Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 658/2016-T
Data da decisão: 2017-03-30  Selo  
Valor do pedido: € 13.566,10
Tema: Imposto do Selo – Verba 28 da TGIS; Terrenos para construção exclusivamente para habitação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  A…, Lda., contribuinte n.º…, com domicílio fiscal na Rua …, …, no Porto, apresentou em 31/10/2016, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2015, e a que correspondem os documentos com o n.º 2016…, n.º 2016 … e n.º 2016 …, nos montantes de € 4.522,04, € 4.522,03 e € 4.522,03, respectivamente.

 

1.2.  O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 02/12/2016, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

1.3.  No dia 19/01/2017 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.  Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 19/01/2017, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.  Em 22/02/2017 a AT apresentou a resposta, acompanhada do respectivo processo administrativo.

 

1.6.  O tribunal arbitral em 22/02/2017 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

1.7.  A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações escritas facultativas.

 

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

3.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.

 

Em síntese, a Requerente entende que a liquidação em apreço enferma dos seguintes vícios:

 

a)      Ilegalidade decorrente da errónea interpretação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (Tabela Geral), porquanto a mesma incide apenas sobre terrenos para construção com afectação exclusiva de habitação, tendo o legislador optado por não onerar o sector produtivo; e ainda

 

b)      Ilegalidade decorrente do erro sobre os pressupostos de Direito por aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, com fundamento na violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade.

 

Doutro modo, sustenta a AT que:

 

a)      A Requerente reconhece que o prédio em apreço é um “terreno para construção”;

 

b)      Por outro lado, à situação em apreço é aplicável a redação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral introduzida pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro que expressamente remete para o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis a definição de “terreno para construção”;

 

c)      Ora, após a entrada em vigor da nova redação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, ficaram, segundo a AT, sanadas as questões suscitadas relativamente à tributação dos terrenos para construção;

 

d)     Assim, resulta claro do texto da lei, que a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral se aplica aos terrenos para construção:

 

·         relativamente aos quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção;

·         e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo;

 

e)      Defende, ainda, a AT que muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção;

 

f)       Pelo que a mera constituição de um direito de potencial construção faz, segundo a AT, aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa;

 

g)      Já no que respeita à alegada inconstitucionalidade das liquidações, defende a AT que a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente os Princípios da igualdade e da capacidade contributiva;

 

h)      De facto, a Constituição da República Portuguesa obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas tão-só as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante;

 

i)        Ora, o princípio constitucional da igualdade, não implica, pois, a proibição de todas e quaisquer discriminações negativas ou positivas, mas tão só as que se afigurem destituídas de fundamento razoável, o que constitui o limite constitucional da proibição do arbítrio;

 

j)        Assim, a norma de incidência prevista na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro estabelece dois pressupostos distintivos básicos para ocorrer a sujeição tributária: i) a qualificação do prédio em atenção à sua afectação habitacional e ii) o seu valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00;

 

k)      Importa, ainda, observar que o legislador, para além de conceber a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral como medida de obtenção de receita fiscal necessária para o esforço de consolidação orçamental consagrado no Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) acordado entre o Governo Português e o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (BCE);

 

l)        Pelo que a tributação em sede de Imposto do Selo constante da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor cuja aquisição evidencia implicitamente uma determinada capacidade económica.

 

m)    Conclui a AT que a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral têm-se pronunciado precisamente em sentido inverso à pretensão da Requerente.

 

 

4.      MATÉRIA DE FACTO

 

4.1.  FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

4.1.1.      A Requerente é dona e legítima proprietária do prédio urbano da espécie “terreno para construção” sito na União das Freguesias de … e …, concelho de Matosinhos, distrito do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo… .

 

4.1.2.      O prédio urbano em apreço não tem qualquer edificação ou construção erigida sobre o respectivo solo, tratando-se de um mero “terreno para construção”, conforme descrição da caderneta predial.

 

4.1.3.      O valor patrimonial tributário do prédio urbano em causa ascende a € 1.356.610,00.

 

4.1.4.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2015, (documento n.º 2016 …), no montante de € 4.522,04, terminou em 30 de Abril de 2016.

 

4.1.5.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2015, (documento n.º 2016…), no montante de € 4.522,03, terminou em 30 de Setembro de 2016.

 

4.1.6.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2015, (documento n.º 2016…), no montante de € 4.522,03, terminou em 30 de Novembro de 2016.

 

4.1.7.      Tendo em vista a suspensão do processo de execução subjacente aos referidos actos de liquidação, a Requerente procedeu à apresentação de uma garantia bancária.

