Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 728/2016-T
Data da decisão: 2017-07-06  IRC  
Valor do pedido: € 13.779,89
Tema: IRC – Entidade não residente; Convenção para Evitar a Dupla Tributação - Retenção na fonte; Meios probatórios; Instruções administrativas; Circulares; Juros indemnizatórios
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 7 de Dezembro de 2016, a A… com o número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e de identificação de pessoa colectiva n.º … com sede na Avª …, n.º…, …-… Lisboa, na qualidade de representante tributária da B…, S.A., Contribuinte n.º … também com sede na morada indicada, doravante abreviadamente designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), no qual solicitou a declaração de ilegalidade do indeferimento parcial do recurso hierárquico da reclamação graciosa n.º …2005…, de 2 de Junho de 2016, relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente aos exercícios de 2000, 2001 e 2002;
  2. Mais pugnou a Requerente pela declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), com os n.ºs 2004 … e 2004 …, relativos, respectivamente, aos anos de 2000 e 2001 com o consequente reconhecimento da obrigação da Administração Tributária (AT) restituir a importância paga de € 12.779,89 referente a 2000, bem assim como o montante liquidado de € 1.000,00 reportado ao ano 2001, este não anulado em sede de recurso hierárquico. 

 

  1. A Requerente pediu ainda que, relativamente aos anos de 2000, 2001 e 2002, fosse reconhecido o direito a juros indemnizatórios, contados decorridos um ano após a apresentação da reclamação graciosa até que seja executada voluntariamente a decisão proferida ou se mostre ultrapassado o prazo para essa execução voluntária, conforme o que ocorra primeiro.
  2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  3. Em 31 de Janeiro de 2017, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar
  4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 21-02-2017.
  5. No dia 30 de Março de 2017, a Autoridade Tributária, doravante designada de Requerida ou AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

8.      O Tribunal notificou a Requerente para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos documento comprovativo da sua qualidade de representante tributário da B…, S.A., uma vez que nos autos do processo arbitral apenas se encontra junta procuração a favor dos mandatários da A…, ao que a Requerente respondeu que tal qualidade resultava do Documento n.º 1 junto com o pedido.

  1. Notificadas as Partes para, dentro do mesmo prazo conferido no número precedente, se pronunciarem sobre a desnecessidade da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, passando-se de imediato, à fase das alegações escritas, as mesmas nada disseram.

10.  Atendendo a que, alínea c) do artigo 16.º do RJAT conferem autonomia ao tribunal arbitral na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito e, considerando ainda que, no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, o Tribunal:

i. Aceitou como suficientemente comprovada a qualidade da A… como representante tributário da B…, decorrente, também, do PA junto aos autos;

ii. Dispensou a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, por não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas;

iii. Facultou às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas.

  1. As Partes optaram por não apresentar alegações escritas.
  2. Em tempo, o Tribunal notificou a Requerente para se pronunciar sobre a ausência de poderes de pronúncia do Tribunal Arbitral, para conhecer da liquidação referente ao ano de 2000, ao abrigo do artigo 71.º A do CPTA, questão suscitada pela AT na sua Resposta.
  3. A Requerente pronunciou-se no sentido da inaplicabilidade do artigo 71.º do CPTA ao processo arbitral.
  4. O Tribunal encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 5.º e 6.º, n.º 1 do RJAT.
  5. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

 

2. Objecto dos autos

2.1 Posição da Requerente

 

a.    Ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2004…, no valor de € 12.779,89, relativa ao ano de 2000, bem assim como da decisão do recurso hierárquico da reclamação graciosa n.º …2005… .

 

No Requerimento Inicial a Requerente alicerça a ilegalidade do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa com fundamento na violação do dever da AT convolar a reclamação graciosa, apresentada extemporaneamente, num pedido de revisão oficiosa do acto tributário, nos termos dos artigos 52.º do CPPT e 78.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), porquanto o acto reclamado é um acto tributário de liquidação adicional de IRC, praticado pela AT, não sendo, por isso, aplicável o artigo 132.º do CPPT, o qual visa as situações de erro na entrega de superior ao devido pelo retentor.

 

Compulsado ainda o processo administrativo, mais concretamente a reclamação graciosa, bem como o recurso hierárquico, respectivamente, a páginas 1 a 50 do PA e páginas 1 a 38 da resposta e PA, a Requerente escora a ilegalidade das liquidações adicionais, por erro imputável aos serviços, na parte em que tiveram por fundamento o incumprimento da retenção na fonte do imposto, com base nos seguintes argumentos aduzidos pela AT:

 

i.          Por a Requerente não ter efectuado a retenção a um conjunto de sociedades ditas de representantes de artistas, não residentes, estando tais rendimentos sujeitos a tributação ao abrigo do artigo 4.º n.ºs 2 e 3, alínea d) do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Colectivas, sem que estas tivessem feito previamente a prova de que tais artistas não controlavam directa ou indirectamente as sociedades de artistas, tendo a AT considerado extemporânea a demonstração posterior ao pagamento do rendimento;

ii.        Por a Requerente não ter cumprido a obrigação de, antes do pagamento ou colocação à disposição, deter em seu poder certidão comprovativa da residência do titular em país abrangido por convenção de dupla tributação internacional, obrigatoriedade que contradiz expressamente a letra da lei e o teor da jurisprudência dos tribunais superiores.

 

Defende a Requerente que, a aceitar-se a obrigatoriedade de efectuar a retenção na fonte sobre os rendimentos auferidos por sociedades representantes de artistas sedadas no estrangeiro, não pode a AT impedir o acesso aos benefícios decorrentes das Convenções celebradas por Portugal para evitar a dupla tributação, mediante a imposição da exigência da apresentação da certidão comprovativa da residência do país antes do pagamento ou colocação à disposição, para demonstração da prova dos pressupostos de aplicação das Convenções sobre dupla tributação internacional.

 

Acrescenta que, essa obrigação, à data dos exercícios fiscais em apreço, resultava do Ofício-Circulado com o n.º 20076, de 31 de Outubro, o qual não se pode sobrepor às Convenções sobre dupla tributação internacional celebradas por Portugal nem, tão pouco, às disposições do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Porém, a AT não tomou em conta a documentação junta no decurso da acção inspectiva por contrariarem a doutrina administrativa a que a AT se encontra vinculada.

 

Acresce ainda que, os benefícios fiscais provenientes de acordos de dupla tributação constituem-se no momento do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, sendo meramente declarativa a eficácia da certidão.

 

Ademais, só posteriormente aos exercícios em apreço, mais concretamente com o artigo 27º n.º 1, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2003), foi alterado o artigo 90.º, n.ºs 2 a 5 do CIRC, em ordem à consagração expressa da obrigatoriedade de retenção em todos os casos em que o substituído tributário não tivesse apresentado ao retentor, até ao momento da retenção, certidão comprovativa da residência do país abrangido pela Convenção.

 

Segundo a Requerente, ainda que ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 17.º da Modelo de Convenção a Convenção Fiscal sobre o Rendimento e Património da OCDE o Estado da fonte pudesse tributar os rendimentos da actividade de espectáculos, atribuídos a uma terceira pessoa, a mesma não é invocável perante os residentes dos países abrangidos por convenções sobre dupla tributação que disponha em sentido diverso, a não ser como elemento interpretativo das disposições das referidas convenções.

