Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 741/2016-T
Data da decisão: 2017-09-25  IUC  
Valor do pedido: € 9.914,35
Tema: IUC - Vigência de contrato de locação
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

 

I RELATÓRIO

 

 

 

  1. Objeto do Pedido e Constituição do tribunal Arbitral

 

 

1. A… sa, Pessoa Colectiva nº…, com sede na Rua …, nº…, … –…, em Lisboa, doravante designado por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 10º, e na alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT”, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, tendo em vista a anulação, com fundamento em ilegalidade, de 104 liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC), relativamente a setenta e sete viaturas automóveis, referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, acrescidos de juros compensatórios, bem assim como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico proferida sobre o pedido de revisão oficiosa deduzido sobre estes atos de liquidação. O Valor global, imposto e juros, inicialmente constante do pedido era de €10.758,67, conforme tabela junta com o Anexo A, constante do pedido de pronúncia arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 15-12-2016, foi aceite nesta mesma data pelo Exmo. Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à requerida AT. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada em 08-02-2017, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a ora signatária como árbitro do Tribunal arbitral singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 23-02-2017.

A 25-02-2017 foi a requerida “AT” notificada para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT.

A 27-03-2017 a AT juntou aos autos a sua Resposta, acompanhada do respetivo Processo Administrativo (PA).

Em 27-04-2017 foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor: “Considerando os articulados juntos aos autos e a prova testemunhal indicada pela Requerente, designa-se o próximo dia 10 de maio de 2017, pelas 10h 30m, para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, destinada à inquirição das testemunhas e demais questões previstas nos nºs 1 e 2 do mesmo dispositivo legal. Em caso de impossibilidade, deverão as partes indicar três datas alternativas.”

 

Em 3-05-2017 a AT juntou aos autos requerimento salientando que nem o despacho arbitral, nem outro ato processual praticado pela Requerente, esclarecem qual ou quais os temas da prova relacionados com a prova testemunhal. Alega ainda que a prova testemunhal não é meio de prova admissível para a verificação das causas de extinção das obrigações. Por último alega a falta de documentos no elenco indicado pela Requerente e sugere a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, como se extrai do despacho arbitral, proferido num outro processo arbitral, que citou e juntou aos autos.

 A 05-05-2017 foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:

 “Considerando o requerimento apresentado pela Requerida, esclarece-se que, como resulta do artigo 18º do RJAT, a primeira reunião do tribunal arbitral destina-se, precisamente, a:

“a) Definir a tramitação processual a adotar em função das circunstâncias do caso e da complexidade do processo;

b) Ouvir as partes quanto a eventuais exceções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer o pedido; e

c) Convidar as partes a corrigir as suas peças processuais, quando necessário”

No caso dos presentes autos a reunião destina-se, ainda, a inquirir as testemunhas indicadas pela Requerente, sendo que nada impede que a indicação da matéria de facto sobre a qual incidirá a inquirição seja efetuada na própria reunião. Todas as questões mencionadas pela Requerida no requerimento apresentado podem e devem ser esclarecidas na 1ª reunião, já previamente marcada pelo tribunal para esse efeito, incluindo a indicação da matéria de facto a que pretende inquirir as testemunhas

indicadas.

Até ao momento a Requerente não veio prescindir da inquirição das testemunhas, pelo que se mantém a reunião marcada, a qual se destina a resolver todas as questões que se revelem pertinentes, incluindo as que a Requerida menciona da sua Resposta e no Requerimento agora apresentado.”

 

A 08-05-2017 veio a Requerente, juntar requerimento aos autos e apresentar os documentos 101 a 130, por falha na submissão dos mesmos com o pedido arbitral. No mesmo requerimento veio reforçar a necessidade da reunião a que alude o artigo 18º, porquanto:

…”no que respeita ao cumprimento de tal obrigação, o mesmo não pode ser susceptível de prova documental, isto na medida em que a Autoridade Tributária e Aduaneira não disponibiliza qualquer comprovativo que permita atestar o cumprimento. Com efeito, a obrigação de comunicação em causa é cumprida electronicamente, através do Portal das Finanças, não sendo possível extrair do dito portal qualquer comprovativo de cumprimento da mesma. Assim sendo, a Requerente, com vista a provar o cumprimento da obrigação em causa, apenas dispõe da prova testemunhal, meio de prova esse que já foi admitido, para a matéria em causa, em inúmeros autos que correram termos neste Centro de Arbitragem Administrativa.

Ora, caso a produção de tal prova não lhe seja permitida, esta encontrar-se-á numa situação de prova não diabólica, mas impossível, na medida em que, caso se entenda que o cumprimento de tal obrigação apenas pode ser documentalmente demonstrado, esta não dispõe de qualquer meio para o fazer. No entanto, caso assim venha a entender o douto Tribunal Arbitral – que o cumprimento da obrigação – acessória – estipulada no artigo 19.º do IUC apenas pode ser demonstrado documentalmente –, a Requerente desde já solicita que a AT seja notificada para vir juntar aos autos documento que demonstre, de forma inequívoca, o cumprimento ou incumprimento da mesma pela Requerente. Neste caso, estamos perante uma matéria regulada pelo Código do Processo Civil (CPC, de ora em diante) – aplicável aos presentes autos por força do disposto na alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT –, mais precisamente, nos seus artigos 429.º e seguintes. Dispõe este preceito legal (o artigo 429.º do CPC) que “quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar” e que “se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação”.

Ora, nestes termos, e uma vez que os factos que se pretendiam provar têm relevância para a decisão da causa – o cumprimento da obrigação constante do artigo 19.º do IUC que, não obstante ter natureza acessória e nunca poder vir assim a ter impacto na determinação do sujeito passivo do imposto –, deve o Tribunal proceder à notificação da Requerida para juntar aos autos documento que prove o cumprimento, pela Requerente, da obrigação em causa.

 Deverá ser assim ainda mais tratando-se de documentação necessária para fazer contraprova do alegado pela Requerida, de que a Requerente não teria cumprido a obrigação acessória que sobre si impendia.

