Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 655/2016-T
Data da decisão: 2017-08-21  IMT Selo  
Valor do pedido: € 1.773,83
Tema: IMT/IS - Isenção FIIAH e SIIAH - Retroatividade da lei fiscal
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Decisão Arbitral

 

 

I. Relatório

 

1.      A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, S.A., sociedade com sede na …, n.º … – …, … –… Lisboa, contribuinte fiscal n.º…, na qualidade de sociedade gestora do Fundo de Investimento Imobiliário B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, contribuinte fiscal n.º … (doravante apenas “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante apenas “RJAT”), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, no qual é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante apenas "Requerida" ou “AT”).

 

1.      O referido pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 31/10/2016;

 

2.      No respetivo pedido, a Requerente solicitou ao Conselho Deontológico do CAAD a designação do Árbitro, nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 11.º do RJAT.

 

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 18/11/2016, tendo o as Partes sido notificadas, em 04/01/2017, do árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD.

 

4.      Após aceitação por parte do árbitro designado, o presente Tribunal Arbitral considerou-se constituído no dia 19/01/2017, em conformidade com o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, todos do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro).

 

5.      No âmbito do pedido de pronúncia arbitral por si apresentado, o Requerente peticionou a declaração de nulidade/anulabilidade dos atos de liquidação de Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante apenas “IMT”) e de Imposto do Selo (adiante apenas “IS”), referentes à alienação do imóvel correspondente ao Artigo Matricial … (fração “C”) da União das Freguesias de … e …, do concelho de Olhão, e, subsidiariamente, a sua anulação.

 

6.      O Requerente peticionou, ainda, o reembolso integral do imposto pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

7.      Fazendo a súmula dos argumentos apresentados no pedido arbitral e nas alegações escritas, constata-se que o Requerente invocou o seguinte:

 

i)                   O Requerente apresentou um requerimento solicitando a liquidação de IMT e de IS referente à venda do imóvel identificado no pedido de pronúncia arbitral e adquirido por si em data anterior a 31 de Dezembro de 2013, ao abrigo do artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, conforme alterado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) e do artigo 236.º, n.º 2 da mesma Lei (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH);

ii)                 O número 14 do artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH concretizou de forma inequívoca, e pela primeira vez, o significado da expressão «prédios urbanos [são] destinados ao arrendamento para habitação permanente»;

iii)               Na referida disposição legal, consagrou-se que, para efeitos do Regime Tributário dos FIIAH, que «prédios urbanos [---] destinados ao arrendamento para habitação permanente» são os prédios urbanos [e frações autónomas] «que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo»;

iv)               A introdução desta definição de «prédios urbanos [---] destinados ao arrendamento para habitação permanente» foi acompanhada da concretização das circunstâncias em que os prédios que integrem o ativo dos FIIAH deixam de beneficiar do regime de isenções previsto nos números 6 a 8 do Regime Tributário dos FIIAH (um regime de caducidade das isenções);

v)                  Assim, caso os prédios que integram o património dos FIIAH não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data do seu ingresso naquele património, o sujeito passivo deverá solicitar à Autoridade Tributária, nos 30 (trinta) dias subsequentes ao termo do referido prazo a liquidação do imposto respetivo;

vi)               Também assim deverá o sujeito passivo proceder no caso de: (i) os prédios serem alienados pelo FIIAH ou (ii) o FIIAH ser liquidado, em ambos os casos, antes de decorrido o prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data da entrada dos prédios relevantes no património do FIIAH;

vii)             O artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), veio estender a aplicação do regime supra «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014»;

viii)           Entende-se que as alterações ao Regime Tributário dos FIIAH assumem particular relevância no quadro dos impostos de obrigação única, in casu, o IMT e o IS quando tenham por objecto os prédios que integravam o património dos FIIAH à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ou seja, os abrangidos pelo acima referido artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH);

ix)               O Requerente solicitou à AT a liquidação de IMT e de IS, em face das alterações introduzidas no Regime Tributário dos FIIAH, ao abrigo do artigo 8.º, n.º16 (aplicável ex vi artigo 236.º - Norma Transitória no âmbito do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH), n.º 2, da Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro);

x)                  Caso o Regime Tributário dos FIIAH não tivesse sido alterado (cf. artigos 235.º (Alteração ao regime fiscal dos fundos e sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional), e artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH), da Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro) o Requerente nunca teria solicitado as Liquidações;

xi)               O presente pedido de pronúncia arbitral circunscreve-se, pois, à análise da legalidade das Liquidações que se baseiam exclusivamente nas normas invocadas pelo Requerente e não à luz de quaisquer outras normas jurídicas;

xii)             O Requerente entende que as Liquidações enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º (Sistema fiscal), n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e devem, consequentemente, ser declaradas nulas (ou, subsidiariamente, anuláveis);

xiii)           Não estando legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária do Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (Sistema fiscal), n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;

xiv)           O artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ao estender a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014» - está a violar de forma direta e inequívoca o princípio da não retroatividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado;

xv)              Com efeito, a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções previstas nos n.ºs 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto;

xvi)           A violação do princípio da retroatividade, ora invocada, tem em consideração o entendimento que vem sendo seguido pelo Tribunal Constitucional segundo o qual a proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo tão só os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga; do seu âmbito aplicativo ficam excluídas as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais produzem um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei;

xvii)         No caso sub judice não há quaisquer dúvidas de que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga.;

xviii)       O Requerente solicitou aos Senhores Professores Dr. C… e Doutor D…, a emissão de parecer jurídico sobre a constitucionalidade do n.º 2 do artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, cuja cópia juntou ao pedido arbitral;

 

8.      Notificada para o efeito, a Requerida viria a apresentar a sua resposta, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, invocando, em suma, o seguinte:

 

xix)           O Requerente invoca, entre outros vícios, que as liquidações enfermam de ilegalidade abstrata, mas, a acolher esta tese, então o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar, em abstrato, a constitucionalidade da norma em causa, nos termos peticionados;

xx)              Com efeito, atento o alegado pelo Requerente, resulta que este pretende (afinal) a desaplicação da norma pela sua alegada ilegalidade/ inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos;

xxi)           Ora, sucede que o Tribunal Constitucional é o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais [arts. 280.º, n.º 2, als. a) e d) e 281.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3 da CRP e arts. 6.º e 66.º da Lei do Tribunal Constitucional];

xxii)         Assim sendo, se a questão dos presentes autos não é uma situação de eventual desaplicação duma norma por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos, como defende agora o Requerente, mas sim a sua própria (intrínseca) ilegalidade/inconstitucionalidade, então, importa concluir que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar esta questão, dado que se pretende a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas, matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do n.º 2, do artigo 281.º da CRP;

xxiii)       Será de concluir, desde logo, pela impossibilidade do presente Tribunal Arbitral decidir o presente litígio, na medida em que se verifica a exceção dilatória de incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância da Requerida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278.º, n.º 1, alínea a) e 576.º, n. os 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;

xxiv)       Acresce ainda, por outra parte, que, no âmbito da apreciação da fiscalização abstrata da constitucionalidade, a Requerida sempre seria parte legítima, pois que, como é consabido, a AT não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT;

xxv)          A pretensão aduzida pelo Requerente colide com os poderes da Requerida e com a sua vinculação à lei e à Constituição, na medida em que a apreciação por parte da ora Impugnada acerca da ilegalidade/inconstitucionalidade que vem invocada implicaria a violação clara e objetiva dos preceitos legais e a violação da própria Constituição;

xxvi)       Assim, estando em causa um ato normativo emanado da Assembleia da República sob a forma típica de ato legislativo, sempre deveria o Tribunal declarar a absolvição da Requerida da instância, atenta a exceção dilatória de ilegitimidade passiva demonstrada nos presentes autos arbitrais, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d) e 576.º, n. os 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;

xxvii)     Após a defesa por exceção, invoca a AT a impossibilidade de desaplicação de norma legal com fundamento em inconstitucionalidade, sustentando que, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a AT está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, sendo tal princípio concretizado a nível infraconstitucional no n.º 1 do artigo 3º do CPA;

xxviii)   De tais imposições legais decorre que os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade, contrariamente aos Tribunais que, nos termos do artigo 204.º da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional;

xxix)       Sendo a Lei o padrão normativo que rege a sua atuação, não cabe à AT emitir juízos de constitucionalidade sobre normas, por não estar habilitada para tanto, contrariamente ao que sucede com os Tribunais;

xxx)          Pelo que não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos arts. 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT;

xxxi)       Relativamente à questão concreta da constitucionalidade suscitada pelo Requerente, a Requerida invoca que as liquidações de IMT e de IS foram solicitadas à AT, em face das alterações introduzidas ao regime tributário dos FIIAH, na medida em que, em 2016, o alienou a terceiros, conferindo-lhe, assim, destino diferente daquele que seria suposto: o arrendamento habitacional;

xxxii)     Mas, antes de qualquer conclusão, para a AT é evidente que o vício apontado, por alegada violação do artigo 103.º da CRP, não é gerador de nulidade, pois a sanção que recai sobre um ato administrativo inválido é a sua anulabilidade (artigo 135.º do [antigo] CPA), só ocorrendo nulidade quando lhe faltar um dos seus elementos essenciais ou quando a lei expressamente o sancione com essa forma de invalidade (artigo 133º do [antigo] CPA);

xxxiii)   De facto, e considerando que a previsão legal da alínea d), do nº 2, do artigo 133º, do CPA, é apenas extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP, o caso dos autos não tem aqui enquadramento legal – neste sentido, cfr. acórdão do TCAN, de 03/02/2012, processo: 00473/09.6BEPNF;

xxxiv)   Quanto à questão substantiva, da violação do artigo 103.º da CRP, invoca a AT que, à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, com a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, as isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, exigiam, respetivamente: (i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e (ii) que a transmissão tivesse por objeto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5”;

xxxv)      Ou seja, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente;

xxxvi)   Afinal, a nova redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido, estipulando “que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo”;

xxxvii) É de concluir, assim, que, com as alterações introduzidas, não se alterou a ratio das isenções consagradas, sendo de sublinhar que não foi determinada a extinção imediata do benefício no caso de não se verificar celebrado o referido contrato de arrendamento, pois que se concedeu um prazo bastante alargado, (de três anos), para o efeito, respeitando assim o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança;

xxxviii) Sendo certo que, de todo o modo, atenta a alienação dos prédios em 2016, resulta inequívoco que o Requerente não poderia, de qualquer forma, beneficiar da isenção requerida;

xxxix)   Na verdade, face ao disposto no citado preceito normativo, relativamente aos prédios adquiridos antes de 1 de Janeiro de 2014, de modo a considerar-se realizada a afetação para habitação permanente, teriam que ser celebrados contratos de arrendamento para habitação permanente nos três anos subsequentes;

xl)               Pelo que se infere, com facilidade, que as isenções em questão não deixaram simplesmente de vigorar: o que sucedeu, apenas, foi que foram estabelecidos critérios para concretizar um requisito legal previsto de forma indeterminada;

xli)             Necessidade de intervenção legislativa que se compreende, dado que, conforme resulta do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, os benefícios fiscais são as medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem;

xlii)           Por outro lado, a cessação de um benefício fiscal sempre poderá ter lugar, por exemplo, caso se constate, num caso concreto, mediante fiscalização, que não se verificam os respetivos pressupostos (vd art.7º nº1 do EBF), sendo que, conforme discorre do artigo 14.º, n.º 1, do EBF, “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra”;

xliii)         Assim, estando em causa a alienação dos imóveis sem afetação dos mesmos ao arrendamento para habitação permanente, tal determinaria sempre a caducidade da isenção, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 2, do EBF, sendo que, o artigo 8.º, n.º 16 do regime veio apenas concretizar uma medida anti-abuso, estabelecendo que os prédios que não fiquem em carteira com afetação exclusiva ao arrendamento habitacional, não foram adquiridos com tal finalidade, limitando, ainda, tal caducidade a um prazo definido na lei ao invés do que sucedia anteriormente, por força da aplicação do EBF;

