturado pelos mesmos fornecedores mas para a sua percentagem de 60%;

-  o s.p. registou como rendimentos as faturas que emitiu à B... ao redebitar esses mesmos gastos. Em suma, o s.p. não contabilizou as faturas dos fornecedores correspondentes aos 40% da B... como quantias pagas em nome e por conta da B..., nem as mesmas foram registadas pelo sujeito passivo em contas de terceiros apropriadas, tal como previsto na alínea c), do nº 6, do art.º 16º do CIVA.

Deste modo, as operações em apreciação (redébito de gastos) configuram precisamente uma prestação de serviços, nos termos do nº 1, do art.º 4º do CIVA e a contrário do referido na alínea c), do nº 6, do art.º 16º do CIVA, as operações de redébito à B... encontram-se sujeitas a IVA.

Há que realçar que parte dos montantes redebitados pela A... à B..., respeitam a aquisições de bens e prestações de serviços intracomunitárias, essencialmente de Espanha, para as quais o s.p. deduziu e liquidou o IVA na sua totalidade. As restantes faturas redebitadas contemplam serviços de aluguer de andaimes, gruas, remoção de entulhos e meros fornecimentos de materiais ou de outros bens, a sujeitos passivos registados em território nacional para as quais o sujeito passivo deduziu a totalidade do IVA (tal como se demonstrou a título exemplificativo, a propósito da FA 2017/37, nos quadros 13 e 14, com a montagem, desmontagem e aluguer de andaimes à S..., UNIPESSOAL, LDA) e que por se tratar de serviços que isoladamente não relevam do conceito de serviços de construção, não se encontram abrangidos pelas normas de inversão, cabendo ao prestador dos referidos serviços ou ao transmitente dos bens a normal liquidação do IVA que se mostre devido. Não estando comprovado que se trata da faturação (redébito) de prestações de serviços de construção civil da A... à B..., mas do redébito de gastos diversos, dos quais se inclui a aquisição de materiais/aluguer de equipamentos, a A... não poderia socorrer-se da autoliquidação do IVA nos termos do art.º 2, nº 1 alínea j), sendo ambos sujeitos passivos de IVA com direito à dedução, perante operações sujeitas e não isentas, tinha que liquidar IVA nos redébitos de gastos à B... .

Tem vindo a ser entendimento destes Serviços, que no enquadramento do respetivo débito quando efetuado sem qualquer discriminação a tributação é feita à taxa normal. Apenas quando o débito for efetuado de forma discriminada, sob a natureza de cada um dos componentes da despesa é que a tributação será efetuada à taxa a que nos termos do nº 1 do art.º 18 do CIVA corresponder a cada uma das componentes debitadas.

De acordo com a alínea b), do nº 1, do art.º 29º do CIVA, o s.p. encontra-se obrigado a emitir uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, cujos prazos e formalidades se encontram definidos no art.º 36.º do CIVA, do qual se destaca o seguinte:

“5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

c)       O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d)      As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e)       O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;” (sublinhados nosso)

A taxa aplicável ao caso em apreço é de 23%, conforme se encontra definido pela alínea c), do nº 1 do art.º 18º do CIVA, daí resultando uma correção de imposto pelo redébito de gastos à B... no montante total de € 615.022,14, conforme o apuramento que se d[i]scrimina no quadro seguinte e que para melhor visualização se encontra no anexo VI, pág. 5:

 

Quadro 15

Fatura

Número

Anexo

VI

Data

Emissão

Valor

Tributável

Valor IVA a 23%

Montante

Total FT

Créditos/

Anulações

Valor

Anulado

Valor

Tributável

Corrigido

Correção IVA a 23%

 

 

 

1

2

3=1+2

 

4

5=1-4

6=5*23%

FA 2017/03

pág. 11

2017-01-16

240.735,37

0,00

240.735,37

 

 

240.735,37

55.369,14

FA 2017/05

pág. 13

2017-01-16

118.504,43

0,00

118.504,43

NC 2017/06

118.504,43

0,00

0,00

FA 2017/06

pág. 14

2017-01-16

7.066,86

0,00

7.066,86

NC 2017/07

7.066,86

0,00

0,00

FA 2017/07

pág. 15

2017-01-16

13.083,00

0,00

13.083,00

NC 2018/08

8.056,00

5.027,00

1.156,21

FA 2017/08

pág. 16

2017-01-16

50.466,90

0,00

50.466,90

 

 

50.466,90

11.607,39

FA 2017/09

 

2017-01-16

58.309,65

0,00

58.309,65

 

 

58.309,65

13.411,22

FA 2017/10

pág. 17

2017-01-16

118.504,43

27.256,02

145.760,45

NC 2017/12

118.504,43

0,00

0,00

FA 2017/11

pág. 18

2017-01-16

7.066,86

1.625,38

8.692,24

NC 2017/13

7.066,86

0,00

0,00

FA 2017/16

pág. 19

2017-02-06

209.474,02

0,00

209.474,02

 

 

209.474,02

48.179,02

Totais 03T2017

823.211,52

28.881,40

852.092,92

 

259.198,58

564.012,94

129.722,98

FA 2017/37

pág. 20

2017-05-26

334.580,48

0,00

334.580,48

 

 

334.580,48

76.948,91

FA 2017/38

pág. 21

2017-05-26

234.201,43

0,00

234.201,43

 

 

234.201,43

53.866,33

FA 2017/39

-

2017-05-31

422.321,23

0,00

422.321,23

FT Anulada p/Emitente

422.321,23

0,00

0,00

FA 2017/40

pág. 22

2017-05-31

422.231,23

0,00

422.231,23

 

 

422.231,23

97.113,18

Totais 06T2017

990.993,14

0,00

990.993,14

 