 

Como nos termos do direito constituído, mormente do artigo 8.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 1.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, o disposto nas Convenções sobre dupla tributação internacional prevalece sobre o direito interno, caso a convenção sobre dupla tributação internacional não o preveja, expressamente, os rendimentos das sociedades de artistas não podem ser tributados no país do exercício da actividade, como remuneração pessoal do artista pela prestação dos seus serviços ou como lucro, atenta a ausência de estabelecimento estável no país em que a actividade é exercida.

 

 

 

b.      Ano de 2001, anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 2004 …

 

A Requerente invoca que a decisão do recurso hierárquico da reclamação graciosa n.º …2005…, a qual anulou parcialmente o IRC de 2001, tendo abrangido apenas € 7.670,00 dos € 8.670,09 reclamados, é ilegal na parte que manteve a liquidação deste imposto no montante de € 1.000,00, sendo que, ademais, a AT não reconheceu o direito a juros indemnizatórios.

 

Sustenta a Requerente, em defesa de tal ilegalidade, que no ano em apreço, ao abrigo do disposto na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino da Bélgica, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 619/70, de 15 de Dezembro, os rendimentos da actividade exercida pessoalmente em qualquer dos Estados pelos profissionais de espectáculos não residentes, atribuídos a outra pessoa, antes da entrada em vigor da Convenção Adicional, não eram tributáveis no Estado contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos ou desportistas, razão pela qual, não estava a Requerente obrigada a proceder à retenção na fonte de imposto sobre os rendimentos provenientes do exercício dessa actividade.

 

Em suma, para a Requerente, as liquidações adicionais de IRC sofrem de ilegalidade, na parte em que tiveram por fundamento a obrigatoriedade, que a mesma não teria cumprido, de, antes do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, deter em seu poder certidão comprovativa da residência do titular em país abrangido por convenção de dupla tributação, obrigatoriedade que contradiz expressamente a letra da lei e o teor da jurisprudência dos tribunais superiores.

 

Defende ainda a Requerente que a Convenção adicional celebrada entre Portugal e a Bélgica não estava em vigor no exercício fiscal de 2001.

 

 

c.    Reconhecimento do direito a juros indemnizatórios relativamente aos valores liquidados nos anos de 2000, 2001 e 2002,

 

Segundo a Requerente houve um erro imputável aos serviços nas liquidações de IRC de 2000, 2001 e 2002, pelo que, o não reconhecimento do direito a juros indemnizatórios é ilegal por violar o artigo 43.º, n.º 3 da LGT.

 

Defende a Requerente que, desde logo, com a anulação parcial da liquidação n.º 2004…, reportada a 2001, e a anulação integral da liquidação n.º 2004 … referente ao ano de 2002, no valor de € 40.581,09, deveria a AT ter reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

 

Acrescenta ainda que, a redacção dada pela Lei n.º Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2008), não é inovatória, limitando-se a consagrar a jurisprudência anterior, já consolidada, dos tribunais superiores.

 

2.2. Posição da Requerida

 

A AT procedeu à liquidação adicional de IRC relativamente a rendimentos pagos pela Requerente a sociedades de artistas, por referência aos anos de 2000, 2001 e 2002, com base nos seguintes argumentos[1]:

(i)  Por a Requerente não ter efectuado a retenção a um conjunto de sociedades ditas de representantes de artistas não residentes, rendimentos esses tributados ao abrigo do artigo 4.º n.ºs 2 e 3, alínea d) do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Colectivas, sem que estas tivessem feito previamente a prova de que tais artistas não controlavam directa ou indirectamente as sociedades de artistas, tendo a AT considerado extemporânea a demonstração posterior ao pagamento (n.º 9 do artigo 75.º do CIRC ano de 2002, n.º 7 do artigo 88.º do CIRC (anos 2001 e 2002);

(ii) Por a Requerente não ter cumprido a obrigação, de, antes do pagamento ou colocação à disposição deter em seu poder certidão comprovativa da residência do titular em país abrangido por convenção de dupla tributação internacional, obrigatoriedade que contradiz expressamente a letra da lei e o teor da jurisprudência dos tribunais superiores;

(iii)  Donde, tais rendimentos, estavam sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 25% (n.º 3 e 5 do artigo 75.º do CIRC conjugado com o artigo 69.º do CIRC, quanto ao ano de 2000, n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC conjugado com o n.º 2 do artigo 80.º do CIRC, anos 2001 e 2002.

 

a.       Liquidação de IRC n.º 2004…, no valor de € 12.779,89, relativa ao ano de 2000

 

A AT indeferiu liminarmente a reclamação graciosa relativa à liquidação referente ao ano de 2000, com fundamento na sua intempestividade, por ter sido apresentada decorridos 100 dias sobre a data do pagamento voluntário, quando, à data dos factos tal prazo era de 90 dias.

 

Sustenta a AT que, o dever de revogar os actos de liquidação de tributos ilegais, está sujeito às condições e limites temporais do artigo 78.º da LGT. Como, no entendimento da AT, no caso dos presentes autos, o erro na liquidação é imputável ao contribuinte, este não pode aproveitar o alargamento do prazo para 4 anos, ou a todo o tempo, se o imposto não estiver pago[2]:

 

Conclui que, tendo sido ultrapassados os limites temporais estabelecidos na lei, o direito do contribuinte à revisão do acto tributário precludiu.

 

A este propósito acrescenta que, o seu dever de sanar injustiças está sujeito aos limites impostos, por um lado pelo princípio da certeza e da segurança, e por outro dos princípios da justiça e igualdade tributária.

 

Defende ainda a AT que, não tendo sido apreciada a legalidade do acto de liquidação referente ao ano de 2000, atenta a intempestividade do pedido apresentado pela Requerente, o Tribunal Arbitral não pode conhecer da liquidação mas, tão-somente, caso julgue a pretensão da Requerente procedente, a impor à AT a prática do acto materialmente devido.

 

 

b.         Ano de 2001, anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2004 …

 

Em sede de recurso hierárquico a AT não aceitou a correcção de € 1.000,00 relativa à empresa designada “C…”, sedeada na Bélgica, por entender que a Resolução da República n.º 82/2000, que aprovou uma convenção adicional entre Portugal e a Bélgica, atribui competência tributária a ambos os Estados Contratantes relativamente aos rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculos quando atribuídos a outra pessoa.

 

Assim, Portugal podia tributar, em IRC, os rendimentos auferidos em resultado de actividades de profissionais, quando auferidos pelas sociedades representantes de artistas sedeados no estrangeiro e sem estabelecimento estável em Portugal, excepto se fosse feita prova de que os “artistas” não controlavam as sociedades de artistas.

 

Dado que tal prova não foi feita, antes do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do “artista”, a Reclamante fica como responsável originário pelo pagamento do imposto, estando obrigada a reter o imposto na fonte, a título definitivo.

 

A AT sustenta ainda que, nos termos da CDT entre Portugal e a Bélgica, a entidade pagadora, aqui Requerente, não podia aproveitar os benefícios decorrentes daquela convenção, uma vez que, à data do pagamento não tinha em seu poder o certificado de residência emitido pelas autoridades fiscais do Estado da sede da sociedade credora.

