Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 47/2017-T
Data da decisão: 2017-07-21  IMT Selo  
Valor do pedido: € 12.389,88
Tema: IMT e IS – Artigo 236º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH).
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Decisão Arbitral

 

 

 

RELATÓRIO

 

1. A…, S.A, contribuinte fiscal nº…, com sede na …, nº …- … ,… -… Lisboa na qualidade de gestora do fundo de investimento imobiliário “B…-FUNDO DE INVESTIMENTO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL”, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número de identificação fiscal nº … (doravante designado por Requerente), apresentou em 16-01-2017, pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2 e artigo 10º, nºs 1 e 2, ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de nulidade, ou subsidiariamente, a anulação dos actos de liquidação nº … de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas (IMT) no valor de 10.281,88 €, e de  Imposto do Selo (IS) verba 1.1. nº…, no valor de 2.108,00 €, peticionando o reembolso dos montantes dos impostos pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 20-01-2017.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico da Arbitragem Administrativa.

 

4. Em 06-03-2017, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico,

 

5 O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 21-03-2017, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6. Devidamente notificada para tanto, em 04-05-2017, a Requerida procedeu à apresentação da sua resposta,

 

7. Foi proferido despacho arbitral em 07-05-2017, devidamente notificado às partes, que fundamentou a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, convidou as partes a apresentarem, por escrito, as suas alegações e indicou data limite para a prolação e notificação às partes da decisão arbitral,

 

8. Em 16-05-2017, a Requerente apresentou as suas alegações escritas,

 

9. Com data 26-05-2017 a Requerida procedeu à junção das suas alegações, onde fundamentalmente remete para o seu articulado de resposta.

 

10. Em 27-06-2017, o Requerente, na sequência de despacho arbitral, de 14-06-2017, procedeu à junção da escritura de compra e venda de onde consta a aquisição do imóvel aqui em causa e nota de liquidação do IMT.

 

11. A fundamentar o seu pedido, o Requerente invocou em síntese, e com relevo, para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

 

i-  a Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), que aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e as sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, estabeleceu no artigo 8º o regime tributário aplicável aos FIIAH,

ii.  tendo definido no número 7 do citado artigo 8º que:

“Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no nº 1;

b) as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o nº 3 do artigo 5º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no nº 1”,

iii. a Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro aditou ao artigo 8º do Regime Tributário dos FIIAH os números 14 a 16, com o seguinte texto:

“14. Para efeitos do disposto nos nºs 6 a 8 considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15. quando os prédios não tenham, sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos nºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respectivo imposto.

16. Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no nº 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos no número anterior”,

iii. a Lei nº 83-C/2103, de 31 de Dezembro, veio ainda a consagrar no seu artigo 236º o seguinte regime transitório;

“1. O disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8ºdo regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102º a 104º da Lei nº 64-A/ 2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2. Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102º a 104º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no nº 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”

iv.com base exclusivamente nas disposições supra citadas, em particular, as resultantes das alterações consagradas ao Regime Tributário dos FIIAH, o ora Requerente solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação de IMT e de Imposto do Selo, relativo à fracção que é objecto do presente pedido de pronúncia arbitral,

v. sinaliza ainda o Requerente a natureza de impostos de obrigação única tanto do IMT como do IS, e que o facto tributário, localizado no tempo se esgota no ato de aquisição do imóvel, e que o facto de lhe ter sido reconhecida a isenção dos referidos tributos aquando da referida aquisição constitui direito adquirido e cristalizado na sua esfera jurídica à data em que ocorreram as alterações do Regime Especial dos FIIAH,

vi- acresce o Requerente que de acordo com o regime em vigor à data de aquisição, as referidas isenções não se encontravam sujeitas a condição resolutiva sendo manifesto que,

vii- não estando, contudo legalmente previstos, no momento de reconhecimento de isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade de isenção reconhecida, é manifesto que a imposição  superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico – tributária do Requerente  enferma de  inconstitucionalidade por  violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103º (Sistema Fiscal) nº 3, da Constituição da República Portuguesa”,

viii. concluindo o Requerente que “ O artigo 236º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ao estender a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH “aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando – se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no nº 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”  - está a violar de forma directa e inequívoca o princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado. Com efeito, a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções previstas nos números 7, alínea a) e 8 do artigo 8º (Regime Tributário) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto”

ix- em suporte da posição que subscreve juntou o Requerente aos autos um parecer jurídico, tendo por objecto a inconstitucionalidade do artigo 236º, nº 2 do Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