422.321,23

990.993,14

227.928,42

FA 2017/52

pág. 23

2017-07-01

251.790,72

0,00

251.790,72

NC 2017/10 e 11, não reconhecidas pelo cliente

 

251.790,72

57.911,87

FA 2017/53

pág. 24

2017-07-07

153.599,46

0,00

153.599,46

 

153.599,46

35.327,88

FA 2017/62

pág. 25

2017-09-12

271.753,58

0,00

271.753,58

 

 

271.753,58

62.503,32

FA 2017/63

pág. 26

2017-09-12

29.569,18

0,00

29.569,18

 

 

29.569,18

6.800,91

FA 2017/64

pág. 27

2017-09-26

27.045,50

0,00

27.045,50

 

 

27.045,50

6.220,47

Totais 09T2017

733.758,44

0,00

733.758,44

 

0,00

733.758,44

168.764,44

FA 2017/67

 

2017-10-18

4.474,37

0,00

4.474,37

 

 

4.474,37

1.029,11

FA 2017/68

 

2017-10-18

251.790,72

0,00

251.790,72

 

 

251.790,72

57.911,87

FA 2017/69

pág. 28

2017-11-09

118.504,43

0,00

118.504,43

 

 

118.504,43

27.256,02

FA 2017/70

pág. 29

2017-11-09

7.066,66

0,00

7.066,66

 

 

7.066,66

1.625,38

FA 2017/71

pág. 30

2017-11-09

3.408,41

0,00

3.408,41

 

 

3.408,41

783,93

Totais 12T2017

385.244,79

0,00

385.244,79

 

0,00

385.244,79

88.606,30

Totais de 2017

2.933.207,89

28.881,40

2.962.089,29

 

681.519,81

2.674.009,31

615.022,14

 

Para melhor perceção dos cálculos efetuados e dos documentos considerados no quadro anterior, importa salientar que:

-    as diligências desenvolvidas em virtude das divergências existentes entre os valores declarados nos anexos O e P da A... e da B..., evidenciaram que algumas das Notas de Crédito emitidas e contabilizadas pela A..., não foram contabilizadas pela B..., que das Notas de Crédito emitidas pela A... em 2017 apenas registou as nº 8, 9, 12 e 13;

-    as Notas de Crédito nº 2017/01 a 05 não foram consideradas para o apuramento da correção do IVA de 2017, por respeitarem a custos a mais suportados pela A... a 23-12-2016, debitados através das faturas 2016/16 a 20;

-    por sua vez, a Nota de Crédito nº 2017/09 também não foi considerada por se referir à fatura nº2016/02, correspondente à comparticipação de custo de seguro de todos os riscos de construção;

-    as Nota de Crédito nº 2017/10 e 11 não foram consideradas uma vez que, além de não terem sido contabilizadas pela B..., não há prova de que a B... tenham tido conhecimento das mesmas.

Recorde-se que, para a A... proceder à regularização do IVA constante nas notas de crédito a favor da empresa, teria de reunir os requisitos estipulados no nº 5 do artº 78º do CIVA (art.º 71º, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º102/2008, de 20/06),

“5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.”

A informação vinculativa 2787 AT, enuncia quais os documentos a considerar para efeitos do nº 5 do art.º 78º do CIVA (antigo art.º 71º), conforme se transcreve parcialmente de seguida:

4.       Para efeitos do n.º 5 do art.º 71º são considerados idóneos, satisfazendo os condicionalismos al enunciados, os seguintes documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço:

a)      Qualquer um dos meios dB comunicação escrita – carta, oficio, telex, telefax, telegrama – com referência expressa ao conhecimento da rectificação do IVA.

b)      Nota de devolução ou nota de recebimento do cheque, com menção à regularização do IVA.

c)       Fotocópia da nota de crédito, após assinatura e carimbo do adquirente, constituindo documento por ele enviado após tomada de conhecimento da regularização do imposto a efectuar.

5.       Sem que o sujeito passivo tenha na sua posse confirmação escrita efectuada pelos seus clientes de que receberam comunicação evidenciando o montante do IVA rectificado, ou de que foram reembolsados do respectivo imposto, consideram-se não cumpridas as disposições estabelecidas no nº 5 do art.º 71º do CIVA, tornando-se indevida a respectiva regularização de imposto”.

Isto é, são válidos para efeitos de prova, quaisquer meios de comunicação escrita – carta, ofício, fax, email – que comprovadamente chegou ao conhecimento do adquirente e com referência expressa ao conhecimento da retificação do IVA, nota de devolução com menção à regularização do IVA, ou fotocópia da nota de crédito após assinatura e carimbo do adquirente.

Assim para produzir efeito em sede de IVA, nos termos do nº 5, do artigo 78º do CIVA, a B... têm de ter conhecimento da regularização, ou nota de crédito e a A... tem que ter provas disso mesmo. No entanto, não foi isso que se constatou aquando da consulta aos documentos da A... . Por sua vez a B... só tem contabilizadas em conta corrente as Notas de Crédito nº 8, 9, 12 e 13 (anexo VI, págs. 42, 431 46 e 47).

As notas de crédito nº 2017/06 e 07 (anexo VI, págs. 40 e 41), no montante de € 118.504,43 e de € 7.066,86 respetivamente, não se encontram contabilizadas pela B..., mas as faturas 2017/5 e 06 (anexo VI, págs. 13 e 14), apresentam exatamente o mesmo montante e também não se encontram contabilizadas pela B..., pelo que o efeito acaba por ser nulo, motivo pelo qual não se apurou IVA em falta para aquelas faturas.

Relativamente às notas de crédito nº 2017/10 e 11 (anexo VI, págs. 44 e 45), no valor de € 251.790,72 e de € 232.944,13 respetivamente, a B... também não as registou, sendo que as referidas notas de crédito, embora contabilizadas pela A..., não se encontravam assinadas pela B... nem com nenhuma prova de que a B... tinha conhecimento das mesmas e da consequente regularização inerente. Deste modo, o valor destas notas de crédito não foi deduzido para efeito dos cálculos da correção do IVA das faturas, conforme o quadro 15.

