Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 734/2016-T
Data da decisão: 2017-06-26  IRC  
Valor do pedido: € 118.203,73
Tema: IRC – Locação Operacional
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

            Os árbitros José Poças Falcão (árbitro presidente), António Pragal Colaço e Júlio Tormenta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-02-2016, acordam no seguinte:

           

I.        Relatório

1.                  “A…, LDA.”, titular do NIPC…, com sede em…, …-… ... (doravante apenas designada “A…” ou “Requerente”), vem, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 5.º, do artigo 6.º, alínea) n.º 1 do artigo 10.º, e segs. do Decreto - Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), conjugado com o disposto nas als. a) e c) do artigo 99.º e al. e) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicáveis ex vi al. a) do n.º1 do artigo 10.º do sobredito Decreto - Lei, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia arbitral sobre a declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento das reclamações graciosas n.º…2016… e n.º …2016…, cfr. Docs. n.ºs 1 e 2 anexos à PI[1], proferidas no âmbito dos Ofícios nºs … e … de, respetivamente, 29 de julho de 2015 e 2 de dezembro de 2015, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... (“SIT”), cfr. Docs. n.ºs 3 e 4 anexos à PI, dos quais resultaram as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.ºs 2015… e 2015…, emitidas, respetivamente, em 24 de agosto de 2015 e 07 de dezembro de 2015 (que ora se juntam como Docs. n.ºs 5 e 6 anexos à PI), por referência aos períodos de tributação de 2012 e 2013, que reduziram o valor dos prejuízos fiscais anteriormente reportados.

2.                  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi efetuado em 12-12-2016 e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, sendo em 21-12-2016 automaticamente notificada a Requerida (doravante designada por “AT”).

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.°1 do artigo 11.º do RJAT (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária), na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo a Senhor Juiz José Poças Falcão, o Senhor Dr. António Pragal Colaço e o Senhor Dr. Júlio Tormenta, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 23-02-2016.

 

Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

 

a)      As notas de liquidação acima identificadas, n.ºs 2015 … e 2015 …, emitidas, respetivamente, em 24 de agosto de 2015 e 07 de dezembro de 2015, cfr. Docs. n.ºs 5 e 6 anexos à PI, por referência aos períodos de tributação de 2012 e 2013, subjacentes a ações inspetivas, encontram-se inquinadas de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de direito, não podendo, assim, ser mantidas na ordem jurídica;

b)     A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto a indústria hoteleira, empreendimentos turísticos e similares, bem como a prestação de serviços inerentes, explorações agrícolas e vitivinícolas, industrialização de bebidas e o seu comércio; o capital social da Requerente é de Euro 50.000 representado pelas seguintes quotas: uma, com valor nominal de Euro 40.000, pertencente a B…; e outra, com valor nominal de Euro 10.000, pertencente à sociedade C…, S.A. (doravante designada apenas por “C…”);

c)      A Requerente é titular de Alvará de Autorização de Utilização nº …/2009, relativo ao “Edifício …, sito no …”, da freguesia de …, o qual engloba um restaurante, bar, ginásio (“health club”), marina e edifício de apoio, piscinas exteriores e ancoradouro, integrado no empreendimento turístico “…–…”;

d)     Efetuou obras de implementação de infraestruturas de animação turística e de lazer, nomeadamente, “health center”, campo de ténis, piscinas, restaurantes, etc., cfr. artigo 17.º da PI, tendo as mesmas sido financiadas com incentivos do Instituto de Turismo de Portugal, no âmbito do PRIME – sistema de incentivos a produtos turísticos de vocação estratégica (projeto …) e SI Inovação, cfr. artigo 18.º do PI;

e)      Celebrou no dia 2 de julho de 2009 um contrato de locação de estabelecimento com a C… (locatária), cfr. Doc. 9 anexo à PI, ao abrigo do qual se procederia à transferência temporária e onerosa do gozo do “Edifício …, sito no …”, em conjunto com a exploração de todos os estabelecimentos e respetivos equipamentos nele já instalados, à C…; o referido contrato foi celebrado pelo prazo de 8 (oito) anos renovando-se automaticamente por períodos de 5 (cinco) anos, salvo denúncia por qualquer uma das partes; a renda mensal contratualizada inicialmente no montante de € 23.330 (vinte três mil trezentos e trinta euros);  

f)      Ao abrigo do referido contrato de locação, a C… vinculou-se a garantir a plena execução das condições estipuladas no contrato de concessão de incentivos celebrado entre a Requerente e o Instituto de Turismo de Portugal, nomeadamente, o volume de vendas e prestação de serviços e a criação de postos de trabalho previstas na candidatura, contribuindo para a boa execução dos compromissos assumidos;

g)     Em face da crise económica que assolou Portugal, às condições de mercado, ao desfasamento claro entre os gastos suportados pela C… relativos à renda acordada com a Requerente e os rendimentos  decorrentes da exploração do negócio levada a cabo por aquela, o projeto tornou-se deficitário e a C… constatou ser insustentável a manutenção do montante da renda acordado com a Requerente no montante mensal de € 23.330, tendo pedido a renegociação do valor mensal da renda com a Requerente, o que esta aceitou, cfr. artigos 23.º a 27.º da PI;

h)     Em 13 de outubro de 2011, a Requerente e a C… chegaram a acordo relativamente às novas prestações mensais devidas pela locação, acordo esse que não foi formalizado por escrito (i.e. reduzido a escrito), na medida em que o referido contrato de locação se encontrava abrangido por um programa de incentivos do Instituto de Turismo de Portugal, sendo fundamental para a viabilidade do projeto a obtenção pela Requerente de aprovação formal do novo plano de rendas por parte desta entidade, cfr. artigo 28 da PI;

i)       A Requerente em 13 de outubro de 2011, solicitou, junto da Turismo de Portugal, a flexibilidade e reestruturação do plano de reembolso do incentivo acima mencionado, tendo a sua pretensão sido oficialmente aceite em maio de 2014 embora em outubro de 2013, tivesse sido comunicado à Requerente, de um modo informal, por parte do Instituto de Turismo de Portugal, que o pedido efetuado por aquela, iria ser aprovado, o que veio a acontecer efetivamente em maio de 2014. Como consequência da informação obtida em outubro de 2013 por parte da Requerente junto do Turismo de Portugal, houve em 9 de outubro de 2013 a formalização de uma Adenda ao contrato de locação de estabelecimento celebrado (celebrado em 2 de julho de 2009), cfr. Doc. 10 anexo à PI e artigos 29.º e 30.º da PI;

j)       Como consequência da renegociação das rendas, a Requerente emitiu, a 31 de dezembro de 2013, a nota de crédito nº…, no montante de € 455.319,43 (quatrocentos cinquenta cinco mil trezentos dezanove euros e quarenta três cêntimos), tendo esse montante sido reconhecido para efeitos de desconsideração de parte dos rendimentos auferidos nos períodos de tributação de 2013, 2012 e 2011, o que originou a não tributação desses rendimentos nos períodos em causa;

k)     A Requerente no período de 2012, na conta do Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”)[2] #2721040000 (“Devedores por Acréscimos de Rendimentos”) o valor de € 266.363,96, tendo como contrapartida o registo de um débito de igual valor na conta SNC #7211100000 (Prestação de Serviços), relativamente a rendimentos cuja tributação foi diferida em 2012. O montante de €266.363,96 contempla os ajustamentos às rendas de 2012, bem como o diferimento das últimas três rendas do período de 2011, cfr. artigos 31.º a 33.º da PI;

l)       Igualmente segundo a Requerente, relativamente ao período de tributação de 2013, indicam os SIT que “com estes movimentos na conta 7211100000 (regularização da conta 272 e reconhecimento nota crédito), dos rendimentos auferidos no exercício de 2013 – relativos às rendas do “Edifício …, sito no…”, apenas foram sujeitos a tributação, o montante de € 91.323,29”, o que significa que do valor total dos rendimentos auferidos no período de 2013, no montante de €297.774,26 (duzentos noventa sete mil setecentos setenta quatro euros e vinte e seis cêntimos), foram sujeitos a tributação o montante de €91.323,29, foram diferidos neste período rendimentos no valor total de Euro 206.450,97, reconhecendo-se, assim, a aludida nota de crédito, havendo o correlativo diferimento nas contas de gastos a nível da C…, cfr. artigos 34.º a 36.º da PI;  

m)   Relativamente aos exercícios de 2012 e 2013 houve divergências dos valores declarados relativos ao volume de negócios, vendas e prestações de serviços nas declarações periódicas para efeitos de IVA, IRC e IES, tendo sido desencadeadas ações inspetivas em sede IRC, cfr. artigos 37.º da PI;

n)     Das ações inspetivas relativas aos exercícios de 2012 e 2013, concluíram os SIT, através dos RIT[3] notificados à Requerente, que a anulação dos rendimentos de 2012 e 2013, operada pela contabilização da nota de crédito, no montante global de Euro 455.319, 43, não tinha enquadramento contabilístico e fiscal, dando origem às respetivas liquidações adicionais em sede de IRC (relativas a 2012 e 2013) com as quais não concorda, tendo apresentado para o efeito as respetivas reclamações graciosas (relativas a 2012 e 2013), cfr. Doc. 7 e 8 anexos à PI, sendo as mesmas objeto de indeferimento por parte da AT,  cfr. artigos 38.º a 40.º da PI;

o)     Conforme os RIT relativos a 2012 e 2013 notificados à Requerente, o diferimento de rendimentos ocorrido em 2012 (no montante de €266.363, 96), o reconhecimento da nota de crédito com a consequente redução dos rendimentos auferidos no exercício de 2013, decorrentes da renegociação das condições de pagamento com o C… relativo ao contrato de locação do estabelecimento “Edifício…” e o pedido de prorrogação do prazo de reembolso do incentivo ao turismo de Portugal, carecem de enquadramento em sede de SNC e IRC, cfr. artigo 41.º da PI;

p)     A AT procedeu à liquidação de IRC nº 2015…, de 24 de agosto de 2015, corrigindo o resultado tributável referente ao período de tributação de 2012 (conforme tabela infra) e diminuindo o valor do prejuízo fiscal anteriormente reportado pela Requerente:

 

Correções AT

2012

Resultado Tributável - Declarado Modelo 22

- 274.619,23

Correção – Rendimentos anulados pelo s.p. sem enquadramento legal

266.363,96

Resultado Tributável Corrigido

- 8.255,27

 

 

 

q)     A AT procedeu à liquidação de IRC nº 2015…, de 7 de dezembro de 2015, corrigindo o resultado tributável, referente ao período de tributação de 2013 (conforme tabela infra), diminuindo desta forma o valor do prejuízo fiscal anteriormente reportado pela Requerente:

 

Correções AT

2013

Resultado Tributável - Declarado Modelo 22

-206.846,36

Correção – Rendimentos anulados pelo s.p. sem enquadramento legal

206.450,97

Resultado Tributável Corrigido

-395,39

 

 

r)      A Requerente entende que as liquidações referentes a 2012 e 2013 se encontram inquinadas de legalidade por erro sobre os pressupostos de direito assim como as decisões de indeferimento das reclamações graciosas relativas às liquidações adicionais padecem de vícios de erros sobre os pressupostos de facto e de direito, cfr. artigos 44.º a 46.º da PI;

s)      Não concorda com o enquadramento contabilístico-fiscal efetuado pela AT da locação operacional objeto do presente processo arbitral, uma vez que em sede de reclamação graciosa expôs as razões pelas quais o reconhecimento da nota de crédito com diferimento dos rendimentos auferidos nos exercícios de 2012 e 2013, se encontra devidamente enquadrado no âmbito do SNC e consequentemente deveria ser fiscalmente aceite, cfr. artigo 49.º da PI;

t)       O reconhecimento das rendas de forma linear, conforme a AT defende, não reflete o ritmo de reconhecimento dos benefícios económicos decorrentes da exploração do negócio por parte da C… – que se verificou serem manifestamente crescentes –, e por isso foi efetuada uma Adenda ao contrato de locação em curso, de forma a que o gasto mensal que a C… teria com as rendas fosse efetuado a um ritmo idêntico àquele que decorreria dos rendimentos que a C… teria com a exploração da unidade turística, conforme é evidenciado pelos dados referentes ao volume de negócios do empreendimento turístico “…–…”, conforme tabela que ora se apresenta infra:

 

(em Euro)

Exercício

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Volume de negócios

130.977

348.340

830.430

2.055.377

1.803.067

1.634.667

 

 

 

u)     Conclui que da análise dos dados referentes ao volume de negócios da Requerente, facilmente se extrai, que à data em que ocorreu, para todos os efeitos, a renegociação efetiva das rendas - 13 de outubro de 2011 - o volume de negócios do empreendimento turístico se revelava manifestamente crescente. Adicionalmente, que o volume de negócios apurado em 2013 é mais de 2 vezes superior ao registado em 2011 e cerca de 5 vezes superior ao registado em 2010, o que comprova, sem margem para dúvida, a necessidade de renegociação das rendas, no sentido de assegurar um correto balanceamento entre o gasto com as rendas suportado pela C… junto da Requerente e o respetivo proveito decorrente da exploração do empreendimento turístico, cfr. artigos 50.º a 53.º da PI;

v)     O tratamento contabilístico efetuado resultante da renegociação das rendas tem perfeito enquadramento no parágrafo 43 da NCRF[4] 9, ao contrário do que a AT defende. De facto, de acordo com o parágrafo 43 da NCRF 9, utilizou a faculdade prevista no referido parágrafo “ (…) salvo se outra base sistemática for mais representativa do modelo temporal em que o benefício do uso do activo locado seja diminuído por incentivo concedido pelo locador” (sublinhado e negrito da Requerente)”, isto é, reconhecer o rendimento proveniente da locação numa base sistemática mais representativa do benefício económico. Assim, diferiu estes rendimentos e procedeu ao reconhecimento da correspondente nota de crédito, por forma a refletir um correto balanceamento entre o gasto com as rendas suportado pela C… junto da A… (Requerente) e o respetivo proveito decorrente da exploração do empreendimento “…–…” (doravante designado de “empreendimento”). O reconhecimento das rendas de forma linear não refletia, de modo algum, o ritmo de reconhecimento dos benefícios económicos decorrentes da exploração do negócio por parte da C…, o que, inclusive, estava a inviabilizar por completo o negócio, pelo que acordaram as partes uma outra base de reconhecimento do rédito, nomeadamente através de rendas crescentes. Não concorda com a posição da AT segundo a qual, em virtude da Adenda ao contrato de locação efetuada em 9 de outubro de 2009 não ter havido na esfera do locador (Requerente) alteração do valor global do contrato, os serviços prestados e a prestar no âmbito do contrato de locação se mantiveram inalterados e os gastos suportados pelo locador (Requerente) são de montante fixo (os referentes a depreciações do imóvel locado e às rendas pagas pela Requerente à D…, SA com o NIPC … decorrente dum contrato de subarrendamento referente a uma parcela de terreno destinado à construção do “Edifícios…”), o diferimento de rendimentos levado a cabo por parte da Requerente não devesse ter ocorrido. O que está em causa é saber se a Requerente cumpriu ou não com o normativo contabilístico, em especial, com o disposto no parágrafo 43.º da NCRF 9, cfr. artigos 54.º a 64.º da PI;

w)   Entende que o facto de o preço contratual se manter inalterado após a renegociação, não impede que as partes possam registar contabilisticamente as rendas recebidas tendo em conta uma diferente base sistemática, não se encontrando, na verdade, a aplicação da faculdade prevista na última parte do parágrafo 43.º da NCRF 9 dependente da alteração do valor contratual, mas apenas e tão-só do modelo que melhor reflita o benefício retirado do uso do locado;

x)     Por outro lado, afirma que só a Requerente tem as necessárias competências para aferir se o modelo escolhido reflete ou não da melhor maneira o benefício retirado do uso do ativo locado, pelas razões e fundamentos expressos nos artigos 76.º a 78.º da PI;

y)     Tendo em conta o acima exposto, a  Adenda celebrada entre as partes e a consequente adoção de um plano de rendas crescente, veio assegurar que o reconhecimento contabilístico do gasto com as rendas na esfera da C… era realizado a um ritmo similar ao ritmo a que estava a ser reconhecido o proveito decorrente da exploração do negócio na esfera da C…, assegurando o cumprimento do princípio contabilístico do balanceamento entre rendimentos e gastos previsto no parágrafo 93.º da Estrutura Conceptual (EC)[5] do SNC;

z)      Entende igualmente que a não consideração dos efeitos decorrentes da Adenda ao contrato de locação, espelhadas pelas correções efetuadas como consequência das ações de inspeção levadas a cabo pela AT, é uma violação e desrespeito do principio da liberdade contratual e da autonomia privada levada a cabo por aquela;

aa)  Entende que foi ao abrigo da liberdade contratual e da autonomia da vontade vigente no ordenamento jurídico português que, quer a Requerente quer a C…, negociaram o novo plano de rendas em outubro de 2011 e que a Adenda formalizada (reduzida a escrito) em 9 de outubro de 2013 apenas serviu para formalizar essa vontade já manifestada em 2011. Não se tratava de uma mera “expectativa” de renegociação das rendas em 2011, mas sim, de uma verdadeira vontade de renegociação contratual das rendas devido à situação deficitária do projeto, o que levou a C… a tomar a iniciativa de propor a renegociação contratual junto da Requerente, aceite por esta, com o consequente reflexo contabilístico (ao abrigo em especial do parágrafo 43 da NCRF 9) e fiscal;

bb)  Não concorda com a posição da AT que, relativamente aos períodos de tributação de 2012 e 2013, tendo havido uma Adenda outorgada pelas duas partes, Requerente e C…, tenha havido uma alteração/manipulação dos resultados fiscais, não valorizando assim a vontade das partes ao abrigo dos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, cfr. artigos 80.º a 102.º da PI;

cc)   Entende que ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º da Portaria n.º 1146-C/2001, de 21 de dezembro, deve igualmente haver lugar a um ajustamento correlativo a nível da C…, através de uma correção para menos do lucro tributável na esfera daquela, como consequência do reconhecimento de um gasto fiscal nos montantes de € 266.363,96 e de €206.450,97 relativos aos períodos de tributação respetivamente, de 2012 e 2013, caso seja procedente o pedido de pronúncia arbitral por parte da Requerente;

dd)  Não concorda com a arguição por parte da AT de falta de legitimidade, ao abrigo do artigo 9.º do CPPT, por parte da Requerente para que esta faça o pedido de ajustamento correlativo, uma vez que o ajustamento a ocorrer em caso de procedência do pedido arbitral, ocorrerá na esfera da C…;

ee)   Entende que a arguição por parte da AT de falta de legitimidade por parte da Requerente para que os resultados fiscais (de 2012 e 2013) da C… sejam corrigidos em caso de procedência do pedido arbitral, é uma falsa questão, uma vez que transitada em julgado a procedência do pedido, impede sobre a AT, no prazo de 180 dias, de efetuar esse ajustamento correlativo, uma vez que tanto a Requerida como a C… estão numa situação de relações especiais e são residentes fiscais em Portugal; 

ff)    Requer:

(1)   A anulação dos despachos de indeferimento das Reclamações Graciosas; e

(2)  A anulação dos atos tributários de liquidação adicional de IRC nºs 2015 … e 2015 …, referentes aos anos de 2012 e 2013, e determinando a reposição da adequada situação tributária da Requerente através da anulação das correções efetuadas em sede de IRC, no montante total de Euro 472.814,93 (quatrocentos e setenta e dois mil, oitocentos e catorze euros e noventa e três cêntimos).