12. Fundamentalmente e em jeito conclusivo, o Requerente pede ao Tribunal que afira “se o número 2 do artigo 236º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro – na medida em que determina a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH “aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no nº 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014” – consubstancia um novo regime de caducidade das isenções prevista no nº 7. alínea a) e nº 8 do artigo 8º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroactividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103º (Sistema Fiscal, nº 3, da Constituição da República”

 

13. A AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, procedendo à enunciação dos objectivos que estiveram na origem da criação de um regime especial temporário aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) traçando o seu quadro legal desde a Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (LOE 2009) até às alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro,

 

13.1. Alega ainda o seguinte, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral (que se menciona maioritariamente por transcrição),

 

13.2. (…) há que ressalvar que, à data da criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, com a Lei nº 64- A/2008, de 31 de Dezembro, as isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, exigiam, respectivamente:

 

(i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e,

 

(ii) que a transmissão tivesse por objecto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre o mesmo, bem como com o exercício da opção de compra previsto no nº 3 do artigo 5º”. (cfr. artigo 49º da resposta),

 

13.3.(…) os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinado exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, (cfr. artigo 50º da resposta),

 

13.4. Pelo que falece razão ao Requerente quando afirma que as isenções em apreço não eram condicionadas por quaisquer factos ou circunstâncias, e, consequentemente, a argumentação que constrói partindo de tal errado pressuposto encontra-se igualmente ferida de erro, (cfr. artigo 51º da resposta),

 

13.5. (…) a nova redacção introduzida pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da protecção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido (cfr. artigo 52º da resposta),

 

13.6. Estipulando “que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo”(cfr. artigo 53º da resposta),

 

13.7. É de concluir, assim, que, com as alterações introduzidas, não se alterou a ratio das isenções consagradas, sendo de sublinhar que não foi determinada a extinção imediata do benefício no caso de não se verificar celebrado o referido contrato de arrendamento, pois que se concedeu um prazo bastante alargado, de três anos, para o efeito (cfr. artigo 54º da resposta),

 

13.8 Acresce ainda a Requerida, que é de ressalvar que a cessação de um benefício fiscal sempre poderá ter lugar, por exemplo, caso se constate, num caso concreto, mediante fiscalização, que não se verificam os respectivos pressupostos, (cfr. artigo 61º da resposta),

 

13.9. (…) nos termos do artigo 7º, nº1 do EBF: “ Todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam, concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direção Regional dos Assuntos Fiscais e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios” (cfr. artigo 62º da resposta), 

 

 

14. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do CPPT, ex vi do artigo 29º, nº1, alínea a) do RJAT),

 

15. O processo não enferma de nulidades não tendo sido suscitada qualquer excepção.

 

16. A cumulação de pedidos é legal, por se verificarem os pressupostos exigidos no artigo 3º, nº 1 do RJAT, ou seja, a procedência dos pedidos depende, fundamentalmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito,

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

A.1. Factos dados como provados

 

a. o Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, denominado “B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Para Arrendamento Habitacional “gerido e representado pela sociedade A…, S.A.,

 

b- o fundo era à data das liquidações ora em questão proprietário do prédio urbano a que corresponde o artigo matricial … (fracção “E” da União de Freguesias de…, ... … e …), do concelho de Oeiras,     

 

c- o referido imóvel foi adquirido em 18 de Dezembro de 2013, tendo a sua aquisição beneficiado e isenção de IMT e de Imposto do Selo, ao abrigo do nº 7, alínea a) e do nº 8 do artigo 8º do Regime Jurídico do FIIAH, aprovado pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (LOE 2009),