xliv)         Só ignorando o imperativo legal que determina a caducidade do benefício fiscal ínsito naquele artigo 14.º, n.º 3 do EBF, é possível concluir-se que “segundo a lei de 2008, um imóvel podia ter sido adquirido para arrendamento habitacional, beneficiando das isenções, mas depois ter sido alienado por motivos imprevisíveis” ou ainda que “se não fosse a restrição introduzida pelo n.º 16, introduzida pela Lei de 2013, não poderia haver revogação ou caducidade das isenções, nem sequer em caso de alienação dos imóveis”;

xlv)           É verdade que o facto tributário em sede de IMT ou Imposto do Selo verifica-se aquando da aquisição do imóvel, todavia, tal não significa que, no caso dos autos, se possa concluir pela existência de uma circunstância de retroatividade pois que a lei nova não veio simplesmente determinar, e sem mais, que os imóveis anteriormente adquiridos fossem objeto de tributação em sede de IMT e Imposto do Selo;

xlvi)         O que a lei nova veio fazer, antes, foi apenas densificar critérios já previstos na lei antiga, designadamente: (i) o conceito de afetação a arrendamento para habitação permanente, estipulando um prazo mais do que suficiente para que os sujeitos passivos se pudessem adaptar, reunindo um meio de prova inequívoco (contrato de arrendamento) e (ii) bem como a explicitação das situações em que a alienação do imóvel destinado ao arrendamento não faz caducar a isenção nos termos então até aí previstos no EBF;

xlvii)       No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios, por tudo quanto supra se disse, entende-se não enfermar os atos de liquidação de vício que deva ditar a sua anulação/declaração de nulidade;

xlviii)     Para além disso, não podendo ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido - uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu -, não pode senão concluir-se no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

9.      Tendo sido notificado, através de despacho arbitral proferido em 21/03/2017, para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela AT na sua resposta, o Requerente viria a referir, em síntese, que a sua pretensão não foi a de suscitar a fiscalização abstrata da legalidade e da constitucionalidade do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, mas, sim, que o Tribunal declare a nulidade (ou, subsidiariamente, a anulabilidade) das liquidações em crise, com o fundamento de que as mesmas se baseiam na aplicação de uma norma que viola a constituição e a lei;

 

10.  Através de despacho arbitral de 06/06/2017, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, por não ter sido requerida a produção de prova adicional, reservando-se para a decisão final o conhecimento das exceções invocadas pela Requerida. Neste despacho, as Partes foram ainda notificadas para, querendo, apresentar alegações escritas.

 

11.  Após a prolação daquele despacho, ambas as Partes viriam a apresentar alegações, produzidas de forma sucessiva. A Requerida remeteu para o que havia invocado em sede de Resposta, tendo o Requerente invocado, em síntese, o seguinte:

 

xlix)         Tratou-se de uma liquidação com base em declaração do sujeito passivo, baseada exclusivamente na disposição legal invocada na declaração do sujeito passivo;

l)                   Sem as alterações ao Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH da Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro, o Requerente não teria de, nem nunca iria, apresentar qualquer pedido de liquidação de IMT e de IS ao proceder à venda do imóvel;

li)                 O requisito único da isenção, à data em que o Requerente adquiriu o imóvel em apreço e em que tal isenção se consumou, era o de que os prédios adquiridos pelos FIIAH se destinassem a ser arrendados para habitação permanente (cf. artigo 8.º (Regime tributário), números 7 e 8 do Regime Tributário dos FIIAH na redação em vigor à data de reconhecimento da isenção);

lii)               A alteração do Regime dos FIIAH veio dispor que a alienação de prédios propriedade dos FIIAH - ou a liquidação do próprio FIIAH - antes de decorrido o prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data da entrada dos prédios relevantes no património do FIIAH, nos termos do número 16 do artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, conduz à caducidade da isenção;

liii)             Estes são indubitável e evidentemente novos requisitos que visam estabelecer um regime de caducidade de isenções inexistente à data em que os factos tributários se verificaram e que vêm afetar uma isenção já cristalizada na ordem jurídica do Requerente;

liv)             O Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH constitui, indubitavelmente, um regime diferente estabelecido por lei – trata-se de um conjunto de benefícios fiscais aplicáveis àquelas entidades estabelecendo de forma integrada os termos e condições da sua aplicação e funcionamento, com sede perfeitamente autonomizada na lei do OE que o consagrou;

lv)               Os imóveis que integram os FIIAH (dentro dos limites fixados na lei) têm, pois, que ser destinados a arrendamento para habitação permanente; não têm que estar arrendados para se manterem nos FIIAH nem existem quaisquer restrições à sua alienação;

lvi)             Nem, tão pouco, o Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, até às alterações introduzidas no Orçamento de Estado de 2014 lhes impunha qualquer regime de caducidade dos benefícios – posto que a finalidade de que dependiam se verificasse no momento do ingresso dos imóveis no património do FIIAH;

lvii)           Ao considerar a aplicação do artigo 14.º (Extinção dos benefícios fiscais), número 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no quadro do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, a AT incorre manifestamente numa errada aplicação da lei, desconsiderando de forma clara a própria referência aí prevista aos regimes diferentes estabelecidos por lei de que o Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH faz, obviamente, parte;

lviii)         O Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH é um regime autónomo e «auto-suficiente» que previu detalhadamente os termos e condições da sua aplicação e, pretender que o mesmo olvidou a consagração de um regime de caducidade dos benefícios, para ter de recorrer a princípios gerais previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais, não tem qualquer aderência à realidade e, se assim não fosse, como adiante se refere, não faria sentido a alteração ao Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH introduzidas no Orçamento de Estado de 2014;

lix)             Esquece a AT um facto absolutamente decisivo e incontornável: é que as isenções de IMT e IS, de que beneficiavam, então, os fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional no momento da aquisição, bastavam-se com a aquisição destinada a arrendamento habitacional, não dependendo da consumação do arrendamento efetivo num determinado prazo nem da não alienação do prédio nesse mesmo prazo, não tendo o legislador feito correr por conta dos ditos fundos o risco da não realização do arrendamento;

lx)               É que, se assim não fosse, não seria necessária a nova lei;

lxi)             O Requerente está absolutamente convicto que a norma em que assentam as liquidações, postas em crise, padece de inconstitucionalidade por violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa;

lxii)           Só a nulidade poderá ser vista como consequência admitida para a prática de um ato administrativo baseado em norma declarada inconstitucional, pois de outra forma permitir-se-ia que uma tal norma produzisse os seus efeitos de forma perene na ordem jurídica tornando irrelevante a sua própria inconstitucionalidade, pelo que se nos afigura que devem ser considerados inexistentes (ou, no mínimo, nulos) os actos tributários praticados em execução ou ao abrigo de normas legais inconstitucionais.

