Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 663/2016-T
Data da decisão: 2017-04-20  IRC  
Valor do pedido: € 322.283,38
Tema: IRC – Amortização; Turbinas Eólicas; Poderes discricionários
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Carla Castelo Trindade e José Manuel Aurélio dos Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 2 de Novembro de 2016, A…, S.A., sociedade com sede na …, Lote …, …-… Lisboa, pessoa coletiva com o número de identificação fiscal …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2016…, da liquidação de juros n.º 2016 … e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, todos respeitantes ao período de tributação de 2014, na parte em que consideraram como custo fiscalmente indedutível desse período os valores relativos à amortização dos aerogeradores do B… .

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

 

  1. A taxa de depreciação praticada pela Requerente encontra-se dentro do intervalo legalmente permitido.
  2. Se o prazo de 20 anos correspondesse a um período de vida útil mínimo, tal atiraria o prazo máximo para 40 ou 50 anos.
  3. Que dadas as caraterísticas concretas dos aerogeradores que foram comprados, o período de vida útil de 15 anos é de facto o mais razoável.
  4. É inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, a interpretação da lei efetuada pela AT.

 

  1. No dia 03-11-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 04-01-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de se opor a qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 19-01-2017.

 

  1. No dia 21-02-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º, e n.º 2 do artigo 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

1-      A Requerente tem como objecto social a «exploração de energias alternativas, prestação de serviços, venda de equipamento de produção de energias alternativas» e encontra-se inscrita na actividade de «Produção de electricidade de origem eólica, geotérmica, solar e não especificada» (CAE 035.113), encontrando-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação.

2-      A Requerente dedica-se à exploração de um conjunto de aerogeradores, localizados no concelho de …, denominado B… .

3-      A empresa reveste a forma jurídica de sociedade anónima.

4-      O seu capital social é de 60.000,00€, sendo detido em 89,98% pela sociedade espanhola C… (grupo C…) e em 10,02% pela empresa D… , Lda. (grupo E…)

5-      A Requerente foi objecto da acção inspectiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2016…, de 12/04/2016, de âmbito geral, incidente sobre o exercício de 2014.

6-      A acção resultou de proposta de inspecção n.º PIP 2016… .

7-      No âmbito de procedimentos inspectivos efectuados aos exercícios anteriores, a AT constatou a prática de taxas de amortização superiores às que entendeu legalmente estabelecidas, pelo que foi proposta a referida acção de inspecção ao exercício de 2014 da Requerente.

8-      Do Relatório de Inspecção Tributária, consta, para além do mais, que:

“No âmbito de procedimentos inspetivos anteriores, que visaram o controlo da situação tributária do sujeito passivo, com referência aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, foram identificadas incorrecções relacionadas com a não-aceitação da dedutibilidade para efeitos fiscais dos encargos suportados relativos à prática de taxas de amortização superiores às legalmente previstas.

De acordo com a informação recolhida, constatamos que, em 2014, não se verificaram alterações quer quanto à forma de contabilização dos referidos gastos quer quanto à sua natureza, pelo que os factos e fundamentos invocados nos parágrafos seguintes, serão coincidentes com os referidos nos relatórios anteriores, com as devidas adaptações.

Na sequência da análise aos mapas de reintegrações e amortizações do sujeito passivo, enviados na sequência da notificação efetuada em 08/06/2016, verificou-se que as torres eólicas, assim como as outras despesas com elas conexas, estão a ser amortizadas à taxa de 6,67% (vida útil de 15 anos).

Pela leitura aos contratos de arrendamento, celebrados com os proprietários dos terrenos onde estão implantadas as torres eólicas, podemos verificar que, dum modo geral, estes foram celebrados por um período de 25 anos.

As regras gerais das depreciações e amortizações estão definidas no código do IRC (CIRC) nos seus artigos 29º a 34º, no entanto o CIRC remete para diploma regulamentar o desenvolvimento deste regime.

Para os bens em causa neste procedimento inspetivo é aplicável o DR 2/90, aos bens cujo início da utilização foi no exercício de 2009, e o DR 25/2009, aos bens cuja utilização foi iniciada no ano de 2010. Em ambos os casos, as tabelas anexas a estes Decretos Regulamentares são omissas no que se refere a estes bens.

Ora para colmatar esta lacuna legislativa, o n.º 3 do artigo 5o do DR 2/90 dispõe que “relativamente aos elementos não mencionados no número anterior para os quais não se encontrem fixadas taxas de reintegração e amortização nas tabelas referidas no nº 12, serão aceites as que pela Direcção- Geral das Contribuições e Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”. Do mesmo modo, o n.º 3 do artigo 5º do DR 25/2009 dispõem que “relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 13, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”.

Em suma, quanto aos elementos para os quais não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou de amortização nas citadas tabelas, serão aceites as que pela autoridade Tributária e Aduaneira sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada, de acordo com o n.º 3 do artigo 31o do CIRC, conjugado com o n.º 3 do artigo 5o do DR 2/90 e do DR 25/09.

De modo a poder aquilatar-se da razoabilidade do período de utilidade esperada para os equipamentos constituintes dos “parques eólicos”, foram efetuados diversos contactos de forma informal, pelos Serviços, a diversos fornecedores destes equipamentos como a F…(…), G…, H… e I…, de modo a poder chegar-se à conclusão dum período de vida útil que seja considerado razoável.