 

d- na perspectiva da alienação do imóvel em causa foi requerida em 20-10-2016 a liquidação do IMT e do Imposto do Selo respeitantes à referida fracção, nos termos das disposições do nº 16 do artigo 8º do regime especial aplicável aos FIIAH, aprovado pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, norma esta aditada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE 2014),

 

e- em 20-10-2016, foram em   efectuadas as seguintes liquidações:

- IMT, liquidação número …, no valor de 10.281,88 €

- Imposto do Selo, liquidação nº…, no valor de 2.108.00 €

 

f- os impostos resultantes das identificadas liquidações forem pagos em 21-10-2016,

 

g- em 16-01-2017, o Requerente através da sua representante apresentou pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, inexistem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. artº 123º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 607º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e ) do RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa, são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito, (cfr. artigo 596º do CPC aplicável ex vi do artigo 29º, nº 1 e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, e os documentos juntos aos autos, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados.

 

B.DO DIREITO

 

A questão central que é objecto do presente processo a que cabe responder, face à posição e argumentos apresentados pelas partes, reconduz-se em determinar se os actos de liquidação da IMT e IS subjacentes são ou não ilegais por violação do disposto no artigo 103º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.

 

Dito de outra forma, a questão colocada ao Tribunal Arbitral circunscreve-se à pretensão do Requerente quanto à apreciação da ilegalidade das liquidações da IMT e IS, acima identificadas, efectuadas com base em pedido de liquidação formulado ao abrigo do nº 16 do artigo 8º do Regime Especial dos FIIAH e nº 2 do artigo 236º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sendo esta norma que está no centro da dissensão entre as partes.

 

Sinalizando-se que, as notas de liquidação em causa, basearam-se como das mesmas decorre, no nº 16 do artigo 8º do Regime dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) ou seja alienação do imóvel/fracção que havia sido adquirido com os benefícios fiscais agora e aqui em crise.

 

Antes de afrontarmos a questão dirimenda que os presentes convocam, submetida já por diversas vezes à apreciação de vários Tribunais Arbitrais Tributários, impor-se-á um incurso ao quadro normativo que lhe subjaz.

 

A Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (LOE 2009) nos seus artigos 102º a 104º aprovaram um regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aplicável aos “cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período” de acordo com o disposto no artigo 104º.

 

De acordo com o Relatório da Proposta de Lei nº 226/X (Orçamento do Estado para 2009) são claros os objectivo deste regime especial: “Criação dos Fundos de Investimento Imobiliário em Arrendamento Habitacional.

Merece igualmente referência a iniciativa em matéria de criação de fundos e sociedades de investimento imobiliário especificamente vocacionadas para o investimento em imóveis destinados ao arrendamento urbano em Portugal, prevendo-se um regime tributário especialmente favorável aplicável até 31 de Dezembro de 2020. O presente regime á aplicável a fundos e sociedades constituídas nos cinco anos.

 

 

A Lei do Orçamento do Estado para 2009 (Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, aprovou, conforme referido, nos artigos 102º e seguintes um regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedade de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) consagrando-se no seu artigo 8º em regime tributário especial, prevendo-se para além de outras, isenções em sede de IMT e IS.

 

 

Artigo 8º

Regime Tributário

(…)

“7. Ficam isentos do IMT:

a)      As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no nº 1:

b)      As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício de opção de compra a que se refere o nº 3 do artigo 5º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no nº 1

(…)

 

“8. Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis um direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no nº 3 do artigo 5º”.

 

A Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, para além de vir alterar o regime fiscal dos fundos e sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional através do seu artigo 235º, veio a aditar novos número 14 a 16 ao artigo 8º do regime dos FIIAH no seguinte sentido:

 

(…)

 

“14. Para efeitos do disposto nos nº 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passarem a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo”.

 

“15. Quando os prédios não tenham sido objecto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos nºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nessa caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos trinta dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto”

 

“16. Caso os prédios sejam alienados, com exceçao dos casos previstos no artigo 5, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no nº 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do numera anterior.”