 

II. Saneamento

 

O tribunal é competente e está regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estando devidamente representadas.

O meio processual é o próprio.

Foram invocadas pela Requerida exceções que, por poderem obstar à apreciação do mérito da causa, serão conhecidas e apreciadas em sede da presente decisão arbitral, nos termos adiante expostos.

 

III. Matéria de facto considerada assente

 

Em face dos elementos probatórios trazidos aos autos e da factualidade aceite por ambas as Partes, considera o Tribunal como provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:

 

A)    O Requerente constituiu um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional designado por “B…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional”;

B)    O referido fundo de investimento era proprietário do prédio urbano, inscrito sob o artigo …, fracção “C”, na matriz predial urbana da União das freguesias de … e …, concelho de Olhão;

C)    O referido imóvel foi adquirido no ano de 2013, tendo, no momento da aquisição, beneficiado de isenção de IMT e de IS, nos termos do disposto no do n.º 7 da alínea a) e do n.º 8, ambos do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH;

D)    O imóvel em causa foi alienado no ano de 2016, o que motivou que o Requerente tivesse solicitado, em face do disposto no artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro [norma que aditou o n.º 16 ao artigo 8.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro], a liquidação do respetivo IMT e IS, conforme a seguir se discrimina (Cf. Doc. n.º 1 junto com o pedido arbitral):

- Liquidação de IMT nº…, no valor de € 1.003,00; e

- Liquidação de IS nº…, no montante de € 770,83.

E)     O Requerente procedeu ao pagamento dos atos de liquidação de IMT e de IS acima identificados em 12/08/2016 (Cf. Doc. n.º 2 junto com o pedido arbitral).

 

Não se identificaram outros factos com relevância para a decisão final.

V.    Motivação da Decisão

Previamente à apreciação do mérito do pedido arbitral propriamente dito, importa ter presente que os Tribunais, aqui se incluindo os Tribunais Arbitrais, não têm que apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, tal como se constata a título exemplificativo do Acórdão do Pleno da 2ª Secção do STA, de 07/06/1995, proferido no recurso nº 5239.

Efetivamente, as questões invocadas pelas partes não se confundem com os argumentos, as razões ou as motivações produzidas. Questões, nomeadamente para efeito do disposto no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, são apenas as de fundo e que integram a matéria decisória, isto é, as que se relacionem com o pedido, a causa de pedir e as exceções (vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2005, proferido no recurso n.º 05S2137 ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25/09/2012, proferido no recurso n.º 05073/11).

Assim, tendo em consideração o que acima expôs, o que as Partes trouxeram aos autos e o núcleo da argumentação utilizada, quer em sede do pedido arbitral e da correspetiva resposta apresentada pela Requerida, quer no que tange às alegações finais escritas, considera o Tribunal que as questões de direito a decidir são as seguintes:

A)    Exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstrata das liquidações;

B)    Ilegitimidade passiva da Requerida;

C)    Legalidade dos atos de liquidação de IMT e IS em causa, à luz do regime legal aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009), nomeadamente, do regime tributário previsto no artigo 8.º desse regime legal;

D)    Constitucionalidade dos atos de liquidação em crise, à luz da norma prevista no artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, nomeadamente, dos n.ºs 14 a 16 aditados ao artigo 8.º do referido regime tributário, bem como, da norma transitória prevista no artigo 236.º dessa Lei, bem como, do princípio vertido no artigo 103.º, n.º 3, da CRP [proibição de retroatividade fiscal];

E)     Direito do Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios.

VI. Do Direito

A)    Exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstrata das liquidações

 

Como acima se adiantou, invocou a Requerida, previamente à análise do mérito do pedido arbitral, a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar, em abstrato, a constitucionalidade da norma prevista no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, pelo facto de o Requerente ter considerado que os atos de liquidação em crise enfermam de ilegalidade abstrata.

 

Concretamente, alega a Requerida que o Requerente pretende, na realidade, obter a desaplicação da norma pela sua ilegalidade/ inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos, sendo o Tribunal Constitucional o foro competente para conhecer, quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais [arts. 280.º, n.º 2, als. a) e d) e 281.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3 da CRP e arts. 6.º e 66.º da Lei do Tribunal Constitucional].

 

Deste modo, conclui pela impossibilidade do Tribunal Arbitral decidir o presente litígio, na medida em que se verifica a exceção dilatória de incompetência material, da qual decorre a absolvição da instância da Requerida.

 

Importa então decidir esta questão prévia, sendo que, e adiantando desde já o sentido da decisão nesta parte, consideramos que a Requerida não tem razão.

 

Com efeito, as competências do Tribunal Arbitral cingem-se, em função do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 2.º do RJAT, à apreciação de pretensões relacionadas com: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

 

Sucede que o Requerente, apesar de apontar a inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, fá-lo sempre por referência aos atos de liquidação de IMT e de IS em crise, o que permite enquadrar o pedido na alínea a) do n.º 2 do RJAT.

 

Tais atos de liquidação são, na verdade, o objeto do pedido arbitral agora formulado.

 

Mesmo quando o Requerente pugna pela apreciação da constitucionalidade do referido artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, aquilo que na realidade pretende é que o Tribunal declare a nulidade (ou a anulabilidade) dos atos de liquidação de imposto, porque emitidos exclusivamente com base nessa norma e nas alterações que, no entendimento do Requerente, a mesma gerou no campo da incidência do imposto.

 

Nada disto invalida, como o próprio Requerente sustenta, que a apresentação do presente pedido vise também obstar à aplicação de normas consideradas inconstitucionais, por via da emissão dos atos de liquidação em crise.