 

Por último, defende que o acionamento da CDT não impede a AT de proceder à tributação do rendimento dos artistas, pois de acordo com o estabelecido no artigo 17.º da Convenção Modelo OCDE sobre o rendimento e a despesa, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado contratante na qualidade de artista (quer sejam atribuídos ao artista ou a outra pessoa) podem ser tributados no Estado da fonte sem qualquer limitação.

 

c.       Juros indemnizatórios

 

Neste particular a AT defende que o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes pressupostos:

i.                    O imposto estar pago;

ii.     Ter a respectiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial;

iii.   Determinação em processo judicial ou gracioso, que a anulação se funda em erro imputável aos serviços.

 

No caso sob escrutínio, a AT entende que não estamos perante um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito das liquidações colocadas em crise, mas perante a alteração de um regime legal, introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2008) pelo que, não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços, não se encontrando reunidos os pressupostos legais que conferem o direito a juros indemnizatórios.

 

3. Saneamento

31. Dos poderes de pronúncia (competência) do Tribunal Arbitral

 

Como questão prévia ao conhecimento do mérito suscita a AT que, tendo sido indeferida, com fundamento em intempestividade, a Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, por referência ao ano de 2000, o tribunal arbitral não tem competência para se substituir à AT na apreciação do mérito do procedimento, pelo que, a ser considerada procedente a posição da Requerente, os poderes de pronúncia do Tribunal Arbitral apenas permitem que o procedimento seja admitido e a AT vinculada a proceder à apreciação do mérito do pedido dentro de um determinado prazo legal.

 

Ora, conforme jurisprudência consolidada, cuja fundamentação se sufraga, os poderes de cognição do Tribunal Arbitral quando a impugnação é precedida de fase administrativa, não estão delimitados pelos poderes de cognição da Administração Tributária, tendo o Tribunal competência para conhecer qualquer vício imputável ao acto tributário, podendo sindicar a legalidade da liquidação.

 

De acordo com o disposto na alínea a) do artigo 2.º do RJAT, o Tribunal arbitral tem competência para declarar a ilegalidade de actos de liquidação de tributos (…). Por seu turno, o artigo 90.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, dispõe que “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade (…)”

 

No seu pedido, a Requerente pugnou pela declaração da ilegalidade dos actos tribiutários de liquidação de IRC.

 

Em causa está, pois, mediatamente, a legalidade do acto tributário de liquidação, conforme, aliás, tem sido doutamente decidido nos tribunais superiores: “(…) o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise[3].

 

No mesmo sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 18/06/2014, rec. n.º 01942/13, bem assim como o acórdão deste mesmo Tribunal, proferido no âmbito do recurso n.º 0306/09, em 08/07/2009, onde se pode ler : “(…) Em causa está, pois, mediatamente, a legalidade do acto tributário de liquidação: apreciar o acto recorrido - saber se a pretensão da recorrente, de que fosse revisto aquele acto, merecia, ou não, ser indeferida (ainda que presumidamente) - implica sindicar a legalidade da liquidação. E, não só pode ter como fundamento tal tipo de ilegalidade, quando invocada pelo interessado, como ainda podem ser conhecidas outras ilegalidades do mesmo tipo, quando as mesmas sejam de conhecimento oficioso pelo juiz, ou venham a ser suscitadas pelo Ministério Público no momento processual próprio que o legislador reservou para a sua intervenção no processo judicial tributário, cfr. artigo 121º do CPPT[4].

 

Também neste sentido, veja-se decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 689/2015, disponível em www.caad.org.pt.

 

Assim, O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT

 

 

3.2 Da cumulação de pedidos

 

Existindo identidade do tributo – IRC – e sendo o Tribunal competente para a decisão o mesmo, não obsta ao conhecimento do pedido o facto de respeitar a anos diferentes e a Requerente haver peticionado juros indemnizatórios, pois os fundamentos de facto e direito são idênticos e a procedência dos pedidos depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito[5].

 

Donde, o Tribunal encontra-se regularmente constituído, é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

4. Decisão

4.1 Matéria de Facto

4.1.a.Factos dados como provados

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

1.      À data das liquidações a Requerente estava enquadrada, em sede de IRC, no regime geral com o período de tributação com início em cada ano civil, e exercia a actividade de Gestão de Salas de Espectáculos e Actividades Conexas – com o CAE n.º 92.320.

2.      Cessou a sua actividade para efeitos de IRC desde 02/12/2010, e a sua matrícula cancelada pela inscrição of. … em virtude do encerramento e liquidação registado pela Ap. …/20…, sendo o seu representante tributário a A…, S.A. (conforme PA e informação consultável em https://publicacoes.mj.pt/pesquisa.aspx.).

3.    Em cumprimento das ordens de serviço n.ºs…, … e … de 26 de Abril de 2004, foi instaurado um procedimento inspectivo externo à Requerente, de âmbito parcial – IRS e IRC - relativamente aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, com o objectivo de proceder à análise dos rendimentos pagos a não residentes pelo sujeito passivo de IRC (vide relatório de inspecção).

4.    No seguimento do aludido procedimento foram apuradas correcções em sede de IRC que deram origem às seguintes liquidações adicionais: (i) liquidação n.º 2004 … no montante de € 29.633,99 de imposto e € 6.850,41 de juros compensatórios (JC); (ii) liquidação n.º 2004 … no montante de € 65.793,13 de imposto e € 12.384,96 de JC e; (iii) liquidação n.º 2004… no montante de € 84.336,00 e € 10.201,04 de JC, respectivamente de 2000, 2001 e 2002, alicerçado no facto da Requerente ter incumprido o dever de retenção na fonte do imposto incidente sobre rendimentos provenientes do exercício da actividade de profissionais de espectáculos relativamente a um conjunto de não residentes, quando pagos a sociedades de representantes de artistas, com os seguintes fundamentos, vertidos no relatório de inspecção[6]:

Pelo n.º 2 do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, os rendimentos obtidos pelas sociedades representantes de artistas não residente sem estabelecimento estável estão sujeitos a IRC, excepto quando seja feita prova de que os artistas não controlam directa ou inidrectamente a sociedade de artistas”(…)

 

“(…) Para se aplicar as Convenções para evitar a dupla tributação não basta a existência das mesmas é preciso que a entidade devedora tenha em seu poder antes de efectuar o pagamento o certificado de residência da sociedade de artistas não residente emitido pelas autoridades fiscais competentes do Estado de residência da sociedade de artistas não residente (…)”.