Na sequência desses contactos, foi verificado pelos Serviços que os fornecedores assumem que, com os avanços tecnológicos introduzidos e com e o crescente aumento de fiabilidade, os equipamentos estão concebidos para que em situações de funcionamento e manutenção standard tenham uma vida útil expectável superior a vinte anos. A partir desta idade é provável que os custos de manutenção sejam mais elevados, pela necessidade de substituição de componentes mais dispendiosos, e que o projeto de exploração se torne, ao longo dos anos, economicamente menos atrativo/lucrativo. (anexo 1 – exemplo)

Também foi analisado o estudo técnico, efetuado pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), sobre o “período de vida útil esperada de equipamentos de conversão de energia eólica”.

Este trabalho teve como principal objetivo determinar o período de vida útil estimada para uma turbina eólica, no âmbito duma prestação de serviços acordada entre o LNEG e a Associação Portuguesa de Produtores de Energias Renováveis (APREN). Esta determinação do período de vida útil estimado para uma turbina eólica teve como enquadramento identificar a taxa de amortização a aplicar nos projetos de parques eólicos, dado nos Decretos Regulamentares 2/90 e 25/09 a taxa para estes bens ser omissa nas suas Tabelas anexas. (anexo 2)

O LNEG desenvolveu o seu estudo numa metodologia baseada em dois aspetos fundamentais: a identificação da redução da produção energética ao longo do tempo através da determinação da tendência do fator capacidade, e o decréscimo da rentabilidade económica dum parque eólico. Esta abordagem permitiu-lhes definir um intervalo temporal para a vida útil da turbina.

Como conclusão do seu estudo, o LNEG estima que o período de vida útil duma turbina eólica se situa entre 20 a 25 anos. O LNEG considera que após este período se torna necessário efectuar substituição de componentes, devido à sua degradação, começando assim o decréscimo da rentabilidade dos projetos, devido ao aumento dos custos da manutenção e a uma consequente diminuição dos resultados económicos que, ao longo da linha do tempo, tornarão o projeto inviável.

O LNEG concluiu também que este seu estudo atinge resultados concordantes com os referidos pelos fabricantes de turbinas eólicas, ou seja, uma vida útil esperada na ordem dos 20 anos.

Temos assim, em súmula do que foi acima apontado, que a vida útil estimada dos parques eólicos determinada em função dum conjunto de fatores físicos/materiais e económicos. Os fatores físicos, ou materiais, prendem-se com a capacidade/durabilidade dos equipamentos, que, em resultado do que foi apontado pelos fabricantes, e pelo próprio LNEG, podemos concluir que estes poderão funcionar normalmente para além dos 20 anos de idade, podendo implicar, no entanto, reparações (maiores ou menores) decorrentes do desgaste dos seus componentes. Os fatores económicos prendem-se com a rentabilidade ótima financeira do projeto que, em resultado da idade dos equipamentos, supõe-se que irá diminuir face ao expectável aumento dos gastos de manutenção e reparação dos equipamentos e à sua possível diminuição de capacidade, face à evolução da tecnologia, que poderá implicar perdas produtivas.

Estas informações e conclusões são corroboradas pelos próprios projetos apresentados pelas diversas entidades que exploram os parques eólicos. Relativamente ao caso em apreço, o sujeito passivo apresentou, para o seu B…, um projeto para 20 anos. Esta informação pode ser constatada na página 24 do Estudo de Impacto Ambiental, relativo a este parque eólico, e cuja vida útil está em apreciação. Este estudo foi elaborado pela empresa “J... (anexo 3)

Em consulta a outros estudos elaborados para outros parques eólicos, constata-se que os projectos apresentados são igualmente para 20 anos.

Sobre este assunto foi ainda instada a pronunciar-se a Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC).

No seu parecer a DSIRC vem referir que:

“(...) As taxas de depreciação para os parques eólicos não se encontravam previstas nas Tabelas Anexas ao Dec. Reg. n.º 25/2009, de 14 de Setembro, até à entrada em vigor da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro. As taxas das Tabelas eram as mesmas do revogado Dec. Reg. N.º 2/90, de 12 de janeiro, e naquela altura (1990), ainda não se produzia elétrica para comercialização com base nesta nova tecnologia.

Assim a Autoridade Tributária aceitou as que considerou razoáveis, com base no n.º 3 do art.º 5º do Dec. Reg. N.º 25/2009.”;

“Aos sujeitos passivos detentores de parques eólicos que solicitaram autorização à AT –Autoridade Tributária e Aduaneira para aplicação de uma taxa de depreciação anual de 5%, com base numa vida útil estimada de 20 anos, foi-lhes autorizado por despacho superior (...)”.

“Esta Direção de Serviços solicitou aos requerentes que enviassem estudos técnicos que lhes permitiram concluir que a vida útil estimada dos “Parques Eólicos”, era de 20 anos.

Foi-nos enviado entre outros, o parecer do qual se transcreve o seguinte excerto: “... A tecnologia eólica conheceu um avanço notável em menos de duas décadas. Assim passou-se de uma situação de perfeita insipiência tecnológica para a existência de turbinas de 6 MW com rotores de 120 m de diâmetro que conseguem apresentar níveis de fiabilidade mecânica acima de 95%. (...)

Ora toda a indústria refere como tempo de vida útil de projeto o valor de 120 000 horas de funcionamento, o que com fatores de carga standart significa aproximadamente 20 anos. Para confirmação deste valor basta consultar na WEB algumas instituições de referência desta indústria, independentes e autónomas dos fabricantes...””

