Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 701/2016-T
Data da decisão: 2017-04-27  IVA  
Valor do pedido: € 748.474,90
Tema: IVA - Liquidação adicional - Declaração de substituição
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Luís Menezes Leitão e Prof.ª Doutora Glória Teixeira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 09-02-2017, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, actualmente com a designação de B…, com sede em …, … …, GERMANY (anterior sede em …, … …, Germany), registada em Portugal com o NIF … (doravante designada por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos arts. 2º, n.º 1, alínea a), e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), na sequência do indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015…, apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IVA n.º…, Documento de cobrança n.º…, relativa ao período de imposto de Março de 2010, no montante de € 646.030,41, e da liquidação de juros compensatórios com o n.º…, Documento de cobrança n.º …, no montante de € 102.444,49.

            A Requerente pede ainda a devolução da quantia de € 748.474,90, acrescida de juros indemnizatórios.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-12-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 25-01-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 09-02-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando as seguintes excepções:

a)      incompetência material do Tribunal Arbitral (por, em suma, a decisão da reclamação graciosa não comportar a apreciação da legalidade de acto de liquidação);

b)      caducidade do direito de acção;

c)      inexistência de objecto imediato;

d)     incompetência material do CAAD para decidir da compensação ou não da liquidação com o crédito existente.

 

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 16-03-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e são suscitadas excepções, que importa apreciar prioritariamente.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e documento juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      Em 10-05-2010, a Requerente entregou a declaração de IVA relativa ao período 2010/03, cuja cópia consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere o «CRÉDITO DE IMPOSTO A RECUPERAR» no valor de € 697.666,13;

b)     Em 08-11-2010, a Requerente apresentou um pedido de reembolso de IVA com base na sua conta corrente evidenciada na declaração periódica referente ao mês de Setembro de 2010, a qual incluía o crédito de imposto acumulado que tinha sido reportado dos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2010 (artigo 7.º do pedido de pronúncia arbitral cuja correspondência à realidade não é questionada);

c)      O pedido de reembolso referido foi indeferido;

d)     A Requerente deduziu reclamação graciosa da decisão de indeferimento do pedido de reembolso que foi indeferida;

e)      A Requerente interpôs recurso hierárquico deste indeferimento da reclamação graciosa;

f)       Em Maio de 2014, no decurso do referido processo de recurso hierárquico (que, entretanto, veio a ser indeferido por despacho de 24-09-2014, notificado pelo ofício n.º…, de 29-09-2014), a Requerente apresentou as declarações de substituição das declarações originais referentes aos períodos de imposto de Março, Abril, Maio e Junho de 2010 (artigo 16.º do pedido de pronúncia arbitral, cuja correspondência à realidade não é questionada);

g)      Em 18-12-2014, a Requerente intentou no Tribunal Tributário de Lisboa uma acção administrativa especial cuja petição inicial consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que pede que seja declarada a ilegalidade da decisão do recurso hierárquico referido (artigo 8.º do pedido de pronúncia arbitral);

h)     Em 26-04-2014, na pendência do recurso hierárquico referido, a Requerente entregou uma declaração de substituição relativa ao referido período 2010/03, cuja cópia também consta do referido documento n.º 3, em que se refere o «CRÉDITO DE IMPOSTO A RECUPERAR» no valor de € 51.635,72;

i)        Ainda na pendência do recurso hierárquico, a Requerente, além da declaração de substituição relativa ao período 2010/03, apresentou também declarações de substituição relativas aos períodos de 2010/04, 2010/05 e 2010/06 de que resultaram, respectivamente, diferenças de € 50.264,91 e € 545,24 a favor da Requerente e de € 19.795,72 (a favor do Estado) (artigo 18.º do pedido de pronúncia arbitral, cuja correspondência à realidade não é questionada);