 

5.    O prazo para pagamento voluntário da liquidação de IRC, no montante de € 29.633,99, referente ao ano de 2000 terminou a 05-01-2005 (documento n.º 1 junto com a reclamação graciosa);

6.    Em 15 de Abril de 2005 deu entrada nos Serviços de Finanças de Lisboa …, reclamação graciosa apresentada pela aqui Requerente, contra parte das liquidações mencionadas no ponto 4 supra;

7.    Na reclamação a Requerente pediu a anulação parcial das liquidações adicionais, pelos seguintes montantes: (i) € 12.779,89 relativamente ao exercício de 2000; (ii) € 8.670,09 referente ao exercício 2001 e (iii) € 40.581,09 respeitante ao ano de 2002, acrescidas dos respectivos juros compensatórios;

8.    A AT indeferiu liminarmente a reclamação referente ao ano de 2000, com fundamento na sua intempestividade, porque foi apresentada 100 dias após a data limite para o pagamento voluntário, quando deveria ter sido apresentada 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte (vide pags. 565 e segs do PA);

9.    Deferiu parcialmente o pedido respeitante ao exercício de 2001 no montante de € 7.670,09, tendo em conta a prova apresentada pela Reclamante (aqui Requerente), o ponto 35 da informação da Direcção de Serviços das Relações Internacionais (DSRI) e o entendimento veiculado pelo ofício-circulado n.º 20.131 de 2008/04/07 (vide pags. 565 e segs do PA);

10.    No tocante ao ano de 2002, a AT deferiu parcialmente o pedido no montante de € 19.723,35, com fundamento nos mesmos argumentos (vide pags. 565 e segs do PA);

11.    No tocante aos anos de 2001 e 2002 a Requerente tinha as declarações modelo 12-FRI autenticadas pelas autoridades fiscais do Estado de residência (vide Informação da Direcção de finanças de Lisboa/decisão da reclamação graciosa, páginas 564 e seguintes do PA)

12.    A Requerente, interpôs recurso hierárquico da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa;

13.    Por referência ao exercício de 2000, a AT manteve a sua posição quanto à extemporaneidade da reclamação graciosa;

14.    Manteve a correcção de € 1.000,00 efectuada à empresa designada “C…” sedeada na Bélgica, relativamente ao exercício de 2001;

15.    A AT manteve o indeferimento do pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

16.    A AT está na posse da declaração Modelo 12-RFI relativamente à empresa C… (vide páginas 23 a 27 e anexo 6, paginas 136 a 139 do PA);

17.    A Resolução n.º 82/2000 que aprovou a Convenção Adicional à Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre a República Portuguesa e o Reino da Bélgica, entrou em vigor a 5 de Abril de 2001;

18.    Em relação ao período de 2002 a AT considerou efectuada a prova da residência fiscal da entidade residente em França, considerou accionada a Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e esse país, e deferiu a correcção no montante de € 20.857,80.

4.1.b. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

4.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

5. Questão decidenda

 

A questão em causa nos presente autos de processo arbitral tributário, consiste em determinar se a Requerente, por referência aos anos de 2000, 2001 e 2002, aquando do pagamento de rendimentos a profissionais de espectáculos não residentes em Portugal, mas com residência fiscal em países com os quais Portugal tinha em vigor Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), estava obrigada a proceder a retenção na fonte do IRC.

Para análise da situação sob escrutínio importa apurar se:

  1. os rendimentos provenientes do exercício em território português da actividade de profissionais de espectáculo – quando obtidos por sociedades representantes de artistas não residentes sem estabelecimento estável – estavam sujeitas a retenção na fonte a título de IRC, excepto quando fosse feita prova de que o titular dos rendimentos (sociedade representante dos artistas) não era controlada directa ou indirectamente pelos profissionais de espectáculos, em momento anterior ao pagamento ou colocação à disposição.
  2. a Requerente, antes de proceder ao pagamento ou colocação à disposição de rendimentos a uma entidade estrangeira estava obrigada a ter em seu poder a certidão comprovativa da residência do titular do rendimento do país abrangido por convenção de dupla convenção internacional, de forma a poder beneficiar dos acordos e assim ficar dispensada de proceder à retenção na fonte de IRC.

 

Ainda no âmbito dos presentes autos, impõe-se conhecer se a AT estava obrigada a convolar a reclamação graciosa, apresentada extemporaneamente, em pedido de revisão oficiosa do acto tributário, nos termos do artigo 52.º do CPPT e artigo 78.º n.º 1 da LGT[7].

 

Ora, a apreciação dos pressupostos da convolação da reclamação em acto de revisão oficiosa do acto tributário, conduz o Tribunal a avaliar se pode conhecer da ilegalidade da liquidação, quando a reclamação graciosa for considerada intempestiva.

 

Por último, impõe-se conhecer do direito da Requerente à restituição do imposto pago e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

6. Do Direito

 

Importa, pois, avaliar da legalidade das liquidações de IRC.

 

A questão que se impõe decidir nos presentes autos já foi objecto de análise e decisão em processos judiciais anteriores, cuja fundamentação se seguirá de muito perto[8].

 

Para cabal análise da situação em apreço, importa ter presente o regime jurídico da tributação dos rendimentos da actividade de profissionais de espectáculos – sociedades representantes de artistas não residentes sem estabelecimento estável – à luz do direito português, mais concretamente do disposto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), das Convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal com os países da residência fiscal das sociedades de artistas e do artigo 17.º da Convenção Fiscal Modelo da OCDE sobre o rendimento e o património.

 

Nos exercícios de 2000, 2001 e 2002 Portugal considerava obtidos em território português e, consequentemente, tributava os rendimentos auferidos pelos profissionais de espectáculos ou desportistas, não só quando auferidos directamente por esses profissionais, mas também quando obtidos por não residentes sujeitos passivos de IRC controlados pelo mesmo[9].

 

Posteriormente, a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2003), veio eliminar a parte da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, que permitia afastar a tributação em Portugal mediante a comprovação pelos artistas e desportistas de que não controlavam a entidade através dos quais os rendimentos eram obtidos, pelo que, a partir daí a obtenção desse tipo de rendimentos por sujeitos passivos de IRC não residentes, passou a estar sempre sujeita a tributação em Portugal.

 

À data das liquidações adicionais sob escrutínio, o regime de tributação dos parágrafos 1 e 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da OCDE, coincidia com o regime fiscal português, ou seja, previa a tributação dos artistas de espectáculos não residentes ou das outras pessoas às quais os rendimentos eram imputados, designadamente pessoas colectivas que obtivessem rendimentos da sua actividade, in casu de IRC, excepto quando fosse feita prova de que os artistas não controlavam directa ou indirectamente a entidade que obtinha o rendimento.

 

No entanto, suscitando-se a questão da aplicação de Convenções para Eliminação da Dupla Tributação Internacional (CDT) celebrada entre o Estado Português e o país de residência do titular dos rendimentos, há que analisar o direito de tributação dos lucros em sede de IRC obtidos em território português, à luz do disposto nas convenções aplicáveis, i.é, das normas de Direito Fiscal Internacional.

 

Donde, estando em vigor uma CDT celebrada com Portugal:

i.   Importa aferir se existe um artigo que visa a tributação de artistas e, se neste apenas constar uma menção às actividades pessoais do artista, os lucros daí provenientes são visados pelo artigo que trata dos lucros das empresas (artigo 7.º) ou no artigo dos rendimentos das profissões independentes (artigo 14.º), não tendo Portugal competência tributária, pode operar a dispensa total da retenção na fonte do imposto, um vez observado o procedimento administrativo prévio previsto no direito interno;

ii.   Se da convenção constar um segundo parágrafo no artigo que visa a tributação dos artistas, a competência tributária é atribuída também ao Estado do exercício com afastamento das normas sobre os lucros das empresas e dos rendimentos das profissões independentes (artigos 7.º e 14.º).

No que tange à tributação dos rendimentos auferidos por artistas, sedeados em país com o qual Portugal tivesse celebrada CDT, não tinha aplicação a Convenção Modelo OCDE, e como as convenções sobre dupla tributação celebradas por Portugal, no    que tange aos rendimentos pagos aos não residentes a que se reportam as liquidações em apreço, não previam essa tributação, a entidade pagadora não estava obrigada a proceder à retenção na fonte de IRC.