“Face ao exposto, relativamente às depreciações dos parques eólicos (ativos fixos tangíveis como um todo), afigura-se-nos que a taxa máxima de depreciação a aceitar para efeitos fiscais será de 5%, nos períodos de tributação que se tenham iniciado antes de 1 de janeiro de 2015, ao abrigo do n.º 3 do art.º 5º do Dec. Reg. N.º 25/2009 de 14 de Setembro.”.

Deste modo, resulta de todo o exposto que é posição unânime das várias entidades consultadas (fornecedores de equipamentos, estudo do LNEG e AT) e das várias empresas exploradoras de parques eólicos, de que os projetos de parques eólicos têm uma vida útil esperada de 20 anos, prazo a partir do qual se calcula que a sua rentabilidade diminua e que o projeto comece a perder o interesse económico, pese embora seja admitido que as turbinas eólicas, elemento essencial e de maior valor dos parques eólicos, tenham uma vida útil de pleno funcionamento (com a manutenção apropriada) para lá da vida útil económica ótima do projeto. Acresce o facto de que se calcula que a rentabilidade esperada máxima ocorra durante os 20 primeiros anos de exploração, mas nada obsta a que os parques eólicos não continuem a transformar a energia eólica em elétrica de forma economicamente sustentável e rentável durante muitos mais anos.

Assim, e de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30º do CIRC e do n.º 3 do artigo 5º dos citados Decretos Regulamentares (2/90 e 25/09), conjugado com o que acima foi exposto, consideramos, para efeitos de reintegrações e amortizações, que o período de vida útil aceitável para os parques eólicos (ativos fixos tangíveis como um todo) é de 20 anos, o que corresponderá uma taxa de reintegração/amortização de 5%.”

9-      Considerou, pelo exposto, a AT que, e de acordo com o disposto no artigo 34.º do CIRC, a Requerente praticou amortizações excessivas, pelo que procedeu à sua correcção.

10-  A correção efectuada foi de 1.121.018,80€, conforme se discrimina no quadro seguinte:

11-  No âmbito do procedimento inspectivo, a Requerente não exerceu o seu direito de audição.

12-  As correcções efectuadas no âmbito da acção inspectiva originaram a emissão das liquidações objecto da presente acção arbitral, relativas ao exercício de 2014.

13-  A AT efectuou várias consultas informais, nos sítios de internet dos principais fabricantes presentes em Portugal, nomeadamente a F… (actualmente K…), G…, H… e I…, e concluíu que a generalidade daqueles fabricantes, assumem que o tempo de vida útil esperado (Life Time Cycle), de cada máquina que produzem é de 20 anos.

14-  A Norma 61400-1 do Comité Internacional de Electrónica, refere na sua página 24, o seguinte: “The design lifetime for wind turbines classes I to III shall de at least 20 years”.

15-  No Estudo Técnico “Período de Vida útil Esperada de equipamentos de conversão de energia eólica” do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), de Dezembro de 2013, pode-se ler na pág. 5:

“(...) Assim, o período de garantia de uma turbina eólica é semelhante ao atribuído a qualquer equipamento adquirido mediante uma transacção comercial. No caso das turbinas eólicas este período corresponde a 2-5 anos após a sua entrada em operação. Normalmente este período de garantia refere-se não só à operação e manutenção do equipamento, como à garantia de produção, tendo directamente a ver com o período para o qual são redigidos os contractos de manutenção. Inicialmente estes contractos tinham uma duração de 2 a 5 anos, no entanto, nos anos mais recentes têm surgido casos nos quais estes contractos são redigidos para períodos mais longos, chegando a atingir o período de vida útil esperado para as turbinas eólicas (cerca de 20 anos).”

16-  A dissertação “Metodologias de avaliação do desempenho dos Parques Eólicos” de Nuno Cardoso, realizada no âmbito do Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica, com a coordenação do Professor Álvaro Henriques Rodrigues do Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, refere, a pág. 12, o seguinte:

“(...) a fase de operação de um parque eólico é o que se prolonga por um período de tempo mais alargado. O horizonte temporal de 20 anos é o habitualmente considerado, uma vez que representa o tempo de vida útil esperado para os aerogeradores em torno dos quais se centram as actividades levadas a cabo: exploração, manutenção e conservação do parque.”

17-  O estudo de impacto ambiental elaborado pelo “Ministère de l’ Écologie et du Développement Durable” (2005) francês, aponta, na sua página 52, para um período de vida estimada dos aerogeradores de 20 a 30 anos, no fim do qual o explorador tem a responsabilidade de desmantelar o parque eólico e repor o local de implantação no seu estado original.

18-  O “Renewable Energy Fact Sheet: Wind Turbines” elaborado pela “United States Environmental Protection Agency”, menciona, na sua página 2, uma vida útil típica de 20 anos.

 

A.2. Factos dados como não provados

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

 

B. DO DIREITO

 

Conforme decorre dos factos dados como provados, a AT desconsiderou a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 15 anos, aplicada pela Requerente, porquanto entendeu que 20 anos seria, no seu juízo, o prazo razoável para o efeito.

A decisão da AT assenta no n.º 2 do artigo 31.º do CIRC e no n.º 3 do artigo 5.° do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, que dispõem, respectivamente:

-          “Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”;

-          “Relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”

A questão que se apresenta a dirimir nos presentes autos, foi já objecto de apreciação noutros processos arbitrais tributários, conforme indicado pelas partes, tendo, de um modo geral, as decisões proferidas ido no sentido de se substituírem ao juízo efectuado pela AT, considerando razoável o prazo inferior utilizado pelos contribuintes.