 

 

4.2.  FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

5.      O DIREITO

 

5.1.  (I)LEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO DO SELO DE 2015

 

De acordo com a redacção em vigor à data dos factos, conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral estabelece que o Imposto do Selo incide sobre:

 

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%” [sublinhado nosso];

 

Atenta a letra da lei, verifica-se que norma de incidência, no que aos terrenos para construção diz respeito, restringe o facto gerador aos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja exclusivamente para habitação.

 

Ora, na ausência de definição de “terreno para construção” no Código do Imposto do Selo, importa aferir do conceito de “terreno para construção” conforme o disposto no n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI.

 

Assim, consideram-se terrenos para construção “(…) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.

 

De facto, o conceito de “terreno para construção” para efeitos fiscais não deverá entender-
-se como um conceito de natureza formal, mas antes como um conceito de natureza material, especialmente traduzido na destinação potencial à construção.

 

Neste sentido, defende José Maria Fernandes Pires que “O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor.” [1] [sublinhado nosso].

 

Na prática, previamente ao exercício do direito de nele se vir a construir, o que existe é uma mera expectativa de poder ser erigida uma construção.

 

Assim, a titularidade do direito de propriedade sobre um terreno para construção, ainda que de valor superior a € 1.000.000,00, no qual não se encontra erigida qualquer construção, nem tão-pouco autorizada ou prevista, não pode ser considerada uma manifestação de riqueza subsumível à Verba n.º 28.1 da Tabela Geral.

 

De facto, um “terreno para construção” não é, nem pode ser considerado sem mais, com um prédio afecto exclusivamente à habitação.

 

Na realidade, o terreno pode até nunca vir a ser edificado; pode vir a sê-lo exclusivamente para fins comerciais; pode até vir a sê-lo simultaneamente para fins comerciais e habitacionais ou ainda para habitação colectiva.

 

Defendem, também, João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães que “O Imposto do Selo sobre os prédios de elevado valor patrimonial foi criado em 2012, pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e representa, em termos substanciais, uma taxa adicional do IMI sobre esses prédios, apesar de se tratar, juridicamente, de mais um facto sujeito a Imposto do Selo.”

 

Estão genericamente sujeitos a este imposto, os prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de euros que estão afectos à habitação ou sejam terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do Imposto do Selo.” [sublinhado nosso] [2].

 

Por outro lado, sustentam António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás que “(…) em primeiro lugar, (…) o imposto do selo previsto na presente verba incide, tão só, sobre a propriedade urbana, pelo que, dela, ficarão excluídos todos os prédios que sejam classificados como rústicos.”

 

“Deste modo, serão abrangidos pela verba 28.1, os prédios urbanos que se integrem na espécie de prédios urbanos habitacionais e os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, se destine a habitação (…) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz seja igual ou superior a € 1.000.000.” [sublinhado nosso]  [3].

 

Já Andreia Gabriel Pereira entende que “No que à incidência objectiva diz respeito, a Administração fiscal tem sustentado que a previsão inicial da Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo permitia, desde logo, a tributação dos terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário ascendesse ou ultrapassasse 1 milhão de euros.”.

 

 

“Contudo, quanto a este ponto, é já abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e a jurisprudência arbitral (emitida por tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária) em sentido contrário.”.

 

“Nos termos daquela jurisprudência, não tendo o legislador definido o conceito de «prédio urbano com afectação habitacional» de que depende a incidência da mencionada Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, é necessário recorrer às regras do Código do IMI e, na medida em que do artigo 6.º do Código do IMI resulta uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, conclui-se que estes não podem estes ser considerados para efeitos de incidência do Imposto de Selo como «prédios urbanos com afectação habitacional» – cfr., a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 0505/14 ou a decisão arbitral emitida no processo n.º 202/2014, em 16 de Outubro de 2014.” [sublinhado nosso].

 

Para pôr fim à crescente litigiosidade nesta matéria e reconhecendo a inexistência de norma legal que antes o permitisse, o legislador alterou, através do Orçamento do Estado para 2014, o ponto 28.1 da Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, passando a prever-se expressamente que, para além dos «prédios habitacionais», estão incluídos na incidência desta Verba os «terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» – cfr., artigo 194.º do Orçamento do Estado para 2014, aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.” [sublinhado e realce nosso].

 

“Simplesmente, como igualmente já sustentou o Supremo Tribunal Administrativo, a aludida alteração não tem carácter interpretativo – cfr., acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 0467/14 –, o que determina que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, se destine à habitação com valor igual ou superior a 1 milhão de euros somente podem ser sujeitos a tributação pela aplicação da Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo a partir de 2014 (…)” [sublinhado nosso] [4]

 

No caso em apreço, a construção autorizada prevê para o mesmo edifício a construir a sua utilização para fins comerciais.

 

Por outro lado, o licenciamento não constitui, por si só, uma garantia da concretização da obra, pelo que existe uma incerteza na verificação da efectiva utilização habitacional.

 

Conforme resulta, de resto, do Alvará de Loteamento / Emparcelamento n.º …/08, prevê-se que o prédio urbano da espécie “terreno para construção” em causa fosse afecto quer à habitação colectiva, quer a comércio.

 

Ora, no âmbito da aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, a jurisprudência tem sido pacifica ao considerar que “(…) só os prédios que estejam efectivamente afectos à habitação se inserem no âmbito de incidência (…), interpretação esta que assentou no elemento literal “afectação”, que pressupõe uma concreta e efectiva utilização para habitação, e na “ratio legis”, resultante da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios com afectação habitacional, às circunstâncias em que a lei foi elaborada.”. [5]

 

A actual redacção da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alargou, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir, de uma forma explícita, os “terrenos para construção” para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação.

 

Contudo, pese embora a anterior redacção restringisse o âmbito de incidência à efectiva utilização para habitação, a actual redacção da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral tendo passado a incluir os “terrenos para construção” manteve o condicionalismo relativo à inclusão da edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

 

Na prática, continua a restringir-se o âmbito de incidência, no caso dos “terrenos para construção”, à edificação autorizada ou prevista que seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.

 

Motivo pelo qual, não se pode considerar condição única e exclusiva para a aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral o facto de o “terreno para construção” ter um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00.

 

Nesta medida, a sujeição à Verba n.º 28.1 da Tabela Geral depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos (para além da propriedade do prédio):

 

  • o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, ser igual ou superior a € 1.000.000,00;
  • tratar-se de um terreno para construção; e
  • a edificação autorizada e prevista para o mesmo ser para habitação, nos termos do Código do IMI. [6]

 

Importa, pois, verificar no caso em apreço, o preenchimento dos mesmos.

 

Quanto ao primeiro requisito, a Requerente não contesta o valor patrimonial tributário do prédio, pelo que o mesmo se encontra verificado: o prédio considerado como um todo tem valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00.

 

 

 

Já quanto ao segundo requisito, tão-pouco é contestada pela Requerente a qualificação do prédio como “terreno para construção” nem a sua inclusão na definição constante do n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI [7], pelo que o mesmo se encontra, também, verificado.

 

Não bastando o preenchimento destes dois requisitos, importa analisar o terceiro requisito: que a edificação, autorizada e prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.

 

Ora, conforme resulta do Alvará de Loteamento / Emparcelamento o prédio em apreço não se destina apenas à habitação, tendo uma afectação mista: comércio e habitação colectiva.

 

Mais, e sem ser necessário entrar na discussão do que seja a “autorização ou previsão de

edificação para habitação”, tanto em termos urbanísticos como em termos fiscais [8], não há dúvidas neste caso concreto: ainda que se considerasse que o Alvará de Loteamento permite conferir ao prédio a previsão de nele vir a ser construída uma edificação, o que é facto é que, in casu, o Alvará de Loteamento é claro: o destino do “terreno para construção” é o comércio e a habitação colectiva.

 

Sendo, por esse motivo, evidente que o terceiro requisito constante da norma de incidência de imposto não se encontra verificado, porquanto o “terreno para construção” não tem uma edificação, autorizada ou prevista, exclusivamente afecta a habitação.

 

No mesmo sentido, veja-se ainda o disposto na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 578/2015-T, de acordo com a qual:

 

“(…) O que é comprovado pela certidão matricial, emitida em 2015, junta aos autos, na qual o imóvel em causa é, ainda, a essa data, descrito como “terreno para construção”.

Acresce que, além do mais, estamos perante um prédio em que parte é potencialmente afeta a serviços e outra a habitação, pelo que não tem uma edificação prevista exclusivamente afeta à habitação. Trata-se, por conseguinte, de uma situação não prevista, tendo por referência, quer o elemento literal, quer a razão de ser da norma de incidência do imposto.” [realce e sublinhado nosso].

 

Veja-se também o disposto na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 522/2015-T, de acordo com a qual:

 

 

“(…) Atento o exposto, sobre o prédio urbano em apreço – “terreno para construção, com a área de 667 m2, para o qual foi autorizada pela Câmara Municipal de Lisboa a construção de um edifício com 17 pisos (5 dos quais em cave) e uma área de construção total de 7.511 m2, sendo 2.668 m2 destinados a estacionamento, 1.363 m2 destinados a comércio/escritórios e 3.480 m2 destinados a habitação” – não incide o Imposto do Selo previsto na norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS.” [realce e sublinhado nosso].

 

Por todo o exposto, resulta demonstrado que não se encontram preenchidos os requisitos cumulativos de que a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral faz depender a respectiva aplicação. Razão pela qual, procede o pedido da Requerente.

 

Fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, por ter sido declarada a ilegalidade das liquidações supra identificadas, por vício substantivo que impede a renovação dos actos, assegurando-se eficazmente a tutela dos direitos da Requerente, de harmonia com o preceituado no artigo 124.º do CPPT. [9]

 

 

5.2.  INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA

 

A Requerente formula pedido de reconhecimento de direito a indemnização por prestação de garantia indevida.

 

Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente procedeu à apresentação de uma garantia bancária, para obter suspensão do processo de execução fiscal relativo à cobrança da dívida de Imposto do Selo.

 

De harmonia com o disposto no artigo 24.º, alínea b), do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

 

 

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

 

Ora, o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso do artigo 171.º, n.º 1, do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

Sobre o regime do direito a indemnização por garantia indevida, sustentam José Maria Fernandes Pires (Coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal, Maria João Menezes, em anotação ao artigo 53.º da LGT que,

 

“São três os elementos constitutivos do direito a indemnização por garantia indevida:

 

a.      Em primeiro lugar, ter sido prestada garantia bancária ou equivalente em execução fiscal;

 

b.      Em segundo lugar, ter o sujeito passivo suportado custos com a prestação ou a manutenção da garantia. O objectivo desta norma é exactamente a devolução ao contribuinte de todos os custos suportados com a prestação ou manutenção da garantia que se veio a mostrar indevida, pelo que é essencial à constituição do direito que esses custos tenham sido efectivamente suportados;

 

c.       Em terceiro lugar, ter-se apurado ser indevido o imposto que deu origem à dívida, por ter sido anulada total ou parcialmente a liquidação que lhe deu origem. Neste caso podem ainda ocorrer duas circunstâncias distintas:

 

                                                              i.      Nos casos em que a anulação da liquidação resulta de erro da própria administração tributária, o direito a indemnização constitui-se desde a data da prestação da garantia indevida;

 

                                                            ii.      Nos restantes casos, nomeadamente quando o erro é da responsabilidade do sujeito passivo, o direito a indemnização só se constitui depois de terem decorrido três anos sobre a constituição da garantia.”. [10]

 

 

 

No caso em apreço, é manifesto que o vício que afecta os actos de liquidação de Imposto do Selo são imputáveis à AT, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

 

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

 

Não havendo, contudo, elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão (cfr. artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil).

 

 

 

6.      DECISÃO

 

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

a)      Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano 2015, no montante total de € 13.566,10, com todas as consequências legais;

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevida e condenar a AT a pagar a quantia que for determinada em execução da presente decisão; e

c)      Condenar a AT nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

 

 

7.      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 13.566,10 (treze mil, quinhentos e sessenta e seis euros e dez cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

 

8.      CUSTAS

 

Custas a suportar pela AT, no montante de € 918 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

Notifique.

Lisboa, 30 de Março de 2017

 

 

O árbitro,

 

 

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Cfr. “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, 2.ª edição, 2013, pág. 104.

[2] Cfr. “Lições de Fiscalidade Vol. I – Princípios Gerais e Fiscalidade Interna”, 4.ª edição, 2015, pág. 430.

[3] Cfr. “Tributação do Património – IMI, IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados)”, 1.ª edição, 2015, pág. 730.

[4] Cfr. “As «Casas de Luxo» e o Imposto do Selo. Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 0993/14, Relator Cons. Francisco Rothes”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VII, N.º 4, Julho de 2015, pp. 237 e seguintes.

[5] Cfr., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 0419/14, disponível em http://www.dgsi.pt.

[6] Cfr. decisão arbitral proferida no processo n.º 116/2016-T.

[7] “Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção”.

[8] Cfr., decisão arbitral proferida no processo n.º 467/2015-T.

[9] Subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

[10] “Lei Geral Tributária Comentada e Anotada”, Almedina, 2015, pág. 550.