Quanto ao procedimento administrativo prévio que permite a dispensa de retenção na fonte do substituto tributário, mais concretamente no tocante à obrigatoriedade da apresentação e à forma dos documentos a apresentar, dos intitulados “certificados de residência fiscal”, conforme anteriormente decidido por diversos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS)[10], o quadro legal vigente à data não impunha a necessidade de demonstração prévia aos pagamentos, da residência da entidade recebedora das importâncias.

Com efeito, não decorria nem das Convenções para Evitar a dupla Tributação, nem da legislação interna aplicável aos exercícios em causa, qualquer obrigatoriedade do substituto tributário ter na sua posse os originais de tais documentos.

A alegada obrigatoriedade de tal apresentação decorria de um conjunto de regras e formulários – certificados de residência, requisitos formais com base nos quais se devia acionar o mecanismo das CDT’s, in casu o Oficio Circulado n.º 20076 de 31.10.02, os quais, como é consabido, não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços.

Neste sentido, veja-se o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, a 08-02-2011, no âmbito do processo 0443/11, onde se pode ler “(…) VIII) As circulares administrativas emanadas pela AT são vinculativas apenas para os respectivos serviços pois, face à lei, os procedimentos definidos, máxime o direito circulado da AF, não podem derrogar o princípio da legalidade tributária. XIX) Assim a Circular que impunha a certificação prévia da sede da beneficiária, além de ser ilegal por falta de habilitação legal para interpretar extensivamente normas de incidência tributária, seria ilegal por abusiva desvirtuação de norma comunitária e respectiva transposição legal.(…)”

Tal entendimento é perfilhado pela doutrina segundo a qual “(…) os despachos interpretativos, as instruções e as circulares dimanadas da Administração Tributária para esclarecer ou uniformizar o entendimento da lei e o procedimento dos serviços tendo de peculiar o facto de desenvolverem a sua eficácia exclusivamente na ordem interna da Administração de onde provêm. Não vinculam nem os contribuintes, nem os tribunais, mas são meras resoluções Administrativas (…)” (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1974, pags. 193 e 140).

 

Assim, tratando-se de instruções administrativas, ainda que uma delas (oficio-circulado) traduza uma instrução genérica, não produz efeitos exteriores ao serviço que a emana, não vinculando nem impondo qualquer dever aos contribuintes.

 

Só com a redacção introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, na norma do n.º 3 do artigo 90.º do CIRC, é que passou a ser obrigatória a prova de residência do beneficiário dos pagamentos a ser realizada até à data em que devia ser efectuada a retenção na fonte.

 

Outrossim, os modelos dos formulários foram aprovados pelo Despacho Ministerial n.º 11701/2003 – Formulários Convenções de 17 de Junho, aplicável aos rendimentos pagos a partir de 1 de Agosto de 2003.

 

Posteriormente, com a entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2008, (Lei n.º 67-A/2007, de 31.12), o artigo 90-A do CIRC passou a prever a possibilidade de afastamento da responsabilidade do substituto tributário pela totalidade do imposto quando, apesar de não dispor do certificado de residência da entidade beneficiária dos rendimentos à data em que reteve e entregou o imposto nos cofres do Estado, o obtenha posteriormente.

 

E o n.º 4 do artigo 48.º dessa Lei determinou a aplicação retroactiva deste regime de exclusão da responsabilidade tributária do substituto a todas as situações anteriores à entrada em vigor da norma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, exceptuando somente os casos em que tenha havido lugar ao pagamento do imposto e (cumulativamente) não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação, isto é, os casos em que o acto se firmou definitivamente na ordem jurídica.

 

Encontrando-se reunidos os pressupostos para a aplicação retroactiva desta norma à situação sobre escrutínio, atendendo a que à data da sua entrada em vigor (1/1/2008) encontrava-se pendente o Recurso Hierárquico interposto pela aqui Requerente.

 

Ainda assim, importa clarificar que à data dos factos, era nos pressupostos fixados nas Convenções para evitar a dupla tributação celebradas entre Portugal e os países da residência fiscal das sociedades de artistas, que se devia operar o reconhecimento do direito à não retenção de IRC em relação às entidades sedeadas naqueles países.

 

Como se doutrina no aresto do TCAS de 09-05-2006, Recurso nº.00436/05, as circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços e, na falta de legislação sobre a obrigatoriedade de apresentação do original do certificado de residência do beneficiário dos rendimentos, em país contratante de Convenção para evitar a Dupla Tributação, ou a apresentação tardia do referido certificado, não fazia precludir a aplicação do mecanismo da isenção.(…)”

 

É, pois, evidente que a Requerente não estava obrigada a apresentar os formulários referidos pela AT, dado que não havia legislação a exigir os mesmos e só as circulares de que a AT se valeu o exigiam.

 

Feito o enquadramento legal da questão sob escrutínio, impõe-se agora subsumir as liquidações impugnadas, ao direito aplicável.

 

No tocante à liquidação 2004…, reportada a 2000 a primeira questão colocada pela Requerente no seu requerimento inicial prende-se com a obrigatoriedade da AT proceder à convolação da reclamação graciosa, extemporânea, em revisão oficiosa do acto tributário, tendo a reclamação sido apresentada dentro dos prazos de revisão oficiosa, ao abrigo dos artigos 52.º do CPPT e 78.º n.º 1 da LGT.

 

À data dos factos o prazo para apresentação da reclamação graciosa era de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento, donde, tendo este ocorrido a 05-01-2005 a Requerente deveria ter apresentado a Reclamação em 06-04-2005, porém deu entrada da mesma apenas em 15-04-2005.

 

Pese embora a intempestividade da apresentação da reclamação, impõe-se, no entanto, conhecer se a AT está(va) obrigada a convolar a reclamação graciosa em revisão oficiosa do acto de liquidação, conforme alegado pela Requerente.

 

Nos termos do artigo 78.º n.º 1 da LGT a revisão do acto tributário pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, por iniciativa da AT, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (sublinhado nosso)

 

E pese embora a reclamação graciosa da liquidação do ano de 2002 tenha dado entrada nos serviços decorrido o prazo legal para o efeito, a verdade é que não tinham decorrido 4 anos após a liquidação, encontrando-se dentro do prazo legal da revisão oficiosa

 

Conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, proferida no âmbito do processo n.º 0366/11, de 14-12-2011, consultável em http://www.dgsi.pt/ “(…) apesar da reclamação apresentada pela Requerente ser intempestiva, a verdade é que ainda se encontrava dentro do prazo da revisão oficiosa, razão pela qual, tendo em conta o poder-dever atribuído à administração tributária de proceder à convolação da reclamação em pedido de revisão do acto de autoliquidação, e tendo em conta que na data em que é apresentado a referida reclamação ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual essa revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada, não podia o pedido de anulação do acto que a Requerente dirigiu à Administração ser indeferido por intempestividade (…)[11].