 

Com a PI foram juntos 10 (dez) documentos.

 

3.                  A AT apresentou Resposta por impugnação alegando, em síntese:

 

a)      O objeto do pedido de pronúncia arbitral interposto pela Requerente é contra os atos de indeferimento das reclamações graciosas nº …2016… e …2016…, os quais incidiram sobre as liquidações adicionais de IRC n.º 2015… e 2015 …, relativas aos exercícios de 2012 e 2013, respetivamente, cfr. artigo 1.º da Resposta;

b)     A Requerente entende que, as notas de liquidação acima identificadas subjacentes a ações inspetivas, encontram-se inquinadas de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de direito, não podendo, assim, ser mantidas na ordem jurídica, cfr. artigo 2.º da Resposta;

c)      Existe uma divergência entre a Requerente e a AT quanto ao facto de se saber se a Requerente cumpriu ou não o normativo contabilístico, mais concretamente o disposto no parágrafo 43 da NCRF 9, cfr. artigo 3.º da Resposta;

d)     A Requerente entende que, perante um ativo locado de forma crescente, o rendimento da locação operacional que tenha por objeto esse ativo deve ser reconhecido de forma crescente, por esta ser a base mais consistente com a utilização física desse ativo, cfr. artigo 4.º da Resposta;

e)      A Requerente entende que decorrente da renegociação do plano de rendas, há lugar ao registo do diferimento dos rendimentos resultantes e que o facto de o preço contratual se manter inalterado, nada impede que as partes possam renegociar uma diferente base sistemática de reconhecimento das rendas, não se encontrando a aplicação da faculdade prevista na última parte do parágrafo 43 da NCRF 9 dependente da alteração do valor contratual, mas apenas e tão-só do modelo que melhor reflita o benefício retirado do uso do bem locado. Consequentemente, o reconhecimento do rédito na sua esfera está em consonância com a NCFR 9 e a Estrutura conceptual do SNC, pelo que, ao não considerar tal rédito, a AT atuou em manifesto desrespeito do princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, cfr. artigos 5.º a 7.º da Resposta;

f)      A Requerente requer:

 

(1)  A anulação dos despachos de indeferimento das Reclamações Graciosas, e;

 

(2)  A anulação do ato tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2015 … e 2015…, referentes aos anos de 2012 e 2013, e a reposição da adequada situação tributária da Requerente através da anulação das correções efetuadas em sede de IRC, no montante total de € 472.814,93, pugnando pela manutenção na ordem jurídica doa atos impugnados, cfr. artigo 8.º e 9.º da Resposta;

g)     A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à indústria hoteleira, empreendimentos turísticos e similares e a prestação de serviços inerentes, exploração agrícola e vitivinícolas, industrialização de bebidas e o seu comércio, cfr. artigo 11.º da Resposta;

h)     Em 31 de Dezembro de 2013 o seu capital social era de €50.000,00, representado por duas quotas, uma com valor nominal de €40.000,00, pertencente a B… e outra com valor nominal de €10.000,00 pertencente à sociedade C…, SA (doravante C…), cfr. artigo 12.º da Resposta;

i)       A Requerente, no âmbito da sua atividade, é titular de Alvará de Autorização de Utilização nº …/2009, relativo ao “Edifício…, sito no…” (doravante designado por “Edifício…”), da freguesia de…, o qual engloba um restaurante, bar, ginásio (“health club”), marina e edifício de apoio, piscinas exteriores e ancoradouro, integrado no empreendimento turístico –…”, cfr. artigo 13.º da Resposta;

j)       Em 02-07-2009, a Requerente celebrou com a C… um contrato de locação de estabelecimento cujo objeto consistiu, face ao disposto na cláusula primeira, na transferência temporária do gozo do edifício “Edifício …, sito no …”, em conjunto com a exploração do estabelecimento e equipamentos nele já instalados, ao C… para que neles, este possa desenvolver a atividade de hotelaria e de restauração, pelo período de 8 (oito) anos, por um preço mensal de €23.330,00 ao qual acrescia IVA, à taxa legal em vigor, cfr. artigo 14.º da Resposta;

k)     O contrato estabelece o pagamento de uma renda mensal que, de acordo com clausula terceira, seria objeto de atualização anual a partir de 2010, de acordo com o coeficiente de atualização vigente no ano anterior, para os arrendamentos não habitacionais. A propriedade dos ativos cedidos para exploração não se transmitiu nem está prevista a sua transmissão no referido contrato de locação, cfr. artigo 15.º e 16.º da Resposta;

l)       O referido contrato de locação encontrava-se abrangido por um programa de incentivos do Instituto de Turismo de Portugal, pelo que a Requerente, em 13 de outubro de 2011, solicitou junto deste Instituto, a reestruturação do plano de reembolso do incentivo, tendo a sua pretensão sido oficialmente aceite em maio de 2014, cfr. artigo 17.º da Resposta;

m)   A Requerente registou um diferimento dos rendimentos com as rendas nas suas demonstrações financeiras, no valor de €472.814,93, registando a crédito na conta SNC # 27210400000 (Devedores por Acréscimos de Rendimentos) e a débito da conta #7211100000 (Prestação de Serviços), contemplando este valor o diferimento das últimas três rendas de 2011 e os ajustamentos das rendas de 2012 e 2013, cfr. artigo 18.º da Resposta;

n)     Foi emitida em 31 de dezembro de 2013 pela Requerente a nota de crédito n.º…, no montante de €455.319,43, de forma a desconsiderar os rendimentos referentes aos períodos de tributação de 2011, 2012 e 2013, sendo que, desta forma regularizou a conta #272 e movimentou a conta #72111000000, fruto desta regularização e do reconhecimento da nota de crédito, cfr. artigo 19.º da Resposta;

o)     A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva que incidiu sobre os períodos de tributação de 2012 e 2013, em sede de IRC, a coberto das Ordens de Serviço OI … e OI 2015…, respetivamente, cfr. 20.º e 22.º[6] da Resposta;

p)     Em sede de inspeção tributária, relativamente ao reconhecimento dos diferimentos de rendimentos relativos ao contrato de locação de estabelecimento foram obtidos os seguintes esclarecimentos:

(1)   Pedido de prorrogação do reembolso do incentivo do projeto … …(“Edifício …, sito no …”) - recomposição temporal das rendas acordadas pelas partes envolvidas;

(2)   Acordo de renegociação das rendas com o C… através da realização de uma Adenda ao contrato de locação do estabelecimento “…”, atendendo que o C… alegou insustentabilidade do negócio. Esta Adenda visou alterar as prestações mensais que passaram de prestações mensais constantes para mensais prestações crescentes ao longo do prazo do contrato, cfr. artigo 23.º da Resposta;

q)     Com efeito, o registo em 2012, dos valores na conta SNC 272 - Devedores por Acréscimo de Rendimentos - segundo a Requerente, teve por base o pedido apresentado ao Turismo de Portugal para reestruturação do plano de reembolso do incentivo do projeto … …  (…).

  1.  
  2.  
  3.  
  4.  
  5.  

Este pedido foi endereçado ao Turismo de Portugal em 13 de outubro de 2011 e foi aprovado em maio de 2014, cfr. artigo 26.º da Resposta.

 

r)      Em 2011, a Requerente

não registou nas suas demonstrações financeiras o diferimento de qualquer rendimento, tendo contabilizado como rendimento 12 rendas de 23.330,00. Ou seja, a Requerente justifica o diferimento das rendas com o pedido ao Turismo de Portugal, porém não justifica porque em 2011 não diferiu qualquer valor.

 Só em de 2012 é que registou os diferimentos relativos aos três meses de 2011, cfr. artigos 26.º e 28.º da Resposta;

s)      De

acordo com a cláusula primeira da Adenda contratual, foi acordada uma redução nas rendas de 2011 a 2020 que seriam compensadas com um agravamento nas rendas de 2021 a 2028. As percentagens de redução e agravamento incidiriam sobre o valor mensal de €23.330,00, cfr. artigos 28.º e 29.º da Resposta;

t)       No artigo 30 da Resposta estão contemplados os valores anuais iniciais das rendas (s/IVA) e os valores anuais das mesmas resultantes da Adenda efetuada em 2013 ao contrato de locação de estabelecimento celebrado entre a Requerente e a C… para o horizonte temporal 2011-20128. O valor total do contrato manteve-se inalterado no valor de € 6.207.087;

u)     Segundo a Requerida o reconhecimento da nota de crédito, referida no ponto 20 da Resposta, com a consequente redução dos rendimentos auferidos nos exercícios de 2012 e 2013, carecem de enquadramento, quer em sede de SNC quer em sede de IRC, conforme defendido em sede de inspeção tributária pelos SIT com os fundamentos plasmados no artigo 32.º da Resposta cujo teor se dá aqui inteiramente reproduzido, cfr. artigo 32.º da Resposta;

v)     Das inspeções tributárias levadas a cabo, concluiu-se que:

 

Quanto ao exercício de 2012:

«Face ao exposto concluímos que a anulação de rendimentos do exercício de 2012 operada pela contabilização de rendimentos a reconhecer registados na conta - conta SNC 272 – Devedores por acréscimo de rendimentos, no montante global de €266.364,00, não apresenta enquadramento contabilístico e fiscal pelo que se procede à sua correção em sede de IRC, conforme seguidamente se apresenta:

 

2012

A desconsideração no exercício de 2012 dos rendimentos objeto de diferimento por parte da entidade origina a seguinte alteração ao resultado fiscal deste exercício:

 

O acordo em causa, caso fosse aceite fiscalmente teria como consequência a alteração/manipulação dos resultados fiscais, permitindo o diferimento no tempo dos resultados fiscais devidos.»