j)       A soma dos primeiros pedidos de reembolso foi, pois, de € 814.007,51 (697.666,13 + 42.077,82 + 72.163,63 + 2.099,93) tendo sido reduzida para € 196.891,60 (51.635,72 + 92.342,73 + 72.708,87 - 19.795,72) com os segundos pedidos de reembolso, sendo a diferença de € 611.115,91 (artigo 19.º do pedido de pronúncia arbitral, cuja correspondência à realidade não é questionada);

k)     Em 20-05-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, relativamente ao período 1003, a liquidação de IVA n.º…, no valor de € 646.030,41, e a liquidação de juros compensatórios n.º…, no valor de € 102.444,49 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

l)        Na liquidação de IVA referida refere-se a seguinte fundamentação:

m)   Na liquidação de juros compensatórios refere-se a seguinte fundamentação:

n)     Em 24-11-2014, a Requerente deduziu reclamação graciosa das liquidações referidas, que teve o n.º …2015… (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

o)      A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 25-08-2016, que manifesta concordância com o teor de uma informação, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

I - INTRODUÇÃO

Vem o contribuinte supra identificado, nos termos do disposto no art.º 68º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), reclamar contra a(s) liquidação(ões) de Imposto sobre o Valor Acrescentado, reIativa(s) a(os) período(s) de 2010 03, respectivamente com o(s) n.º(s) … e …, efectuada(s) em 13/05/2014 na(s) quantia(s) de € 748.474,90, cujo prazo de apresentação se iniciou em 01/08/2014.

A reclamação em causa, foi apresentada em 24/11/2014, com os fundamentos que se reproduzem resumidamente de seguida:

A reclamante, através do seu mandatário com procuração junta a fls. 14 vem invocar que foi notificada da liquidação adicional de IVA, em resultado do processamento da declaração correctiva e relativamente a um período de imposto para o qual já havia procedido ao envio de declaração periódica.

De acordo com a notificação que recebeu, relativa ao período de tributação de março 2010 (1003), a tributação foi feita da seguinte forma: a declaração substituída indicava um crédito de IVA de € 697.666,13, a declaração correctiva passou a indicar um crédito de IVA de € 51.635,72, resultando numa diferença de € 646.030,41, a qual foi considerada como devida ao Estado e consequentemente lançada na liquidação.

Igualmente foi notificada da liquidação de juros compensatórios.

Invoca, como fundamento para a AT ter procedido a esta correção, o facto de ter apresentado em maio de 2014 uma declaração de substituição da declaração normal que tinha apresentado, relativa ao período de tributação referido (março 2010).

Refere que, em 08/11/2010 apresentou um pedido de reembolso com base na sua conta corrente evidenciada na declaração periódica de Setembro de 2010, a qual incluía o crédito de imposto acumulado que tinha sido reportado nos meses de março a junho de 2010. Em virtude do indeferimento deste pedido (o qual foi alvo de reclamação graciosa e recurso hierárquico) e perante a verificação de erros declarativos, a reclamante procedeu à correção do valor inicial, de € 814.007,51, para € 196.891,60, através da entrega de declarações de substituição, em maio de 2014 (ainda antes de ter resposta ao pedido de recursos hierárquico), para os períodos de imposto de março, abril, maio e junho de 2010.

Nada fazendo em relação às declarações de substituição referentes aos meses de abril e maio de 2010, contesta a reclamante o facto de a AT apenas ter atentado no mês de março de 2010 para lançar a liquidação aqui objeto de reclamação, nos termos melhor descritos no ponto 16º da petição, notificando a reclamante para o pagamento de € 646.030,41, acrescidos dos juros compensatórios, sabendo que a reclamante não havia beneficiado do crédito que apresentou nas declarações corrigidas.

Invoca que para lançar as liquidações reclamadas não foi apresentado nenhum fundamento, pelo que as reputa de nulas, por falta de fundamento válido que as justifique.

Assim, do exposto, defende que as liquidações adicionais referidas deverão ser anuladas.