 

Por outro lado, o artigo 236º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei nº 83-C/2913 de 31 de Dezembro) consagrou ainda a seguinte norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH:

 

Artigo 236º

Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH

 

“1. O disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102º a 104º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de janeiro de2014”

 

“2. Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8º do regimes especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovados pelos artigos 102º a 104 da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se nesses casos, o prazo de três anos previsto nos nº 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”

 

 

Face ao regime fiscal dos fundos e sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, com previsão do artigo 8º já mencionado regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, haverá também, na nossa opinião, e como suscitado pela Requerida que ter em conta as normas contidas no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Deste modo, dispõe o artigo 2º de tal normativo;

 

Artigo 2º

Conceito de benefício fiscal e de despesa fiscal e respectivo controlo

 

“1. Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.”

 

“2. São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior”.

 

Prevendo-se ainda nos números 7º e 14º do EBF:

 

Artigo7º

Fiscalização

 

“Todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito público ou privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Direcção – Geral dos Impostos e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios”

 

Artigo 14º

Extinção dos benefícios fiscais

 

“1. A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação – regra.”

(…)

“3.Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à directa realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles foram alienados ou lhes for dado um outro destino sem autorização do Ministério das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei”.

 

Revisitado, o quadro normativo essencial para a decisão da questão subjacente, e com vista à sua aplicação ao caso sub judice, subscreve-nos com as necessária adaptações as conclusões e fundamentação que se retiram (de entre várias outras) das decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos 689/2015- T de 02/05/2016  e  683/2016- T de 20/05/2016, por com as mesmas concordarmos, e replicarem (para além de inúmeras outras) o sentido de várias decisões proferidas no âmbito do CAAD, em situações similares à dos presentes autos.

 

 “ (….) a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pelos artigos 235º e 236º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, antes um requisito do regime fiscal dos FIIAH. É a natural decorrência, como bem alega a Requerida, das motivações que levaram à criação de um regime especial temporário aplicável a estes Fundos, ligadas à crise económica e à consequente dificuldade acrescida dos indivíduos e das famílias no pagamento das prestações dos contratos de mútuo celebrados para aquisição de habitação própria permanente, pretendendo, portanto, o regime acudir a situações de dificuldade e incentivar o arrendamento para habitação própria permanente.

O Orçamento de Estado para 2014 vem, é certo, estabelecer novas regras para a isenção: caso a afetação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no período de 3 anos após a entrada do imóvel no Fundo e, ainda caso o FIIAH seja objecto de liquidação antes de decorrido aquele prazo, o adquirente tem de requerer a liquidação do IMT que não foi liquidado”.

 

No caso subjacente, e como resulta dos factos provados o Fundo Requerente adquiriu a fracção em causa em 18 de Dezembro de 2013, tendo solicitado a liquidação de IMT e IS em 20 de Outubro de 2016, ao que se extrai das respectivas notas de liquidação “porque vai ser alienada a fracção supra mencionada”.

 

(…)

 

“ O facto de a alienação do imóvel fazer caducar a isenção, não é, como ao diante se deixará explanado, um facto novo resultante do aditamento efetuado pelo Orçamento de Estado para 2014. Nova será, quando muito, a obrigatoriedade de o adquirente requerer a liquidação dos impostos que não foram liquidados antes da alienação. Disposição que não só é meramente procedimental, como não está sequer em causa nestes autos, tendo em conta que foi precisamente isso que a Requerente fez e a consequência sempre seria, como veremos que resulta do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que os impostos seriam liquidados oficiosamente pela Fazenda (acrescidos dos juros e sanções previstas na lei), uma vez constatada a alienação.

Parece-nos, portanto, evidente que a questão sub judice não se prende com a eventual inconstitucionalidade, por violação da proibição da retroatividade da lei fiscal, dos números aditados ao artigo 8º pelo Orçamento de Estado de 2014.

De facto, a alienação do prédio em questão pela Requerente determina, como ela própria reconheceu nas declarações para liquidação de IMT e IS, a caducidade da isenção, porque lhe foi por ela dado destino diferente daquele que havia determinado a concessão do benefício.

Para cumprimento da alínea a) do nº 7 do artigo 8º não basta uma intenção declarada na aquisição do imóvel, mas uma efetiva afetação ao arrendamento para habitação permanente.