 

Nem de outra forma poderia ser, porquanto o Tribunal Arbitral não tem competência para declarar a inconstitucionalidade de normas jurídicas, mas apenas de apreciar a legalidade de atos de liquidação, sob as restritas formas que os mesmos assumem no artigo 2º do RJAT, declarando, se necessário, a sua ilegalidade.

 

É essa a pretensão do Requerente. Pelo que improcede a exceção em causa.

 

B)    Ilegitimidade Passiva da Requerida

 

Em decorrência do acima exposto, considera o Tribunal que a alegada ilegitimidade da Requerida também carece de fundamento.

 

De facto, ainda que a AT possa encontrar-se vinculada ao estrito cumprimento das normas legais e constitucionais, e por muito que não possa recusar a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade – em face da vinculação ao princípio da legalidade (cf. artigos 266.º, n.º 2, da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT -, não é essa a questão trazido aos autos, como se verificou.

 

A pretensão do Requerente visa a apreciação de atos de liquidação que, no seu entender, tiveram por base normas que reputa como ilegais e inconstitucionais, não a declaração de inconstitucionalidade abstrata de uma norma.

 

Atos de liquidação esses que foram emitidos e são da lavra da própria AT, pelo que é evidente que a mesma poderia ser demandada nos presentes autos, pois a isso se encontra vinculada, por força do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.  

 

Em suma, ao invés do que entende a Requerida, a pretensão aduzida pelo Requerente não colide com os poderes da própria Requerida e com a sua vinculação à lei e à Constituição.

 

Daí que se julgue também improcedente o vício em causa, considerando a AT, ora Requerida, parte legítima nos presentes autos.

 

 

C)    Legalidade dos atos de liquidação de IMT e IS em causa, à luz do regime legal aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009)

 

Previamente à análise da questão substantiva, impõe-se fazer referência às disposições legais vigentes nesta matéria e às alterações do quadro normativo aplicável, absolutamente essenciais para a prolação da decisão de mérito.

 

Assim e em primeiro lugar, importa chamar à colação a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (LOE 2009), diploma através do qual foi criado um regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH).

 

O âmbito de aplicação deste regime legal recairia, em termos de incidência subjetiva, sobre as entidades constituídas durante os cinco anos posteriores à entrada em vigor da lei (cf. artigo 102.º) e, no que tange à incidência objetiva, sobre os imóveis adquiridos por tais entidades no mesmo período (cf. artigo 103.º).

 

Refira-se ainda que, de acordo com o preceituado no artigo 104.º do aludido diploma legal, ao património do FIIAH é aplicável o disposto no artigo 46.º do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, impondo-se que pelo menos 75% do seu ativo total seja constituído por imóveis, situados em Portugal e destinados a arrendamento para habitação permanente (cf. art. 4.º).

 

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, estabeleceu, no que ora releva, um Regime Tributário, aplicável a estas entidades (cf. artigo 8.º do artigo 104.º), nos seguintes termos:

 

«Artigo 8.º

 

Regime tributário

 

(…)

 

7. Ficam isentos do IMT:

 

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1 [FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores];

 

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

 

8. Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.

 

(…)»

 

Sucede que, por via da aprovação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), o aludido regime tributário viria a ser alterado, aditando-se ao mencionado artigo 8.º as seguintes disposições legais (cf. artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013):

 

«Artigo 8.º

 

(…)

 

(…)

 

14. Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

 

15. Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

 

16. Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.»

 

Para além disso e no que ora muito releva, foi prevista uma Norma Transitória, no artigo 236.º da citada Lei n.º 83-C/2013, com a seguinte redação:

 

«Artigo 236.º

 

Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH

 

1. O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

 

2. Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»

 

Absolutamente essencial para a análise que adiante se fará é, também, o que a este propósito foi referido no Relatório do Orçamento do Estado para 2009, elaborado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública, e que esteve na génese das normas então aditadas e das alterações que o regime tributário aplicável aos FIIAH e SIIAH então sofreu.

 

Assim e segundo tal Relatório, na parte que releva, a criação deste regime tributário excecional foi enquadrado do seguinte modo:

 

«Criação dos Fundos de Investimento Imobiliário em Arrendamento Habitacional

 

Merece igualmente referência a iniciativa em matéria de criação de fundos e sociedades de investimento imobiliário especificamente vocacionados para o investimento em imóveis destinados ao arrendamento habitacional. Com esta iniciativa pretende-se criar um estímulo adicional ao mercado do arrendamento urbano em Portugal, prevendo-se um regime tributário especialmente favorável aplicável até 31 de Dezembro de 2020. O presente regime é aplicável a fundos e sociedades constituídas nos cinco anos subsequentes à entrada em vigor da lei e aos imóveis por aqueles adquiridos nesse período.

 

No essencial, vem prever-se a criação de fundos e sociedades de investimento imobiliário cujo activo total seja constituído, numa percentagem não inferior a 75%, por imóveis situados em Portugal destinados ao arrendamento para habitação permanente. Deste modo, pretende-se criar as condições necessárias, à colocação dos imóveis no mercado de arrendamento e permitir, ainda, às famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, alienar o respectivo imóvel ao fundo ou à sociedade, com redução dos respectivos encargos, substituindo-os por uma renda de valor inferior àquela prestação e mantendo uma opção de compra sobre o imóvel que arrendem ao fundo.

 

Propõe-se que o regime fiscal destes fundos contemple:

 

•        Isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) sobre os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2014;

 

•        Isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC sobre os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.

 

•        Isenção de IRS sobre as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento, desde que a relação de arrendamento se mantenha e venha a ser exercida a opção de compra no final.

 

•        Dedução à colecta em IRS das importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.

 

•        Isenção de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, para os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente.

 

•        Isenção de IMT nas aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente ou de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento.

 

•        Isenção de Imposto do Selo em todos os actos conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento, bem como com o exercício da opção de compra.

 

•        Isenção de taxas de supervisão para as entidades gestoras de FIIAH no que respeita à gestão de fundos desta natureza.»

 

Ora, é com base no quadro legal acima exposto que a decisão sobre a legalidade dos atos de liquidação em crise terá que ser tomada e, nessa medida, apreciada, ainda que indiretamente, a questão da constitucionalidade suscitada.