 

Face a todo o exposto anteriormente, a correção em causa tem a seguinte repartição por período:

Quadro 16

Descrição

Período

Valor Total

03T

06T

09T

12T

Correção de IVA das Faturas emitidas às B...

129.722,98

227.928,42

168.764,44

88.606,30

615.022,14

 

Deste modo, pela falta de liquidação de € 615.022,14 de IVA nas faturas emitidas à B... o s.p. infringiu o disposto na alínea c) do nº1 do art.º 18º e a alínea d), do nº 5, do art.º 36º ambos do CIVA […].

 

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO-FUNDAMENTAÇÃO

[…]

IX.2 – Em sede de IVA (§ 27º a 38º, 66º a 89º)

 

O sujeito passivo invocou que a correção, referente à  liquidação do IVA relativamente às faturas n.º 2017/37, 2017/40  2017/53, que suportam a refaturação dos serviços de Construção Civil não podem ser feitas com base no valor tributável correspondente às faturas de construção civil emitidas pelos seus fornecedores com aplicação do regime de autoliquidação, solicitando a exclusão da tributação do valor correspondente às faturas dos fornecedores T..., Lda, U... S.A. e V... cujo IVA totaliza € 49.070,16 (ver adiante o quadro 17) e não € 49.070,17 […]

Após análise de todos os argumentos expostos pelo s.p. no seu direito de audição, bem como de todos os documentos anexos ao mesmo, nomeadamente contratos, faturas e autos de medição, confirma-se que as faturas supra mencionadas, correspondem à refaturação de serviços de construção civil e, como tal, abrangidas pela regra da inversão, nos termos da alínea j), do nº 1, do artigo 2º do CIVA, apesar de em nenhuma delas se encontrar a menção aos contratos que lhe estão subjacentes, conforme seria devido. Nestes termos, aceita-se a justificação e comprovação apresentada pelo s.p. em direito de audição […]

Desta forma, procede-se ao ajustamento do imposto inicialmente corrigido de € 615.022,14, para o montante de € 565.951,98 […].

Quadro 19

Descrição

Período

Valor Total

03T

06T

09T

12T

Correção de IVA das Faturas emitidas às B...

129.722,98

185.302,81

162.319,89

88.606,30

565.951,98

  1. Na sequência desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA e demonstrações de acerto de contas perfazendo o montante total de € 565.852,68 (incluindo correções ao valor do excesso a reportar) e das liquidações de juros compensatórios associadas no montante de € 29.892,83 – cf. Documento 1.
  2. Por não se conformar com as liquidações de IVA e de juros compensatórios em apreço, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa, que foi indeferida. Apresentou Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento, em 28 de outubro de 2021. O Recurso Hierárquico foi indeferido por despacho do Diretor de Serviços Central do IVA, ao abrigo de Subdelegação de competências, em 13 de setembro de 2022, notificado por ofício remetido por correio digital ViaCTT – cf. Documento 2.
  3. Em discordância da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico que manteve o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem como dos atos de liquidação de IVA reportados ao ano 2017 e dos juros compensatórios subjacentes, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 19 de dezembro de 2022, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

            2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes. Os depoimentos das duas testemunhas inquiridas, que demonstraram conhecimento pessoal e direto da matéria, vieram corroborar os factos alegados pela Requerente, em relação à realização da empreitada de construção do Centro Comercial  ... Algarve, com subcontratação substancial dos trabalhos a subempreiteiros que, em geral, já resultavam provados por via documental.

 

A primeira testemunha, Engenheiro W..., funcionário da Requerente e diretor responsável global pela obra, que coordenava e articulava as prestações contratadas aos subempreiteiros, confirmou a prestação dos serviços de construção por parte destes fornecedores à Requerente, a qual centralizava a totalidade da operação e era o interface com o dono da obra, o C... . De igual modo, a segunda testemunha, a Engenheira X..., funcionária da sociedade consorciada B..., descreveu um procedimento idêntico de contratação de subempreiteiros, os quais executavam os trabalhos previstos para a obra, e que depois eram objeto de faturação à Requerente, que, subsequentemente, os incluía na faturação global ao C... .

 

            Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

  1. Do Direito

 

  1. Valor da Causa

 

Como resulta do estatuído no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o valor da causa é fixado na sentença nos processos em que não haja lugar a despacho saneador

 

No pedido arbitral, a Requerente indicou como valor do processo € 565.852,68 que corresponde à soma do valor das liquidações de IVA indicado pela Requerente. Porém, esta não impugnou somente as liquidações de IVA, mas também os atos tributários relativos aos juros compensatórios, no valor de € 29.892,83, conforme discutido e confirmado na reunião arbitral de 20 de junho de 2023

 

De acordo com o disposto no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), a taxa de arbitragem é determinada em função do valor da causa (n.º 1), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT (2).  Por seu turno, este último preceito, no seu n.º 1, estabelece que o valor da causa, quando seja impugnada a liquidação, é o da “importância cuja anulação se pretende”.

 

Uma vez que foram impugnados atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios cujo valor perfaz € 595.745,51 e que a Requerente pretende a sua total anulação, é esta última importância que representa a utilidade económica do pedido, pelo que o Tribunal procede à fixação do valor da causa no montante de € 595.745,51. Esta modificação não tem, no entanto, implicações no valor da taxa de arbitragem, permanecendo no mesmo escalão da Tabela II, a que faz referência o artigo 5.º do RCPAT, aplicável in casu.