 

Acresce ainda que, é hoje pacífico o entendimento que a AT tem o dever de concretizar a revisão de actos tributários a favor do contribuinte, quando detectar uma situação de ilegalidade, em relação a todos os tributos, atentos os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que a AT tem de observar na sua actividade, decorrentes dos artigos 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

É também este o entendimento da doutrina, segundo a qual “(…) Estes princípios impõem que a AT corrija oficiosamente todos os erros de liquidação que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei. (…)”

 

Há assim um reconhecimento, no âmbito do direito tributário, do dever de revogar actos ilegais.[12]

 

Nem procede, pois, o argumento invocado pela AT de que, nos presentes autos, não estamos perante qualquer erro imputável à Administração cometido em desfavor do contribuinte, que preconizem o alargamento do prazo de revisão para quatro anos ou a todo o tempo se o imposto não estiver pago.

 

Isto porque, o erro imputável aos serviços a que se refere a parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie (artigo 78.º n.º 2 do mesmo diploma)[13].

 

Efectivamente, analisadas as liquidações adicionais sob escrutínio, a AT fez uma errónia aplicação lei aos factos, mais concretamente dos pressupostos de aplicação das CDT’s.

 

Acresce ainda que, contrariamente ao afirmado pela AT, esta está obrigada a eliminar da ordem jurídica todos os actos de liquidação ilegais, como, aliás, decorre da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, e mais concretamente do decidido pelo STA no processo com o n.º 0793/14, de 03-06-2015, consultável em http://www.dgsi.pt/ “(…) impondo-se à administração Tributária um dever de praticar todos os actos necessários para que os actos tributários de liquidação de imposto se conformem à lei vigente e aplicável à concreta situação, enquanto não se mostrar ultrapassado o prazo legalmente previsto para que o contribuinte deduza pedido de revisão, não há estabilização desses mesmos actos tributários, estando, por isso, os mesmos sujeitos a serem alterados ou revogados (…)”

 

Donde se conclui que, nos presentes autos, tratando-se de uma liquidação adicional de IRC, estava a AT estava obrigada a convolar a reclamação graciosa, intempestiva, em revisão oficiosa da liquidação, por se encontrarem reunidos os pressupostos legais para o efeito, nomeadamente, a apresentação pela Requerente apresentação da reclamação graciosa muito antes de decorridos os prazos do artigo 78.º da LGT.

 

Não o tendo feito, a decisão do recurso hierárquico da reclamação graciosa, que não procedeu à convolação da reclamação graciosa em revisão oficiosa da liquidação, é ilegal por ser contrária à lei em vigor.

 

Questão diferente, prende-se com a preclusão do direito da Reclamante impugnar o acto de liquidação, atenta a intempestividade da reclamação graciosa, que consubstanciará uma exceção peremptória a qual, nos termos do n.º 3 do artigo 576.º do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pela autor, assim sobrevindo o não conhecimento do mérito e a consequente absolvição do pedido.

 

Na redacção do CPPT, em vigor, à data da apresentação da reclamação graciosa, o prazo para apresentar a reclamação graciosa (artigo 70.º do CPPT), bem como impugnação judicial era de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nas alíneas do n 1, do artigo 102.º do CPPT.

 

Por conseguinte, à data da apresentação da reclamação pela Requerente, os dois sobreditos prazos já estavam consumidos.

 

Como refere JORGE LOPES DE SOUSA[14], “(…) se a Requerente deixou expirar o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial, perdeu definitivamente o direito de impugnação com fundamento em vícios geradores de anulabilidade, não havendo um novo prazo de impugnação judicial quanto a esses vícios a contar da decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Na verdade, seria absolutamente ilógico que um direito perdido (impugnação judicial com fundamento em vícios geradores de anulabilidade) pudesse ser recuperado através da prática de um acto que já não podia ser praticado à face da lei.

 

O Contribuinte podia deduzir impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa, no prazo de 15 dias após a notificação da decisão, mas, neste caso, o contribuinte apenas pode impugnar o indeferimento da reclamação por intempestividade. Naturalmente que também pode impugnar a liquidação do imposto, mas também nas palavras do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa,  “(…) Nestas situações, sendo o objecto directo da impugnação judicial o acto de liquidação o tribunal deverá apreciar a questão da preclusão do direito de impugnação do acto de liquidação (…) devendo abster-se de conhecer o mérito da impugnação, por intempestividade, tanto no caso de ter excedido o prazo de 15 dias a contar da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, mas também se tiver excedido o prazo em que podia ser deduzida a reclamação graciosa (..) “

 

Perante tal acto de liquidação pode ainda o contribuinte interpor recurso hierárquico e/ou solicitar a revisão do acto tributário nos termos do artigo 78.º n.º 1 da LGT, o que deverá fazer dentro do prazo de reclamação administrativa (expressão que parece referir-se à reclamação graciosa e não ao procedimento previsto no artigo 161.º do CPA).

 

Acresce que, quer o indeferimento do recurso hierárquico, quer o indeferimento do pedido de revisão são contenciosamente sindicáveis através do processo de impugnação judicial (cfr. arts. 97º, nº 1, al. D), 99º e 102º, nº 1, al. e) do CPPT e 95º, nº 2, al. d), da LGT).

 

Donde, tendo o contribuinte deixado expirar os prazos de reclamação graciosa e impugnação judicial, bem como de outros meios graciosos, perdeu o direito a impugnar a liquidação com fundamento em vícios geradores da sua anulabilidade, havendo, pois, que concluir, que no caso vertente, o Tribunal não poderá sindicar a legalidade do acto de liquidação. Não porque não tivesse competência para tal, mas porque, atenta a intempestividade da reclamação cabe à AT convolar a reclamação graciosa extemporânea em revisão oficiosa do acto tributário.

 

Note-se, porém, que, estando a AT obrigada à convolação da Reclamação Graciosa em acto de revisão do acto Tributário, a decisão que for proferida pela AT no âmbito deste meio gracioso, é sindicável judicialmente, abrindo-se por essa via o caminho aos meios impugnatórios.

 

Quanto à liquidação n.º 2004…, referente ao ano de 2001, mais concretamente à correcção de € 1.000,00.

 

Está em causa a alegada ausência de retenção da fonte daquele valor pela Requerente, sobre rendimentos de artistas pagos a uma sociedade sedeada na Bélgica, país com o qual Portugal tem celebrada Convenção para Evitar a Dupla Tributação.

 

Não obstante o direito interno tributasse tais rendimentos, quer a título de IRS quer de IRC, existindo Convenção para evitar a Dupla Tributação esta prevalece sobre o direito interno, nos termos do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

Ora, à data dos factos encontrava-se em vigor a CDT aprovada pelo Decreto-Lei n.º 619/70, de 15 de Dezembro, nos termos da qual, os rendimentos da actividade exercida em qualquer dos Estados pelos profissionais de espectáculos, bem como pelos desportistas, podiam ser tributados no Estado contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos ou desportistas[15].

 

Na redacção original da CDT nada se referia quanto ao facto dessas actividades serem exercidas por meio de uma sociedade.

 

Tal como mencionado na resposta da AT, tal alteração só veio a ocorrer com a Resolução da Assembleia da República n.º 82/2000, de 14 de Dezembro que aprovou a Convenção adicional entre estes dois países.

 

Passando o n.º 2 do artigo 17.º da Convenção em apreço a estipular que: “Não obstante o disposto nos artigos 7.º, 14.º e 15.º, os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espectáculo, ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa colectiva podem ser tributados no Estado contratante em que são exercidas essas actividades dos profissionais de espectáculos e dos desportistas.