 

E desde já se adianta que o Tribunal seguirá de muito perto a decisão que foi proferida, numa situação em tudo idêntica, no processo arbitral n.º 76/2016-T.

 

Assim, em consonância com tal decisão e ainda que se tenha adotado uma estrutura decisória algo distinta, importa antes do mais percecionar qual era, inicialmente e à data em que os imóveis em causa foram adquiridos, o regime tributário dos FIIAH e SIIAH.

 

Como se constatou e em resumo, o artigo 8.º do regime especial aplicável a tais entidades previa originariamente a isenção de IMT nas seguintes situações:

 

  • Aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, efetuadas pelos FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013;

 

  • Aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, resultantes do exercício do direito de opção de compra – previsto até 31 de dezembro de 2020 – pelos arrendatários dos imóveis integrados no património dos FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013.

 

Paralelamente, encontrava-se prevista a isenção de IS com referência a todos os atos praticados em conexão com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra em virtude:

 

  • Da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos;

 

  • Do exercício do direito de opção de compra – previsto até 31 de dezembro de 2020 – pelos arrendatários dos imóveis integrados no património dos FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013.

 

Foi este o regime inicialmente consagrado pelo legislador, o qual, como se constatará, não difere, na sua essência, do que se encontra atualmente previsto, ainda que tomando em consideração as alterações promovidas pelos artigos 235.º e 236.º da citada Lei n.º 83-C/2013.

 

Exigia-se, antes de tudo, que as entidades contempladas pelo referido regime tributário adquirissem prédios urbanos, ou frações autónomas, e os destinassem exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. Tal como sucede atualmente.

 

Mas isso não significa que o regime se tenha mantido inalterado ou que, em função de tais alterações legislativas, não possam ser suscitadas questões relacionadas com legalidade e/ou a constitucionalidade desse preceito.

 

O que importa perceber é se, em concreto, essas alterações legislativas, quando aplicadas ao caso sub judice, são suscetíveis de gerar uma eventual ilegalidade e/ou inconstitucionalidade.

 

Vejamos, em particular, o que se alterou em resultado do que foi estatuído pelos aludidos artigos 235.º e 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

 

Atualmente, o regime tributário aplicável aos FIIAH e SIIAH prevê, em sede de IMT, as seguintes isenções:

 

  • Aquisições de prédios ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, efetuadas pelos FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2015 (anteriormente, entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013); e

 

  • Aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, resultantes do exercício do direito de opção de compra – previsto até 31 de dezembro de 2020 – pelos arrendatários dos imóveis integrados no património dos FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2015 (anteriormente, entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013).

 

Enquanto que, em sede de IS, as isenções atualmente consagradas respeitam a todos os atos praticados conexamente com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente, que ocorra em virtude:

 

  • Da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos; e

 

  • Do exercício do direito de opção de compra – previsto até 31 de dezembro de 2020 – pelos arrendatários dos imóveis integrados no património dos FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2015 (anteriormente, entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013).

 

Para além disso, o novo n.º 14 do referido artigo 8.º do Regime Tributário determina que «os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo».

 

Nesse caso, o sujeito passivo encontra-se adstrito a comunicar e fazer prova do efetivo arrendamento, nos 30 dias subsequentes ao termo do prazo em questão.

 

Os novos n.ºs 15 e 16 da aludida norma determinam, por seu lado, que as isenções de IMT e IS ficam sem efeito nas seguintes situações:

 

  • Se os prédios não forem objeto de contrato de arrendamento no aludido prazo de três anos, contado da data em que passaram a integrar o património do FIIAH;

 

  • Se os prédios forem alienados antes de decorrido tal prazo de três anos, também aqui computado desde a data em que os mesmos passaram a integrar o património do FIIAH (exceto se o forem em resultado do exercício do direito de opção de compra); e

 

  • Se o FIIAH for, ele próprio, objeto de liquidação antes de decorrido o mencionado prazo de três anos, contado da forma acima descrita.

 

Por força do disposto no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, as alterações a que agora se aludiu são aplicáveis aos prédios que tenham sido adquiridos a partir de 1 de janeiro de 2014, mas, igualmente, aos prédios que tenham sido adquiridos antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se o referido prazo de caducidade de três anos a partir de 1 de janeiro de 2014.  

 

Chamando concretamente à colação a decisão arbitral a que se acima fez referência, proferida pelo CAAD no processo n.º 76/2016-T, podemos resumir as alterações então promovidas da seguinte forma:

 

“Nesta parametria, anteriormente bastava para que se verificassem aquelas isenções de IMT e de Imposto do Selo que se tratasse de aquisições de prédios urbanos ou de suas frações autónomas destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, nada se prevendo sobre a necessidade de celebração efetiva do contrato de arrendamento em certo prazo ou sobre a necessidade de manutenção dos prédios no património dos FIIAH também durante determinado prazo.

 

Atualmente são pressupostos daquelas isenções, para além da destinação exclusiva a arrendamento para habitação permanente, o arrendamento efetivo e a não alienação dos prédios, bem como a não liquidação do FIIAH, no referenciado prazo de três anos.

 

Assim, deixou de bastar a destinação do imóvel a arrendamento habitacional, no momento da sua aquisição pelo FIIAH; agora, se a aquisição do imóvel destinado exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, não for seguida do seu arrendamento efetivo no dito prazo de três anos ou se se verificar a sua alienação ou a liquidação do FIIAH nesse mesmo prazo, as isenções em causa ficam sem efeito”.

 

Mas tal alteração de parametrização não invalida a seguinte conclusão, como uma vez mais bem se deu nota naquele aresto do CAAD:

 

“No entanto, importa sublinhar que, entre a versão inicial e a versão em vigor do regime tributário em apreço, houve um pressuposto daquelas isenções de IMT e de Imposto do Selo que se manteve inalterado: a destinação exclusiva dos prédios urbanos ou suas frações autónomas a arrendamento para habitação permanente.