Não é, pois, verdade, que, como afirma a Requerente, não estivessem já legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, os factos ou circunstâncias de que dependia a respetiva caducidade, ao menos no que respeita às circunstâncias que efetivamente ocorreram: a alienação do imóvel.

Na verdade, a concessão de um benefício dependia já – e depende sempre – da efetiva verificação dos respetivos pressupostos, nos termos do artigo 12º do EBF (artigo 11º, na redação do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto lei nº 108/2008, de 26/06).

O facto de a Requerente ter procedido à alienação do prédio que, ao adquirir, declarou iria afetar a fim que lhe permitia fosse reconhecida – como foi – a isenção de IMT e IS, sempre determinaria, ainda que o aditado número 16 não o previsse expressamente, a caducidade de tais isenções, por efeito do disposto no artigo 12º e no nº 3 do artigo 14º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (antigo 12º, nº 3 na redação do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto Lei nº 108/2008, de 26/06), segundo o qual “Quando o  benefício fiscal respeita a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei”.

 

(…)

 

“ não [se] coloca  no caso em apreço a questão da alegada inconstitucionalidade das disposições aditadas na medida em que, na parte correspondente à alienação do imóvel, o nº 16 do artigo 8º do Regime Jurídico dos FIIAH se limita a reiterar o que já resultava do disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

O que aliás, bem se compreende, atendendo ao ratio da concessão dos benefícios fiscais.

A ratio para atribuição do benefício fiscal em sede de IMT e IS aos FIIAH é, claramente, a sua afetação a arrendamento para habitação permanente – “ As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento…” – pelo que a consequência de lhe dar diverso destino é a que a isenção não poderia ter sido concedida, havendo que repor a legalidade, liquidando-se os impostos que, não fosse a declaração de intenção efetuada aquando da aquisição haveriam de ter sido liquidados.

O que a Requerente reconheceu, tanto mais que é isso que consta das declarações efetuadas pela própria Requerente para liquidação do IMT e do IS.

Concluindo, a alienação do prédio sempre determinaria a caducidade da isenção por aplicação do disposto no nº 3 do artigo 14º do EBF, não estando, portanto, em causa, na situação sub judice, qualquer aplicação retroativa de norma que venha introduzir novo regime de caducidade das isenções tampouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, pelo que entendemos assim que as liquidações de IMT e Imposto do Selo em crise são legais”.

 

 

Aderindo, sem quaisquer reservas às conclusões e fundamentação das decisões arbitrais que vimos parcialmente de transcrever, dúvidas parecem não subsistir quanto à legalidade das liquidações controvertidas, a determinar, consequentemente, a improcedência dos pedidos do Requerente.

 

Ficando prejudicado o conhecimento da questão inerente à suscitada retroactividade do regime transitório previsto pelo artigo 236º da LEO 2014, pois, em consonância com o que vem de dizer-se, os condicionalismos que estiveram na origem das liquidações aqui postas em crise, não têm qualquer relação com o aditamento dos nºs 14,15 e 16 ao artigo 8 do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, produzido pelo artigo 235º da referida lei orçamental, mas apenas e só com a alienação da fracção para fim distinto daquele que esteve na origem das isenções então concedidas.

 

Por razões idênticas fica igualmente prejudicado o conhecimento da questão relacionada com a alegada nulidade ou (subsidiariamente, caso assim não se entendesse) anulabilidade das liquidações em causa nos presentes autos. 

 

 

III- REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

O Requerente formula o pedido de restituição das quantias pagas, acrescida de juros indemnizatórios contados até integral pagamento.

O reembolso das quantias e o direito a juros indemnizatórios dependem da procedência do pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação.

Consequentemente, improcedendo esse pedido, improcedem, necessariamente, os de reembolso e juros indemnizatórios.

 

IV- DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em;

 

  1. julgar improcedentes os pedidos formulados pelo Requerente,
  2. condenar o Requerente no pagamento das custas do processo

 

 

V- VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º A, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 12.389,88 €.

 

 

VI-CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigo 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, a cargo do Requerente.

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.

 

 

  Vinte e um de Julho de dois mil e dezassete

 

 

 

O árbitro

 

 

(José Coutinho Pires)