Caso seja a Requerida notificada para o efeito e não cumpra obrigação que lhe incumba, de juntar aos presentes autos documentos referentes ao cumprimento, pela Requerente, da obrigação do artigo 19.º do Código do IUC, tratando-se de documentação que pode ser crucial à prova, pela Requerente, de que cumpriu a obrigação acessória em causa – e, assim, à contraprova do alegado, pela AT, no artigo 119.º da sua resposta –, entende a Requerente que deverá ser aplicado, pelo Douto Tribunal, quanto a este facto, o regime constante do n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil (aplicável ex vi artigos 430.º e 417.º, n.º 2, do CPC), considerando-se como provado o cumprimento, por parte da Requerente, da obrigação constante do artigo 19.º do Código do IUC a não ser que a Requerida logre demonstrar o contrário.(…)”

Ainda neste requerimento, alega a requerente que a jurisprudência do CAAD já se tem vindo a pronunciar inúmeras vezes sobre a natureza de tal obrigação (acessória), sendo praticamente unânime que o seu cumprimento (ou falta dele) nunca poderia ter consequências em sede de incidência subjetiva do imposto. “Neste sentido, vide, por todos, a Decisão proferida nos autos arbitrais com o n.º 655/2015-T (Arbitra Nina Aguiar), na qual se estabeleceu, relativamente à obrigação do artigo 19.º do Código do IUC, que «[o] incumprimento de uma obrigação acessória não pode determinar a incidência subjetiva do imposto, estritamente sujeita como está ao princípio da legalidade tributária, a não ser que tal se encontre claramente determinado na lei».

Em síntese, veio a Requerente alegar que, desconhecendo a posição do Tribunal quanto à questão de saber se a obrigação do artigo 19.º do Código do IUC pode ou não influir na determinação do sujeito passivo do imposto, a necessidade de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT para a inquirição das testemunhas arroladas se afigura essencial para demonstrar o cumprimento de tal obrigação (prevista no artigo 19.º do Código do IUC). E, acrescenta, tendo em consideração que a produção de prova testemunhal se afigura necessária não apenas para a demonstração do cumprimento da obrigação do artigo 19.º do Código do IUC, mas também sobre os restantes factos em causa nos autos. Por último, ainda no mesmo requerimento, veio juntar aos autos os 30 (trinta) documentos que, por lapso, não seguiram com a Petição Arbitral. Concluiu requerendo o adiamento da reunião de modo a permitir que a AT possa exercer o devido contraditório relativamente aos mesmos.

Em 08-05-2017 foi proferido despacho arbitral que admitiu a junção dos 30 documentos juntos aos autos pela requerente, fixou prazo de 10 dias para a AT se pronunciar sobre os mesmos e vir aos autos esclarecer sobre a existência ou não de documento comprovativo do cumprimento da obrigação referida no artigo 19º do CIUC e juntar a informação constante do portal sobre esta matéria. Ficou sem efeito a marcação da reunião agendada para 10/05/2017 a aguardar pronúncia da AT.

A requerida AT respondeu em 23-05-2017, conforme requerimento junto aos autos que se dá por reproduzido. Requereu, ainda a prorrogação do prazo para junção da informação constante da plataforma quanto ao cumprimento da obrigação do artigo 19º do CIUC.

Em 25-05-2017 foi proferido despacho arbitral deferindo o requerido, concedendo mais 10 dias à AT para vir juntar aos autos a informação solicitada. Em 23-06-2017 veio a AT juntar aos autos um esclarecimento dos serviços, sem documento comprovativo referente à requerente e reiterar a tese da inadmissibilidade da prova testemunhal.

 

Em 23-06-2017 foi proferido o seguinte despacho arbitral:

 “Considerando os articulados juntos aos autos, os requerimentos apresentados pela Requerente e pela Requerida, respetivamente em 08-05-2017 e 07-06-2017, afigura-se pertinente a prova testemunhal, bem assim como assegurar devida e plenamente o contraditório subjacente às questões de facto a apurar.

Nesta conformidade, fixa-se a data de 7 de julho de 2017, pelas 14 horas, para a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, a qual se destina:

a) à inquirição das testemunhas quanto à matéria de facto a indicar pela Requerente, no prazo de cinco dias após o presente despacho.

b) Produção de alegações orais e outras questões pertinentes, nos termos do nº 2, do artigo 18º do RJAT.

c) Tramitação processual subsequente.”

 

No dia 07-07-2017 realizou-se a reunião agendada, conforme ata que se encontra junto aos autos e aqui se dá por reproduzida. Na reunião efetuada, sem a comparência dos representantes da AT, a requerente prescindiu da prova testemunhal e das alegações finais e desistiu do pedido quanto aos atos de liquidação mencionados nos artigos 86º a 103º da resposta e dos três atos de liquidação mencionados no requerimento de 22-05-2017, e manteve o pedido quanto às restantes 84 liquidações de IUC impugnadas.

O valor total destas liquidações é de €844,32, reduzindo assim o pedido para €9.914,35.

O Tribunal admitiu a desistência do pedido com a consequente redução do valor.

 A tribunal solicitou, ainda, o envio das peças processuais em formato word e prorrogou o prazo para decisão do processo por mais dois meses a contar do término do prazo, nos termos previstos no artigo 21º, nº 2 do RJAT. Fixou como data prevista para prolação da sentença o dia 25-09-2017 e advertiu a Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

 

  1. Dos Pressupostos Processuais

 

 

3. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas.

Quanto à cumulação de pedidos, pretendendo-se a apreciação conjunta da legalidade das liquidações de IUC, relativas aos anos de 2010, 2011 e 2012, apesar de constituírem actos autónomos, verificando-se os pressupostos exigidos pelo disposto no nº 1, do artigo 3º, do RJAT e artigo 104º do CPPT, é de admitir a cumulação. Assim, aceita-se no mesmo pedido arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de todos os actos tributários de liquidação de IUC e respectivos juros compensatórios que lhes estão associados, dada a identidade do imposto e a apreciação dos actos tributários em causa depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito.

Não se verificam nulidades que invalidem o processo e não foram suscitadas exceções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.