 

No entendimento da AT, sendo a competência tributária destes rendimentos cumulativa do Estado da fonte dos rendimentos e do Estado da residência, para que o Estado da fonte não tribute mediante retenção na fonte, deverá ter em seu poder prova de que o titular dos rendimentos - sociedade representante dos artistas – não é controlada directa ou indirectamente pelo profissional de espectáculos, ao abrigo do n.º 7 do artigo 88.º.

 

Ademais, segundo a AT, para que se aplique o regime das CDT’s não era suficiente a sua celebração entre os Estados Membros, sendo ainda necessário que a entidade devedora tivesse em seu poder, antes de efectuar o pagamento, o certificado de residência emitidos pelas autoridades fiscais competentes do Estado de residência da sociedade de artistas não residente, cabendo ao Estado da residência e não ao da fonte eliminar a dupla tributação.

 

Vejamos:

 

A Resolução Resolução da Assembleia da República n.º 82/2000, de 14 de Dezembro que aprovou a Convenção adicional à CDT celebrada entre Portugal e a Bélgica, só entrou em vigor a 5 de Abril de 2001, aliás conforme resulta da informação institucional da AT[16].

 

Com efeito, a entrada em vigor dos tratados internacionais não ocorre com a sua aprovação pela Assembleia da República, nem com a sua publicação em Diário da República, mas da sua regular ratificação[17].

 

E, o procedimento de ratificação da Convenção Adicional apenas se conclui com o Aviso n.º 36/2001, de 21 de Abril, do Ministério dos Negócios Estrangeiros que tornou pública a troca de instrumentos de ratificação da referida Convenção Adicional entre a República Portuguesa e o Reino da Bélgica.

 

Cuja troca ocorreu a 5 de Abril de 2001.

 

Acresce ainda que, nos termos do artigo XV, n.º 2 alínea b) da Convenção, quanto aos impostos retidos na fonte, a mesma só teria aplicação aos casos em que o facto gerador tivesse ocorrido a partir do início do ano civil seguinte ao da entrada em vigor da Convenção Adicional.

 

Donde se conclui que, à data do facto gerador da retenção em causa (2001) o Estado Português não podia tributar os rendimentos em apreço, porque a Convenção Adicional ainda não tinha entrado em vigor.

 

Quanto à exigência da posse dos certificado de residência emitidos pelas autoridades fiscais competentes do Estado de residência da sociedade de artistas não residentes, antes do pagamento ou colocação à disposição, conforme acima mencionado, à data dos factos existia um vazio legal, que não podia ser suprido mediante a emissão de circulares ou ofícios, razão pela qual, não subsistem dúvidas de que à data dos factos tributários, a falta do referido certificado ou a prova tardia da residência do beneficiário dos rendimentos no outro Estado contratante, não fazia precludir, salvo melhor opinião, a aplicação do mecanismo da isenção de retenção.[18]

 

Ainda que assim não se entendesse, resulta do PA junto pela AT que tal certificado foi junto pela Requerente e o original enviado para a DSRI a 16/05/2016[19].

 

Assim, atento tudo quanto fica acima expendido, a liquidação de € 1.000,00 padece de ilegalidade por violação de lei.

 

Dos Juros Indemnizatórios

 

O direito a juros indemnizatórios enquanto garantia dos contribuintes encontra-se previsto no artigo 43.º da LGT e tem, na sua origem, o facto de o contribuinte ter pago indevidamente impostos em virtude de erros imputáveis aos serviços ou o não cumprimento por estes, de determinados prazos legais.

 

Neste particular não releva o tipo de erro (se foi de facto ou de direito) nem o grau de culpa, até porque está em causa uma responsabilização objectiva dos serviços[20].

 

Tem sido considerado na inúmera jurisprudência do STA em matéria de juros indemnizatórios que a expressão utilizada no artigo 43.º da LGT, “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, significa que o legislador teve em mente o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.[21]

 

São igualmente devidos juros indemnizatórios, quando a AT proceda à revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, quer o erro que lhe serve de fundamento seja imputável aos serviços quer seja imputável ao contribuinte, conforme resulta do Ofício-Circulado n.º 60 052, de 03.10.2006 da DGCI, efectuada mais de um ano após o pedido do mesmo, salvo se o atraso não for imputável à AT[22].

 

Neste caso é pressuposto o contribuinte ter apresentado um pedido destinado a anular a liquidação do imposto previamente pago, e a AT não rever o acto dentro do prazo de um ano no sentido pretendido pelo contribuinte.

 

Todavia, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º n.º 3 do CPPT) enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação apenas ode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (artigo 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT).

 

Conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, vertida no Acórdão n.º 0793/14, de 03-06-2015 “(…) Essencialmente, o regime do artº 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto.(…)”[23]

 

Ou seja, regra geral os juros devem ser calculados a partir da data em que o contribuinte incorreu no pagamento indevido (artigo 61.º n.º 5 Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT), excepto quando o contribuinte não acionou tempestivamente os meios normais de recurso.

 

Quando a anulação da liquidação é impulsionada pelo contribuinte, a contagem dos juros inicia-se decorrido que seja um ano do pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à AT (artigo 43.º n.º 3 alínea c) da LGT).

 

Também não procede o argumento da AT, vertido em informações da Direção de Serviços das Relações Internacionais, datadas de 2011, ou seja decorridos mais de 10 anos do exercícios em causa nos presentes autos, e de cerca de 6 anos contados da reclamação graciosa, no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios, porque não se está perante um erro nos pressupostos de facto ou de direito, mas sim perante uma alteração legislativa ao regime legal da responsabilidade do substituto tributário, com eficácia rectroactiva introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro e do entendimento vertido no ofício circulado n.º 20131 de 2008/04/07, nas situações em que o substituto tributário não tem na sua posse e no prazo legal, prova da verificação dos pressupostos que legitimam o acionamento da CDT.

 

Não só porque, não foi esse o argumento sufragado no relatório de inspecção, datado de Outubro de 2004, o qual assenta numa errada interpretação do regime jurídico em vigor à data dos factos, mas também na medida em que é manifesto que só a morosidade na apreciação da questão sub judice, permitiu à AT socorrer-se de tal fundamento.

 

Por outro lado, é entendimento jurisprudencial do STA[24], que: “(…) o n.º 4 do art. 48.º da Lei n.º 67-A/2007, ao determinar a aplicação retroactiva do regime que se prevê expressamente no n.º 4 do art. 90.º-A, constitui um reconhecimento explícito de que era ilegal a imputação de responsabilidade ao substituto tributário quando se comprovasse a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção, mesmo que a comprovação viesse a ser feita apenas depois do momento em que retenção deveria ser efectuada.
Na verdade, em face do referido princípio da legalidade a que está subordinada a actividade da Administração Tributária, só com fundamento em ilegalidade se pode compreender que, na prática, se anulassem por via legislativa liquidações de imposto já efectuadas, como faz aquela norma, ao determinar a exclusão da responsabilidade do substituto tributário «independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto».
E, efectivamente, em situações em que foi efectuada uma liquidação em momento que já se sabe que não se verifica o facto tributário que lhe está subjacente, não pode deixar de entender-se que se está perante um acto ilegal, desde logo à face dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade na repartição de encargos públicos, cuja observância é imposta à Administração Tributária pelo art. 55.º da LGT e que são corolário dos princípios da justiça, da necessidade e da igualdade, genericamente enunciados nos arts. 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP e ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático.».
Aplicando esta doutrina ao caso vertente, torna-se evidente que houve erro imputável aos serviços no que toca à liquidação de IRC relativamente ao ano de 2000, por não ser permitido, à luz da legislação então vigente, exigir que a prova da residência fosse efectuada exclusivamente nos termos e moldes previstos no n.º 4 do artigo 14.º do CIRC
.”