Ressalvado o muito respeito por tais decisões, considera-se pertinente e acertada a crítica efectuada no voto de vencido proferido no processo arbitral n.º 593/2015T[1], que, com a devida vénia, se transcreve:

“Note-se que, nos termos do art. 31.º, 2 do Código do IRC e do art. 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, essas taxas de amortização passaram a ser as aplicáveis "ex lege", na medida em que aqueles preceitos atribuíram à AT um poder discricionário de fixação das taxas – num quadro específico de "discricionariedade técnica", como melhor veremos adiante.

Isso basta para encerrar a questão especificamente suscitada pela omissão de taxas de amortização expressas para os equipamentos em causa: aqueles preceitos apontam o caminho para se resolver essa questão, e esse caminho foi o seguido. Passou a haver taxas de amortização definidas nos termos legais, e foram essas que foram aplicadas. (...)

Esclareçamos agora o nosso entendimento, seja quanto à existência, no caso, de discricionariedade técnica "stricto sensu", seja quanto às respectivas implicações em matéria de insindicabilidade contenciosa das decisões tomadas, nesse âmbito, pela AT.

A discricionariedade administrativa é mais um poder-dever do que uma pura liberdade de escolha, visto que tudo se subordina à prossecução do interesse público concreto, ainda que quanto ao conteúdo, quanto ao objecto, ou quanto à forma da solução administrativa possa admitir-se uma multiplicidade de vias igualmente válidas – ou seja, que não colidam com qualquer outro princípio norteador da actividade administrativa.

Nos casos em que a lei quis atribuir discricionariedade, deixa de ser legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um acto de administração entrar na definição de um conteúdo, um objecto ou uma forma como únicos compatíveis com o fim a prosseguir, para, em função deles, apreciar o acto em questão – o que na prática significaria admitir que o Tribunal se substituísse à Administração Pública no traçado dos elementos do acto por ela praticado, negando a própria existência da discricionariedade estabelecida na lei.

A margem de livre decisão administrativa constitui assim um limite funcional à jurisdição administrativa, na medida em que aquela margem se centra em esferas de mérito, de conveniência ou de oportunidade na reserva de competência, sem implicações na validade da conduta administrativa, situando-se por isso à margem da sindicabilidade contenciosa, que só poderá valer para a violação dos limites externos do poder discricionário (ainda que subsista a possibilidade de controlo de mérito pela via graciosa, esta compatível ainda com a autonomia pública administrativa).

Por outras palavras, na pura discricionariedade administrativa os Tribunais têm que limitar-se a verificar se os limites legais da discricionariedade, os limites positivos de competência, de finalidade, de imparcialidade e de proporcionalidade foram ou não respeitados – não podendo sindicar o que quer que tenha resultado da decisão administrativa tomada na observância daqueles limites.(...)

Não podendo o Tribunal substituir-se à Administração na formulação de um juízo que caiba estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta, a discricionariedade técnica está em princípio subtraída, também ela, à sindicabilidade do Tribunal, a menos que ostente erro grosseiro, manifesto, crasso.

Em sentido estrito, a discricionariedade técnica é aquela em que, estando em causa a solução de questões que exijam conhecimento científico especializado, a Administração é forçada a tomar decisões amparada em informações e estudos técnico-profissionais, ficando a Administração vinculada, pois, à manifestação conclusiva dos profissionais consultados, não podendo em suma adoptar solução diversa da indicada pelos especialistas – sendo que as decisões administrativas desta natureza só poderão ser impugnadas judicialmente ou administrativamente se faltar o apoio nessas informações técnicas corroboradas por especialistas na matéria, ou se a decisão divergir ostensivamente das conclusões contidas nessas informações e estudos.

Na discricionariedade técnica os pressupostos que integram a previsão da norma configuram conceitos técnicos reportados a factos apenas verificáveis ou valoráveis com base em conhecimentos e instrumentos próprios de ciências que não a ciência jurídica.

Está em causa, pois, uma actividade administrativa traduzida em juízos técnicos de existência, juízos técnicos valorativos ou juízos técnicos de probabilidade, pelos quais a lei confere à Administração um poder de valoração técnica, que, não implicando ponderação comparativa de interesses secundários, envolve valoração de factos e circunstâncias de carácter técnico.

Daí que a doutrina tenha por vezes, no século e meio de elaboração do conceito (que terá surgido em meados do século XIX), usado a expressão "discricionariedade imprópria" como género de que a "discricionariedade técnica" seria uma espécie, procurando com isso enfatizar a ausência de juízos de oportunidade e conveniência que sobrelevem aos juízos de carácter estritamente técnico (a "discricionariedade técnica" estaria irmanada com a "liberdade probatória" e com a "justiça burocrática" dentro dessa família de "discricionariedades impróprias"). (...)

Por outro lado, na discricionariedade técnica "stricto sensu" não cabe o juízo de valoração assente em conceitos jurídicos ou juridico-técnicos indeterminados, um juízo que nada tem a ver com a margem de livre apreciação e decisão que caracterizam o genuíno juízo de discricionariedade, antes se reconduz às regras próprias da interpretação jurídica em via de aplicação puramente subsuntiva e, portanto, passível de controlo jurisdicional.

Com a técnica do conceito jurídico indeterminado não há discricionariedade: a lei refere-se a uma esfera de realidade cujos limites não aparecem bem enunciados, mas que podem ser determinados no caso concreto, por via de interpretação, não se admitindo mais do que uma solução, mais do que uma "densificação" do conceito.

Na discricionariedade técnica "stricto sensu" cabe, sim, o juízo de valoração assente em conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica não-jurídicas que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária.