II - ANÁLISE DA RECLAMAÇAO GRACIOSA

A presente reclamação graciosa é legal (art.º 68º do CPPT), tempestiva (n.º 1 do art.º 70º do CPPT), não se tem conhecimento que tenha sido apresentada impugnação judicial onde se discuta a(s) liquidação(ões) reclamada(s) e o reclamante tem legitimidade (art.º 65º LGT e art.º 9º do CPPT), pelo que é necessário apreciar do mérito da sua pretensão.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu á liquidação de imposto, resultando a(s) liquidação(ões) n.º(s) 14012762 e 14012763 efectuada(s) em 13/05/2014, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação, verifica-se que as alegações do reclamante, não têm fundamento, dado que:

Em termos de cadastro, a reclamante encontra-se inscrito para efeitos de IRC (Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas) pelo exercício de (Fabricação Out. Componentes e Acessórios para veículos Automóveis), com o código CAE 029320 e enquadrada em sede de IVA - (Imposto sobre o Valor Acrescentado) no regime normal com periodicidade mensal (atualmente trimestral).

No caso em análise, verifica-se que a reclamante vem apenas contestar o facto de ter sido notificada para o pagamento de € 646.030,41, acrescidos dos juros compensatórios, sem que tenha sido tido em consideração que esta não havia beneficiado do crédito que apresentou nas declarações correctivas que entregou.

Porém, a correção da liquidação aqui em causa nunca é colocada em causa, o que a reclamante defende é que deveria existir uma redução do crédito existente, conforme as correcções que efectuou, sem que de tal resulte pagamento.

Assim, não estando em causa o valor apurado na liquidação reclamada nem qualquer dos fundamentos previstos no art. 99º CPPT, aplicável por força do art. 70º do mesmo Código, é nosso parecer que a pretensão do reclamante não é passível de ser atendida nesta sede, propondo-se o seu indeferimento.

Contudo, identificando-se que da liquidação não deverá resultar um pagamento mas sim uma compensação com o valor que existia a crédito e sobre o qual foi pedido o reembolso e tendo em vista a descoberta da verdade material e a reposição da situação tributária do sujeito passivo, poderá, se superiormente assim for entendido, solicitar-se à Direção de Serviços do IVA a apreciação da situação aqui em causa, à luz do disposto no art. 78º LGT.

Assim sendo, e porque se propôs que a presente reclamação graciosa não fosse deferida na totalidade, houve lugar a audição prévia nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 60º da Lei Geral Tributária, tendo o reclamante apresentado exposição, conforme consta a fI(s). 105 ss., de onde se retira as seguintes conclusões:

III – EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO

Em sede de direito de audição, vem a reclamante mostrar o seu desacordo quanto às afirmações de que na reclamação não tenha sido posta em causa a correção da liquidação e o seu valor, considerando tê-lo feito largamente.

Refere ainda que, não obstante o projeto de decisão propor o indeferimento da reclamação, de que discorda em absoluto, na sequência da proposta dos serviços de solicitar à DSIVA a apreciação da situação, à luz do disposto no art. 78º LGT, tal significa um sinal positivo de que a AT reconhece a inconsistência na liquidação e que não deixará de repor a verdade tributária anulando a liquidação reclamada e os efeitos negativos causados à reclamante por ter sido pedido à autoridade fiscal alemã a cobrança de um crédito que não é efetivamente devido.

Assim, e embora reconheça uma posição positiva da AT no que à análise à luz do art. 78º diz respeito, refere que o que pretende é a célere reposição da justiça, com a anulação da liquidação e seus efeitos nefastos, pelo que considera não ser necessário invocar o aludido art. 78º LGT, defendendo ser esta reclamação o meio próprio para corrigir toda e qualquer ilegalidade.

Analisadas as alegações da reclamante, verificamos que as mesmas se limitam a manter a sua posição já expressa em sede da petição inicial, não juntando ao processo qualquer novo elemento passível de fazer alterar a nossa posição, comunicada no projeto de decisão.