 

Quanto ao exercício de 2013:

 

“Face ao exposto concluímos que a anulação de rendimento do exercício de 2013 operada pela contabilização da nota de crédito, no montante global de €927.412,69, não apresenta enquadramento contabilístico e fiscal pelo que se procede à sua correção no montante global de €927.412,69

 

De referir que o montante de €434.430,00 constituem rendimentos já objeto de tributação no exercício de 2012, correção essa efetuada através da OI2014… . Este montante foi considerado, pelo s.p., rendimento de 2013 operado pela regularização da conta 272 – rendimentos a reconhecer e objeto de regularização (anulação) através da nota de crédito em análise.

 

2013

A desconsideração no exercício de 2013 dos rendimentos objeto de anulação por parte da entidade origina a seguinte alteração ao resultado fiscal deste exercício:

”, cfr. artigos 32.º e 33.º da Resposta;

w)   A Requerente foi notificada através dos Ofícios n.º … de 06/07/2015 e n.º … de 06/11/2015 relativos a, respetivamente, ao Projeto de Relatório de Inspeção Tributária dos períodos de tributação de 2012 e 2013, para exercer o direito de audição ao abrigo do artigo 60.º da LGT[7] e RCPIT[8], não o tendo exercido. As correções propostas pelos SIT relativas a 2012 e 2013, respetivamente, nos montantes de € 266.363,98 e €206.450,97, mantiveram-se, cfr. artigo 34.º da Resposta;

x)     Em 04/01/2016 e 06/04/2016 apresentou reclamações graciosas, junto da Direção de Finanças de ..., contestando as correções levadas a cabo quanto aos exercícios de 2012 e 2013, as quais foram instauradas sob os n.ºs …2016… e …2016…, respetivamente. As reclamações graciosas foram indeferidas com base nos fundamentos plasmados no artigo 36.º da Resposta e que se consideram aqui inteiramente reproduzidos, cfr. 34.º a 36.º da Resposta;

y)     A Requerida faz apelo à Estrutura Concetual (EC) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) nomeadamente quanto aos §[9]22 , §90 e §93  para concluir que os rendimentos, como é o caso das rendas resultantes do contrato de locação celebrado entre a Requerente e a C…, deverão ser reconhecidos nas demonstrações financeiras quando tenha surgido um aumento de benefícios económicos futuros relacionados com um aumento do ativo ou com uma diminuição do passivo e que possa ser quantificado com fiabilidade. Por outro lado, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime do acréscimo em que os efeitos deverão ser reconhecidos nos períodos em que ocorram os acontecimentos (ou transações) que lhes deram origem devendo igualmente haver um balanceamento entre rendimentos e gastos, cfr. artigos 40.º a 43.º da Resposta;

z)       O contrato de locação financeira celebrado entre a Requerente e a C… é um contrato de locação operacional estando sujeito ao normativo contabilístico da NCRF 9 em especial ao disposto nos parágrafos 42.º a 50.º da referida NCRF, cfr. artigos 44.º e 45.º da Resposta;

aa)   Igualmente a Requerida alega que a Requerente, como entidade locadora, não respeitou o previsto no parágrafo 43.º da NCRF 9 pois o rendimento das rendas resultantes do contrato de locação operacional relativo ao “Edifício …” deveriam ter sido contabilizadas numa base linear  durante o período da locação, o que não aconteceu, uma vez que o reconhecimento das rendas foi efetuada em função das condições acordadas para pagamento das rendas e também pelo facto de o uso do bem locado não ter sofrido alteração em termos de capacidade de utilização a nível do locatário; por outro lado, a Requerente, como entidade locadora, não concedeu qualquer incentivo ao locatário, que se tenha traduzido numa redução na contraprestação a receber na execução total do contrato, o que a verificar-se poderia afastar a regra do reconhecimento linear das rendas, mas que não foi o caso pois o valor do contrato manteve-se inalterado tal como é reconhecido pela Requerente na PI, cfr. artigo 46.º a 50.º da Resposta;

bb) Adicionalmente o parágrafo 44.º da NCRF 9 vem estabelecer que “o rendimento de locação (excluindo recebimentos de serviços proporcionados tais como seguros e manutenção) é reconhecido numa base linear durante o período da locação mesmo que os recebimentos não o sejam (…)” o que reforça a ideia que o reconhecimento do rédito (das rendas da locação operacional) não deve perder a sua base linear, pelo simples facto de os recebimentos não serem também eles lineares, cfr. artigos 51.º e 52.º da Resposta;

cc)    Por outro lado a Requerente contradiz-se quando na PI afirma “ (…) não se pode, contudo, olvidar que nos casos em que os pagamentos da locação não são constantes ao longo do contrato, sendo crescentes ou decrescentes, o rendimento com a locação operacional deverá ser reconhecido numa base constante a não ser que uma outra base seja mais consistente com a utilização física do ativo objecto de locação operacional.”; ora a Adenda ao contrato de locação implicou que a contraprestação do mesmo não seja linear, bem pelo contrário, estando previsto que inicialmente que as rendas sejam decrescentes e posteriormente crescentes, mas isso não significa que o reconhecimento do rédito das rendas não tenha que ser linear, conforme a previsão dos parágrafos 43 e 44 da NCRF 9, uma vez que não houve alteração do valor do contrato, cfr. 53.º da Resposta;

dd) A utilização física do bem locado não se alterou, o que se alterou foi a rentabilidade que a C…, como entidade locatária, vinha tendo com o projeto e que deu origem à Adenda do contrato de locação; dessa Adenda houve sim a reformulação do plano de pagamentos das rendas daquela à Requerente assente inicialmente numa base linear passando posteriormente para uma base crescente mas que de acordo com o parágrafo 44 da NCRF 9, para efeitos de reconhecimento de rédito este facto é inócuo , uma vez que o rendimento resultante das rendas de locação operacional devem ser reconhecidas numa base linear, cfr. 54.º a 61.º da Resposta;  

ee)  Em sede de IRC, por força do principio da especialização dos exercícios, os réditos e os gastos devem ser reconhecidos quando são obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, isto é, deve ser seguido o principio da competência económica e não a financeira. O reconhecimento dos rendimentos relativos às rendas derivadas do contrato de locação operacional são o “quantum” duma prestação de serviços continuada que deve contribuir para os resultados fiscais da Requerente numa medida proporcional à execução dessa prestação de serviços. Ora essa prestação de serviços vai-se manter inalterada ao longo da vigência do contrato de locação, uma vez que a cedência do uso e  utilização do imóvel locado (“Edifício…”) será feita nas mesmas condições ao longo da vigência do contrato de locação, deste modo em sede de IRC, as rendas deverão ser consideradas como rendimentos na esfera da Requerente duma forma linear durante a vigência do contrato, razão pela qual os SIT quando promoveram as correções relativas aos períodos de tributação de 2012 e 2013, agiram bem repondo a legalidade da situação em obediência ao estatuído nos artigos 17.º e 18.º do CIRC assim como aos princípios contabilísticos da NCRF 9 do SNC, cfr. artigos 62.º a 71.º da Resposta;

ff)    Não concorda com a posição da Requerente quanto à violação do principio da autonomia privada com o fundamento de que o referido principio não é um direito absoluto uma vez que que a atuação da Requerente em obediência ao mesmo, terá que se fazer dentro dos “limites da lei”, nomeadamente, a contabilística, tributária e em especial, a fiscal. Para fundamentar a sua posição quanto aos interesses privados, assentes, nomeadamente, no principio da autonomia privada face ao interesse público da satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas chama à colação jurisprudência do Tribunal Superior do TCA SUL, proferido no processo 04255/10, de 2/5/2001 ao abrigo do qual aquele Tribunal Superior se pronunciou no sentido de “ (…) não estando em causa o exercício da sua autonomia privada, o que se limita é a possibilidade de a vontade do contribuinte ser relevante no que respeita ao grau da sua oneração especial”, cfr. artigos 72.º a 76.º da Resposta;

gg) Quanto ao ajustamento correlativo, de sinal simétrico aquele que venha a ser efetuada na esfera da C… como consequência do efetuado na esfera da Requerente, a Requerida alega que a Requerente carece de legitimidade para efetuar tal pedido, uma vez que ao ajustamento terá que ser efetuado na esfera dum sujeito passivo diferente do da Requerente, isto é, na C…, cfr. artigo 78.º da Resposta;

hh) Ainda quanto ao ajustamento correlativo, refere que o pedido de tais ajustamentos decorresse da execução de julgados, no caso de procedência da decisão arbitral, tal pedido extravasa a competência do presente Tribunal Arbitral, uma vez que a competência dos Tribunais Arbitrais se encontra circunscrita às matérias indicadas no n.º1 do artigo 2.º do RJAT conjugada com o disposto na Portaria 112-A/2011 , de 22 de marco ex vi artigo 4.º do RJAT, isto é, à apreciação direta da legalidade de atos de liquidação e de atos de segundo e terceiro grau, cfr. artigos 79.º a 83.º da Resposta

ii)     Conclui requerendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral pugnando pela manutenção na ordem jurídica o ato tributário das liquidações de 2012 e 2013 impugnadas e absolvição da Requerida com as devidas consequências jurídico-tributárias.