Trata-se de casos em que a apreciação pela Administração exige a utilização de critérios técnicos, e a solução de questões técnicas deve realizar-se conforme regras e conhecimentos próprios – e a lei não apenas o reconhece como o impõe a todos os operadores do Direito (e não somente à Administração, sua primeira destinatária).

Verificando-se discricionariedade técnica "stricto sensu", o controle jurisdicional terá, portanto, que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, ou seja, novamente, limitar-se à verificação do respeito, ou não, dos limites legais da discricionariedade, dos limites positivos que presidiram à atribuição legal do poder discricionário e correspondentes prerrogativas – podendo especificamente sindicar-se, nas fronteiras da "margem de livre apreciação", (1) um erro grosseiro ou manifesto de apreciação (2) um erro nos pressupostos de facto (3) um desvio de poder ou (4) a violação manifesta dos princípios gerais da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé como princípios conformadores da actividade administrativa.

Mais especificamente, se a lei comete à Administração o poder de especificar uma valoração não previamente fixada pela própria lei, não pode um Tribunal proceder à reponderação dos juízos efectuados pela Administração nesse âmbito, a não ser que esteja demonstrada a existência de erro grosseiro ou manifesto – nomeadamente a falta de apoio em informações e estudos técnico-profissionais corroborados por especialistas e reclamados pela densificação de conceitos extrajurídicos. (...)

Estamos aqui muito próximos do âmbito no qual se tem desenvolvido, nos EUA, o tema da "discricionariedade técnica", lá muito centrado na delimitação da competência das agências reguladoras, seja para definir os limites de sua função normativa, seja para estabelecer os limites do correspondente controle jurisdicional.

Aí emergiu a técnica dos "standards", pela qual a lei se limita a estabelecer parâmetros, princípios, conceitos indeterminados, ficando para as agências a função de especificarem normas reguladoras, directrizes – regras especializadas e descentralizadas, assentes em conhecimentos técnicos inabarcáveis, na sua especificidade, seja pelo próprio legislador, seja pelo controle judicial.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, insiste-se, por muito que eles divirjam do entendimento dos particulares ou do entendimento do próprio julgador – tendo um Tribunal que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, e quando muito demonstrar, através de outras informações técnico-profissionais corroboradas por especialistas, que as informações e estudos utilizados pela Administração em apoio dos seus juízos eram gritantemente falsos, caprichosos ou inadequados, ou que foram ostensivamente, grosseiramente, desconsiderados nos próprios juízos efectuados pela Administração para a pretendida densificação de conceitos extrajurídicos.

Insistamos que a mera divergência de juízos entre a Administração e os particulares, ou até entre a Administração e o Tribunal, não constitui prova de qualquer erro ou vício do acto impugnado que seja passível de sindicância contenciosa, e não legitima de modo algum que o Tribunal se substitua à Administração na formulação de um juízo que cabe estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta.

E tanto assim é que, em casos de erro grosseiro em que possa concluir-se que a Administração exorbitou dos seus poderes e saiu abertamente do campo da discricionariedade técnica para entrar no da ilegalidade, a ponto de o Tribunal poder anular a decisão administrativa em causa, é pacífico que o Tribunal não pode nunca substituir a decisão administrativa anulada por outra que repute mais adequada – ou seja, não pode, sem violação do princípio constitucional da separação de poderes, avocar para si aquela discricionariedade técnica.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, em suma, salvo nesses pressupostos estritos, salvo quando seja patente um erro crasso, palmar, ostensivo, traduzido em grave desajustamento da decisão à situação concreta e à prossecução do interesse público, em termos em que poderia ter-se por arbitrária a exclusão da sindicabilidade por meios não-técnicos – pois a não ser assim, sem todas estas salvaguardas, a discricionariedade técnica "stricto sensu" seria letra morta, tudo soçobrando em vinculação estrita, e a invocação de uma margem de livre apreciação e valoração técnica cometida à Administração passaria a ser uma bizarra ficção antijurídica. (...)

Voltando ao caso, e resumindo.

Se aceitarmos que há um poder discricionário estabelecido a favor da AT, não podemos cair na tentação de proceder a uma "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, o proposto pela Requerente e o proposto pela AT: a lei vedou-o expressamente ao estabelecer um poder discricionário a favor da AT.

Assim, para rejeitar como "não razoável" um prazo proposto pela Requerente, bastou à AT desenvolver uma diligência no sentido de demonstrar que esse prazo não decorre do conceito de "vida útil esperada" que ela mesma, AT, perfilha. A AT fê-lo; e ao fazê-lo não violou ostensivamente, grosseiramente, quaisquer dos princípios gerais de direito a que está submetida.

Dada a discricionariedade técnica, não compete a nenhum Tribunal entrar no mérito substantivo da liquidação, e menos ainda a um tribunal arbitral, que deve cingir-se a questões de legalidade (art. 2.º do RJAT).

Pode este Tribunal, ou qualquer outro, achar que é mais razoável o prazo proposto pela Requerente, ou pode ao invés achar que é mais razoável o prazo proposto pela AT – mas essa avaliação é, e tem que ser, irrelevante no caso, porque, insiste-se, o estabelecimento por lei de um poder discricionário, como o que foi exercido, veda qualquer possibilidade de "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, como veda qualquer outro juízo de mérito.

O que restaria a este Tribunal, ou a qualquer outro Tribunal, seria sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.”

Subscreve-se tal entendimento, ou seja, o de que as normas em questão conferem à AT uma discricionariedade técnica, pelo que o Tribunal apenas poderá “sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.”.

            Não obstante o expendido no recente acórdão proferido no processo arbitral 238/2016T[2], do CAAD, que entendeu que, num caso análogo ao presente, não estará em causa o deferimento de um poder discricionário à Administração, mantém-se o referido entendimento.

Efectivamente, entende-se que o referido aresto se ancorou essencialmente em jurisprudência e doutrina que se considera não directamente transponível para o caso concreto, uma vez que se reportam a um tipo de discricionariedade técnica, assente exclusivamente na utilização pelo legislador de termos eminentemente técnicos ou que, por qualquer forma, impliquem um juízo de tal natureza.

Ora, no caso, não só o juízo subjacente às normas em questão tem, de facto, uma natureza eminentemente técnica, como, para além disso, as referidas normas remetem para um juízo de razoabilidade especificamente deferido à AT, utilizando a expressão “são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis”, não se tendo, por isso dúvidas que se está no domínio dos poderes discricionários da Administração, que, para além do mais, por força do princípio da separação de poderes, haverá que ser respeitado, como de resto continua a ser reconhecido por jurisprudência recente[3], sendo que a matéria a que se reportam os referidos poderes discricionários são de natureza eminentemente técnica.

Conclui-se, assim, sem dúvidas, que o legislador deferiu uma margem de liberdade à AT, ao utilizar a expressão atrás transcrita, pelo que sendo sindicável a decisão da AT, o é, unicamente, dentro dos limites que respeitem a margem deferida de livre apreciação legitimamente deferida pelo legislador à AT.

Não obstante, no caso, julga-se que o que acontece é que o poder discricionário foi, em face da lei, incorrectamente exercido, o que se procurará demonstrar por duas vias.

Senão vejamos.

Embora, in casu, se esteja no campo da discricionariedade técnica, serão aplicáveis, directamente, as considerações tecidas no Acórdão do STA de 27-11-2013, proferido no processo 01159/09[4], a propósito da aplicação de conceitos indeterminados, entendendo-se que:

“Desse modo, deparando-se com conceitos indeterminados, cabe ao órgão decisor, desde logo, apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.

Nessa medida, e como bem observa ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA (In “Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo”, Almedina, 1994, p. 18 e 60.), os “conceitos jurídicos indeterminados" possuem peculiaridades no âmbito do Direito Administrativo, já que aí o juiz tem a função de fiscalizar se a administração deu a correta interpretação e aplicação a esses conceitos. A interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados pela administração constitui, portanto, uma actividade estritamente vinculada à lei. Admitir qualquer margem de apreciação a favor da Administração «significaria alargar o campo da discricionariedade ao Tatbestand legal e com isso se estaria a aplicar um grave golpe nas garantias do cidadão que o Estado de Direito não admite».”.

Ou seja: a norma que confere os poderes de discricionariedade técnica à AT, não deixa de ser uma norma jurídica, carente de, antes da aplicação (onde a discricionariedade é exercida), interpretação, interpretação esta que é, naturalmente, jurisdicionalmente sindicável.

Não se trata aqui, assim, de transpor para o domínio da discricionariedade técnica, o especial dever de fundamentação que assiste à Administração quando aplica conceitos indeterminados, mas antes de afirmar, tal como acontece com as normas que contêm estes, que relativamente às normas que conferem aquela é necessário “apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.”.

Dito de outro modo, a norma que confere poderes discricionários à Administração carece ela própria de interpretação, desde logo no sentido de determinar quais os concretos poderes que são conferidos – no fundo, qual a tarefa que o legislador pretende que seja confiada à discricionariedade da Administração, sendo que tal operação hermenêutica, como não pode deixar de ser, é jurisdicionalmente sindicável.

Assim, desde logo, e no caso, afigura-se que a interpretação que a AT fez das normas jurídicas em questão, acima indicadas, não é a correcta, tendo a AT determinado, erradamente, qual a tarefa que nos termos daquela, lhe cabia.

Com efeito, a AT, conforme resulta do relatório de inspecção e da matéria de facto apurada, limitou-se a indicar um valor correspondente ao número de anos que entende razoável para a amortização dos equipamentos em causa.

Ora, ressalvado o respeito devido a melhor opinião, não é esse o sentido das normas aplicadas.

Efectivamente, quer uma quer outra das normas, referem-se a situações em que, para um determinado elemento, não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, dispondo que, nesse caso, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis.

Ora, a utilização do plural não pode deixar de ser significativa, e o significado não deverá deixar de ser o de que à AT não cumpre fixar uma taxa de depreciação única como sendo a razoável, mas, antes, a de fixar um intervalo de taxas que sejam consideradas razoáveis.

Efectivamente, no labor hermenêutico a operar, não se pode deixar de notar que as normas em questão não prescrevem que a AT se substitua ao legislador na indicação de uma percentagem, análoga às fixadas na tabela que é omissa relativamente ao elemento a amortizar, mas na indicação das taxas de depreciação ou amortização que sejam razoáveis.

Assim, as taxas de depreciação ou amortização aceitáveis, no sistema vigente, estão compreendidas dentro de um intervalo decorrente entre o período mínimo e máximo de vida útil de um bem, tal como definido no artigo 3.º n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro.