 

  1. DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE

 

 

4. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e consequente anulação, do ato de indeferimento do recurso hierárquico apresentado, após indeferimento do pedido de revisão dos atos tributários de liquidação que impugna, alegando em síntese o seguinte:

- A Requerente é uma instituição de crédito com forte presença no mercado nacional, cuja atividade consiste no financiamento à aquisição automóvel através da celebração, entre outros, de contratos de locação destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;

- Nos presentes autos, todos os atos de liquidação impugnados, têm origem, exclusivamente, em imposto único de circulação sobre viaturas automóveis objeto de contrato de locação financeira;

- Durante o período estipulado no contrato o locatário mantém o gozo temporário do veículo – que permanece propriedade da Requerente –, mediante remuneração a entregar à Requerente sob a forma de rendas;

- Locação essa que se encontrava em vigor no ano em que se venceu a obrigação de IUC associado ao respetivo veículo, com exceção dos contratos em relação aos quais a Requerente desistiu do pedido.

- À data dos factos tributários, a Requerente era mera locadora das viaturas automóveis, identificadas nas liquidações impugnadas, pelo que não estava sujeita à incidência de IUC. Apesar disso a Requerente efetuou o seu pagamento integral, incluindo juros, e posteriormente requereu a revisão dos atos tributários. Este pedido de Revisão foi indeferido pela AT. A Requerente interpôs recurso hierárquico a qual também foi indeferido seguindo-se a apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

A Requerente convoca extensa fundamentação de direito para sustentar o seu pedido de pronúncia arbitral. Contudo, a questão essencial assenta, sumariamente, na alegação de que a Requerente não pode ser considerada sujeito passivo de IUC, com referência às viaturas e aos anos em causa, por força da sua posição de locadora das referidas viaturas, por contrato celebrado no exercício da sua atividade económica.

 Convoca em defesa da sua posição inúmera jurisprudência, mormente arbitral, segundo a qual, durante a vigência de um contrato de locação financeira a entidade locadora, apesar de ser a titular da propriedade jurídica das viaturas, não deve ser considerada sujeito passivo do IUC. Termina peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários impugnados.

 

D) – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

5. A Requerida, no prazo legal, apresentou a sua resposta e juntou o respetivo processo administrativo (PA). Em síntese, alega em defesa da legalidade dos atos impugnados que não assiste razão à Requerente, cujo entendimento incorre numa enviesada leitura da letra da lei, numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, que viola a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal que assenta numa interpretação contrária à Constituição. Assenta a sua alegação no disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º do CIUC, que determinam, respetivamente, que São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” e que são sujeitos passivos do IUC “os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados”.

A acrescentar a tudo isto, entende que as locadoras só se eximem da obrigação de pagamento do IUC na vigência dos respetivos contratos de locação, se demonstrarem que cumpriram com a obrigação contida no artigo 19º do CIUC, cujo ónus da prova cabe à Requerente e que esta prova só pode ser concretizada por documento. Conclui que os actos de liquidação de IUC não padecem de ilegalidade nem estão reunidos os pressupostos legais para a condenação em juros indemnizatórios.

Conclui, pela improcedência do pedido arbitral, pugnando pela legalidade dos actos tributários impugnados e pela absolvição da Requerida no pedido.

 

 

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

 

  1. Factos Provados

 

6.Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal dá por assente os seguintes factos:

 

a) A Requerente é uma instituição de crédito cuja atividade consiste no financiamento ao sector automóvel, através da celebração, entre outros, de contratos de locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;

 

b) No exercício desta atividade, foram celebrados diversos contratos de locação financeira, com prazos distintos, em que a Requerente é locadora, conforme documentos nºs 78 a 130 juntos aos autos; Estes contratos de locação eram acompanhados do respetivo contrato promessa de compra e venda previsto para o final do período contratual;

 

c) A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento de 104 liquidações de imposto único de circulação e respetivos juros compensatórios, relativamente aos anos de 2010, 2011 e 2012, bem assim como os respectivos juros compensatórios, referentes aos veículos com as matrículas devidamente identificadas nas liquidações de IUC juntas aos autos como documentos nºs 1 a 77, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;

 

d) Todos os veículos automóveis referenciados nas liquidações de IUC foram objeto de contrato de aluguer de veículo sem condutor, celebrados pela Requerente com os clientes identificados na Tabela junta ao PA como anexo A, por prazos diferenciados e com respetivo contrato promessa de compra e venda;

 

e) - À data dos factos tributários geradores do IUC constante das liquidações impugnadas os respetivos contratos de aluguer de veículo sem condutor encontravam-se ainda em vigor, com exceção dos contratos referentes às viaturas a seguir discriminadas:

  1. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2011-01-22, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é janeiro, pelo que deu origem à liquidação nº 2012…, no valor global (IUC e juros) de €125,42 – Cfr. Doc. 99 anexo à PI;
  2. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2009-11-08, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é agosto, pelo que deu origem à liquidação nº 2010…, no valor global (IUC e juros) de €32,62 – Cfr. Doc. 57 anexo à PI;
  3. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2010-01-15, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é fevereiro, pelo que deu origem às liquidações nº 2010…, 2011… e 2012…, no valor global (IUC e juros) de, respetivamente, €33,20, €33,15 e €33,01 – Cfr. Doc. 58 anexo à PI;
  4. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2008-04-22, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é abril, pelo que deu origem às liquidações nº 2012…, 2011… e 2012…, no valor global (IUC e juros) de, respetivamente, €37,34, €37,15 e €36,42 – Cfr. Doc. 59 anexo à PI;
  5. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2006-03-31, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é abril, pelo que deu origem às liquidações nº 2010… e 2011…, no valor global (IUC e juros) de, respetivamente, €33,01 e €32,94 – Cfr. Doc. 99 anexo à PI;
  6. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2008-10-15, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é outubro, pelo que deu origem à liquidação nº 2010…, no valor global (IUC e juros) de €32,42 – Cfr. Doc. 61 anexo à PI;
  7. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2009-04-15, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é março, pelo que deu origem à liquidação nº 2010…, no valor global (IUC e juros) de €37,52 – Cfr. Doc. 64 anexo à PI;
  8. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2011-05-25, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é março, pelo que deu origem à liquidação nº 2012…, no valor global (IUC e juros) de €57,49 – Cfr. Doc. 65 anexo à PI;
  9. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2007-05-09, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é maio, pelo que deu origem às liquidações nº 2011… e 2012…, no valor global (IUC e juros) de, respetivamente, €37,13 e €36,61 – Cfr. Doc. 69 anexo à PI;
  10. Matrícula …-...-…, cujo contrato de locação cessou em 2012-09-28, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é outubro, pelo que deu origem à liquidação nº 2012…, no valor global (IUC e juros) de €116,06 – Cfr. Doc.40 anexo à PI
  11. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2008-01-28, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é agosto, pelo que deu origem à liquidação nº 2010…, no valor global (IUC e juros) de €37,23 – Cfr. Doc.52 anexo à PI
  12. Matrícula …-…-…, cujo contrato de locação cessou em 2008-03-20, sendo que a data de referência para a liquidação (data da matrícula) é março, pelo que deu origem às liquidações nº 2010…, 2011… e 2012…, no valor global (IUC e juros) de, respetivamente, €18,72, €18,57 e 18,31 – Cfr. Doc. 53 anexo à PI