 

  1. Questão Decidenda

 

Resulta da factualidade provada nos autos, com consenso de ambas as Partes, ter sido celebrado um contrato de empreitada para construção do Centro Comercial ... em ... (“Empreitada Geral de Construção – Estruturas, Redes Enterradas, Alvenarias, Caldeiras, Redes Hidráulicas e Parque de Estacionamento do Centro Comercial de...”, adiante referido por Contrato de Empreitada), cujas Partes são, de um lado, o C..., na qualidade de dono da obra, e, de outro lado, como empreiteiros, em conjunto, a Requerente e a B..., na participação de 60% e de 40%, respetivamente, por via de um contrato de consórcio estabelecido entre estas últimas entidades.

 

Como é sabido, da ausência de personalidade jurídica do consórcio e consequente ausência de personalidade tributária dessa figura resulta que as operações realizadas no seu âmbito não lhe são imputadas, mas aos seus membros, sujeitos passivos de IVA.

 

A Requerida não põe em causa que os serviços previstos no Contrato de Empreitada sejam enquadrados como serviços de construção civil e que a faturação realizada pela Requerente ao C..., na qualidade de “líder” do consórcio, beneficie do regime de inversão do sujeito passivo previsto no artigo 2.º, n.º 1 alínea j) do Código do IVA.

 

A questão que suscita divergência situa-se a montante, no plano das relações estabelecidas entre a Requerente e a sociedade B... para a execução do referido Contrato de Empreitada, no âmbito das quais a primeira refaturou à segunda os gastos incorridos com diversos contratos de subempreitada (relativos a componentes da empreitada geral), na parte que cabia ser suportada pela B... (de 40%), conforme estabelecido no contrato de consórcio.

 

Deste modo, os subempreiteiros faturaram à Requerente, na totalidade, os serviços prestados e, subsequentemente, esta repercutiu, mediante refaturação, 40% do valor dos gastos incorridos à consorciada B..., não tendo liquidado IVA, seja porque invocou a regra de inversão do sujeito passivo (IVA Autoliquidação artigo 2.º, n.º 1 alínea j) do Código do IVA, seja por menção ao artigo 14.º do RITI[1] (transmissões intracomunitárias de bens).

 

Segundo a Requerente, esta refaturação continua a respeitar a serviços de construção civil, neste caso, dos subempreiteiros, pelo que, independentemente dos requisitos formais das faturas por si emitidas à B..., desde que esteja comprovada, como entende estar, a materialidade e a natureza das operações – in casu, trabalhos de construção civil –, é aplicável o regime de inversão do sujeito passivo previsto no artigo 2.º, n.º 1 alínea j) do Código do IVA, pelo que, ao contrário do que a AT afirma, não teria de liquidar o imposto nas faturas.

 

Sem por em causa que a obra global realizada ao C... se enquadra no conceito de construção civil, do ponto de vista da AT, a refaturação, pela Requerente à B..., de gastos incorridos com as subempreitadas reporta-se, em parte, a serviços que isoladamente não relevam do conceito de serviços de construção, como aluguer de andaimes, gruas, remoção de entulhos e meros fornecimentos de materiais, pelo que a refaturação desses gastos não é subsumível à norma de inversão do sujeito passivo, devendo suscitar a liquidação de IVA na esfera da Requerente, nos termos gerais do artigo 4.º, n.º 1 do Código deste imposto, o que não ocorreu.

 

            Acresce assinalar que o litígio também se prende com a divergência de quantificação da base tributável, sustentando a Requerente que a AT não teve em conta as notas de crédito emitidas, com a consequente duplicação dos correspondentes valores.

 

  1. Regime Legal Aplicável

 

Em situações específicas, a Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, JO L 34, de 11.12.2006) autoriza os Estados-Membros a alterar a regra geral de incidência subjetiva do IVA, por forma a que recaia sobre o adquirente, quando este seja sujeito passivo do imposto, e não sobre o fornecedor ou prestador, a obrigação de liquidação do imposto.

 

Entre estes casos, de autoliquidação pelo adquirente, também designados de inversão do sujeito passivo, encontram-se as prestações de “serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis” – v. artigo 199.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA.

 

O legislador português, no uso desta prerrogativa, introduziu o regime de inversão no artigo 2.º, n.º 1 alínea j) do Código do IVA, por via do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro (artigo 1.º), em relação aos “serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.”

 

Esta opção inscreveu-se no conjunto de medidas destinado a combater “situações de fraude, evasão e abuso”, conforme referido no preâmbulo do mencionado Decreto-Lei n.º 21/2007, designadamente para acautelar os casos de não entrega nos cofres do Estado do IVA cobrado pelas entidades que operam no setor da construção civil.

 

No entanto, a legislação do IVA não contém a definição de serviços de construção civil, a qual, de acordo com as regras gerais de interpretação das leis (v. artigos 11.º da LGT e 9.º do Código Civil), deve colher-se no regime jurídico aplicável ao exercício da atividade de construção, precisamente aquela que constitui o objeto das (e é visada pelas) medidas “anti-evasão” em análise e que consta da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho. O Anexo II da Lei n.º 41/2015 lista as categorias de trabalhos enquadrados na atividade de empreiteiro[2], a saber:

a) Alvenarias, rebocos e assentamento de cantarias;

b) Estuques, pinturas e outros revestimentos;

c) Carpintarias;

d) Trabalhos em perfis não estruturais;

e) Canalizações e condutas em edifícios;

f) Instalações sem qualificação específica;

g) Restauro de bens imóveis histórico-artísticos;

h) Calcetamentos;

i) Ajardinamentos;

j) Instalações elétricas de utilização de baixa tensão;

k) Infraestruturas de telecomunicações;

l) Sistemas de extinção de incêndios, de segurança e de deteção;

m) Aquecimento, ventilação, ar condicionado e refrigeração;

n) Redes e ramais de distribuição de gás, instalações e aparelhos a gás;

o) Gestão técnica centralizada;

p) Demolições;

q) Movimentação de terras;

r) Armaduras para betão armado;

s) Cofragens; e

t) Impermeabilizações e isolamentos.