Daí que, estando em causa o suprimento de omissões da tabela anexa ao referido D.R., deverá a AT proceder nos mesmos termos, fixando, não uma taxa de amortização ou depreciação fixa, em função de um conceito de “vida útil esperada”, preenchido por um juízo de “valor médio de utilidade esperada”, mas, tal como decorre do regime daquele mesmo D.R. e tabela anexa, um intervalo de taxas de depreciação ou amortização razoáveis, compreendido entre um período de vida mínima razoável e um período de vida máxima razoável (tendencialmente equivalente ao dobro do período de vida mínima)[5] tal como, para os elementos constantes da referida tabela, ocorre, sendo, precisamente, esse, o sentida da utilização do plural da palavra “taxa”, e respectivas concordâncias, nas normas dos artigos 31.º n.º 2 do CIRC e 5.° n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro.

De outro modo, ou seja, ao entender-se que a AT poderia, em cada caso concreto onde fosse chamada a pronunciar-se, fixar para um mesmo tipo de elemento do activo, uma a taxa de amortização concreta, e, consequentemente, um período de vida útil único, em função do que, nesse caso concreto, se lhe afigurasse razoável, cair-se-ia numa inaceitável falta de generalidade nas decisões da Administração, remetendo-se para um "casuísmo" que é precisamente o contrário daquilo que o sistema jurídico impõe que aconteça no preenchimento de lacunas legais através do exercício de poder discricionário.

Os valores da segurança e da justiça reclamam que, quando à Administração é legalmente cometido o poder discricionário de preencher lacunas da própria lei, a Administração deva agir no mesmo plano de abstracção e generalidade que presidem idealmente à fixação dos critérios legais, quando estes existem.

No caso das normas em apreço, quando a lei alude a que "são aceites", não pode pois deixar de referir-se à admissibilidade de um intervalo de taxas, que passam a vigorar para um universo de equipamentos omissos, tenham eles sido já, ou não, objecto de amortização ou depreciação, de liquidação de imposto ou de litígio com a própria Administração.

A Administração tem, despertada ou não pela iniciativa declarativa de algum contribuinte, que tentar apurar, com imparcialidade, com generalidade, abstracção e congruência, as taxas que passam a ser as "aceites" para aquele caso e para todos os outros.

A não ser assim, as próprias garantias que, para os contribuintes, resultam da imparcialidade e da generalidade seriam colocadas em causa: um contribuinte veria a sua taxa de 5% ser ou não aceite – mas quem lhe garantiria que outro contribuinte, com o mesmo tipo de equipamento mas não conseguiria ver "aceite" uma taxa de 7 ou 8%?

Por outro lado, apenas a fixação de um conjunto de taxas razoáveis, correspondentes ao intervalo de vida útil mínima e máxima de um elemento do activo omisso, fixado de um ponto de vista da generalidade e da abstracção, permite evitar que um contribuinte com equipamento análogo a outro a que a AT tivesse fixado uma determinada taxa precisa de depreciação ou amortização, mas que o utilizasse em circunstâncias diversas, influentes do respectivo período de vida útil, não fique irremediavelmente prejudicado, pelas circunstâncias valoradas pela AT, próprias do primeiro caso que apreciasse.

Deste modo, ao que se crê o entendimento ora sustentado, não só não vai contra os princípios da segurança, da igualdade e da generalidade jurídicas, nem contra o dever genérico de imparcialidade que impende sobre a Administração, como, pelo contrário, será imposto por eles.

Assim, apenas "aceites" taxas de depreciação correspondentes a um período de vida útil mínimo e máximo, pela AT, e passando as mesmas a vigorar para todos os casos similares, nos termos expressos do regime legal, fica preenchida a lacuna e a taxa em vigor deixa de ser a taxa "da AT" para ser a taxa da própria Lei. Só dessa forma, julga-se, se dá execução ao comando legal de fixar “taxas” (no plural) de amortização ou depreciação, não se concebendo como é que a fixação de uma taxa de depreciação única poderá corresponder à intenção legislativa, quando, justamente, não é esse o modus operandi do legislador ao tratar a mesma matéria, por um lado, e o comando legislativo é claro ao prescrever a aceitação de “taxas” razoáveis, por outro.

De resto, esta interpretação sempre seria imposta pelo princípio da igualdade, na medida em que justificação material alguma existe para que os contribuintes possam utilizar taxas de depreciação compreendidas entre o período mínimo e máximo de vida útil dos bens, no caso de os mesmos constarem da tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, e de apenas poderem utilizar uma taxa única (precisamente a considerada razoável pela AT), no caso de não constarem.

E, note-se, tal como no caso dos elementos integrantes da tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, não há qualquer dificuldade com o intervalo de taxas de amortização ou depreciação resultante da conjugação da tabela com o regime de tal decreto, nos casos omissos, de fixação pela AT do intervalo de taxas razoáveis admissíveis, não haverá. Efectivamente, o procedimento subsequentemente será precisamente o mesmo, ou seja, dentro do intervalo fixado, seja pela conjugação do regime do DR e respectiva tabela anexa, seja pela AT, o contribuinte escolherá a taxa mais adequada à sua situação concreta, sem que haja, numa como noutra situação, quaisquer melindres, casuísmo ou arbítrio, ou, para quem assim não entenda, havendo os mesmos em ambas as situações.

Daí que, ao indicar, nos termos dos artigos 31.º n.º 2 do CIRC e 5.º n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, uma única taxa de amortização, correspondente a um período de vida útil fixo, a AT incorreu em errada aplicação daqueles normativos e, consequentemente, a um errado exercício do poder de discricionariedade técnica que eles lhe deferem.

Estando-se aqui a sindicar uma ilegalidade prévia ao exercício do poder discricionário que as normas em questão deferem à AT, naturalmente que não se está a entrar na matéria da substância do exercício de tal poder, não se discutindo, portanto, o acerto técnico da solução a que discricionariamente chegou, na medida em que o que se conclui é que a solução a que chegou não era aquela que os comandos normativos que lhe conferem o poder discricionário prescreviam que produzisse.