Assim, mantém-se o teor daquele projeto, propondo-se o indeferimento da pretensão da reclamante.

IV – CONCLUSÃO

Assim sendo, constata-se que a situação tributária do contribuinte não carece de correção, pelo que se propõe que a presente reclamação graciosa seja INDEFERIDA, pelos motivos antes expostos notificando-se o reclamante desta decisão final.

 

p)     Não foi utilizado pela Requerente qualquer crédito apurado nas declarações em causa, nem por reembolso nem por qualquer outra dedução subsequente (afirmação que consta do artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionada);

q)     Em 25-10-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não se provou que a Requerente tivesse pago as quantias liquidadas. Não tendo, designadamente, sido apresentado qualquer documento comprovativo do seu pagamento.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e afirmações da Requerente que não foram questionadas.

No que concerne ao teor da reclamação graciosa que é dado como provado, baseia-se apenas no que se refere na informação para que remete a decisão da reclamação graciosa, pois a Requerente também não juntou aos autos cópia da reclamação.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

 

3. Excepções da incompetência matéria do Tribunal Arbitral para apreciar indeferimentos e reclamação graciosa com base em erro na forma do procedimento e da caducidade do direito de acção

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da incompetência matéria do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de reclamações graciosas com base em erro na forma de procedimento.

Não está em causa no presente processo reclamação graciosa de actos de autoliquidação, mas sim de actos de liquidação adicional de IVA.

A Requerente não pede a declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa (como a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece no artigo 23.º da Resposta), mas sim das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios impugnadas.

A referência à decisão da reclamação graciosa que a Requerente faz na introdução do pedido de pronúncia arbitral reporta-se apenas à sua notificação, mas o pedido formulado tem por objecto as liquidações.

E, para apreciar a legalidade de liquidações são competentes os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, como resulta do teor expresso da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

No entanto, a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que mantém as liquidações impugnadas, releva para determinar o início do prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT.

Na verdade, nesta alínea e), prevê-se que a contagem de prazo a partir da «notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código» e a decisão da reclamação graciosa é um dos actos que é susceptível de impugnação autónoma, como decorre do artigo 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT e do artigo 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT.

Isto é, à face do RJAT, quando liquidações são impugnadas administrativamente através de reclamação graciosa que as mantém, o prazo para pedir a declaração de ilegalidade das liquidações conta-se a partir da notificação da reclamação graciosa.

Por isso, o termo inicial do prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral (como também de impugnação judicial), quando há lugar a reclamação graciosa, conta-se da notificação da decisão desta e não do termo do prazo de pagamento voluntário.

No caso em apreço, a Requerente impugnou as liquidações dentro do prazo de 90 dias a contar da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, pelo que o Tribunal Arbitral é competente, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, por força do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma. 

Por isso, improcedem estas excepções de incompetência e de caducidade do direito de liquidação.

 

4. Excepções da inexistência de objecto imediato e da incompetência material do CAAD para decidir da compensação ou não da liquidação com o crédito existente

 

Como se referiu e resulta explicitamente do pedido de pronúncia arbitral, os actos cuja declaração de ilegalidade a Requerente pede, são os actos de liquidação de IVA e juros compensatórios.

São actos que existem e são objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral.

No âmbito da apreciação da legalidade de actos de liquidação, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para apreciar qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 99.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que estabelece que «constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade».

Por isso, não está excluída da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação de ilegalidades que afectem actos de liquidação.

Diferente desta questão, que não tem a ver com a competência, mas com a procedência ou improcedência do pedido de pronúncia arbitral é saber se as ilegalidades imputadas a actos de liquidação afectam a sua validade.

Assim, improcedem estas excepções.

 

5. Questões relativas à legalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas

 

A Requerente apresentou uma declaração de IVA referente ao período 2010/03 em que indicou um crédito de IVA de € 697.666,13.