 

De sublinhar que a própria AT, quando da aprovação do regime de IVA nos serviços de construção civil, emitiu o Ofício Circulado n.º 30101, de 24 de maio de 2007, da Direção de Serviços do IVA, no qual preconiza uma interpretação daquele conceito em linha com o acima exposto, com a diferença de que, à data, vigorava o Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de janeiro, que foi substituído pela Lei n.º 41/2015, sem, todavia, alterar de forma substancial as atividades que integram a atividade de empreiteiro de construção civil. 

 

Refere o Ofício Circulado n.º 30101, nos segmentos relevantes para a apreciação da causa, o seguinte:

1.3.   Noção de serviços de construção civil

A norma em causa [artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA] é abrangente, no sentido de nela serem incluídos todos os serviços de construção civil, independentemente de os mesmos fazerem ou não parte do conceito de empreitadas ou subempreitadas a que se referem os artigos 1207º e 1213º do Código Civil.

A referência, no articulado, a serviços em “regime de empreitada ou subempreitada” é meramente indicativa e não restritiva.

Consideram-se serviços de construção civil todos os que tenham por objecto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização. Por outro lado, deve entender-se por obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.

[…]

1.4.      Âmbito da regra de inversão

Sempre que, no âmbito de uma obra, o prestador factura serviços de construção propriamente dita ou quaisquer outros com ela relacionados e necessários à sua realização, (v.g. aluguer ou colocação de andaimes, aluguer de gruas e de outros bens, serviços de limpeza, sinalização, fiscalização, remoção de entulhos, serviços de projectistas ou de arquitectura, etc), bem como materiais ou outros bens, entende-se que o valor global de factura, independentemente de haver ou não discriminação dos vários itens e da facturação ser conjunta ou separada, é abrangido pela regra de inversão de sujeito passivo.

Contudo, a facturação de serviços, ao prestador dos serviços de construção, tais como os indicados e que isoladamente não relevam do conceito de serviços de construção (v.g. aluguer ou colocação de andaimes, aluguer de gruas e de outros bens, serviços de limpeza, sinalização, fiscalização, remoção de entulhos, serviços de projectistas ou de arquitectura, etc) ou de meros fornecimento de materiais ou de outros bens, não é abrangida pelas normas de inversão, cabendo ao prestador dos referidos serviços ou ao transmitente dos bens a normal liquidação do IVA que se mostre devido.

 

Interessa também referir, no que se refere ao tratamento em IVA da refaturação dos gastos incorridos com os empreiteiros, o disposto no artigo 4.º, n.º 4 do Código do IVA, em transposição do artigo 28.º da Diretiva[3], que determina que quando o sujeito passivo intervenha numa prestação de serviços agindo em nome próprio, mas por conta de outrem (neste caso, a título parcial, na razão de 40%), considera-se que este é, sucessivamente, adquirente e prestador do serviço[4].

 

É, assim, ficcionada uma operação intermédia devendo o redébito ser assegurado por uma fatura. Deste modo, ao contrário do que sustenta a Requerida, não é aplicável o artigo 16.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA, reservado às operações em nome e por conta de outrem, circunstância que não se verifica in casu, em que a atuação da Requerente (contratação dos subempreiteiros) ocorreu em nome próprio. De sublinhar que o redébito das despesas segue, em princípio, o mesmo tratamento da operação inicial, nomeadamente no tocante à sua qualificação e regime (v.g. incidência e taxa aplicável)[5], devendo a fatura conter a discriminação das operações nos termos do disposto no artigo 36.º, n.º 5 do Código do imposto.

 

  1. Análise concreta

 

Como acima salientado, as liquidações de IVA controvertidas incidem sobre operações de refaturação (parcial), da Requerente à B..., dos gastos de subempreiteiros que participaram nos trabalhos/obras de construção do Centro Comercial ... em  ..., as quais consubstanciam prestações de serviços na aceção do IVA (v. artigo 4.º do Código deste imposto).

 

Neste contexto, o facto de a Requerente ter celebrado um contrato de consórcio com a B... não acarreta qualquer especificidade, pois as entidades participantes no consórcio são sujeitos passivos de IVA e mantêm a sua independência[6].

 

Estamos, pois, perante uma prestação de serviços, da Requerente à B... , sendo, para o efeito, irrelevante a questão de saber se a refaturação foi realizada com ou sem margem, conforme entendimento expresso pelo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 11 de março de 2020, processo C‑94/19, San Domenico Vetraria SpA, p. 29 (e jurisprudência aí referida, nomeadamente o acórdão no processo C-11/15, de 22 de junho de 2016, Cesky Rozhlas)[7].

 

Ficou demonstrado nos autos (factos H, I, K) que os serviços dos subempreiteiros refaturados pela Requerente à B... respeitam notoriamente a serviços de construção civil destinados à edificação do Centro Comercial ... (...), em concreto:

  • Fornecimento e montagem de estruturas metálicas e de aço;
  • Fornecimento, montagem e desmontagem de cofragem;
  • Fornecimento e execução de paredes em blocos de betão pré-fabricados;
  • Reboco de fachadas;
  • Mão-de-obra de alvenaria (colocação de bloco);
  • Trabalhos de proteção de vermiculite;
  • Fornecimento e montagem de claraboias de alumínio;
  • Instalação, manutenção e desmontagem de proteções coletivas de obra;
  • Fornecimento e aplicação de isolamento térmico;
  • Serviços de pichelaria;
  • Montagem de aço.