 

*

Não se fica por aqui, todavia, a incorrecta intervenção da AT no caso dos autos. Com efeito, a situação em causa não é uma em que um contribuinte, confrontado com a ausência de um bem na tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, solicita à AT a indicação de taxas de depreciação ou amortização que considere razoáveis.

Antes, no caso, a Requerente, nos termos legais, apresentou a sua declaração fiscal[6], possuindo a sua contabilidade devidamente organizada, e a AT pretendeu proceder, e procedeu, a correcções àquela, sendo um caso em que “É à AT que cabe a obrigação da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)”[7].

Ou seja, confrontada com a declaração da Requerente, à AT, cumpria, em primeira linha, demonstrar que aquela estava errada, decorrendo tal ónus não das normas dos n.ºs 2 do artigo 31.º do CIRC e 3 do artigo 5.° do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, mas do artigo 74.º n.º 1 da LGT, conjugado com o artigo 75.º n.º 1 da mesma Lei[8].

Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, demonstrar que a taxa de depreciação utilizada pela Requerente, correspondente a um período de vida útil de 15 anos, estava incorrecta – i.e. não era “razoável” – não é o mesmo que demonstrar que a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 anos, é correcta – i.e. “razoável” – que foi o que a AT fez.

Dito de outro modo, a circunstância de a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 anos, ser razoável, nada diz sobre a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 15 anos, ser, ou não, razoável[9].

Assim, sendo, como se referiu, ónus da AT demonstrar a verificação dos pressupostos da legalidade da sua actuação, e fazendo parte de tais pressupostos a incorrecção do declarado pela Requerente, conclui-se que a AT não demostrou cabalmente tais pressupostos, já que, em lugar de demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização subjacente ao declarado pela Requerente não era razoável, limitou-se a demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil de 20 anos era razoável, de onde não decorre, de forma nem necessária nem directa, que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil de 15 anos, utilizada pela Requerente, não era razoável.

            Desta forma, não tendo demonstrado a AT a legalidade da sua intervenção correctiva, deverá, também por esta via, a mesma ser considerada ilegal.

 

*

            Por fim, não obstante, em sede arbitral, a Requerida vir sustentar que o juízo de razoabilidade relativo ao prazo de 20 anos é relativo a um prazo mínimo de durabilidade do bem em questão, julga-se que tal argumentação não será de acolher.

            Com efeito, e desde logo, considera-se que integra a referida argumentação uma fundamentação a posteriori, uma vez que, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, não se descortina na fundamentação das correcções levadas a cabo e ora contestadas pela Requerente, suporte textual para tal interpretação.

            Assim, como se escreveu no Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 0134/11[10], “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”.

            Por outro lado, o certo é que a própria argumentação da Requerida acaba por contradizer tal tese, afirmando, por exemplo, as taxas determinadas pela Requerida correspondem a “índices médios[11], e que “a medida e a régua mais acertadas e razoáveis serão aquelas que são consideradas como a média[12], de onde resulta, claramente, aquilo que é a realidade, ou seja, que o que foi fixado nas correcções operadas foi uma única taxa, e não um intervalo de taxas, correspondente a um valor médio, e não a um valor mínimo.

            Daí que se considere, nos termos atrás expostos, que deverá o pedido arbitral ser julgado procedente.

 

***

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular o acto de liquidação de IRC n.º 2016…, a liquidação de juros n.º 2016 … e a demonstração de acerto de contas n.º 2016…, todos respeitantes ao período de tributação de 2014, na parte em que consideraram como custo fiscalmente indedutível desse período os valores relativos à amortização dos aerogeradores do B…;

b)      Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 322.283,38, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €5.508,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 20 de Abril de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(José Manuel Aurélio dos Santos)

 



[3] Cfr., por exemplo, o Ac. do STA de 03-03-2016, proferido no processo 0768/15, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler:

I - A discricionariedade consiste numa liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis [a Administração escolhe livremente uma das soluções apontadas na lei, sendo tidas como igualmente boas, qualquer uma delas]. Por outro lado o controlo jurisdicional do poder discricionário obedece apenas ao controlo da legalidade não se estendendo à esfera da oportunidade, onde o poder discricionário ocupa o seu espaço por excelência.

[4] Disponível em www.dgsi.pt.

[5] Sem necessidade, naturalmente, de qualquer diálogo entre AT e Contribuinte no termo do qual se conclua que "são aceites" ou "são rejeitados" as taxas e prazos de depreciação ou amortização "propostos" pelo Contribuinte.

[6] Que se presume verdadeira, nos termos do artigo 75.º n.º 1 da LGT.

[7] Cfr. Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03, disponível em www.dgsi.pt.

[8] Daí que não se esteja a sustentar a necessidade de a AT provar a irrazoabilidade de toda e qualquer taxa que divergisse daquela que ela foi chamada a definir, mas, unicamente, que se entender que uma taxa devidamente declarada não está correcta, careça, como condição da legitimidade da sua intervenção correctiva, de demonstrar a sua incorrecção.

[9] De resto, a circunstância de ambos os períodos de vida útil caberem, dentro do que o Legislador, quando assim o entendeu, considerou serem aceitáveis, indicia, face ao disposto no artigo 9.º n.º 3 do Código Civil, que ambas serão razoáveis.

[10] Disponível em www.dgsi.pt.

[11] Cfr. ponto 47 da Resposta.

[12] Cfr. ponto 48 da resposta.