  

4.                  Por despacho do Tribunal Arbitral de 19-04-2017, a Requerente foi notificada da junção do PA[10] (ocorrida em 19-04-2017).

5.                  Por despacho de Tribunal Arbitral em 10-05-2017 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo do princípio da livre condução do processo (artigo 19.º do RJAT) com vista a promover a celeridade, simplicidade e informalidade presentes na arbitragem tributária (n.º 2 do artigo 19.º e n.º 2 do artigo 29.º, ambos do RJAT) e uma vez que não há exceções a apreciar e decidir nem necessidade aparente de correção de peças processuais. Ficou igualmente marcado para num prazo simultâneo de 15 (quinze) dias, ambas as partes apresentarem as alegações escritas [(artigos 29.º do RJAT, n.º 5 do artigo 91.º e  artigo 91.º A , ambos do CPTA, versão republicada em anexo ao DL n.º 214 – G/2015, de 2/10)] assim como fixou-se o dia de 29/6/2017 para a prolação e notificação da decisão final. Em nome da celeridade processual e cooperação, foi solicitado a junção aos autos de cópia das peças processuais (articulados) e alegações em versão “word”. Requerente e Requerida foram notificadas.

6.                  Em 8-6-2017 a Requerente apresentou as alegações escritas mantendo no essencial a posição anteriormente assumida, reforçada, na sua perspetiva, pela prova documental produzida. A Requerida foi notificada no mesmo dia.

7.                  A Requerida não apresentou alegações escritas.

 

II.     SANEAMENTO

1.                  O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

2.                  As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (crf. artigoº 4.º e n.º 2 do artigoº 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

3.                  O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.  FUNDAMENTAÇÃO

1.                  DOS FACTOS

 

a)      Factos provados

           

            Com relevo para a decisão, consideram-se assentes os seguintes factos:

 

(1)   A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto a indústria hoteleira, empreendimentos turísticos e similares, bem como a prestação de serviços inerentes, explorações agrícolas e vitivinícolas, industrialização de bebidas e o seu comércio; o capital social da Requerente é de €50.000 (cinquenta mil euros)representado pelas seguintes quotas: uma, com valor nominal de €40.000 (quarenta mil euros), pertencente a B…; e outra, com valor nominal de €10.000(dez mil euros), pertencente à sociedade C…, S.A. (doravante designada por  “C…”), cfr. artigos 14.ºe 15.º da PI e artigos 11.º e 12.º da Resposta;

(2)   A Requerente é titular de Alvará de Autorização de Utilização nº …/2009, relativo ao “Edifício…, sito no …” (doravante designado por “Edifício …”), da freguesia de …, o qual engloba um restaurante, bar, ginásio (“health club”), marina e edifício de apoio, piscinas exteriores e ancoradouro, integrado no empreendimento turístico “…–…”, cfr. artigo 16.º da PI e artigo 13.º da Resposta;

(3)   A Requerente efetuou obras de construção de infraestruturas de animação turística e de lazer, nomeadamente, “health-center”, campo de ténis, piscinas, restaurantes, etc. (cfr. artigo 17.º da PI) tendo sido financiado com incentivos financeiros do Instituto de Portugal, no âmbito do PRIME – sistema de incentivos a produtos turísticos de vocação estratégica (projeto…) e SI Inovação, cfr. artigo 18.º da PI;

(4)   A Requerente celebrou no dia 2 de julho de 2009 um contrato de locação de estabelecimento com a C… (locatária) ao abrigo do qual,  procederia à transferência temporária e onerosa do gozo do “Edifício…”, em conjunto com a exploração de todos os estabelecimentos e respetivos equipamentos nele já instalados, à C…; o referido contrato foi celebrado pelo prazo de 8 (oito) anos renovando-se automaticamente por períodos de cinco anos, salvo denúncia por qualquer uma das partes; a renda mensal contratualizada inicialmente no montante de €23.330 (vinte três mil trezentos e trinta euros), cfr. Doc. 9 anexo à PI;

(5)   Ao abrigo da cláusula sexta do referido contrato de locação, a C… vinculou-se a garantir a plena execução das condições estipuladas no contrato de concessão de incentivos celebrado entre a A… e o Instituto de Turismo de Portugal, nomeadamente o volume de vendas e prestação de serviços e a criação de postos de trabalho previstas na candidatura, contribuindo para a boa execução dos compromissos assumidos, cfr. Doc. 9 anexo à PI;

(6)   Em 9 de outubro de 2013 houve a formalização (redução a escrito) de uma Adenda ao contrato de locação de estabelecimento celebrado em 2 de julho entre a Requerente e a C…, cfr. Doc. 10 anexo à PI e Doc. 4 anexo à PI Anexo 2 do RIT[11] de 2013, ao abrigo do qual, para o período de referência 2011- 2020 há uma redução no montante das rendas a pagar pela C… à Requerente segundo uma determinada ordem de grandeza, cfr. cláusula primeira do artigo 1.º da Adenda; para o período 2021 - 2018 há um agravamento no montante da renda a pagar segundo uma determinada ordem de grandeza, cfr. cláusula segunda do artigo 1.º da Adenda; as reduções e agravamentos dos montantes das rendas a pagar pela C… à Requerente, incidirão sobre o valor mensal de €23.330 (vinte três mil trezentos trinta euros), anualmente atualizado de acordo com o coeficiente de atualização vigente no ano anterior para os arrendamentos não habitacionais, acrescido do IVA à taxa em vigor a renda, cfr. cláusula terceira do artigo 1.º da Adenda;    

(7)   Do novo plano de rendas resultante da Adenda de 9 de outubro, o valor total do contrato de locação de estabelecimento se mantém inalterado, € 6.207.087, havendo um reescalonamento das rendas de acordo com as cláusulas primeira, segunda e terceira do artigo 1.º da Adenda, cfr. Doc. 4 anexo à PI fls. 16/25 do RIT de 2013 e Doc. 4 anexo à PI Anexo 5 fls. 8/21 do RIT de 2013;

(8)     Aprovação em maio de 2014 por parte do Instituto Público Turismo de Portugal do alargamento do prazo de reembolso do incentivo do projeto … … (Edifício…), cfr. Doc. 4 anexo à PI Anexo 5 fls.  8/21 e 20/21 do RIT de 2013;

(9)   A Requerente foi objeto de Procedimento Inspetivo Externo de âmbito parcial (IRC) relativo ao período de tributação de 2012 levado a cabo pela Direção de Finanças de ..., credenciado pela Ordem de Serviço OI2014…, tendo sido apurada uma correção ao resultado tributável no montante de €266.363, 96, cfr. Doc. 3 anexo à PI fls. 4/25 do RIT de 2012;

(10)                      Ao abrigo do artigo 60.º da LGT e RCPIT a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre a correção proposta no montante de € 266.363,96, através do Ofício n.º… de 6/7/2015, não tendo exercido o mesmo, cfr. Doc. 3 anexo à PI fls. 26/25 do RIT de 2012. A AT manteve o montante da correção, €266.363,96, dando origem ao apuramento de um prejuízo fiscal no montante de €8.255, 27 (€ 274.619,23 - €266.363,96), cfr. Doc. 5 anexo à PI, uma vez que a Requerente tinha declarado um prejuízo fiscal relativo a 2012 no montante de €274.619,23, cfr. Doc. 3 anexo à PI fls. 4/25 e 8/25 do RIT de 2012;

(11)                      Durante o período de tributação de 2012, a Requerente emitiu faturação à C… no montante de €290.374,56 relativa ao contrato de locação de estabelecimento celebrado com a C… (contrato de locação do “Edifício …”, sito no …) em 2 de julho de 2009 e que foi contabilizado a crédito numa conta SNC 7211100000, cfr. Doc. 3 anexo à PI fls. 10/25 do RIT de 2012;

(12)                      Ainda no período de tributação de 2012, A Requerente debitou a conta SNC #7211100000 no montante de €266.363,96 por contrapartida a crédito das contas SNC de diferimentos: #2721040000 – Devedores por acréscimo de rendimentos e #2781210000 – Outros Devedores e Credores nos montantes de €248.868,46 e €17.445,50, respetivamente, dando origem ao apuramento de um rendimento sujeito a tributação relativo às rendas do “Edifício …” de €24.010,60 (€290.374,56 – €266.363,96), cfr. Doc. 3 anexo à PI fls. 10/25 e 11/25 do RIT de 2012;

(13)                      A Requerente foi objeto de Procedimento Inspetivo Externo de âmbito parcial (IRC) relativo ao período de tributação de 2013 levado a cabo pela Direção de Finanças de ..., credenciado pela Ordem de Serviço OI2015…, tendo sido apurada uma correção ao resultado tributável no montante de €206.450,97, cfr. Doc. 4 anexo à PI fls. 4/25 do RIT de 2013; 

(14)                      Ao abrigo do artigo 60.º da LGT e RCPIT, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre a correção proposta no montante de €206.450,97, através do Ofício n.º… de 6/11/2015, não tendo exercido o mesmo, cfr. Doc. 4 fls. 25/25 do RIT de 2013. A AT manteve o montante da correção, €206.450,96, dando origem ao apuramento de um prejuízo fiscal no montante de €395, 39 (€ 206.846,36 - € 206.450,96), cfr. Doc. 6 anexo à PI, uma vez que a Requerente tinha declarado um prejuízo fiscal relativo a 2013 no montante de € 206.846,36, cfr. Doc. 4 Anexo à PI fls. 9/25 do RIT de 2013;

(15)                      Durante o período de tributação de 2013, a Requerente emitiu faturação à C… no montante de €297.774,26 relativa ao contrato de locação de estabelecimento celebrado com a C… (contrato de locação do “Edifício…”) em 2 de julho de 2009 e que foi contabilizado a crédito numa conta SNC #7211100000, cfr. Doc. 4 anexo à PI fls. 11/25 do RIT de 2013;