 

Acresce sublinhar que os subempreiteiros não se limitavam a fornecer material, assegurando sempre a respetiva instalação, montagem e/ou aplicação na estrutura edificada, pelo que não se verifica a situação de “meros fornecimentos de materiais” referida no relatório de inspeção tributária. Os materiais foram instrumentais à prestação de serviços – v.g. de execução de paredes, de impermeabilização, de edificação das estruturas metálicas de suporte do edifício, entre muitas outras – e são estes serviços o objeto dos múltiplos contratos de subempreitada celebrados para o efeito. De acordo com os subcontratos de empreitada juntos, os subempreiteiros contratados assumem as obrigações, responsabilidades e riscos do empreiteiro pelos mesmos trabalhos de construção a que este se obrigou.

 

Importa sublinhar que, de acordo com os contratos de empreitada e subempreitada referidos, a refaturação, pela Requerente, dos serviços dos subempreiteiros não foi efetuada de forma isolada, serviço a serviço, quer formalmente, quer numa perspetiva material.

 

Com efeito, do ponto de vista formal, os serviços dos subempreiteiros foram (parcialmente) refaturados, na sua maioria, em blocos, i.e., as faturas da Requerente à B... abrangiam, por regra, um conjunto de serviços prestados por (também diversos) subempreiteiros. Adicionalmente, numa perspetiva material, em nosso entender mais importante e decisiva, verifica-se que a Requerente não redebitou os serviços dos subempreiteiros à B... (nem os contratou) de forma isolada, (v.g. como aluguer de andaimes, ou remoção de entulhos).

 

A refaturação da Requerente à B... tem por objeto os serviços de construção civil previstos nos contratos de subempreitada, nas suas diversas vertentes – a título exemplificativo: alvenaria, estruturas metálicas, isolamento, anti-fogo, claraboias e cofragem. Trata-se precisamente da execução e realização da obra do Centro Comercial nas suas múltiplas componentes, de construção de muros, montagem das estruturas de ferro de suporte, asfaltagem, enchimento com cimentos, janelas entre outros, cujos gastos, nos moldes estabelecidos no contrato de consórcio (relativos à proporção de 40%), tinham de ser repassados à B... .

 

Não pode, desta forma, acolher-se a conceção da Requerida de que a refaturação corresponde “em parte”[8] a serviços “que isoladamente não relevam do conceito de serviços de construção [civil]” e que, por essa razão, não seriam subsumíveis à norma de inversão. O facto de poderem estar abrangidos andaimes e remoção de entulhos não afeta esta conclusão, pois estes são essenciais para a realização da obra e dos trabalhos contratados e foram faturados, conjuntamente com os demais, pela Requerente à B... .

 

Por outro lado, convém notar que o entendimento veiculado no Ofício supra identificado não constitui fonte de direito nem reveste caráter vinculativo[9].

 

Em relação às referências do relatório de inspeção tributária sobre a circunstância de as faturas não terem sido contabilizadas, na parte correspondente como “quantias pagas em nome e por conta [da B...]”, nem registadas em contas de terceiros apropriadas, as mesmas não assumem relevância para a decisão, pois, no caso, não está em apreciação a norma do artigo 16.º, n.º 6, alínea c) do Código do IVA.

 

Os serviços prestados foram corretamente identificados na faturação em causa como de construção civil, não impondo o artigo 36º do Código do IVA a descrição minuciosa da sua natureza para que possam beneficiar do regime de “reverse charge[10]

 

Os erros formais de que padecem algumas faturas emitidas pela Requerente, como insuficiências de descritivo, incluindo a menção, em casos pontuais, como fundamento da não liquidação de IVA, ao artigo 14.º do RITI, demonstrada que ficou a natureza das operações – de serviços de construção civil [a construção do Centro Comercial ...] – e a sua efetividade (ponto este que não é questionado pela Requerida), não devem comprometer a aplicação do regime jurídico-tributário pertinente aos serviços de construção civil, ou seja , de autoliquidação na esfera do adquirente (previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA).

 

O entendimento propugnado é o que deriva da letra da lei (elemento gramatical), em virtude de os trabalhos refaturados se enquadrarem no conceito de construção civil, conforme este é recortado no regime jurídico que regula o exercício dessa atividade (no seu Anexo II), não ocorrendo qualquer prestação ou refaturação isolada de serviços que não relevem do conceito de construção civil. Acresce que a solução adotada é a que melhor se coordena com a teleologia que impregna o regime de autoliquidação de IVA, que visa precisamente abranger os sujeitos passivos que se dediquem à atividade de construção civil, como é o caso da Requerente.

 

Em síntese, tendo em conta o quadro factual que ressalta dos autos, de construção de um imóvel por assunção de Contrato de Empreitada (geral) em regime de consórcio pela Requerente e pela B..., e que a refaturação da primeira à segunda respeita, de forma inequívoca, a típicos serviços de construção civil prestados pelos subempreiteiros, conclui-se que, à luz do artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, a Requerente aplicou corretamente as normas legais, enfermando as liquidações de IVA e de juros compensatórios[11] impugnadas de vício de ilegalidade substantiva, por violação da citada norma.

 

De referir que este Tribunal Arbitral não identificou, nem as Partes suscitaram, dúvidas  de interpretação do direito da União Europeia com implicações na decisão de mérito.

 

* * *

Por fim, foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, nomeadamente a respeitante à não subtração à base tributável dos valores constantes das notas de crédito e à alegada duplicação de coleta, uma vez que não ocorre incidência de IVA na esfera da Requerente.

 

À face do exposto, os atos de liquidação de IVA referentes ao ano 2017 e inerentes juros compensatórios, impugnados na presente ação arbitral, padecem de erro nos pressupostos, de facto e de direito, por violação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA e vão anulados – v. artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

  1. Indemnização por Prestação Indevida de Garantia

 

A Requerente peticiona o pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, alegando ter prestado garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da quantia de IVA e juros compensatórios que lhe foi liquidada adicionalmente, para o que invoca o artigo 53.º da LGT. 