 

Impõe-se adoptar solução idêntica nos presentes autos, uma vez que a AT exigiu à Requerente a produção de prova quanto à residência fiscal, que não era imposta pelas Convenções em vigor à data dos exercícios fiscais sob escrutínio, tendo laborado em erro no que às liquidações de IRC anuladas diz respeito.

 

Por último, é entendimento jurisprudencial pacífico, citando-se a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STA, prolatado no Recurso n.º 01052/04, consultável em, http://www.dgsi.pt/, no qual, se escreve: “(…) São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao devido».
O desaparecimento do acto tributário de liquidação, seja por força da satisfação da reclamação graciosa, seja por obra da procedência da impugnação judicial, impõe à Administração Fiscal que reconstitua a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado. Tal inclui, necessariamente, a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez. Mas também integra a reconstituição da situação o pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que o contribuinte esteve, desde o pagamento que efectuou, até ao reembolso, privado da utilização do correspondente capital.
(…)[25]

 

Assim, atento tudo o que fica acima expendido, e aceitando que o dever de indemnizar por parte do Estado, existe em todas as situações que tenham resultado em prejuízo ilícito dos contribuintes, e que estes devem ser indemnizados quando hajam pago prestações tributárias a que não estavam legalmente obrigados, impõe-se concluir que:

i.                    Liquidação n.º 2004 …

Fica prejudicado o conhecimento do pedido na condenação em juros indemnizatórios, face ao decidido quanto à questão de mérito.

ii.                  Liquidação n.º 2004 …, ano de 2001

São devidos juros indemnizatórios sobre a quantia de € 7.670,99, anulada em sede de recurso hierárquico, bem assim, como os € 1.000,00, cuja liquidação se anula pela presente decisão.

iii. Com a anulação integral da liquidação n.º 2004 … referente ao ano de 2002, no valor de € 40.581,09, deveria a AT ter reconhecido o direito a juros indemnizatórios, tendo procedido ao seu pagamento voluntário, pelo que condena-se a AT a pagar os juros indemnizatórios nos termos peticionados pela Requerente.

 

*

7. DECISÃO

Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se:

a)      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão do indeferimento da reclamação graciosa de IRC de 2000, por violação da obrigação de convolação oficiosa por parte da AT, ao abrigo do disposto nos artigos 52.º do CPPT e 78.º n.º 1 da LGT e, em consequência, não conhecer o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC, referente a 2000;

b)      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento parcial do recurso hierárquico interposto da reclamação graciosa que manteve a liquidação de € 1.000,00, relativo ao exercício fiscal de 2001, com fundamento na errada aplicação da lei em vigor à data dos factos e, em consequência anular a respectiva liquidação, condenando-se a Administração Tributária a restituir à A… o montante liquidado, acrescido dos juros indemnizatórios, nos termos peticionados pela Requerente;

c)      Julgar procedente o pedido de reconhecimento dos juros indemnizatórios em relação aos valores, liquidados relativamente aos exercícios fiscais de 2001 e 2002, nos exactos termos peticionados pela Requerente;

d)      Condenar a Requerida nas custas do processo nos termos do artigo 22.º n.º 2 do RJAT.

 

8. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 13.779,89 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

9. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique-se.

Lisboa 6 de Julho de 2017

      O Árbitro

 

(Cristina Coisinha)

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Ponto 4 do relatório de inspecção

[2] N.º 1 do artigo 78.º da LGT

[3] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no âmbito dos recursos n.ºs: 0793/14, de 03-06-2015, n.º 01942/13, de 18-06-2014, consultáveis in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf?OpenDatabase;

[4] Artigo 2.º, n.º 1 alínea a) do RJAT

[5] Artigo 3.º n.º 1 do RJAT

[6] vide neste sentido a informação da Direcção Geral dos Impostos, 2ª Direcção de Finanças de Lisboa, pag. 245 do PA

[7] Na redacção em vigor à data dos factos

[8] Decisões n.ºs 398/2015/; 689/2015-T; 709/2015-T; 735/2015-T;133/2016-T; 164-T/2016; 166/2016-T; 231/2016-T; 617/2016-T, consultáveis em www.caad.org.pt.

[9] A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 37/95, de 14 de Fevereiro

[10] Acórdãos de 03-11-2004, Recurso n.º 00151/04; de 05-07-2005 no Recurso 05675/01; de 09-05-2006, no Recurso 00436/05; de 16-05-2006 no Recurso 00504/05; de 14-11-2006 no Recurso 01424/06; de 24/04/2007 no Recurso 01707/07 e de 09-05-2007 no Recurso 01041/06, todos consultáveis na integra em www.dgsi.pt

[11] Vide ainda Acórdão do STA prolatado no processo n.º 0402/06, de 12-07-2006

[12] A doutrina tem vindo a defender o dever de revogação de actos ilegais, podendo ver-se a este propósito: Robin de Andrade, A Revogação dos Actos Administrativos, 2ª edição, páginas 255-268; Maria da Glória Ferreira Pinto, Considerações sobre a Reclamação Prévia ao Recurso Contencioso, paginas 12 a 14; Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Volume I, páginas 613-614.

[13] Vide Acórdão do STA n.º 01474/11, de 05-11-2014, consultável em http://www.dgsi.pt/

[14] in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011

[15] Artigos 17.º e ainda 7.º, 14.º e 15.º da CDT

[16] http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/A9E92685-90D6-46D4-A39F-DEBF3FB51122/0/Tabela_CDTs_2017.pdf

[17] Artigo 8.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa

[18] Nesse sentido, os Acórdão do TCAS de 03/11/2004, Proc. 00151/04 e de 09-05-2006, Recurso nº .00436/0

[19] Vide anotação manuscrita no Modelo, pagina 136 do PA

[20] Rui Duarte Morais, in Manual de Procedimento e Processo Tributário, Edição de 2014, páginas 365 a 376

[21] Acórdãos proferidos nos recursos n.ºs 622/08, de 29.10.2008, 945/08, de 21.01.2009; 347/09 de 25.06.2009 e 665/09 de 04.11.2009.

[22] Jesuíno Alcântara Martins e José Costa Alves, in Procedimento e processo Tributário, Edição de 2015, páginas 66 a 69

[23] A este propósito vejam-se também os Acórdãos do STA, proferido no âmbito dos processos números: 0402/06 de 12-07-2006; 0329/11 de 02-11-2011; 01474/12, de 05-11-2014, consultáveis em http://www.dgsi.pt/

[24] Acórdão do STA proferido no Processo n.º 01705/09, de 07-12-2010

[25] A este propósito pode ainda ler-se o acórdão do STA, no processo 0893/11, de 06-02-3013, consultável em http://www.dgsi.pt