Em posterior declaração de substituição, a Requerente passou a indicar, quanto a esse período, um crédito de IVA de € 51.635,72.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou a liquidação de IVA que é objecto do presente processo, cujo montante é diferença de € 646.030,41 entre os dois valores declarados, para além de liquidar os respectivos juros compensatórios.

Entretanto, está pendente uma acção administrativa especial que tem por objecto uma decisão de indeferimento de um recurso hierárquico interposto de uma decisão de indeferimento de um pedido de reembolso que a Requerente apresentou em Novembro de 2010, com base na sua conta corrente evidenciada na declaração periódica de Setembro de 2010, a qual incluía o crédito de imposto acumulado que tinha sido reportado nos meses de Março a Junho de 2010.

O primeiro vício imputado pela Requerente às liquidações impugnadas reporta-se à fundamentação das liquidações impugnadas.

Porém, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, a Requerente não imputa às liquidações deficiência formal de fundamentação (insuficiência de explicitação das razões porque se liquidou), mas sim um vício de natureza substantiva, que é o de o artigo 87.º do CIVA, que é o único suporte normativo invocado na liquidação de IVA, não lhe poder servir de fundamento, por, no entender da Requerente, só poder com base nele efectuar-se liquidação adicional quando se está perante «imposto que não foi pago ou uma dedução indevida».

Na verdade, na «FUNDAMENTAÇÃO» da liquidação adicional de IVA refere-se que foi «efetuada nos termos do artigo 87.° do Código do IVA em resultado do processamento da declaração corretiva e relativamente a um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica».

O n.º 1 do artigo 87.° do CIVA estabelece que a Administração Tributária «procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença».

O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que «as inexactidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua».

No caso em apreço, foi apresentada uma declaração de substituição que permitiu à Autoridade Tributária e Aduaneira constatar a inexactidão da primeira liquidação apresentada relativamente ao período 2010/03.

Mas, a Requerente defende que, sabendo a Autoridade Tributária e Aduaneira que Requerente «não beneficiou do imposto que reduziu na declaração (seria um absurdo que tendo reduzido o seu crédito dele tivesse aproveitado), sabendo que o crédito reduzido estava até a ser objeto de um procedimento próprio, não teria permitido que a liquidação reclamada visse a luz do dia», pois «o artigo 87.° do CIVA, único fundamento que a AT utiliza para sustentar as liquidações reclamadas, determina expressamente que qualquer liquidação adicional lançada com base em declarações tem que ser fundamentada e tem que ter subjacente um imposto que não foi pago ou uma dedução indevida».

Esta posição da Requerente tem suporte na parte final do n.º 1 do artigo 87.º do CIVA ao limitar a liquidação adicional aos casos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira quando «fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos».

Para se justificar uma liquidação adicional, nestas situações em que nas declarações figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, é necessário que dessas declarações tenha resultado algum efeito negativo para o Estado a nível do imposto que deveria ser arrecadado.

Na verdade, é essa a única interpretação que se compagina com os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade, que a Autoridade Tributária e Aduaneira deve observar em toda a sua actividade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), e com o princípio da tributação em função da capacidade contributiva, pois não se poderia justificar a imposição ao sujeito passivo do pagamento de imposto que não é devido.

Assim, como defende a Requerente, na esteira do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26-02-2008, proferido no processo n.º 00917/05, o referido artigo 87.º tem como ratio «permitir a correcção das declarações entregues quando seja evidente que as mesmas, tal qual foram apresentadas, dariam causa a um enriquecimento injustificado dos sujeitos passivos, através da não entrega de quantias devidas ao Estado» e pode «entender-se que não haveria lugar à dedução nas declarações periódicas, mas a ser assim, a conclusão a extrair seria a de considerar indevida a dedução e indeferir qualquer pedido de reembolso, mas nunca liquidar adicionalmente um valor de imposto já cobrado e notificar o sujeito passivo que o havia pago, para o pagar de novo quando é certo que nunca chegou a receber o reembolso do 2º pedido que lhe foi indeferido».