 

Tudo no valor total de € 844,32 euros;

 

f)  O valor global de todas as liquidações de imposto inicialmente impugnadas era de  €10.758,67, o qual após a desistência do pedido apresentado pela Requerente na reunião de 07-07-2017 em relação às liquidações descriminadas na alínea anterior, ficou reduzido a €9.914,35.

g) A Requerente efetuou o pagamento do valor de todas as liquidações de imposto impugnadas nos autos, o que se comprova pelos documentos juntos aos autos pela Requerente e que integram os documentos nºs1 a 77 em anexo ao pedido arbitral;

h) À data dos factos tributários as viaturas identificadas nas liquidações impugnadas encontravam-se na posse e utilização dos respetivos locatários, em conformidade com os contratos de locação em vigor e respetivos contratos promessa de compra e venda, com exceção das viaturas discriminadas em e);

i) À data dos factos tributários o registo automóvel de cada uma destas viaturas encontrava-se inscrito em nome da locadora.

j) Todas as liquidações de IUC impugnadas foram pagas pela Requerente, que posteriormente deduziu pedido de revisão oficiosa dos atos tributários o qual foi indeferido;

k) Desde a apresentação do pedido de revisão dos atos tributários, apresentado em 05-01-2015, a AT dispõe de toda a informação relevante sobre a existência dos contratos de locação financeira, matrículas das viaturas, identificação completa dos locatários e respetivo número de identificação fiscal;

l) Do indeferimento do pedido de revisão a Requerente apresentou recurso hierárquico, o qual foi, também, alvo de decisão de indeferimento;

m) A Requerente impugnou este ato de indeferimento e as liquidações de imposto subjacentes, através da apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

7. A decisão sobre a matéria de facto nos termos supra descritos tem por base a prova documental que as Partes juntaram ao presente processo, a Requerente em anexo ao pedido arbitral e a AT na resposta e respetivo processo administrativo (PA). O Tribunal considerou em especial, que a realidade factual subjacente às situações negociais respeitantes aos diversos veículos, comprovados pelos documentos juntos em anexo ao pedido arbitral, bem assim como pelos documentos posteriormente juntos aos autos, por requerimento apresentado em 08-05-2017.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

 

8. Não provado que a requerente tivesse efetuado a comunicação prevista no artigo 19º do CIUC e não provado o cumprimento do procedimento indicado pela AT, conforme descrito no email dos serviços da AT, junto aos autos em 07-06-2017.

Não existem outros factos relevantes a considerar como não provados, com relevância para a decisão final.

 

IV – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

9. Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito fundamental em discussão, a qual se reporta à incidência pessoal do imposto de circulação automóvel, porquanto a questão controvertida é a de saber quem é o responsável pelo pagamento do IUC, durante a vigência de um contrato de locação financeira sobre uma viatura automóvel.

O que se pretende é que este Tribunal arbitral decida sobre a questão de saber se a locadora (requerente) deve ser ou não considerada como sujeito passivo de IUC à luz do quadro jurídico aplicável. Mais concretamente, importa decidir, com referência às viaturas com as matrículas identificadas nas liquidações impugnadas (cfr. documentos 1 a 77 em anexo à PI), se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do Imposto Único de Circulação, liquidado em relação aos anos de 2010 a 2012, quanto aos veículos identificados nos autos, em relação aos quais se encontrava em vigor contrato de locação financeira, à data do facto tributário.

Como resulta da matéria assente, das 104 liquidações impugnadas apenas 84 estão em discussão, porquanto em relação às restantes 20 liquidações identificadas na alínea e) dos factos privados foi aceite a desistência do pedido apresentada pela requerente, conforme consta da ata da reunião realizada em 07-07-2017. São, pois, apenas estas 84 liquidações que estão em causa, todas respeitantes a viaturas que à data dos factos tributários se encontravam contratualizadas pela requerente com os respetivos locatários, objeto de contratos de locação financeira, como resulta da matéria assente.

A questão controvertida consiste em saber se o sujeito passivo do IUC devido na vigência de um contrato de locação financeira é o proprietário (locador) ou o utilizador (locatário). Sobre esta questão divergem as partes, já que na perspetiva da Requerente, são equiparados a proprietários os locatários financeiros a par de outros titulares de direitos de opção de compra por força da celebração de um contrato de locação, pelo que a incidência subjetiva do IUC recai sobre os locatários com quem a Requerente convencionou contratos de locação financeira.

Defende a Requerida que, mesmo nestes casos, o sujeito passivo do imposto é o proprietário em nome do qual o registo se encontra efetuado. Nos presentes autos, atenta a factualidade apurada, é apenas esta a questão a decidir.

A decisão desta questão implica apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC à luz do disposto no art. 3.º, do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), nomeadamente, a questão de saber se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição da titularidade do veículo no Registo Automóvel, ou se, o registo opera apenas como uma presunção de incidência tributária, ilidível, em conformidade com o disposto no art. 73.º, da Lei Geral Tributária. Sobre esta matéria é já abundante e bastante definida a jurisprudência arbitral vertida em diversas decisões mencionadas pelas partes e em algumas outras proferidas posteriormente à apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, que serão referidas oportunamente.

           

10. O quadro jurídico fundamental aplicável nesta matéria é o previsto nos artigos 1º a 6º, do CIUC, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho.

 O artigo 1º do CIUC define a incidência objectiva do imposto, distinguindo os veículos por categorias especificadas, norma que se afigura clara e sem dificuldades de aplicação. Porém, o mesmo já não sucede com a norma de incidência subjectiva contida no nº1, do artigo 3º do CIUC, a qual está na origem do presente litígio e constitui, assim, questão a decidir no caso em apreciação.