 

Efetivamente, a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional é um requisito desde sempre presente no regime tributário consagrado no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH – aliás, como decorrência necessária dos objetivos e motivações que subjazeram à sua criação, nomeadamente permitir às famílias com empréstimos à habitação e com dificuldade em pagar as prestações dos seus créditos, converter aquelas prestações no pagamento de uma renda, mediante a venda do respetivo imóvel ao FIIAH e a celebração, com a respetiva entidade gestora do fundo (SIIAH), de um contrato de arrendamento sobre o mesmo imóvel, podendo manter, até 2020, a opção de compra do imóvel –, não sendo pois um requisito adveniente das alterações introduzidas pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro. 

 

Ademais, o cumprimento desse requisito nunca se bastou – inicialmente, como agora – com uma mera intenção declarada, aquando da aquisição do imóvel, de que se pretendia destinar o mesmo exclusivamente a arrendamento habitacional, sempre tendo sido exigida uma efetiva afetação ao arrendamento para habitação permanente; a única diferença reside no facto de, agora, tal afetação se ter de concretizar, por via da celebração de um contrato de arrendamento, num determinado prazo.

 

A admitir-se um entendimento contrário, para além de se estar a desvirtuar os propósitos que justificaram a criação dos FIIAH e SIIAH e a estatuição de um regime legal especial – nomeadamente em matéria tributária, com a consagração de diversos benefícios fiscais –, estar-se-iam a consentir práticas de evasão e de fraude, com as nefastas consequências fiscais daí advenientes; por isso, essa não é decididamente a melhor interpretação daquelas normas”.

 

É também este o entendimento deste Tribunal, pois é o que melhor espelha toda a ratio legis que presidiu à criação deste regime excecional de tributação na esfera dos FIIAH e SIIAH.

 

De facto, resultam claras, do Relatório do Orçamento do Estado para 2009 – e este é um instrumento legislativo que não poderá ser ignorado em situações como esta –, quais as intenções que subjazeram à previsão das isenções em sede de IRC, IRS, IMI, mas também IMT e IS. Tal como aí se encontra evidenciado, tratou-se de uma iniciativa que visou “criar um estímulo adicional ao mercado do arrendamento urbano em Portugal, prevendo-se um regime tributário especialmente favorável aplicável até 31 de Dezembro de 2020”, tendo sido intenção do legislador “criar as condições necessárias à colocação dos imóveis no mercado de arrendamento e permitir, ainda, às famílias oneradas com as prestações dos empréstimos (…)”.

 

Ou seja, nenhum sentido faria que o legislador, por um lado, pretendesse estimular o mercado do arrendamento e, por outro lado, se bastasse com uma “ficção” de arrendamento, através da mera declaração, por parte das entidades visada, da intenção de destinar os imóveis a arrendamento habitacional, sem afetação real a esse fim.

 

Se a eventual alienação do imóvel fosse inócua, à luz deste regime especial de tributação, nenhuma valia o mesmo teria, no que se refere à intenção de fomentar o mercado do arrendamento urbano.

 

Este Tribunal apenas não acompanha o aludido aresto do CAAD, na parte em que o mesmo apela aos princípios plasmados no EBF e, em concreto, ao artigo 14.º do EBF, pois considera que o Regime Tributário previsto pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é auto-suficiente e contém o núcleo essencial (e especial) das normas que regulam o regime fiscal dos FIIAH e SIIAH.

 

A questão é, como acima se adiantou, que, à luz desse regime legal, a eventual alienação dos imóveis adquiridos pelos FIIAH e SIIAH desvirtua, e nessa medida, impossibilita, a manutenção da isenção.

 

Ora, reportando-nos ao caso vertente, ficou demonstrado que o FIIAH em causa, aqui representado pelo Requerente, viria a alienar, no ano de 2016, um imóvel por si adquirido em 2013 e do qual havia beneficiado da isenção de IMT e IS prevista no artigo 8.º daquele Regime Tributário.

 

Foi, de resto, essa circunstância – a sua alienação – que motivou a emissão dos atos de liquidação de IMT e IS ora contestados pelo Requerente.

 

E neste momento voltamos a transcrever o acórdão proferido pelo CAAD no processo n.º 76/2016-T:

 

“Efetivamente, as liquidações de IMT e de Imposto do Selo controvertidas resultaram do facto de ter sido dado ao mencionado prédio urbano um destino diferente daquele em que assentou a concessão das isenções de IMT e de Imposto do Selo – exclusivamente o arrendamento para habitação permanente –, destinação diversa que resulta comprovada pela alienação do imóvel – uma vez esta concretizada, o pressuposto em que assentaram as isenções (arrendamento para habitação permanente) já não poderá ser cumprido – e sem que exista qualquer evidência de que a mesma tenha sido efetuada a favor de um seu arrendatário e, portanto, ao abrigo do sobredito direito de opção de compra. 

 

Desta forma, as liquidações de IMT e de Imposto do Selo controvertidas não emergiram da «aplicação do requisito associado com a afectação a um destino específico (arrendamento para habitação permanente), no prazo de três anos introduzido pelo artigo 236.º do regime transitório já referido (e respectiva contagem do prazo), mas sim da alienação de um imóvel afecto a um FIIAH gerido pela Requerente, fora do âmbito “das aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento” (…) o que, implicitamente, originou que esse imóvel deixasse de estar (ou nunca tivesse estado) afecto, pelo FIIAH, ao fim legalmente previsto no artigo 8.º, n.º 7, alínea a) e n.º 8 daquele regime especial (arrendamento habitacional)» (decisão arbitral proferida no processo n.º 688/2015-T). Não se trata, pois, de uma questão de prazo.  

 

Nesta medida, entendemos que quer a liquidação de IMT, quer a liquidação de Imposto do Selo em crise, não enfermam de qualquer ilegalidade, estando em plena conformidade com o estatuído na alínea a) do n.º 7 e no n.º 8 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH e ainda com o disposto no artigo 14.º, n.º 3, do EBF, pelo que são legais”.

 

Também neste caso não se trata de uma questão de prazo, mas da alteração na afetação do imóvel – inicialmente para fins de arrendamento habitacional e, no ano de 2016, para venda. Alteração essa que foi promovida – com toda a legitimidade, não se contesta – pelo próprio detentor do imóvel, o Requerente.