 

Dispõe a este respeito o artigo 171.º do CPPT que a “indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” (n.º 1) e que a “indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência” (n.º 2).

 

É inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

 

O processo arbitral constitui um meio alternativo da impugnação judicial, pelo que sendo essa a via contenciosa escolhida pelo sujeito passivo é nesse processo que é discutida a legalidade da dívida exequenda. Deste modo, como resulta de uma leitura material do teor do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, deve também ser o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

 

Ocorrendo erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade dos atos tributários, como sucede na situação dos presentes autos assiste à Requerente o direito a ser ressarcida dos custos incorridos com a prestação e manutenção da garantia. Convém relembrar que os atos de liquidação de IVA e juros compensatórios impugnados foram da exclusiva iniciativa da AT, não tendo a Requerente contribuído para que eles fossem praticados.

 

Nesta conformidade, julga-se indevida a prestação da referida garantia bancária pela Requerente para sustação do processo executivo, procedendo o pedido de indemnização deduzido ao abrigo do artigo 53.º da LGT, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no seu n.º 3, a liquidar na fase de execução da decisão arbitral.

 

                          

  1. Decisão

 

            Atento o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a ação arbitral, incluindo o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, com a consequente:

 

  • Anulação dos atos tributários de IVA e de juros compensatórios referentes ao ano 2017;
  • Anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico que recaiu sobre aqueles atos;
  • Condenação da AT à indemnização por prestação indevida de garantia com o limite do 53.º da LGT, a liquidar em fase de execução da presente decisão,

Tudo com as legais consequências.

 

 

  1. Valor do Processo

 

                        Fixa-se ao processo o valor de € 595.745,51, que corresponde à soma do valor das liquidações de IVA indicado pela Requerente (€ 565.852,68) adicionado das liquidações de juros compensatórios cuja anulação também se pretende[12], de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

  1. Taxa de Arbitragem

 

                        Dada a modalidade de designação de árbitro pelo sujeito passivo, a taxa de arbitragem constitui encargo da Requerente, nos termos do disposto no artigo 5.º do RCPAT e da Tabela de Custas a este anexa.

 

                        Notifique-se.

 

                        Lisboa, 21 de setembro de 2023

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

António de Barros Lima Guerreiro

(com declaração de voto junta)

 

 

Cláudia Rodrigues

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

I-Ainda que concorde com a caracterização como de construção civil dos serviços prestados pela Requerente, tal caracterização não é, a meu ver,  bastante    para  justificar a  anulação da totalidade  dos atos tributários impugnados.

 

Segundo o modo de funcionamento do consórcio descrito a III.3.1 do RIT, com efeito:

 

“ I. a A... faturou a totalidade da obra ao C... mencionando nas faturas “IVA – autoliquidação” (anexo VI, 3), pelo que o C... deduziu e liquidou o IVA da empreitada-

 

II. como apenas 60% da empreitada era responsabilidade da A..., a B... faturaram 40% da totalidade da obra à A... mencionando nas faturas “IVA – autoliquidação (anexo VI, 4); 

 

III.  a A... suportou alguns gastos da obra pela totalidade, mas que só 60% lhe eram imputáveis, pelo que,  para repartição dos 40% à B...,  de modo a fazer o ajuste à sua participação no consórcio, lhe faturou os gastos suportados na proporção dos 40% mencionando nas faturas “IVA Autoliquidação art.2, nº 1 alínea j” (anexo VI, págs. 21 a 34) ou “Isento art.º 14 do RITI (ou similar)” (anexo VI, págs. 11, 13 a 17, 20).

 

Apesar de se tratar de um sujeito passivo misto com afetação real de todos bens, em 2017 deduziu a totalidade do IVA constante nas faturas das aquisições que efetuou, porém quando as redebitou à B... para efeito de compensação de modo a garantir as participações de cada uma das empresas no consórcio, não debitou o IVA tendo considerado “IVA autoliquidação art. 2, nº 1 alínea j)” ou “Isento art.º 14 do RITI (ou similar)”( sublinhado meu)”.

 

 Todas as faturas  emitidas pela A... à entidade B..., relacionadas no Anexo VI do RIT,  dizem respeito ao redébito à Requerente de gastos que suportou a 100%, os quais  no âmbito da sua participação no consórcio os quais apenas aquelam deveria suportar por 60%., de acordo com a repartição dos gastos operada no consócio.

 

Para a Requerida,   a Requerente teria, assim,   suportado  gastos na totalidade quando , segundo o contrato de consórcio, tais gastos foram incorridos para obter apenas 60 % do valor das operações tributáveis   correspondentes à sua  participação, o que deveria ter  limitado  o direito à dedução a essa percentagem.

 

Esse procedimento ter-se-ia traduzido  em reembolsos de valor elevado, já que o montante do imposto deduzido pela Requerente ultrapassaria  largamente o que corresponde ao seu nível de participação no consórcio.

 

Esse argumento , que com suporte doutrinário  na informação nº 358 Proc. 283 /4, EN n 4322/86, de 9/3/987 do Serviço do Imposto sobre o Valor Acrescentado não foi apreciado na presente Decisão Arbitral.  Esta limita-se  , aliás,  corretamente,  a caracterizar como de construção civil dos serviços em causa.

 

 Não é, no entanto,  foi, no entanto, a ausência dessa natureza o fundamento, pelo menos principal,  dessa Decisão, mas  , sim , a Requerente ter deduzido  na totalidade  a título de redébitos gastos superiores aos que resultariam da percentagem da sua  participação no consórcio, o que contrariaria o nº 1 do art. 20º do Código do IVA, nos termos do qual apenas é  passível de dedução o IVA que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a aquisição de bens ou serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. .

 

Assim o direito à dedução invocado pela Requerente não nasce da mera qualificação  como de construção civil dos serviços prestados ainda que esta possa constituir seu pressuposto  mas das relações contratuais  concretas estabelecidas no âmbito  do consórcio que excluiriam uma dedução superior a 60% dos gastos incorridos, sendo a esse respeito explícitas as passagens citadas do RIT  que sintetizam os fundamentos da liquidação impugnada.

 

II- Nos termos do nº 13 do artigo 36º do Código do IVA,    nas situações previstas nas alíneas i), j), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como nas demais situações em que o destinatário ou adquirente for o devedor do imposto, as faturas emitidas pelo transmitente dos bens ou prestador dos serviços devem conter a expressão 'IVA - autoliquidação'.

 

Como a Requerente admite, uma parte das faturas por si emitida à B... (FA 2017/03, FA 2017/08, FA 2017/09 e FA 2017/16) omitiu qualquer referência , não apenas   ao artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA , como ao  nº 13 do art. 36º .

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Tal não é   um mero lapso omissivo, sem reflexos no direito do  Requerente e adquirente  à dedução dos “inputs” suportados no exercício da sua atividade sujeita e não isenta de imposto.

 

Ao contrário, a ausência dessa menção ,  não é  uma formalidade não essencial e, portanto suprível ao contrário do que indevidamente parece pressupor a presente Decisão Arbitral: ela    impede o direito à dedução do adquirente  já que, segundo o nº 2 do art. 19º do CIVA, só confere o direito à dedução o IVA liquidado em fatura em nome e na posse do sujeito passivo passada  na forma legal. Esse entendimento não é incompatível com o Direito Comunitário. A jurisprudência  comunitária invocada  indevidamente pela Requerente,  como especial o Acórdão nº 424/2012, do TFUE,  contraria  a tese da não essencialidade dessa menção quando reitera expressamente o direito de os Estados membros recusarem a dedução quando as faturas não contenham as deduções obrigatórias previstas na Diretiva IVA. No mesmo sentido concorre a jurisprudência dos tribunais superiores nacionais que me dispenso de citar.

 

Assim, o adquirente não pode liquidar nem deduzir o IVA em faturas  sem  a menção  “autoliquidação” do nº 13 do art. 36º do IVA, o que é uma condição essencial à figura do “reverse charge”.

 

Do mesmo modo, as faturas sem essa menção  não têm aptidão para transferir para  o destinatário das operações o dever de liquidação do IVA, que se mantém no prestador como, aliás, entenderia a administração fiscal ao liquidar o imposto à Requerente e não ao adquirente CSC.

 

Ainda que o Fisco reunisse toda a informação necessária ao conhecimento da operação,  a liquidação impugnada manter-se-ia justificada.

 

Lisboa, 21 de Setembro de 2023

 

O árbitro

 

(António de Barros Lima Guerreiro)

 

 

 

 



[1] Regime de IVA das Transações Intracomunitárias.

[2] O Anexo refere-se ao empreiteiro de obras públicas, sendo o nível de certificação mais exigente. Naturalmente, estas também são as atividade que caracterizam as empreitadas de obras particulares, que o regime jurídico também prevê. 

[3] V. artigo 28.º da Diretiva IVA: “Quando um sujeito passivo participe numa prestação de serviços agindo em seu nome mas por conta de outrem, considera-se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.

[4] Sobre a aplicação desta norma v. Patrícia Noiret Cunha, Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, pp. 130-131; Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Coord., Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, 2015, p. 69; e Ben Terra, Julie Kajus, Commentary – A Guide to the Recast Directive, IBFD, versão eletrónica a 14 de novembro de 2017, pp. 1310-1312. Dando relevância ao facto de os redébitos serem feitos sem margem, circunstância que, a nosso ver, para este efeito se nos afigura irrelevante, v. ainda Helena Costa Cabral,  Os Redébitos em Sede de IVA: Débitos sem Valor Acrescentado, Cadernos IVA 2013, Almedina, pp. 201-216.

[5] Dizemos em princípio porque relativamente à localização das operações podem suscitar-se situações em que assim não seja. Será o caso se a sede ou estabelecimento do prestador, ou do adquirente subsequente se localizarem em espaços geográficos distintos, podendo a regra de incidência espacial do artigo 6.º, n.º 6 do Código do IVA alterar o regime de liquidação de IVA.

[6]  Requisito indispensável à incidência subjetiva regida pelo artigo 2.º do Código do IVA. Acerca do tema, v. Ainda sobre o Consórcio e o IVA nas Relações entre os seus Membros, Isabel Vieira dos Reis, Cadernos IVA 2019, Almedina, pp. 197-213.

[7] A propósito da questão do redébito de encargos com pessoal. Sobre o redébito de serviços eletrónicos, v. acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de fevereiro de 2023, no processo C-695/20, Fenix International Ltd (pontos 53 a 55 e 72 a 74).

[8] Não esclarecendo a Requerida no relatório de inspeção, de onde se retirou esta expressão, qual a parte que releva do conceito e porque razão em relação a essa parte também não se aceitou o regime de autoliquidação.

[9] Sem prejuízo de o teor do mencionado Ofício não parecer contrariar o entendimento expresso nesta decisão.

[10] Denominação usual em língua inglesa do mecanismo de inversão do sujeito passivo.

[11] A validade da liquidação de juros compensatórios depende das liquidações de IVA a que respeitam, pelo que sendo estas inválidas, também o serão os juros, por inexistir falta de prestação tributária em dívida e/ou retardamento na sua liquidação (v. artigo 35.º, n.º 1 da LGT). 

[12] Ponto que foi discutido e confirmado na primeira reunião realizada pelo Tribunal em 20 de junho de 2023.