A análise de ambos os preceitos (artigos 1º e 3º) permite concluir que, no funcionamento do IUC, o registo automóvel tem um papel fundamental. O que importa, pois, é determinar qual o sentido e alcance da norma de incidência subjectiva constante do artigo 3º, nº 1, do CIUC e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível, conexionada com a questão dos efeitos jurídicos do registo automóvel, suscitada pela Requerente.

Sobre esta questão, as posições das partes são totalmente divergentes, como vimos já.

Vejamos, pois, o que resulta do regime legal em vigor e a sua aplicação ao caso concreto dos autos.

 

Dispõe o artigo 3º do CIUC que:

“ARTIGO 3º

 

INCIDÊNCIA SUBJECTIVA

 

1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

 

No caso dos presentes autos a norma em causa é, precisamente, a contida no nº 2 deste artigo, cuja interpretação se afigura determinante para a decisão a proferir. De registar que o normativo contido no nº 2 do artigo 3º do CIUC não oferece especial complexidade, bem pelo contrário, afigura-se muito clara. O legislador, por opção, determinou que nos casos de locação financeira ou aquisição com reserva de propriedade fossem os locatários (e não os proprietários em sentido técnico-jurídico) os sujeitos passivos do imposto, fiel ao princípio da equivalência que enforma este imposto, por serem aqueles os utilizadores das viaturas. Não há dúvida que esta foi e permanece sendo a opção do legislador. Podemos entender que tal opção contemple dificuldades que certamente não existiriam no caso dessa obrigação permanecer apenas e só nos proprietários jurídicos (locadoras) tanto mais que estas sempre poderiam exercer por via de repercussão sobre o cliente o direito de regresso dos respetivos valores de imposto durante a vigência dos contratos de locação e afins. Talvez essa fosse a melhor opção do ponto de vista da administração do imposto e da eficácia na cobrança do imposto, porém, por opção (consciente) do legislador não foi essa a solução adotada.

 

11. Assim, o que releva para a boa decisão da causa é ter em conta, em primeira linha, a letra da lei. Estabelece o nº1, do artigo 11º, da LGT que:

 

 “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.

 

A interpretação e aplicação da norma jurídica, pressupõe a realização de uma actividade interpretativa, a qual deve ser objectiva, equilibrada, e conforme com a letra e o espírito da lei. Qualquer texto, e a lei não é excepção, comporta múltiplos sentidos e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Por essa razão, embora a letra da lei seja “o fio condutor” do intérprete, ela há-de ser interpretada tendo em conta os objectivos subjacentes, “a ratio” ou a motivação do legislador ao estabelecer a norma em análise.[1]

A estes elementos acresce um outro segundo o qual a interpretação da norma jurídica há-de respeitar a “unidade do sistema jurídico”, a sua coerência e lógica intrínseca. O artigo 9º, do Código Civil (CC), fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação da norma jurídica, ao qual também obedece a interpretação da lei fiscal deve obedecer ao disposto naquele normativo, o qual começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”.[2]

A estes princípios gerais acrescem, ainda, os princípios constantes da LGT, nomeadamente no artigo 73º, que estabelece que as presunções contidas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

No que se refere à questão em análise, há que salientar o contributo de numerosas decisões arbitrais e judiciais já proferidas, revelando uma apurada reflexão sobre a questão fundamental em apreciação, estabelecendo um entendimento uniforme sobre esta mesma questão. É, pois, neste quadro de fundo, utilizando os princípios hermenêuticos fundamentais acabados de referir, acolhidos pela Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que devemos procurar encontrar a interpretação adequada aos normativos em presença.

 

12. Assim, quanto à questão que tem suscitado maior controvérsia nesta matéria, que é a de saber, face ao teor literal do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, qual o alcance da expressão “considerando-se como tais”, dado que na actual versão o legislador não usou o termo “presumem-se” (o qual constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos), entende o Tribunal que só pode ser o seguinte: o legislador presume (considera) que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados. Significa isto que, tal presunção, implícita, é naturalmente ilidível nos termos previstos no artigo 73º da LGT. Neste sentido se tem pronunciado, de forma extremamente expressiva e concordante, os tribunais arbitrais em funcionamento no CAAD, bem assim como os nossos tribunais superiores.

 

13. Mas, a questão a decidir nos presentes autos é, bem mais simples, porquanto se cinge ao normativo contido no nº2 do artigo 3º do CIUC. Na verdade, esta norma não oferece dúvida, pois que o legislador é claro a equiparar os locatários aos proprietários para efeitos de incidência de imposto. Assim, a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efetivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito no art.º 1º, do CIUC.

Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

Em face dos factos provados é pacífico que a Requerente e os seus clientes celebraram contratos de locação financeira e os locatários são titulares do direito de opção de compra da viatura durante ou no termo de vigência do contrato. Assim, no que se refere aos contratos de locação em vigor ao tempo dos factos tributários, a requerente demonstrou a existência e a vigência desses contratos com os documentos que juntou aso autos e que são os únicos possíveis e admissíveis para demonstrar a existência desses contratos. Em todo o período de vigência dos referidos contratos, as viaturas encontravam-se, bem entendido, em posse dos locatários, pelo menos em relação às viaturas mencionadas nas 84 liquidações em discussão. Se o momento em que ocorreram os factos geradores do IUC, a que se reportam as liquidações controvertidas, se inclui no período de vigência do contrato, então não há dúvida que o IUC é devido pelos respetivos locatários.

Esta matéria já foi objeto de diversas decisões arbitrais, tais como os processos n.º 232/2014-T, n.º 294/2013-T, n.º 289/2013-T, n.º 286/2013-T, n.º 256/2013-T, n.º 170/2013-T, n.º 73/2013-T, n.º 27/2013-T, n.º 26/2013-T e n.º 14/2013-T.

Em todas o tribunal considerou que o supracitado n.º 2, do artigo 3.º do Código do IUC é claro e inequívoco, dispondo que são sujeitos passivos de IUC os locatários de contratos de locação financeira ou qualquer outro tipo contratual em que esteja prevista a opção de compra da viatura. Desta norma, conjugada com o disposto no n.º 2 do artigo 4.º e n.º 3 do artigo 6.º, resulta que decorre um período de tributação correspondente ao ano que se inicia o contrato, na data da matrícula, e posteriormente em cada um dos seus aniversários. Sendo o IUC exigível no primeiro dia desses períodos de tributação.