 

O que não se pode pretender é que a modificação subjetiva dos factos e, em concreto, a desafetação do imóvel a fins arrendacionais, não tenha qualquer consequência no plano tributário, tal como faz o Requerente.

 

Neste particular, impõe-se ainda uma especial referência ao Parecer Jurídico que o Requerente juntou aos autos, da autoria dos ilustres Professores C… e D… .

 

De facto, por muito que se respeite a opinião formulada por aqueles jurisconsultos no aludido parecer, o Tribunal mantém o entendimento de que as considerações então produzidas, maxime no que tange à eventual inconstitucionalidade do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em nada beliscam a conclusão de que, no caso concreto, o Requerente alterou o fim pelo qual o imóvel fora adquirido.

 

Entende este Tribunal que, à luz do Regime Tributário previsto no artigo 8.º, a venda de um imóvel, adquirido por um FIIAH ou SIIAH para arrendamento, originava ab initio a obrigação de liquidação de IMT e de IS.

 

Daí que a eventual aplicação retroativa da norma prevista no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, é questão que não se justifica analisar no caso vertente, pois nem sequer se coloca, na perspetiva deste Tribunal. Ficando deste modo prejudicada.

 

Sem prejuízo disso e a mero título de exercício, sempre se dirá que eventuais questões de inconstitucionalidade poderão colocar-se nos casos em que os imóveis não sejam alienados (desde que as circunstâncias factuais o permitam), não neste caso.

 

Pelo que também aqui concordamos com o que refere o aludido aresto do CAAD:

 

“Nesta parametria, constitui nosso entendimento que o n.º 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aplicado em conjugação com o disposto no n.º 15 do mesmo artigo, não produz qualquer alteração na substância e/ou nos requisitos de aplicabilidade das isenções estabelecidas pelos n.ºs 7 e 8 do mesmo artigo 8.º, no que respeita às liquidações de IMT e de Imposto do Selo controvertidas. 

 

Efetivamente, contrariamente ao propugnado pela Requerente, não é exato dizer que não estavam já legalmente previstos, aquando do reconhecimento da isenção, os factos ou circunstâncias de que dependia a respetiva caducidade, pelo menos no respeitante à circunstância que se verificou in casu: a alienação do imóvel[2].

 

Na verdade, o facto de a Requerente ter procedido à alienação do dito prédio urbano que, ao adquirir, declarou que iria afetar a fim que permitia que lhe fosse reconhecida – como foi – a isenção de IMT e de Imposto do Selo, sempre determinaria – ainda que o citado n.º 16 não tivesse sido aditado ao mencionado artigo 8.º, nem existisse a norma transitória do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro – a caducidade de tais isenções, por efeito do disposto no n.º 3 do artigo 14.º do EBF.

 

Assim sendo, na situação sub judice não está em causa a aplicação retroativa de qualquer norma que tenha vindo introduzir um novo regime de caducidade das isenções de IMT e de Imposto do Selo previstas nos n.ºs 7 e 8 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH.

 

Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da questão atinente à alegada retroatividade do regime transitório previsto pelo artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, pois, conforme o acima referido, os condicionalismos que originaram as liquidações de IMT e de Imposto do Selo controvertidas não têm qualquer relação com o aditamento dos n.ºs 14, 15 e 16 ao artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, operado pelo artigo 235.º da citada Lei n.º 83-C/2013, mas apenas com a alienação do dito prédio urbano para fins diferentes daqueles para que foram concedidas as isenções de IMT e de Imposto do Selo”.

 

Também em decorrência do que acima se disse, acaba por ficar prejudicado o conhecimento da invocada nulidade (ou, subsidiariamente, a anulabilidade) dos atos de liquidações de IMT e de IS, na perspetiva da eventual violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

 

Os atos de liquidação eram devidos pelas razões acima invocadas.

 

Por fim, refira-se que a questão decidenda já foi objeto de inúmeras decisões do CAAD, nas quais se concluiu em idêntico sentido, de que são exemplos as decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 320/2015-T, 688/2015-T, 689/2015-T, 691/2015-T, 694/2016-T, 705/2015-T, 706/2015-T, 707/2015-T, 708/2015-T, 709/2015-T, 710/2015-T, 717/2015-T, 729/2015-T, 735/2015-T, 737/2015-T, 30/2016-T, 56/2016-T, 59/2016-T, 61/2016-T, 62/2016-T, 63/2016-T, 76/2016-T, 85/2016-T, 93/2016-T, 121/2016-T, 125/2016-T, 126/2016-T, 165/2016-T, 232/2016-T, 241/2016-T, 288/2016-T e            617/2016-T.

 

Razão pela qual terá que improceder na íntegra o pedido formulado pelo Requerente.

 

D)    Constitucionalidade dos atos de liquidação em crise, à luz da norma prevista no artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, nomeadamente, dos n.ºs 14 a 16 aditados ao artigo 8.º do referido regime tributário, bem como, da norma transitória prevista no artigo 236.º dessa Lei, bem como, do princípio vertido no artigo 103.º, n.º 3, da CRP [proibição de retroatividade fiscal]

 

Tal como acima se aludiu, a análise desta questão ficou prejudicada por força do sentido da decisão proferida quanto à legalidade dos atos de liquidação de IMT e IS em crise, à luz do regime legal criado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.

 

E)     Direito do Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Atendendo a que se considerou que os atos de liquidação não enfermam de qualquer vício ou ilegalidade, não tem o Requerente direito ao reembolso do imposto em causa e ao pagamento de juros indemnizatórios relativos aos montantes de IMT e IS por si pagos.

 

VII. Decisão

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente, por não provado, o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

i)         Julgar improcedente o pedido formulado pelo Requerente, por se considerar que os atos de liquidação de IMT e IS em crise não enfermam de ilegalidade e, por esse motivo, não poderão ser anulados ou declarados nulos;

ii)                 Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

iii)               Condenar o Requerente a pagar as custas do presente processo.

 

VIII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.773,83, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e do Processo Tributário, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b), do nº 1, do artigo 29.º, do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

XIX. Custas

Fixa-se o valor das custas do processo em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, em função do decaimento integral na presente ação.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de agosto de 2017

 

O Árbitro

 

(Diogo Bonifácio)