(16)                      Durante o período de tributação de 2013, a Requerente emitiu a nota de crédito n.º … datada de 31-12-2013 no montante de €455.319, 43, cfr. Doc. 4 anexo à PI Anexo 4 do RIT de 2013. O montante de €455.319,43 teve por base a redução dos valores faturados pela Requerente à C… referente aos anos de 2011, 2012 e 2013, cfr. Doc. 4 fls. 16/25 do TIT de 2013, previstos na Adenda ao contrato de locação de estabelecimento celebrado com a C… em 9 de outubro de 2013, cfr. Doc. 4 anexo à PI Anexo 2 do RIT de 2013 e Doc.10 anexo à PI;

(17)                      A Requerente em 2013 a nível contabilístico, contabilizou a nota de crédito a débito da conta SNC #7211100000 pelo montante de €455. 319,43 por contrapartida, a débito, duma conta SNC de diferimentos 27xxx; a conta SNC de diferimentos #2721040000 - Devedores por Acréscimo de rendimentos - que vinha com um saldo de 2012 no montante de € 248.868,46 - foi regularizada, através de um lançamento a débito por aquele montante, €248.868,46, por contrapartida a crédito na conta SNC #7211100000; assim tendo em conta a nível contabilístico os lançamentos efetuados das operações identificadas nos pontos 15, 16 e 17, temos a crédito da conta SNC #7211100000 os montantes de € 297.774,26 e €248.868,46 e a débito €455.319,43 dando origem ao reconhecimento de um saldo de €91.323,29, rendimento sujeito a tributação relativo às rendas do “Edifício …”, cfr. Doc. 4 anexo à PI fls. 12/25 do RIT de 2013;

(18)                      Os montantes das correções efetuadas pelos SIT ao resultado tributável da Requerente relativas aos períodos de tributação de 2012 e 2013, que deram origem às liquidações impugnadas, são €266.363,96 e €206.450,97, respetivamente e que totalizam €472.814,93;

(19)                      A Requerente apresentou as reclamações graciosas n.º …2016… e n.º …2016… relativas aos períodos de tributação de 2012 e 2013, cfr. Docs. n.ºs 7 e 8 anexos à PI, pedindo a anulação das liquidações adicionais de IRC n.º 2015 … e 2015…, relativas aos exercícios de 2012 e 2013, respetivamente, com o fundamento de que as referidas notas de liquidação são ilegais por erro sobre os pressupostos de direito. As referidas reclamações graciosas foram objeto de indeferimento por parte da AT, cfr. Doc. 1 e 2 anexos à PI.

 

 

b)     Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

c)      Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC aplicável ex vi alínea e) n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

2.                  DO DIREITO

           

Fixados os factos relevantes cumpre delimitar o objeto e pedido do presente processo arbitral.

 

Ora, as questões que se apresentam a decidir são:

 

- Se as liquidações adicionais relativas a IRC com os n.ºs 2015… e 2015…, emitidas, respetivamente, em 24 de agosto de 2015 e 07 de dezembro de 2015, por referência aos períodos de tributação de 2012 e 2013, que reduziram o valor dos prejuízos fiscais anteriormente reportados pela Requerente, nos montantes de, € 266.363,96 e € 206.450,97, respetivamente, totalizando €472.814,93 não têm qualquer fundamento de direito e como tal devem ser anuladas, e

 

- Se o ato de indeferimento das reclamações graciosas n.º nº …2016… e …2016…, os quais incidiram sobre as liquidações adicionais de IRC n.º 2015 … e 2015 …, relativas aos exercícios de 2012 e 2013, respetivamente, padece de ilegalidade e como tal devem ser anuladas.

 

 

Liquidações adicionais relativas aos anos de 2012 e 2013 não têm qualquer fundamento de direito          

 

a)      Para o Tribunal Arbitral se pronunciar sobre a existência ou não de falta de fundamento de direito quanto às liquidações adicionais supra efetuadas pela AT, há que averiguar do ponto de vista contabilístico e fiscal o contrato de locação de estabelecimento celebrado entre a Requerente (locador) e a C… (locatária) em 2 de julho de 2009 e respetiva Adenda formalizada em 9 de outubro de 2013;

b)     Do ponto de vista contabilístico, à Requerente é aplicável o SNC, por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 158/2009, uma vez que a mesma é uma sociedade comercial abrangida pelo Código das Sociedades Comerciais;

c)      O SNC é um normativo contabilístico composto por um conjunto de instrumentos, nomeadamente, pela EC e NCRF[12]. Convém referir que relativamente à EC, no preâmbulo do diploma legal que aprovou o SNC[13], Decreto-Lei n.º 158/2009, é referido que “A «Estrutura conceptual», (…) segue de muito perto a «Estrutura conceptual de preparação e apresentação de demonstrações financeiras» do IASB, assumida e publicada pela UE. Trata-se de um conjunto de conceitos contabilísticos estruturantes que, não constituindo uma norma propriamente dita, se assume como referencial que subjaz a todo o Sistema” assim como às NCRF “ (…) As «Normas contabilísticas e de relato financeiro» (NCRF), núcleo central do SNC, adaptadas a partir das normas internacionais de contabilidade adoptadas pela UE, cada uma delas constituindo um instrumento de normalização onde, de modo desenvolvido, se prescrevem os vários tratamentos técnicos a adoptar em matéria de reconhecimento, de mensuração, de apresentação e de divulgação das realidades económicas e financeiras das entidades.”. Relativamente à EC, convém igualmente referir que de acordo com o seu §[14]4 “A CNC[15] reconhece que em alguns casos pode haver um conflito entre esta Estrutura Conceptual e uma qualquer NCRF. Nos casos em que haja um conflito, os requisitos da NCRF prevalecem em relação à Estrutura Conceptual. “;

d)     Tendo por base o enquadramento acima efetuado, há que analisar face ao SNC, EC e NCRF qual o regime contabilístico diretamente aplicável ao contrato de locação de estabelecimento e respetiva Adenda, análise essa que terá que ser efetuada na perspetiva do locador;

e)      De acordo com o material probatório constante dos autos, o contrato de locação de estabelecimento celebrado em 2 de julho de 2009 entre a Requerente e a C… configura uma cessão de exploração de um estabelecimento comercial em que ocorre a cedência temporária, mediante retribuição, do gozo e usufruto do estabelecimento como um todo, como uma unidade económica, conforme o estipulado no artigo 1.º do referido contrato. Assim, está-se em presença de uma locação face às disposições da NCRF 9, cfr. §4, e, subsequentemente identificar-se qual a natureza da mesma, isto é: financeira ou operacional. Tendo em conta as cláusulas contratuais estabelecidas da locação e o previsto nos §9, §10 e § 42 a §50 da NCRF 9, está-se em presença de uma locação operacional. Aliás, Requerente e Requerida, não contestam que a locação subjacente à questão controvertida seja classificada como locação operacional, cfr. artigos 48.º e 59.º da PI, artigo 32 da Resposta e Doc. 3 anexo à PI fls. 17/25 do RIT de 2012 e fls. 18/25 do RIT de 2013;

f)      Estando na presença de uma locação face ao disposto na NCRF 9, há que analisar em termos de reconhecimento de rendimentos e gastos qual o regime contabilístico aplicável aos rendimentos decorrentes da locação operacional em análise. Como acima se referiu, embora a EC se pronuncie no §90 sobre o reconhecimento de rendimentos na demonstração de resultados de uma entidade, neste caso, da Requerente, por força do seu §4, é na NCRF 9 que terá que se analisar qual o regime contabilístico aplicável à locação operacional;  

g)     Em termos de reconhecimento dos rendimentos das rendas na ótica do locador, os parágrafos relevantes da NCRF 9 são os §43 e §44. Em termos do §43 da NCRF 9 prevê-se que “O rendimento proveniente de locações operacionais deve ser reconhecido no rendimento numa base linear durante o prazo da locação, salvo se outra base sistemática for mais representativa do modelo temporal em que o benefício do uso do activo locado seja diminuído por incentivo concedido pelo locador” enquanto em termos do §44 se prevê que “ (…) o rendimento de locação (excluindo recebimentos de serviços proporcionados tais como seguros e manutenção) é reconhecido numa base linear durante o período da locação mesmo que os recebimentos não o sejam (…)”. Da leitura dos dois parágrafos do normativo contabilístico, pode-se concluir que a regra geral quanto ao reconhecimento do rendimento decorrente das locações operacionais seja a linearidade do mesmo havendo a exceção ao regime regra do reconhecimento numa base linear se “ (…) o beneficio do uso do bem locado seja diminuído por incentivo concedido pelo locador” e que caso haja recebimentos que não sejam lineares, o reconhecimento do rendimento derivado das rendas tem que ser efetuado numa base linear, caso não seja aplicável a exceção constante na última parte do §43; o reconhecimento do rendimento das rendas segue o regime da competência económica (ou do acréscimo)[16] e não o regime da competência financeira (ou de base caixa);

 

Vejamos

 

h)     Ficou provado que a locatária (C…) tomou a iniciativa de pedir junto do locador (Requerente) uma alteração às condições contratuais do contrato de locação em termos de montante de rendas com o fundamento de a rentabilidade do projeto estar muito aquém daquilo que tinha sido projetado. Invocou a crise económico-financeira que Portugal estava a passar à data dos factos controvertidos (desde 2011 em diante) como consequência da crise económica e financeira a nível mundial e europeu que tornava insustentável o pagamento das rendas de acordo com o contrato de locação celebrado em 2 de julho de 2009. Após acordo não formal de 13 de outubro de 2011 com aquela (Requerente) quanto a um reescalonamento das rendas para o período de 2011-2028, a formalização desse acordou culminou com a Adenda datada de 9 de outubro de 2013 ao contrato de locação (que se traduziu num reescalonamento de rendas sem alteração do preço contratual da locação). A Requerente obteve igualmente resposta favorável em maio de 2014 do Instituto de Turismo de Portugal relativamente ao reescalonamento de reembolso dos incentivos do projeto …, apesar de ter obtido informalmente em outubro de 2013 a informação que a sua pretensão quanto ao referido reescalonamento dos incentivos iria ter despacho favorável, cfr. artigos 23.º a 35.º da PI e Doc. 4 anexo à PI Anexo 5 fls. 6/21, 8/21 e 20/21 do RIT de 2013;

i)       Com a Adenda houve um reescalonamento do plano de pagamentos das rendas da C… (locatária) à Requerente (locador) que teve do ponto vista contabilístico a consequência de a Requerente diferir rendas nos períodos de tributação de 2012 e 2013, não aplicando o regime regra do reconhecimento das rendas numa base linear ao contrato de locação. O preço contratual, € 6.207.087, manteve-se inalterado, não havendo qualquer incentivo dado pelo locador que se tenha traduzido numa redução da contraprestação a receber pela execução total do contrato de locação. Pode afirmar-se que face à factualidade e material probatório dos autos, não se constata que o benefício do uso do bem locado por parte do locatário tenha sido reduzido como incentivo concedido pelo locador e por isso não se estar perante a exceção prevista no §43 da NCRF 9 ao abrigo da qual se poderia denegar o reconhecimento do rendimento derivado das rendas numa base linear. O que houve sim, foi um reescalonamento do pagamento das rendas do ponto de vista financeiro devido a um fator externo e exógeno - crise económico-financeira em Portugal em 2011 e anos seguintes - e não, a uma alteração da capacidade de utilização do bem locado (“Edifício … e equipamentos nele instalado inerentes ao projeto) porque essa, manteve-se intacta.  A menor procura por parte de potencial clientela com consequente impacto a nível do rendimento de exploração do empreendimento só pode ser imputável a terceiros – crise económico-financeira a nível mundial e europeu – e não a uma alteração de utilização física do bem locado que pudesse implicar a utilização de outra base de reconhecimento do rédito que não a linear a nível do locador. A capacidade de utilização física em termos de oferta do bem locado manteve-se inalterada, isto é, as infraestruturas afetas ao projeto turístico e de lazer do …, não viram a sua capacidade de oferta alterada ou diminuída devido a fatores endógenos ou provocados por qualquer das partes do contrato de locação. Houve sim, fatores exógenos imputáveis a terceiros, que não às partes (locador e locatário), como acima se referiu, que terão provocado uma menor utilização da capacidade física das infraestruturas afetas às atividades de prazer e turísticas do empreendimento sito no … que levaram a um decréscimo dos réditos operacionais comparativamente ao que estava planeado. De facto, a consequência da Adenda foi reescalonar os recebimentos das rendas a nível do locador até 2028 devido à fraca rentabilidade obtida pelo empreendimento a nível do locatário até à data dos factos controvertidos e como tal, a Requerente com a Adenda alterou a politica de reconhecimento do rendimento das rendas em 2012 e 2013 de molde a acompanhar o plano de recebimentos das rendas (que passaram duma base linear para uma não linear), não respeitando o previsto nos §43 e §44 da NCRF 9 que apontava como critério base para o reconhecimento do rendimento das rendas, a base linear;

j)       Ainda relativamente ao §43 da NCRF 9 torna-se importante verificar se a exceção (utilização de outra base que não a linear para o reconhecimento do rendimento) ao regime regra (reconhecimento do rendimento numa base linear) desde que esteja preenchida a condição prevista na parte final “(…) for mais representativa do modelo temporal em que o beneficio do uso do activo locado seja diminuído por incentivo concedido pelo locador “, pode ser aplicada ao caso controvertido ou não. A expressão “benefício do uso do bem locado” tanto pode referir-se ao locador ou ao locatário, mas no caso vertente o que interessa aferir, independentemente de se saber a qual dos sujeitos é aplicável, é se é aplicável ou não. Relembremos que a natureza do bem locado é físico e não de outra natureza. Mas mesmo que não o fosse, se o benefício do uso se referir ao locatário, como é essa a boa interpretação, é óbvio que ele não diminuiu com a Adenda e se o mesmo se referir ao locador, este vai acabar por receber o mesmo, pois a renda vai aumentar a partir de 2021 (para compensar a diminuição da mesma no período 2011-2020), aumentando mais que o devido, pelo que, nem por aqui estaria preenchida a exceção. No fim o beneficio mensurado pela renda a nível do locador permanece inalterado, €6.207.087 Assim, é convicção deste Tribunal Arbitral que a exceção prevista no §43 da NCRF 9 não será de aplicar no caso vertente;

k)     A Requerente escreveu no artigo 51.º da PI, o seguinte: 

l)       Ora, se cruzarmos isto com o reescalonamento de rendas, cfr. Doc.4 anexo à PI Anexo 5 fls. 8/21, facilmente verificamos que não coincide, com a argumentação da diminuição drástica de receitas, conforme se observa do gráfico infra:

m)   Conforme se constata, do ano de 2011 para o ano de 2012, o volume de negócios aumentou, mas a renda decresceu. Também se verifica que não existe uma correlação diretamente proporcional entre o valor das rendas e o volume de negócios, a que acresce que as percentagens que foram consignadas na Adenda ao contrato para calcular o valor da diminuição da renda, parece que foram determinadas pela reestruturação dos incentivos do … e não do uso do objeto locado;

 

n)     Por outro lado, lê-se no artigo 31.º da PI:

 

Independentemente, da emissão da Nota de Credito, que também consideramos formalmente incorreta, a verdade é que, a imputação a 2011 e 2012, não faz qualquer sentido, pois o volume de negócios foi sempre crescente nos dois primeiros anos, sendo mesmo o maior, o do ano de 2012. Quando muito justificar-se-ia em 2013. Além de não ter sido feito, verifica-se que de 2013 para 2014, o valor renegociado da renda se manteve praticamente estável e o volume de negócios decresceu, mais do que proporcionalmente. “In casu”, não existe qualquer paralelismo entre o argumento que serviu de base ao reescalonamento das rendas defendido pela Requerente e as próprias rendas reescalonadas;

o)     Do acima exposto, é convicção deste Tribunal Arbitral que assiste razão à Requerida quando afirma que do ponto de vista contabilístico, a Requerente não respeitou em termos contabilísticos o plasmado nos §43 e §44 da NCRF 9 quanto ao reconhecimento do rendimento das rendas ao não reconhecer as mesmas numa base linear durante o prazo da locação;

p)     Do ponto de vista fiscal, não se pode deixar de referir que o CIRC[17] prevê o modelo da dependência parcial na relação entre a fiscalidade e a contabilidade. Assim, de acordo com o artigo 17.º do CIRC, o lucro tributável é apurado a partir do resultado contabilístico e das variações patrimoniais (positivas e negativas) não refletidas no mesmo, ajustado pelas correções positivas e negativas efetuados de acordo com as normas do CIRC (as chamadas “normas de ajuste”), com vista ao apuramento daquele (lucro tributável). Deste modo, o tratamento preconizado no normativo contabilístico (SNC) é diretamente aplicável para efeitos fiscais sempre que o CIRC e legislação complementar não estabeleçam regras específicas diferentes das plasmadas no normativo contabilístico. Adicionalmente os rendimentos e ganhos para efeitos fiscais relevantes para o apuramento do resultado tributável (lucro tributável/prejuízo fiscal) são os que constam do artigo 20.º do CIRC onde se identificam na alínea a) do artigo mencionado, os rendimentos resultantes de vendas ou prestação de serviços. Ora, as rendas no caso vertente são o “quantum” duma prestação de serviços continuada sob a veste jurídica de um contrato de locação de estabelecimento cujo objeto consiste na transferência temporária do gozo do “Edifício…” em conjunto com a exploração de todos os estabelecimentos e respetivos equipamentos nele já instalados. Sendo assim, levanta-se a questão de se saber qual o regime de reconhecimento, para efeitos fiscais, desse rendimento derivado das rendas. A resposta encontra-se no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC que adota o regime da competência económica (ou do acréscimo): “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.". Assim, quer do ponto de vista contabilístico (§44 da NCRF 9) quer do ponto de vista fiscal (n.º 1 do artigo 18.º do CIRC), os rendimentos das rendas da locação operacional no caso controvertido, terão que ser reconhecidos segundo a competência económica (ou regime do acréscimo) e no locador numa base linear, por não lhe ser aplicável a exceção prevista no §43 da NCRF 9, sendo a referida base linear aceite para efeitos fiscais como consequência do modelo de dependência parcial;

q)     É convicção deste Tribunal Arbitral que a Requerente ao reconhecer o rendimento das rendas com base no reescalonamento das mesmas baseado na Adenda ao contrato de locação, através do uso de diferimento do rendimento das rendas, como ficou provado, não está a cumprir com o estatuído no CIRC por violação do artigo 18.º do CIRC; os referidos diferimentos de rendimentos das rendas não têm enquadramento fiscal e contabilístico face ao disposto nos artigos 17.º e 18.º do CIRC e normativo contabilístico (SNC) em particular os princípios quanto ao reconhecimento de rendimentos vertidos nos §43 e §44 da NCRF 9;

r)       Deste modo, os SIT em sede inspetiva aos períodos de tributação de 2012 e 2013, ao manter as correções ao resultado tributável (diminuição dos prejuízos fiscais existentes) de 2012 e 2013 nos montantes de €266.363,96 e €206.450,97, respetivamente, totalizando €472.814,93, atuaram de acordo com a Lei repondo a legalidade a que estão obrigados, nomeadamente, por força do n.º 2 do artigo 266.º da CRP[18], artigo 55.º da LGT e n.º 1 artigo 3.º do CPA[19] ex vi alínea d) n.º 1 artigo 29.º RJAT;

s)      Quanto à violação do Principio da Autonomia Privada, há a referir que este principio, subjacente ao direito privado, manifesta-se, designadamente, através do negócio jurídico, meio através do qual os particulares regulamentam as suas relações jurídicas. O principio da liberdade contratual previsto no artigo 405.º do CC[20] é um dos princípios subjacentes a essa regulamentação das relações jurídicas dos particulares. As partes, dentro dos limites da lei, têm, nomeadamente a liberdade de celebração dos contratos, fixar o conteúdo dos mesmos, celebrar contratos típicos ou atípicos, etc. A relação jurídico-tributária constitui-se com o facto tributário previsto na lei[21], independentemente da vontade dos particulares e da atuação da administração fiscal, conforme artigo 36.º da LGT;

t)       No caso controvertido, não está em causa a celebração da Adenda entre a Requerente e a C…, pois a mesma foi celebrada e formalizada no âmbito da autonomia da vontade das partes e da liberdade contratual. No entanto, o objeto da Adenda – reformulação das rendas – tem implicações contabilísticas e fiscais diferentes daqueles que possam surgir a nível do direito privado. Como acima referido, o reescalonamento das rendas tem um regime contabilístico e fiscal especifico em termos de direitos e obrigações distinto daquele que existe a nível do direito privado. Este Tribunal Arbitral acompanha a posição e fundamentação da Requerida expressa nos artigos 72.º a 76.º da Resposta quando a mesma afirma que a autonomia privada não é um direito absoluto e o espaço deixado à autonomia privada tem limites sendo os preceitos fiscais e contabilísticos esses limites, entendimento este confirmado a nível jurisprudencial [(…) não estando em causa o exercício da sua autonomia privada,  o que se limita é a possibilidade de a vontade do contribuinte ser relevante no que respeita ao grau da sua oneração fiscal”][22], como a Requerida fundamentou em sede de Resposta;

u)      Quanto ao ajustamento correlativo devido às relações especiais existentes entre a Requerente e a C…, é de referir que, a existir, o mesmo deveria ser efetuado a nível da C…. De facto, ao abrigo do artigo 9.º do CPPT[23], à Requerente carece legitimidade para efetuar o pedido para que tal aconteça, uma vez que tal ajustamento, a acontecer, é efetuado na esfera de outro sujeito passivo, C…;

v)     Adicionalmente refira-se que no artigo 20.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro, está estatuído que após trânsito da decisão que desse lugar ao ajustamento correlativo na esfera da C…, a AT estava vinculada a fazê-lo num prazo de 180 dias. Assim, no caso controvertido, caso houvesse improcedência do pedido arbitral efetuado pela Requerente, a C… poderia lançar mão das garantias administrativas impugnatórias, para acionar o artigo 20.º da Portaria supra;

w)   Por outro lado, a competência dos Tribunais Arbitrais Tributários a funcionar no CAAD, encontra-se circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT conjugado com o disposto na Portaria n.º 112-A/2011 ex vi artigo 4.º do RJAT e que tem a ver com a apreciação da legalidade de atos de liquidação. Podem igualmente os Tribunais Arbitrais Tributários pronunciar-se sobre a legalidades das decisões da AT referentes aos atos de segundo e terceiro grau, nomeadamente, reclamações graciosas, revisões oficiosas de atos tributários e recursos hierárquicos relativos aos atos de liquidação, pelo que este Tribunal Arbitral é incompetente para analisar o pedido de ajustamento correlativo efetuado pela Requerente. Assim, pelas razões supra, o pedido efetuado pela Requerente acerca do ajustamento correlativo, improcede.  

 

Ato de indeferimento das reclamações graciosas n.º  …2016… e …2016…, os quais incidiram sobre as liquidações adicionais de IRC n.º 2015 … e 2015 …, relativas aos exercícios de 2012 e 2013

 

x)     Como ficou provado, as reclamações graciosas apresentadas pela Requerente referente às liquidações adicionais de IRC n.º 2015 … e 2015 …, relativas aos exercícios de 2012 e 2013, cfr. Doc. 7 e 8 anexos à PI, foram objeto de indeferimento expresso por parte da AT como manifestação da observância do principio da obrigatoriedade de pronúncia ou de decisão previsto no artigo 56.º da LGT a que a AT está vinculada;

y)     No caso controvertido, é convicção deste Tribunal Arbitral que a AT em termos de liquidação de IRC referente aos períodos de tributação de 2012 e 2013, agiu em conformidade com a Lei no exercício dos seus poderes vinculados e que pelas razões expostas acima, as liquidações adicionais referentes aos períodos de tributação de 2012 e 2013, não padecem de qualquer vicio de ilegalidade e por isso são de manter na ordem jurídica;

z)      Ora, as reclamações graciosas são atos de segundo grau que têm por objeto apreciar a legalidade dos atos de liquidação (atos de primeiro grau) e, como exposto acima, a análise da legalidade das decisões praticadas pela AT sobre as reclamações, encontram-se na competência dos Tribunais Arbitrais Tributários existentes a nível do CAAD;

aa)  Os fundamentos utilizados pela Requerente em sede de PI, foram os utilizados em sede de reclamação graciosa; ora, uma vez que o ato de primeiro grau, as liquidações adicionais de IRC referente aos períodos de tributação e 2012 e 2013, não padecem de qualquer vicio, é convicção deste Tribunal Arbitral que o vicio de ilegalidade arguido pela Requerente, não procede, tendo atuado a Requerida em conformidade com a Lei, ao indeferir as reclamações graciosas.

***

  

IV. DECISÃO

 

Em face do exposto, acorda o coletivo dos árbitros do Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que decide:

a)      Manter na ordem jurídica o ato tributário das liquidações adicionais de IRC n.ºs 2015 … e 2015 …, emitidas, respetivamente, em 24 de agosto de 2015 e 07 de dezembro de 2015, por referência aos períodos de tributação de 2012 e 2013, que reduziram o valor dos prejuízos fiscais anteriormente reportados decorrentes das correções ao resultado tributável nos montantes de €266.363,96 e €206.450,97, totalizando €472.814,93.

b)     Manter o ato tributário de indeferimento das reclamações graciosas n.º …2016… e n.º …2016… relativas às liquidações adicionais de IRC n.ºs 2015 … e 2015 …, por referência aos períodos de tributação de 2012 e 2013, proferido pela Requerida.

 

V.    VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €118.203,73.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em €3.060 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerente, atento o respetivo decaimento.

 

  • Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de junho de 2017

 

O Tribunal Coletivo,

 

José Poças Falcão

 (Árbitro Presidente)

 

 

António Pragal Colaço

(Árbitro Vogal)

 

 

Júlio Tormenta

(Árbitro Vogal)

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão da alínea e) do n.º1 do artigo 29.º do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos).

 

 



[1] PI – Petição Inicial.

[2] O SNC aplicável ao caso controvertido foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, publicado em Diário da República n.º 133/2009, Série I, de 13/07 tendo entrado em vigor no primeiro exercício que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2010.   

[3] RIT – Relatório Inspeção Tributária.

[4] NCRF-Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro. As NCRF são um instrumento do SNC e conforme ponto 5.2 do Anexo ao Decreto-Lei 158/2009 (diploma que aprovou o SNC), “As NCRF são propostas pela CNC e publicadas através de avisos no Diário da República, depois de homologadas pelo membro do Governo responsável pela área das finanças, com a faculdade de delegar, sendo de aplicação obrigatória a partir da data de entrada em vigor indicada em cada uma delas.”. Pelo despacho n.º 588/2009/MEF do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foram homologadas as NCRF tendo sido publicadas em Diário da República n.º 173/2009, Série II, de 7/09.

[5] A Estrutura conceptual (EC) baseada no anexo 5 das «Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho», publicado pela Comissão Europeia em novembro de 2003, que enquadra aqueles instrumentos, constitui um documento autónomo a publicar por aviso do membro do Governo com responsabilidade própria ou delegada pela área das finanças, no Diário da República. Por Despacho n.º 589/2009/MEF do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 14 de agosto de 2009, em substituição do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, foi homologada a Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho.

 

[6] No articulado aparece a numeração de alguns artigos em duplicado, como é o caso do artigo 22.º.

[7] LGT – Lei Geral Tributária;

[8] RCPIT – Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária

[9] § - parágrafo

[10] PA – Processo Administrativo;

[11] RIT – Relatório de Inspeção Tributária;

[12] Conforme previsão legal do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13/7 sob a epígrafe Anexo.

[13] Decreto-Lei 158/2009, de 13 de julho em vigor a partir de 1 de janeiro de 2010.

[14] § - parágrafo;

[15] CNC – Comissão de Normalização Contabilística

[16] Segundo o §22 da EC “A fim de satisfazerem os seus objectivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transacções e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem

[17] CIRC – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

[18] CRP - Constituição da República Portuguesa.

[19] CPA - Código do Procedimento Administrativo.

[20] CC - Código Civil.

[21] Vide “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada“,4ª edição – Encontro da Escrita; 2012, pg. 293.

[22] Conforme Acórdão do TCA Sul, proferido no proc. 04255/10, de 15/2/2011, disponível em www.dgsi.pt..

[23] CPPT – Código de Procedimento e de Processo Tributário.