Fica assim afastado, por determinação expressa do legislador no nº2 do art. 3º do CIUC, o primado exclusivo da propriedade tal qual consta no registo automóvel, nomeadamente, quando exista um contrato de locação financeira pelo qual o locatário disponha da utilização da viatura como se sua fosse, mormente quando disponha da opção de compra da viatura.

Como já se disse, não cabe aos tribunais (arbitrais ou comuns) senão aplicar a lei, em obediência à vontade expressa e inequívoca do legislador. Não cabe ao tribunal analisar a maior ou menor bondade de uma opção legislativa. Por último, se a solução não é a mais adequada á boa e atempada cobrança do imposto cabe ao legislador resolver essa ineficiência alterando a lei, possibilidade que é sua exclusiva competência.

E, ainda a este propósito, sempre se dirá que a solução contida no nº2 do artigo 3º do CIUC é, atendendo à natureza e fins deste imposto a que vai ao encontro do princípio da equivalência, que o Código do IUC, logo no seu artigo 1.º, consagra enquanto regra estruturante deste tributo, pretendendo onerar aqueles que efetivamente mais contribuem para os danos ambientais e viários, decorrentes da fruição da viatura automóvel. Foi essa a razão que determinou o legislador a considerar, por isso, como sujeitos passivos do imposto os locatários.

Ainda a este propósito, ocorre citar a jurisprudência vertida na Decisão Arbitral nº 14-2013 T, de 15 de Outubro, da qual destacamos em síntese a seguintes conclusões, às quais este tribunal adere, a saber:

“(…) na vigência de um contrato de locação financeira, embora o locador continue proprietário do bem em causa, só o locatário tem o gozo exclusivo do bem locado, usando-o como se fosse ele o verdadeiro proprietário. (…)É certo que o locatário financeiro é equiparado a proprietário para efeitos do nº 1 do artigo 3º do CIUC, o mesmo é dizer para ser sujeito passivo do IUC (Cfr. nº 2 do artº 3º). (…) Assim sendo, como é, não dispondo o locador por imposição legal e contratual do potencial de utilização do veículo e tendo o locatário o gozo exclusivo do automóvel, reafirmamos a conclusão a que já tínhamos chegado de que, em nosso entender, manda a ratio legis do CIUC que nos termos do referido nº 2 do artigo 3º deste Código seja o locatário o responsável pelo pagamento do imposto, uma vez que é ele que tem o potencial de utilização do veículo e provoca os custos viários e ambientais a ele inerentes.  À mesma conclusão se chega quando se verifica a importância dada aos utilizadores dos veículos locados no artigo 19º do CIUC. Com efeito, nos termos do disposto neste artigo, as entidades que procedam, designadamente, à locação financeira de veículos ficam obrigadas a fornecer à AT (ex-DGCI), a identidade fiscal dos utilizadores dos veículos locados para efeitos do disposto no artigo 3º do CIUC (incidência subjectiva), bem como do nº1 do artigo 3º da Lei da respectiva aprovação, uma vez que nos termos desta norma da Lei nº 22-A/2007, se a receita gerada pelo IUC for incidente sobre veículos objecto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, deve ser afecta ao município de residência do respectivo utilizador (sublinhados nossos).

(…)

Aqui chegados, somos de opinião que se na data da ocorrência do facto gerador do imposto vigorar um contrato de locação financeira que tem como objecto um automóvel, sujeito passivo do imposto não é o locador mas sim, à luz do nº 2 do artigo 3º do CIUC, o locatário, o que, a nosso ver, faz todo o sentido, dado ser este que tem o gozo do veículo e, como tal, o inerente potencial poluidor, independentemente do registo do direito de propriedade permanecer em nome do locador, como seguidamente melhor se explica.”


            E conclui:

(…)Uma das obrigações do locador é vender o bem ao locatário, caso este queira. É patente que com a celebração do contrato de compra e venda o até então locatário passa a proprietário de pleno direito passando a estar abrangido directamente pelo nº 1 do artigo 3º do CIUC.”

 

14. Retornando ao caso em análise nos presentes autos, face à matéria de facto considerada como provada e tudo o que vem exposto supra, é de concluir que a Requerente não pode ser considerada sujeito passivo do imposto devido pelas viaturas automóveis em relação ás quais vigorava, à data dos factos tributários, contrato de locação financeira, por via do qual as referidas viaturas estavam a ser usados pelos respetivos locatários, embora fosse proprietária das mesmas,

Assim, apesar do locador financeiro ser o proprietário das viaturas em causa nos autos, com referência aos de 2010, 2011 e 2012, é o locatário que constitui, em exclusivo, o sujeito passivo do IUC, dado ser “equiparado a proprietário”, pelo que a Requerente não assume a qualidade de sujeito passivo de imposto, com referência a nenhuma das viaturas em análise, nem dos períodos de tributação em referência (anos de 2009 a 2012).

 

15. Face à desistência do pedido apresentado pela Requerente quanto aos atos de liquidação relativos às viaturas mencionados na alínea e) da matéria de facto provada, não há qualquer outra questão a decidir, restando apenas aferir quais as consequências do cumprimento ou não, do disposto no artigo 19º do CIUC. Como resulta da matéria assente como provada a Requerente não conseguiu provar que cumpriu com a obrigação de comunicação prevista no artigo 19º do CIUC.

A este propósito veio a AT alegar que a prova do cumprimento dessa obrigação só podia ser alcançada por documento e não por prova testemunhal, tendo então requerido a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT por inexistência de matéria de facto a provar por prova testemunhal. 

O disposto no art.º 19º do CIUC, justamente, para efeitos do disposto no art.º 3º, nº2 do CIUC (ou seja, para efeitos da incidência subjetiva), vem impor, às entidades que procedem à locação financeira, a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados, exigindo conhecer os reais utilizadores dos veículos locados, por serem estes os sujeitos passivos do imposto.