A esta luz, é manifesto que no caso dos autos se está perante uma situação em que não se justifica a liquidação adicional, pois, como se infere do indeferimento do pedido de reembolso, nenhuma quantia relativa a IVA do período 2010/03 foi recebida como efeito de dedução excessiva.

Por outro lado, a redução do pedido de reembolso que resulta da apresentação de uma declaração de substituição com redução do «crédito de imposto a recuperar» só poderia justificar uma liquidação da diferença se o montante inicialmente indicado tivesse sido efectivamente recuperado pelo sujeito passivo, directamente ou através de compensação com «imposto a entregar ao Estado» relativo a períodos subsequentes, e, neste caso, apenas se o montante recuperado excedesse, em algum período, o crédito de imposto a que o sujeito passivo tinha direito.

No entanto, isso não sucedeu no caso em apreço, pois à face da matéria de facto que foi dada por provada, nem no período 2010/03 nem em algum dos outros períodos em que a Requerente desenvolveu actividade em Portugal se verificou que o imposto a entregar ao Estado excedesse o imposto a recuperar, isto é, sujeito passivo apurou em todos os períodos «crédito de imposto a recuperar».

Para além disso, é também claro que não se justifica a liquidação de juros compensatórios pois, como resulta do artigo 96.º, n.º 1, do CIVA, e do artigo 35.º da LGT (invocados na fundamentação desta liquidação) eles são devidos quando «for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido». No caso em apreço, à face da prova produzida, não foi recebido pela Requerente qualquer reembolso e não foi retardada qualquer liquidação de IVA, pois em todos os períodos, quer à face das primeiras declarações quer das declarações de substituição, foi apurado imposto a recuperar.

Pelo exposto, conclui-se que não se está perante uma situação em que, com fundamento nos artigos 87.º e 96.º, n.º 1, do CIVA e 35.º da LGT, se justifique a liquidação adicional de IVA e a liquidação de juros compensatórios.

Consequentemente, as liquidações impugnadas enfermam de vícios de violação de lei, que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, pelo que fica prejudicado, por ser inútil, a apreciação das restantes questões invocadas.

 

6. Pedido de devolução da quantia de € 748.474,90 e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios

 

A Requerente pede a devolução da quantia de € 748.474,90 e que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

Porém, a Requerente não fez prova de que tenha pago a quantia referida.

A devolução de quantia como consequência da anulação de liquidações depende, obviamente, de ter sido efectuado o pagamento.

Por outro lado, o direito a juros indemnizatórios é reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1, da LGT e concretizado da forma prevista no artigo 61.º do CPPT, nos casos em que ocorra «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, não está provado que a Requerente tenha pago as quantias liquidadas, pelo que, à face do que consta do processo, não há fundamento para se determinar a devolução de quantias nem para reconhecimento de direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

            Por isso, têm de se julgar improcedentes os pedidos de pagamento de devolução e de pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de tais direitos poderem ser reconhecido em execução de julgado, se se comprovar o pagamento das quantias liquidadas.

 

7. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

·         Julgar improcedentes as excepções suscitadas;

·         Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IVA n.º…, Documento de cobrança n.º …, relativa ao período de imposto de Março de 2010, no montante de € 646.030,41, e da liquidação de juros compensatórios com o n.º…, Documento de cobrança n.º …, no montante de € 102.444,49;

·         Julgar improcedentes os pedidos de devolução de quantia e de juros indemnizatórios, sem prejuízo de os respectivos direitos poderem ser reconhecidos em execução de julgado, se se comprovar ter sido efectuado pagamento das quantias liquidadas.

 

 

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 748.474,90

 

 

9. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.710,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 27-04-2017

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)

 

 

 

(Glória Teixeira)