Confrontada com esta questão, veio a Requerente alegar que, no que respeita ao cumprimento de tal obrigação, o mesmo não pode ser suscetível de prova documental, isto na medida em que “a Autoridade Tributária e Aduaneira não disponibiliza qualquer comprovativo que permita atestar o cumprimento.”

Alega a requerente que “a obrigação de comunicação em causa é cumprida eletronicamente, através do Portal das Finanças, não sendo possível extrair do dito portal qualquer comprovativo de cumprimento da mesma. Pelo que, caso a produção de prova testemunhal não lhe seja permitida, esta encontrar-se-á numa situação de prova não diabólica, mas impossível, na medida em que, caso se entenda que o cumprimento de tal obrigação apenas pode ser documentalmente demonstrado, esta não dispõe de qualquer meio para o fazer. No entanto, caso assim venha a entender o douto Tribunal Arbitral – que o cumprimento da obrigação – acessória – estipulada no artigo 19.º do IUC apenas pode ser demonstrado documentalmente –, a Requerente desde já solicita que a AT seja notificada para vir juntar aos autos documento que demonstre, de forma inequívoca, o cumprimento ou incumprimento da mesma pela Requerente.

O tribunal notificou então a AT para se pronunciar, tendo esta requerido prazo para solicitar aos serviços o documento comprovativo. Pediu ainda uma prorrogação de prazo para o efeito.

Certo é que, veio juntar aos autos um mail interno dos serviços explicando que a AT emite um documento comprovativo que envia ao sujeito passivo, mas no caso concreto dos autos, não juntou qualquer comprovativo desse procedimento, no que toca especificamente à matéria dos presentes autos.

Face ao supra exposto, cumpre precisar qual a relevância desta questão para a decisão final.

 

16. Esta questão tem sido colocada recorrentemente em diversos processos do mesmo tipo e é já jurisprudência pacífica dos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, que a natureza de tal obrigação é meramente acessória, sendo praticamente unânime que o seu cumprimento (ou falta dele) nunca poderia ter consequências em sede de incidência subjetiva do imposto. Neste sentido, a Requerente citou, por todos, a Decisão proferida nos autos arbitrais com o n.º 655/2015-T, na qual se estabeleceu, relativamente à obrigação do artigo 19.º do Código do IUC, que «[o] incumprimento de uma obrigação acessória não pode determinar a incidência subjetiva do imposto, estritamente sujeita como está ao princípio da legalidade tributária, a não ser que tal se encontre claramente determinado na lei». Muitas outras decisões arbitrais decidiram já, no mesmo sentido.

Mais uma vez, correndo o risco de repetição desnecessária, uma obrigação acessória não pode, por si só, determinar a incidência subjetiva de um imposto. Face à regra de incidência já sobejamente esclarecida supra, não resta senão concluir que o cumprimento ou incumprimento desta obrigação poderá conduzir à instauração de processo de contraordenação e aplicação de uma coima, mas certo é que não pode determinar a incidência subjetiva do imposto.

Acresce que, caso se sufragasse o entendimento da AT quanto ao cumprimento desta obrigação, sempre se diria que lhe cabia sindicar em tempo esse incumprimento, instaurando os procedimentos adequados. Ora, a AT veio apenas juntar um mail que diz ser aquele o procedimento seguido, mas nada diz sobre a existência de comprovativo do cumprimento ou incumprimento de tal obrigação e não juntou qualquer documento comprovativo do cumprimento ou do incumprimento da obrigação, ou da advertência pelo não cumprimento. Tal demonstra, também, que tal procedimento não passa disso mesmo e não é condição essencial para a determinação da incidência subjetiva do imposto a prova do cumprimento da obrigação prevista no artigo 19º do CIUC.

Assim sendo, fica esta questão resolvida, pois em nada poderá obstar à decisão de fundo quanto à determinação da incidência do imposto.

 

17. Todavia, porque esta questão é, ainda, relevante para efeitos de decisão sobre o peticionado em matéria de juros indemnizatórios, sempre se dirá que, pelo menos desde o momento em que tomou conhecimento do pedido de revisão oficiosa dos atos tributários a AT teve conhecimento pleno sobre quem eram os locatários e respetivas condições do contrato. Logo, desde essa altura, confrontada com a informação devia ter agido em conformidade ao invés de insistir na tributação da Requerente, cuja ilegalidade decorre de violação direta do disposto na lei.

Se é certo que a incidência subjetiva do IUC que recai sobre o locatário implica o cumprimento de uma concomitante obrigação declarativa por parte do proprietário, também é certo que o Código do IUC não especifica o modo de cumprimento dessa obrigação declarativa, nada dizendo sobre o procedimento devido para o efeito.

Da matéria probatória não consta qualquer informação quanto ao momento e meio pelo qual a Requerente concretizou a identificação dos locatários (vd. factos não provados) mas a AT não demonstrou a existência de um procedimento interno capaz de zelar pelo cumprimento da obrigação e responsabilização nos casos de incumprimento.

 Certo é que, uma vez informada da existência dos contratos de locação em vigor, em sede de revisão dos atos tributários e do posterior recurso hierárquico, a AT manteve as liquidações de imposto, em violação do disposto no artigo 3º, nº 2 do CIUC.

 Quer o pedido de revisão dos atos tributários apresentado em 05-01-2015, quer o posterior recurso hierárquico, bem assim como o pedido arbitral, identificam os contratos de locação financeira, respetivas condições, prazos e identificação completa dos locatários. Pelo que, mesmo que não tenha demonstrado o cumprimento da obrigação de informação prevista no artigo 19º do CIUC, certo é que informou a AT em 05-01-2015 sobre as circunstâncias contratuais subjacentes a cada liquidação.

A Requerente juntou cópia dos contratos de locação financeira e dos contratos-promessa de opção de compra das viaturas, sendo que o Anexo A ao pedido de pronúncia arbitral identifica cada viatura, por matrícula, número de identificação fiscal de cada locatário e data de início do contrato de locação financeira. Pelo que, pelo menos, após a notificação do pedido de constituição de tribunal arbitral, e em face da matéria probatória no mesmo incluída, a Requerida fica impossibilitada de alegar o desconhecimento da factualidade subjacente.

Ora, passando a ter conhecimento da existência de contratos de locação financeira e de opção de compra da viatura, do período temporal de vigência desses contratos e da concreta identificação fiscal dos locatários, a AT estava em condições de repor a legalidade, anular os atos de liquidação ilegais e promover a liquidação do imposto devido pelos locatários, o que não ocorreu.

 

18. Em consequência de tudo o que vem exposto, a decisão da AT que a conduziu à emissão e cobrança das liquidações de imposto impugnadas, bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão e o indeferimento do recurso hierárquico, violaram o disposto no nº 2, do artigo 3º do CIUC quanto aos locatários, pelo que devem ser anuladas por violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Tais liquidações, com exceção das constantes na alínea e) da matéria assente, afiguram-se, pois, ilegais o que impõe a anulação dos correspondentes atos tributários.

 

Por último, os fundamentos de alegada inconstitucionalidade alegados pela Requerida são totalmente fortuitos e sem qualquer apego à realidade do caso concreto. A norma do nº2 do artigo 3º do CIUC é clara e não se vislumbra qualquer eventual inconstitucionalidade como parecer vir alegado pela Requerida.

 

Quanto do pedido e do direito a pagamento de juros indemnizatórios:

 

19. Dispõe a alínea b), do nº 1, do art.º 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do art.º 29º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 Dispõe, por sua vez, o artigo 43º, nº1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

20. Da análise dos elementos probatórios constantes dos presentes autos é possível inferir que, por força do pedido de revisão e ainda do recurso hierárquico que antecederam a apresentação do pedido arbitral, a AT há muito tinha conhecimento da existência de contratos de locação em vigor, pelo que teve oportunidade de revogar as liquidações ilegais e não o fez.  E, por último, teve ainda a possibilidade de revogação dos atos tributários ilegalmente praticados no prazo para resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral, mas também não o fez, optando por manter as liquidações ilegais. Nisso mesmo consiste o erro pelo qual está obrigada a indemnizar.

Logo, o Tribunal não pode sufragar a alegação da Requerida segundo a qual esta se limitou a aplicar a lei pelo que, na óptica da AT, daí não resultaria qualquer erro imputável aos serviços. Se assim fosse nunca a administração seria responsabilizada pela aplicação ilegal das normas em vigor nem pelos prejuízos causados.

Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €9.914,35 (€10.758,67 - 844,32), a contar de 05/01/2015,  data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa das liquidações, a partir da qual a AT teve conhecimento de todas as circunstâncias de facto e de direito relevantes para a correta liquidação do imposto, até ao seu integral reembolso.

 

21. No caso dos presentes autos, há que aplicar os princípios supramencionados e, como consequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação, proceder ao reembolso dos montantes indevidamente pagos, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

 

Da Responsabilidade pelo pagamento das custas do processo:

 

22. O argumento da Requerida quanto ao pagamento das custas arbitrais baseia-se no mesmo argumento invocado para tentar afastar a sua responsabilidade quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios, o qual improcede pelas mesmas razões.

Porém, a esse acrescenta um outro, invocando sucintamente, que a Requerida não controla a informação constante das bases registrais e que o IUC não é liquidado de acordo com a informação gerada pela própria Requerida, pelo que não tendo a Requerente o cuidado da actualização do registo automóvel, como aliás devia e competia, a AT nada podia fazer para evitar a liquidação.

Conclui que, quem deu origem ao presente processo foi a própria Requerente, por não ter procedido com o zelo que lhe era exigível, conduziu a AT a liquidar o IUC ao titular que figurava na informação contante do registo. Invoca ainda a decisão arbitral n.º 26/2013 T.

 Não assiste razão à requerida, pelas mesmas razões indicadas na decisão quanto aos juros indemnizatórios.

A requerida teve oportunidade, como já referimos, de revogar as liquidações ilegais e não o fez.  Logo, o processo só prosseguiu porque a AT assim entendeu. Os argumentos que invoca nesta matéria são totalmente improcedentes.

    Colhe mais uma vez tudo o que se disse quanto à fundamentação da decisão quanto aos juros indemnizatórios. A Requerida estava em condições de ter evitado as liquidações ilegais, dispunha das informações suficientes para o efeito nos termos impostos pelo artigo 19º do CIUC, e, por último, podia, ainda, de ter revogado o ato. Assim, o prosseguimento do processo foi, isso sim, da sua inteira responsabilidade pelo que, considerando-se os pedidos procedentes é de sua exclusiva responsabilidade o pagamento das custas arbitrais.

Não colhe, a este propósito, a invocação da decisão arbitral nº26/2013-T, na qual a AT não foi condenada no pedido quanto a juros indemnizatórios, apesar da procedência do pedido arbitral; cabe dizer que daí nada se retira quanto à pretensão em matéria de custas. Já quanto à questão da condenação em sede de juros indemnizatórios é diferente a apreciação contida na presenta decisão atentos os pressupostos da mesma sobejamente fundamentados.

Pelo que, se considera improcedente o pedido da Requerida AT quanto à responsabilidade pelas custas do processo.

 

39.Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.

 

 

V - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o presente pedido arbitral, e declarar a ilegalidade das liquidações de IUC impugnadas nos presentes autos, com exceção das liquidações nºs 2012…, 2010…, 2010…, 2011…, 2012…, 2012…, 2011…, 2012…, 2010…, 2011…, 2010…, 2010…, 2012…, 2011…, 2012…, 2012…, 2010…, 2010…, 2011…, 2012…, no valor total de € 844,32 euros, em relação às quais a Requerente apresentou desistência do pedido;

A ilegalidade das liquidações resulta do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários;

  1. Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, correspondente ao valor das 84 liquidações anuladas, no montante de €9.914,35 (correspondente ao valor inicialmente peticionado de €10.758,67 deduzido o valor de €844,32 das liquidações subsistentes), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o dia 05-01-2015 (data da apresentação do pedido de revisão) até ao integral reembolso do mencionado montante.

 

 

Valor do processo: em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nºs 1 e 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €9.914,35.

 

Custas: nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €918,00, a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe e notifique. 

 

 

Lisboa, 25 de setembro de 2017

 

O Tribunal Arbitral Singular,

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 



[1] Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Discurso Legitimador, p. 175 e seguintes.

[2] Neste sentido, vd., entre outros, os Acórdãos do STA de 05/09/2012 e 06/02/2013, respetivamente, proferidos nos processos nºs 0314/12 e 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt.