Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 74/2017-T
Data da decisão: 2017-12-19  IRS  
Valor do pedido: € 2.806,46
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – retenção na fonte.
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Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

 

1.        Em 19 de Janeiro de 2017, a A…, Lda, contribuinte n.º…, com sede na Rua …, …, …, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.        A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. B…, e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª C…, Dr.ª D… e Dr. E… .

3.        O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 31 de Janeiro de 2017.

4.        Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a) a declaração de ilegalidade do despacho da Senhora Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa no sentido do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Retenção na fonte, respeitante ao ano de 2013, no montante de € 2.605,98 (dois mil, seiscentos e cinco euros e noventa e oito cêntimos) e juros compensatórios no montante de € 200,48 (duzentos euros e quarenta e oito cêntimos), tudo num total de € 2.806,46 (dois mil oitocentos e seis euros e quarenta e seis cêntimos), e b) a declaração de ilegalidade e respetiva anulação deste ato tributário.

5.        Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.

6.        O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 19 de Abril de 2017, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.        Depois de notificada para o efeito, através de despacho de 20 de Abril de 2017, a Requerida apresentou, no dia 24 de Maio de 2017, a sua resposta.

8.        No dia 4 de Julho de 2017, o Tribunal, tendo em vista aquilatar a utilidade de produção de prova testemunhal solicitada no requerimento inicial, notificou as partes para indicarem os factos objecto de inquirição em sede audiência.

9.         No dia 13 de outubro de 2017, o Tribunal, através de despacho, entendeu por conveniente prorrogar o prazo para decisão por um período de dois meses, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e face à desnecessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não vislumbrando necessidade de as partes corrigiram as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para a prolação da decisão, por razões de economia processual, evitando a prática de atos inúteis, considerou ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, com dispensa da inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, e a dispensa de apresentação de alegações, notificando, nesta sequência, as partes para se pronunciarem sobre a tramitação processual sugerida.

10.    Ainda neste despacho, o Tribunal designou o dia 19 de Dezembro de 2017 para o efeito de prolação da decisão arbitral, tendo, por último, advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

A Requerente sustenta o pedido de anulação do ato de liquidação de retenção na fonte - imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) -  a que foi sujeita, por ilegal, por enfermar nos seguintes vícios:

a)        Vício de falta de fundamentação dos atos de liquidação, por entender que «foi notificada do acto de liquidação adicional de IRS e de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… (…)» sem que, contudo, da mesma «result[e] suficiente e adequada a necessária fundamentação, quer de facto, quer de direito», dado que «não são explicitados todos os seus fundamentos, quer de facto, quer de direito, apenas resultando da mesma que respeita a retenções na fonte do mês de Dezembro de 2013 relativas a capitais-outros rendimentos. Ou seja, do acto de liquidação adicional de IRS apenas resulta a identificação do período, do montante a pagar e dos meios de reacção, não resultando qualquer identificação quanto à correcções que terão estado na origem do apuramento do imposto, alegadamente, em falta. De igual modo, não são identificadas as concretas disposições legais ao abrigo das quais o imposto, e os juros compensatório são liquidados.»

b)        Assim sendo, considera a Requerente que «a liquidação de imposto e de juros compensatórios notificada à Autora é, como se demonstrou, omissa quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, pelo que está inquinada de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anulada em conformidade (cf. artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo). E contra o exposto não pode ser invocada a fundamentação operada por via de remissão para anterior procedimento de Inspecção Tributária» porquanto, segundo entende a Requerente «não há sequer, qualquer remissão para qualquer documento concreto que contenha essa mesma fundamentação, ou seja, não há qualquer remissão para um concreto Relatório de Inspecção, nem identificado o respectivo procedimento de Inspecção Tributária.». Com efeito, acrescenta, ainda, a Requerente que «mesmo que se admitisse que os actos de liquidação em apreço se podem fundamentar em algum outro documento externo, sem necessidade de respeito pelos requisitos mínimos de fundamentação exigidos pelo n.º 2 do artigo 77.º da LGT, sempre se teria de exigir a expressa remissão nos próprios actos de liquidação, para esse mesmo documento, o que não ocorreu». Assim, «não o tendo feito, o acto de liquidação em causa é ilegal, por omissão de fundamentação legalmente exigida, assim resultando violados os artigos 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e 77.º da LGT, devendo ser anulado em conformidade (cf. artigo 135 do Código de Procedimento Administrativo).»  

c)         Manifesta, a Requerente, ainda, o entendimento de que «a fundamentação das Conclusões do Relatório da Inspecção Tributária que foram notificadas à Autora (…) não é congruente, nem, tão-pouco clara.» Com efeito, sustenta a Autora que «sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira impende o dever legal de, não só indicar todos os factos, de forma clara e coerente, mas, também, de indicar e sustentar as suas conclusões com as correspondentes disposições legais. Com efeito, só com a indicação de todas as razões, de facto e de direito, pode a Autora, em consciência, aferir da legalidade dos actos praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, assim, optar pela sua contestação ou acatamento. No que se refere ao conteúdo material da fundamentação, encontramos a sua previsão no artigo 125.º do Código do Procedimento Administrativo (…).

d)        Mais refere a Requerente, quanto a esta matéria que «no caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a elencar meros juízos conclusivos que, como pacífica e unanimemente é dito na doutrina e na jurisprudência, não representam a fundamentação legalmente exigida. Na verdade, ao longo do Relatório de inspecção, e no pressuposto que apenas se concebe por mera cautela de que este tenha qualquer relação com o acto de liquidação de IRS e de juros compensatórios que também constitui objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa limitam-se a afirmar a diferença entre os valores depositados nas contas bancárias e os valores declarados para efeitos fiscais constitui rendimento omitido das declarações fiscais. (…) A Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a ficcionar e elencar factos e pressupostos que considera permitir a liquidação adicional de imposto, concluindo a partir delas não explicando em momento algum como chegou a essas mesmas conclusões. Assim não foi possível à Autora apreender o iter cognoscitivo dos Serviços de Inspecção Tributária em resultado do qual foram apuradas as correcções em sede de IRS, uma vez que os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira apenas baseiam as conclusões do Relatório de Inspecção em meras extrapolações e juízos conclusivos

e)         Aduz, ainda, a Requerente que «[é] também, manifesta a incongruência e contradição da alegada fundamentação (…) na justa medida em que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenta através de meras insinuações, denegrir e descredibilizar a ora Autora, e os seus representantes legais», razão pela qual a «(…) concluir-se que, os Serviços de Inspecção Tributária ao não explicarem no Relatório de Conclusões da Acção de Inspecção as conclusões em que supostamente se baseiam deverá anular-se o acto de liquidação praticado, se alguma relação existir entre o referido relatório e este acto de liquidação o que se desconhece mas especula, por cautela

f)         Erro sobre os pressupostos de facto e de direito - defende a Requerente que «a Autoridade Tributária e Aduaneira parece pretender (…) que os rendimentos em causa são enquadráveis na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS. Não é verdade que assim seja. Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira admite que as contas bancárias identificadas, sem prejuízo do respectivo titular estavam afectas à actividade do sócio, quer através da Autora, quer através da sua actividade pessoal enquanto professor. Ora, (…) por um lado, caso considere, ainda que erradamente, que todos os valores respeitam à Autora, a Autoridade Tributária e Aduaneira poderia, sempre sem conceder, considerar rendimento tributável em IRS os valores utilizados para fins pessoais. Com efeito, se a Autoridade Tributária e Aduaneira admite que as contas bancárias estão afectas à actividade, então parece curial que conclua que todos os recursos financeiros não utilizados, se encontram na esfera da Autora, não tendo sido distribuídos. O que não pode é considerar que os valores representam rendimentos omitidos pela Autora e simultaneamente lucros distribuídos.», mormente, porque «(…) os valores que constam nas referidas contas bancárias não representam rendimento da Autora (…) pelo que nunca poderiam ter sido distribuídos.» Ademais, «os valores apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira estão calculados em erro» dado que tais «”rendimentos” (sempre sem conceder), ascenderiam a (-) € 11.631,26 e não a (+) € 9.307,06, sendo o acto de liquidação ilegal também por este motivo.» 

g)        Acrescenta, igualmente, a Requerente que a existir «um rendimento tributável nos termos pretendidos [pela AT] (…) a verdade é que os factos tributáveis ter-se-iam distribuído ao longo dos doze meses do ano civil (…) não se teria verificado apenas no mês de Dezembro do respectivo ano civil, na justa medida em que as contas bancárias analisadas não espelham depósitos apenas nesse mês. (…) Assim sendo, estando em causa imposto sujeito a taxa liberatória, em que cada facto tributário se verifica e extingue no exacto momento da verificação das situações previstas na respectiva norma de incidência.(…)»

h)        Mais referindo que «[n]ão é pois de admitir a tributação da Autora pelo acréscimo patrimonial, independentemente da qualificação jurídica que se dê aos valores em causa, que, afinal, como se comprovou, não existiu naquele concreto período de tributação.» para concluir que «(…) verificada a impossibilidade de incidência do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares sobre realidades não compreendidas nesse conceito económico de rendimento, como, in casu, sucede relativamente à Autora, deve o acto de liquidação que também constitui o objecto dos presentes autos, ser anulado em conformidade.»

i)          A Requerente considera, ainda, pertinente, em prol da sua defesa, aludir que «assume-se como um substituto tributário», pelo que, nos termos do artigo 28.º da Lei Geral Tributária, a sua responsabilidade «circunscreve-se aos valores retidos e não entregues». Assim, e atendendo ao caso em concreto, entende a Requerente que «inexiste uma situação de imposto retido e não entregue, mas tão somente a assunção por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira de que determinadas realidades assumem a natureza de rendimento (de aplicação de capitais) tributável em sede de IRS, a taxa liberatória. Uma vez que a Autora em momento algum concebeu que tivesse pago rendimentos com as referidas características aos detentores do capital social, também não reteve qualquer valor a título de imposto (nem a qualquer outro título para ser rigoroso), para posterior entrega ao Estado. (…) não pode ser imputada à Autora responsabilidade pelo pagamento do tributo ao abrigo do artigo 28.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.»

j)         Vício de violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material, porquanto considera a Requerente que «(…) de acordo com o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58.º da Lei Geral Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.» Assim, e em concreto, «ao longo do procedimento de inspecção (…) a Autora sempre refutou as acusações e apresentou sucessivamente elementos que contrariam o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira», pelo que, «a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, inquina de ilegalidade o acto tributário emitido nessa sequência.»

k)        Concluindo, a Requerente, no sentido de que «os Serviços de Inspecção violaram o disposto no artigo 58.º da Lei Geral Tributária e no artigo 6.º do Regime Complementar de Inspecção Tributária, violação essa que, dado o seu contributo nas correcções operadas que subjazem à emissão dos actos tributários em crise, não pode deixar de inquina-los e conduzir à respectiva anulação

l)          Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, dado que, a Requerente «foi notificada do acto de liquidação que inclui a liquidação de juros compensatórios,» sendo que deste «acto apenas consta a base de cálculo, a taxa e o período considerado (…)» dele não consta «qualquer menção aos motivos essenciais pelos quais tais juros podem e foram liquidados.» Na verdade, considera a Requerente que «em nenhum momento, no acto notificado e ora em crise, a Autoridade Tributária e Aduaneira logrou demonstrar, ou sequer invocar, os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios, nem sequer invocando qualquer disposição legal ao abrigo da qual actue.» nomeadamente a culpa do contribuinte no alegado retardamento da liquidação de imposto.

m)      Mais refere, a Requerente, que «(…) não contendo o Relatório Final de Inspecção Tributária qualquer referência a juros compensatórios, não foi dada à ora Autora a oportunidade participar, em sede de audição prévia na decisão de liquidação dos mesmos juros», assim, «(…) não cuidou de salvaguardar nem a letra nem a ratio das disposições combinadas dos artigo 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, 60.º, n.º 1, alíneas a) e e), e 3 da Lei Geral Tributária e 45.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, actuando de forma ilegal e unilateral, o que, não podendo e não devendo ser desconsiderado, determina a preterição de uma formalidade legal essencial, com as inerentes consequência a nível da validade do acto tributário em crise.»

n)        Ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, manifesta a Requerente o entendimento de que, por um lado, «[a]o manter-se na ordem jurídica, os actos de liquidação contestados, a Senhora Chefe de Divisão agiu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo que vícios imputados aos actos de liquidação se transmitem à própria decisão que os mantém»,  e por outro lado, «(…) verifica-se que a Senhora Chefe de Divisão não se pronuncia sobre todas as questões suscitadas pela Autora, assim violando o disposto no artigo 56.º da Lei Geral Tributária», para arrematar no sentido de que «(…) o referido Despacho da Senhora Chefe de Divisão deve ser anulado porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 135.º do CPA).»

 

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)        Por seu lado, a AT vem apresentar a sua defesa, por impugnação, invocando, desde logo, quanto ao alegado vício de falta de fundamentação dos atos de liquidação e a título introdutório que «(…) a fundamentação de facto e de direito das liquidações controvertidas consta do teor do relatório final da inspecção tributária, facto que a Requerente não pode desconhecer uma vez que a notificação do relatório menciona expressamente que dará origem à emissão de liquidações, contra as quais poderá reagir via administrativa ou contenciosa. Mas ainda que assim não fosse, ou seja, mesmo que o Requerente não fosse notificado do relatório final, ainda assim podia ao abrigo do art.º 37.º do CPPT requerer à AT que o notificasse da fundamentação das liquidações controvertidas, o que não fez.»

b)        Referindo, ainda, a Requerida que «[c]ontrariando o Requerente, não estamos perante uma fundamentação posterior ao acto de liquidação nem o Requerente podia desconhecer que as correcções promovidas pela inspecção tributária dariam origem àquelas liquidações, com os fundamentos de facto e de direito explicitados no relatório final. Isto mesmo consta da informação em sede de reclamação graciosa intentada pelo Requerente (…).»

c)         No tocante ao alegado Vício da falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do relatório de conclusões da ação de inspeção, entende a Requerida que «[n]ão se vislumbra (…) em que possa a AT ter violado o disposto no art. 77.º do CPPT, resultando clara, coerente e suficiente a fundamentação de facto e de direito das correcções controvertidas. Uma leitura atenta do relatório final permite conhecer os factos concretos e as razões de direito que levaram a concluir pela necessidade das correcções controvertidas (…)» não sendo «(…) por conseguinte, verdade que a AT “limita-se a elencar meros juízos conclusivo”, uma vez que estes decorrem de uma análise detalhada e devidamente documentada pela inspecção tributária

d)        No que respeita ao alegado Erro sobre os pressupostos de facto e de direito, alude a Requerida que «contrariamente ao alegado pela Requerente, a Autoridade Tributária se baseou nos elementos de que dispôs, para a partir de uma lógica facilmente perceptível concluir pelas correcções propostas».

e)         Na verdade, considera a Requerida que «(…) decorre cristalinamente que, a partir de aproximadamente julho de 2011, a conta de F… (filho), passou a ser movimentada como se da conta da Sociedade se tratasse, e que, assim passou a ser porque então G… (Pai) e esposa, tinham receio de que as suas contas pessoais pudessem ser penhoradas, o que permite também concluir que até então eram estas as contas que eram utilizadas como se de contas da sociedade se tratasse. (…) Tendo em conta isto, foi feito um cálculo simples, (…) no qual se deduziu aos depósitos nas contas efectuados, os rendimentos declarados, quer pela sociedade quer pelo seu sócio G… (Pai), para concluir, visto outros rendimentos não existirem no agregado, pelo que se consideram rendimentos omitidos. E, estes foram imputados à sociedade, tendo em conta as declarações referidas, os descritivos das transferências apurados na investigação, a utilização da sociedade para a prestação de serviços por parte do sócio G… e o facto de este não manter a separação patrimonial.» Mais, opinando a Requerida no sentido de que «(…) pretender a Requerente fazer crer que é abusiva a conclusão da Requerida de que o montante creditado nas contas cujo sócio declarou serem movimentadas como se da sociedade se tratasse, deduzido dos montantes por este e a sua esposa declarados a título de lições ministradas a título pessoal, corresponde aos valores que omitiu, afigura-se, salvo melhor opinião, impossível.»

f)         Com efeito, a Requerida defende que «no âmbito da acção de inspecção, houve omissão de proveitos, dada a divergência entre os montantes depositados nas contas bancárias e os rendimentos declarados, bem como o sucessivo apuramento de prejuízos fiscais.». Ademais, «[a] ora Requerente alega que, sempre sem conceder, os rendimentos ascenderiam a € 115.609,90 e não 136.508,20, no entanto, não apresenta meios de prova, nem fundamentos de facto e de direito que comprovem o montante pretendido. (…) Apurou-se o montante de € 36.508,20 referente a rendimentos omitidos que permaneceram nas contas bancárias dos titulares (sócios-gerentes e filho (…). Razões que permitem concluir, que a família obteve rendimentos provenientes da sociedade superiores aos declarados em sede de IRS.»

g)        Quanto ao alegado Vício de violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material, manifesta a Requerida o entendimento que «(…) todo o procedimento inspectivo que antecedeu a liquidação adicional ora impugnada, procurou a verdade material, tendo os Serviços de Inspecção Tributária realizado todas as diligências que consideraram necessárias para o seu apuramento, nomeadamente, através do cruzamento de informações e da cooperação de entidades terceiras, tendo também apreciado, fundamentadamente, os “elementos” trazidos à colação pela ora Requerente em sede de exercício, embora intempestivo, do direito de audição.»

h)        No que toca à alegação da Requerente no sentido de que, no âmbito do procedimento inspectivo, havia refutado «as acusações e apresentou sucessivos elementos que contrariam o entendimento da Autoridade Tributária», contradiz a Requerida, aludindo que «(…) não resultou do mesmo, nem resulta dos presentes autos, que a mesma tenha logrado sequer invocado um argumento, um facto ou facultado ou indicado qualquer elemento probatório que pudesse apoiar os supostos “elementos”», pelo que «[n]ão logrando a Requerente trazer qualquer meio de prova, ou qualquer indicador que pudesse sustentar as suas alegações, não se logra alcançar como é que o princípio do inquisitório pudesse levar a Requerida a “averiguar” “elementos”, que não encontravam nos factos quaisquer suporte.»

i)          No que respeita à alegada Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios menciona a Requerida que a «fundamentação da liquidação de juros compensatórios decorre das correcções efectuadas pela AT que o Requerente liquidou imposto em montante inferior ao legalmente devido, sendo imputável ao contribuinte o retardamento na entrega do imposto, nos termos do n.º 1 do artigo 35.º da LGT.» Ademais, «no caso em apreço, verificou-se que a Requerente não cumpriu o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRC», concluindo pela improcedência, também, deste vício.

j)         Por último, e no respeitante ao alegado vício da Ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, remete a Requerida para os argumentos de facto e direito expendidos na sua resposta.

k)        A final peticiona a Requerida, a improcedência do pedido arbitral por falta de sustentação legal de todos os vícios invocados.

 

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos analisados e ponderados em conjugação com os articulados.

 

a.        Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.                A Requerente é uma sociedade por quotas que exerce a atividade económica com o CAE 85593 – Outras Atividades Educativas NE, desenvolvendo a atividade no essencial no acompanhamento escolar e preparação (explicações) para os exames do ensino secundário e ingresso ao ensino superior e cursos de línguas, sem, que contudo, tenha o devido reconhecimento pelo ministério competente. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

B.                A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal trimestral de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e no regime geral de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

C.                A Requerente foi sujeita a ação de inspeção, com base nas Ordens de Serviço OI2013…, OI2014… e OI2014…, referentes aos anos de 2011, 2012 e 2013, respetivamente, todas com início a 03.07.2014-- cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

D.                A Ordem de Serviço OI20130…, referente ao exercício de 2011, foi aberta proposta de inspeção n.º PIP2012…, de 10.08.2012, na sequência da informação de Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

E.                As Ordens de Serviço OI2014… e OI2014…, referentes aos exercícios de 2012 e 2013, respetivamente, foram abertas na sequência da proposta de inspeção n.º PIP2014…, de 13.02.2014. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

F.                 No decurso do procedimento inspetivo apurou-se que G… exercia, à data dos factos (2011, 2012 e 2013) e no ano de procedimento de inspeção, as funções de gerente da Requerente, e que prestava serviços para a mesma, de acordo com os recibos por si emitidos, que consistiam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino secundário e superior. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

G.                A conta bancária com o n.º …/…, titulada por F… era, à data dos factos, movimentada por G…, pai daquele, como que se da conta da sociedade Requerente se tratasse, apresentando a crédito, no exercício de 2012, o somatório dos proveitos da sociedade e dos rendimentos da Cat. B obtidos por G… no exercício da sua atividade profissional como explicador, no montante de € 300.454,92 (trezentos mil, quatrocentos e cinquenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos). - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

H.                A Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária apurou, da análise efetuada aos movimentos a crédito na conta identificada em G. supra, que os cheques depositados na mesma foram emitidos por particulares, ao portador ou à ordem de G… e que as transferências foram ordenadas por particulares com contas em diversos bancos, com descritivos como “inscrição”, “pagamento”, “A…”, “mensalidade”, “explicações”, entre outros. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

I.                   O sócio gerente da Requerente procedeu a transferências para a conta titulada pela esposa, H…, por forma a fazer pagamentos de despesas da sociedade Requerente. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

J.                  À data dos factos, F… (filho) constava da declaração periódica de rendimentos dos pais (G… e H…) (mod. 3 de IRS) como dependente sem rendimentos. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

K.                G… e a esposa H… apresentaram conjuntamente declaração de Rendimentos – Modelo 3 IRS para os exercícios de 2011, 2012 e 2013 com indicação de rendimentos de categoria A – rendimentos do trabalho dependente – pagos pela sociedade Requerente, nos montantes totais de € 18.000,00, € 18.317,52, e € 17.748,24 respetivamente. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

L.                G… iniciou, a 27.09.2010, atividade em nome individual, enquadrando-se no regime de isenção de IVA e no regime simplificado de tributação para efeitos de IRS, tendo declarado para os exercícios em análise, rendimentos da categoria B – rendimentos de trabalho independente (explicações) – os montantes de € 86.092,75, € 32.156,38 e € 35.903,75, respetivamente. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

M.              De acordo com as declarações prestadas no âmbito do processo de inquérito …/2013 …TDLSB, a conta bancária com o n.º …/…, titulada pelo F…, apresentava a crédito nos anos de 2011, 2012 e 2013, o somatório dos proveitos da sociedade e dos rendimentos da categoria B obtidos pelo G… no exercício da sua atividade profissional como explicador, nos montantes globais de € 130.463,10, € 300.454,92 e € 155.906,66, respetivamente – cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

N.                F… era também titular de uma conta jovem, para onde oram efetuadas várias transferências mensais com descritivos como “católica”, “mesada”, “alimentação”. – cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

O.                No decurso do procedimento inspetivo levado a cabo pela Requerida, constatou-se que a sociedade Requerente apresentou, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nos anos de 2011, 2012 e 2013 resultados líquidos negativos nos montantes de € 32.317,86, € 40.691,26, € 3.866,55, respetivamente. - cfr. Acordo das partes por não impugnado -;

P.                 As contas bancárias de F… e de H… eram utilizadas como que se da sociedade Requerente se tratasse, sendo que a do primeiro era utilizada como conta de passagem, da qual eram retirados valores para as contas tituladas pelos pais (G… e H…). - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

Q.                A sociedade Requerente declarou proveitos de atividade, no montante de € 114.818,87 e G…, sócio gerente da Requerente declarou rendimentos da categoria B, no montante de € 35.903,75. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

R.                A Requerente foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária e exerceu o devido direito de audição. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

S.                 A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, através do Ofício n.º… de 30.12.2015. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

T.                No dia 12.01.2016, com base nas correções técnicas efetuadas, no âmbito da ação de inspeção, a Requerida procedeu à emissão da liquidação de Retenção na Fonte-IRS n.º 2016…, no montante de € 2.605,98 (dois mil, seiscentos e cinco euros e noventa e oito cêntimos) e da liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, no montante de € 200,48 (duzentos euros e quarenta e oito cêntimos), tudo num total de € 2.806,46 (dois mil, oitocentos e seis euros e quarenta e seis cêntimos), referentes ao ano de 2013. - cfr. Acordo das partes por não impugnado - ;

U.                A Requerente foi notificada do ato de liquidação de retenção na fonte-IRS e dos juros compensatório referidos em U. supra.  – cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial - ;

V.                 A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação de retenção na fonte-IRS e juros compensatórios identificados em U. supra. – cfr. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial - ;

W.              A Requerente foi notificada da decisão final, datada de 21.10.2016, no sentido do indeferimento do procedimento da Reclamação graciosa por si apresentada, proferida pela Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa – cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial - .

 

 VI. Motivação da matéria de facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados.

 

VII. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Fundamentos de direito

 

É a seguinte questão a apreciar e decidir: saber se o acto tributário, praticado pela AT, que se consubstancia na liquidação de Retenção na Fonte-IRS n.º 2016…, no montante de € 2.605,98 (dois mil, seiscentos e cinco euros e noventa e oito cêntimos) e da liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, no montante de € 200,48 (duzentos euros e quarenta e oito cêntimos), tudo num total de € 2.806,46 (dois mil, oitocentos e seis euros e quarenta e seis cêntimos), referentes ao ano de 2013 é ilegal, face aos vícios invocados pela Requerente.

 

Vejamos,

 

A Requerente para concretizar o seu desiderato de ver anulado, por ilegalidade, o ato de liquidação de retenção na fonte-IRS – e respetivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2013 invoca vários vícios, a saber:

a)      Vício de falta de fundamentação dos atos de liquidação e falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do relatório de conclusões da ação de inspeção;

b)      Erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

c)      Vício de violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material;

d)      Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios;

e)      Ilegalidade da decisão da reclamação graciosa.

 

 Vícios estes que serão apreciados de seguida para verificar da ilegalidade ou não do ato de liquidação em apreço.

 

  1. Do alegado vício de falta de fundamentação do ato de liquidação e falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do relatório de conclusões da ação de inspeção

 

1.       Ora, como primeiro vício, invoca a Requerente a falta de fundamentação dos atos de liquidação, por entender que, não obstante, ter sido «notificada do acto de liquidação adicional de IRS e de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… (…)», a verdade é que, segundo entende, dessa notificação não «resulta suficiente e adequada a necessária fundamentação, quer de facto, quer de direito», dado que «não são explicitados todos os seus fundamentos, quer de facto, quer de direito, apenas resultando da mesma que respeita a retenções na fonte do mês de Dezembro de 2013 relativas a capitais-outros rendimentos. (…), não são identificadas as concretas disposições legais ao abrigo das quais o imposto, e os juros compensatórios são liquidados.»,

2.       Mais, alega que «a fundamentação das Conclusões do Relatório da Inspecção Tributária que foram notificadas à Autora (…) não é congruente, nem, tão-pouco clara. (…) no caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a elencar meros juízos conclusivos (…) não explicando em momento algum como chegou a essas mesmas conclusões. Assim não foi possível à Autora apreender o iter cognoscitivo dos Serviços de Inspecção Tributária em resultado do qual foram apuradas as correcções em sede de IRS, uma vez que os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira apenas baseiam as conclusões do Relatório de Inspecção em meras extrapolações e juízos conclusivos.» para fundamentar o vício que invoca de falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do relatório de conclusões da ação de inspecção.

3.       Na verdade, e em contraposição, alude a Requerida, por um lado, que «(…) a fundamentação de facto e de direito das liquidações controvertidas consta do teor do relatório final da inspecção tributária, facto que a Requerente não pode desconhecer uma vez que a notificação do relatório menciona expressamente que dará origem à emissão de liquidações, contra as quais poderá reagir via administrativa ou contenciosa. Mas ainda que assim não fosse, ou seja, mesmo que o Requerente não fosse notificado do relatório final, ainda assim podia ao abrigo do art.º 37.º do CPPT requerer à AT que o notificasse da fundamentação das liquidações controvertidas, o que não fez.» E, por outro que, «[n]ão se vislumbra (…) em que possa a AT ter violado o disposto no art. 77.º do CPPT, resultando clara, coerente e suficiente a fundamentação de facto e de direito das correcções controvertidas. Uma leitura atenta do relatório final permite conhecer os factos concretos e as razões de direito que levaram a concluir pela necessidade das correcções controvertidas (…)» não sendo «(…) por conseguinte, verdade que a AT “limita-se a elencar meros juízos conclusivo”, uma vez que estes decorrem de uma análise detalhada e devidamente documentada pela inspecção tributária

 

Vejamos,

 

4.       Ora, o dever de fundamentação da decisão no âmbito de um procedimento administrativo tributário tem expressão no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual prevê que:

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
3 - Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:

a)      Descrição das relações especiais;

b)      Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;

c)      Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;

d)      Quantificação dos respectivos efeitos.

4 - A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.

5 - Em caso de aplicação de métodos indirectos por afastamento dos indicadores objectivos de actividade de base científica a fundamentação deverá também incluir as razões da não aceitação das justificações apresentadas pelo contribuinte nos termos da presente lei.

6 - A eficácia da decisão depende da notificação.»

5.       Bem como, é o mesmo dever previsto no artigo 63.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária o qual dispõe que:

«1 - Os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório.

2 - Aos serviços intervenientes no procedimento de inspecção serão obrigatoriamente comunicados os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório, bem como a sua revisão em virtude de petição, reclamação ou recurso de qualquer natureza.»

6.       Com efeito, o artigo 152.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) dispõe quanto a esta matéria que:

«1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:

a)Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;

c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;

d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;

e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.

2 - Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.»

7.       Mais, dispondo o artigo 153.º deste diploma, sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação” que:

«1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.

2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.»

8.       Encontramos, ainda, e por último, este desiderato, no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) no sentido de que:

«Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.»

9.       Ora, no caso em concreto, podemos aferir dos factos dados como provados, nomeadamente nos pontos Q. e R. que a Requerente foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária e que exerceu o devido direito de audição,

10.   …tendo sido, posteriormente, notificada do Relatório de Inspeção Tributária, através do Ofício n.º…, de 30.12.2015, onde se encontravam, segundo menciona a Requerida, as razões de facto e de direito que originariam o ato de liquidação controvertido nos presentes autos.

11.   Ora, alega a Requerente que «caso a Autoridade Tributária e Aduaneira pretendesse que qualquer Relatório de Inspecção fundamentasse, de facto e de direito, o acto de liquidação controvertido deveria tê-lo referido expressamente, no próprio acto de liquidação – o que não o fez.», no entanto, estamos em crer que não lhe assiste razão, porquanto,

12.   … regra geral, e não devendo ser este exceção, o ato de liquidação é, nestes casos, o resultado das averiguações e conclusões a que a AT chegou no âmbito da ação de inspeção tributária levada a cabo à contabilidade e escrita da Requerente, para os exercícios de 2011, 2012 e 2013, …

13.   … algo aliás, para o que no caso em concreto, a Requerente foi alertada, quando notificada do Relatório de Inspeção – o que ocorreu, segundo a mesma, através do Ofício datado de Dezembro de 2015 n.º…, de 20 de Abril de 2010, dos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa (Vide artigo 43.º da petição inicial) -  , que segundo refere a Requerida, na sua resposta, «a notificação do relatório menciona expressamente que dará origem à emissão de liquidações contra as quais poderá reagir via administrativa ou contenciosa.»

14.   Facto que se retira da decisão final da reclamação graciosa n.º …2016…, de 21.10.2016, junta aos autos com a petição inicial, e a qual alude que «[s]aliente-se ainda que a ora reclamante foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, por Ofício n.º…, de 30-12-2015 (Registo do CTT RD … PT). Da referida notificação consta que “A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de reação, bem como o prazo de pagamento se a ele houver lugar (cf. fls. 55 a 68 que se juntam aos presentes autos).»

15.   Com efeito, resulta da notificação do Relatório de Inspeção Tributária que foi dado a conhecer à Requerente o conhecimento dos fundamentos da liquidação, mais não seja pelos argumentos tecidos pela mesma no âmbito da reclamação graciosa que apresentou e que se encontra junta aos presentes autos com a petição inicial.

16.   Ademais, nos termos do n.º 2 do artigo 77.º da LGT, que aqui retomamos, «a fundamentação dos atos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.», algo que parece ter sido cumprido pela Requerida.

17.   Na verdade, apoiando-nos na jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, proferida no processo n.º 00731/09.0BEPNF, de 24.05.2012, segundo a qual: «I - A decisão do procedimento tributário enquanto ato definidor da posição da administração tributária perante os particulares deve obedecer aos requisitos gerais do ato administrativo (art. 123.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), no âmbito do direito tributário, tal exigência de fundamentação dimana diretamente da norma do art.º 77.º da LGT.

II - A fundamentação tem que ser expressa, clara, suficiente e congruente.

III - A fundamentação de um ato de liquidação de (…) deve ser o esteio, o suporte, por que foi efetuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la
IV - Está suficientemente fundamentado o ato de liquidação adicional se as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem, minimamente, o contribuinte, que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Fiscal a liquidar o imposto em causa.»

18.   Não convencendo, por isso, o desconhecimento das razões e respetiva fundamentação de facto e de direito constantes do Relatório de Inspeção que antecederam e suportaram o ato de liquidação controvertido.

19.   Segundo refere, paralelamente, a Requerida, de «uma leitura atenta do relatório final permite conhecer os factos concretos e as razões de direito de levaram a concluir pela necessidade das correcções controvertidas (…) não [sendo] por conseguinte verdade que a AT “limita-se a elencar meros juízos conclusivos, uma vez que estes decorrem de uma análise detalhada e devidamente documentada pela inspeção tributária.»

20.   Ora, a verdade é que a Requerente alega, de facto, que a AT «limita-se a elencar meros juízos conclusivos», concretizando, no artigo 60.º da douta petição inicial que: «(…) os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, limitam-se a afirmar que a diferença entre os valores depositados nas contas bancárias e os valores declarados para efeitos fiscais constitui rendimento omitido das declarações fiscais.» e que, não compreende por que razão é feita a imputação de tais rendimentos omitidos ao último mês do ano de 2013.

21.   No entanto, de referir que estando em causa a retenção na fonte-IRS[1] – que se trata de um imposto periódico, anual, o qual é, aliás, nesta situação, tributado a taxa liberatória, como bem refere a Requerente, a taxa de tributação é a mesma ao longo do ano de 2013, independentemente de a mesma se referir ao mês de Janeiro ou de Dezembro desse ano, mormente porque não houve qualquer alteração da taxa nesse ano.

22.   Assim, a imputação de rendimentos omitidos, em sede de IRS, quer tenha ocorrido em Janeiro, Março, Agosto ou Dezembro não releva para efeitos de tributação, porquanto, e conforme refere a Requerida, o imposto é devido por referência ao momento da prestação do serviço e não ao do seu pagamento.

23.   Assim sendo, entende o presente tribunal arbitral que foram respeitadas, pela AT, as normas legais acima identificadas, não se verificando o alegado vício de falta de fundamentação, dado a Requerente conhecer devidamente as razões de facto e de direito que subjazem no ato de liquidação controvertido, sendo de improceder estes alegados vícios.

 

  1. Do alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito

 

1.       Outro vício do ato de liquidação controvertido invocado pela Requerente é o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por via do qual, considera que: «a Autoridade Tributária e Aduaneira parece pretender (…) que os rendimentos em causa são enquadráveis na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS. Não é verdade que assim seja. (…) Com efeito, se a Autoridade Tributária e Aduaneira admite que as contas bancárias estão afectas à actividade, então parece curial que conclua que todos os recursos financeiros não utilizados, se encontram na esfera da Autora, não tendo sido distribuídos. O que não pode é considerar que os valores representam rendimentos omitidos pela Autora e simultaneamente lucros distribuídos.». Ademais, alude, ainda, a Requerente que «os valores apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira estão calculados em erro

2.       Em resposta defende a Requerida que «contrariamente ao alegado pela Requerente, a Autoridade Tributária se baseou nos elementos de que dispôs, para a partir de uma lógica facilmente perceptível concluir pelas correcções propostas». Tendo concluído que «a família obteve rendimentos provenientes da sociedade superiores aos declarados em sede de IRS.» Assim, considera que, «(…) decorre cristalinamente que, a partir de aproximadamente julho de 2011, a conta de F… (filho), passou a ser movimentada como se da conta da Sociedade se tratasse, (…)Tendo em conta isto, foi feito um cálculo simples, (…) no qual se deduziu aos depósitos nas contas efectuados, os rendimentos declarados, quer pela sociedade quer pelo seu sócio G… (Pai), para concluir, visto outros rendimentos não existirem no agregado, pelo que se consideram rendimentos omitidos. E, estes foram imputados à sociedade, tendo em conta as declarações referidas, os descritivos das transferências apurados na investigação, a utilização da sociedade para a prestação de serviços por parte do sócio G… e o facto de este não manter a separação patrimonial.»

3.       Ora, atendendo à matéria de facto dada como provada, nomeadamente nos pontos F a R, podemos constatar, por um lado, que os sócios gerentes da sociedade Requerente utilizavam a conta bancária titulada pelo seu filho, F…, sediada no I… identificada em M. supra dos factos dados como provados, como que se da sociedade se tratasse,

4.       … nela se creditando os valores pagos pelos clientes da Requerente, e os rendimentos auferidos pelo sócio gerente em função da sua atividade enquanto explicador, e

5.       … dela se debitando os montantes necessários para fazer face às suas próprias obrigações.

6.       Na verdade, face a esta situação de “promiscuidade financeira” é crível e razoável concluir que não havia uma separação patrimonial entre os valores recebidos pela Requerente e os auferidos pelo sócio gerente, o qual poderia dispor dos mesmos como entendesse, atento que só ele movimentava a conta bancária em apreço.

7.       Assim sendo, e como refere a Requerida «foi feito um cálculo simples, no qual se deduziu aos depósitos nas contas efectuados, os rendimentos declarados, quer pela sociedade quer pelo seu sócio G… (Pai), para concluir, visto outros rendimentos não existirem no agregado, pelo que se consideraram ser os rendimentos omitidos». Omissão essa que a Requerida considerou «dada a divergência entre os montantes depositados nas contas bancárias e os rendimentos declarados, bem como o sucessivo apuramento de prejuízos fiscais.»

8.       Ora, prevê o n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS que «Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos ou outros rendimentos tributados noutras categorias.»

9.       Mais dispondo a alínea h) do n.º 2 do mesmo artigo 5.º que: « Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem designadamente: h)os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares, adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º.»

10.   Ora, considerando que a Requerida, no âmbito da ação de inspeção que levou a cabo, apurou rendimentos no montante de € 45.210,81 “para os quais não existe justificação da sua utilização no âmbito da actividade da empresa, sendo que permaneceu na esfera jurídica dos titulares das contas bancárias “, tendo em conta, segundo afirma a Requerida, os cálculos demonstrados no Relatório de Inspeção Tributária, nomeadamente, o valor total de entradas nas contas bancárias e os pagamentos contabilizados pela sociedade, e que desse valor apenas foram declarados rendimentos da categoria B no montante de € 35.903,75, conforme alude a Requerida, é claro e evidente que houve valores omitidos na esfera jurídica da família que a Requerente não contrariou de forma particular.

11.   Assim sendo, a conclusão que a Requerida retira no sentido de que «os rendimentos apurados depositados nas contas bancárias e que permaneceram na esfera jurídica da família, foram auferidos pelos sócios-gerentes» constituem rendimentos de capitais investidos na sociedade, por adiantamento de lucros nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS, é plausível, mormente, porque, realce-se, tal situação não foi contrariada de forma específica e particular, demonstrativa do contrário, pela Requerente.

12.   Na verdade, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte, nos termos dos artigos 98.º e 101.º do Código do IRS, à taxa liberatória prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 71.º do mesmo diploma, pelo que cabia à Requerente proceder à sua entrega ao Estado.

13.   Assim, fracassando o argumento da Requerente que a sua responsabilidade «circunscreve-se aos valores retidos e não entregues», bem como o de que «inexiste uma situação de imposto retido e não entregue, (…) Uma vez que a Autora em momento algum concebeu que tivesse pago rendimentos com as referidas características aos detentores do capital social, também não reteve qualquer valor a título de imposto (nem a qualquer outro título para ser rigoroso), para posterior entrega ao Estado. (…) não pode ser imputada à Autora responsabilidade pelo pagamento do tributo ao abrigo do artigo 28.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.»

14.   Nestes termos é, igualmente, de improceder o vício de erro sobre os pressupostos de facto alegado pela Requerente, sendo de manter as correções operadas pela Requerida. 

 

  1. Vício de violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material

 

1.      No tocante a este vício considera a Requerente que «os Serviços de Inspecção violaram o disposto no artigo 58.º da Lei Geral Tributária e no artigo 6.º do Regime Complementar de Inspecção Tributária, violação essa que, dado o seu contributo nas correcções operadas que subjazem à emissão dos actos tributários em crise, não pode deixar de inquina-los e conduzir à respectiva anulação.»

2.      Refutando e contrariando a posição da Requerente, manifesta a Requerida o entendimento que «(…) todo o procedimento inspectivo que antecedeu a liquidação adicional ora impugnada, procurou a verdade material, tendo os Serviços de Inspecção Tributária realizado todas as diligências que consideraram necessárias para o seu apuramento, nomeadamente, através do cruzamento de informações e da cooperação de entidades terceiras, tendo também apreciado, fundamentadamente, os “elementos” trazidos à colação pela ora Requerente em sede de exercício, embora intempestivo, do direito de audição.»

3.      Acrescenta, ainda, aludindo que não «resulta dos presentes autos, que a mesma tenha logrado sequer invocado um argumento, um facto ou facultado ou indicado qualquer elemento probatório que pudesse apoiar os supostos “elementos”», pelo que «[n]ão logrando a Requerente trazer qualquer meio de prova, ou qualquer indicador que pudesse sustentar as suas alegações, não se logra alcançar como é que o princípio do inquisitório pudesse levar a Requerida a “averiguar” “elementos”, que não encontravam nos factos quaisquer suporte.»

4.      Ora, prevê o artigo 58.º da LGT que «a Administração Tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.»

5.      Pois bem, no presente caso, refere a Requerente que «ao longo do procedimento de inspecção (…) a Autora sempre refutou as acusações e apresentou sucessivamente elementos que contrariam o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira», no entanto, uma vez mais, não especifica quais os argumentos e elementos de prova que apresentou para contrariar o entendimento da AT, não acrescentando nada que pudesse ser aproveito para combater a posição tomada pela Requerida.

6.      Com efeito, e conforme refere a Requerida «o princípio do inquisitório não pode ter um alcance tão alargado que substitua completamente as obrigações que recaem sobre os contribuintes, nomeadamente, de apresentarem os documentos necessários a demonstrar a sua pretensão, nos termos do artigo 74.º da LGT.»

7.      Sendo de referir quanto a esta matéria o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 0399/09, de 23.03.2010, segundo o qual: «A vigência do princípio do inquisitório não prejudica o ónus alegatório e probatório que aos interessados incumbe.»

8.      Ensina António Lima Guerreiro, in Lei Geral Tributária Anotada, Ed. Rei dos Livros, 2001, pág. 265 e 266, que o princípio do inquisitório «não é incompatível com a atribuição aos interessados dos ónus de reclamar ou recorrer dos actos da Administração que lhe sejam desfavoráveis, de instrução, consistente na obrigação da prova dos factos desfavoráveis (…) ou de alegação dos factos relevantes para a decisão do procedimento (…).»

9.       Acrescentando, ainda, quanto a esta matéria e com interesse, Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária comentada e anotada, 3.ª Edição, Setembro de 2003, Ed. Vislis, pág. 240 que «Este dever imposto à administração tributária de averiguar a verdade material não dispensa interessados particulares da obrigação de colaborarem na produção de prova, como se prevê no art.º 59.º da LGT (…) A previsão desta obrigação da administração tributária de averiguar os factos relevantes para a decisão não significa que ela tenha o ónus da prova desses factos, pois apenas a insuficiência probatória de factos constitutivos dos direitos invocados pela Administração é valorada processualmente contra ela (art. 74.º, n.º 1 LGT).»

10.   Deste modo, atendendo a que, segundo a Requerida, no âmbito da acção de inspecção, os Serviços realizaram várias diligências para a descoberta da verdade material, nomeadamente através do cruzamento de informação e da cooperação de entidades terceiras, nos termos do artigo 63.º da LGT, tendo chegado às correcções levadas a cabo e que originaram o ato de liquidação controvertido, sem que, contudo a Requerente tenha dado o seu contributo para a mesma, com a disponibilização de elementos de prova concretos, entende o presente tribunal arbitral que é de improceder o alegado vício de violação do princípio do inquisitório e da verdade material.

 

  1. Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

 

1.       Alega, ainda e complementarmente, a Requerente a Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios mencionando que «foi notificada do acto de liquidação que inclui a liquidação de juros compensatórios,» sendo que deste «acto apenas consta a base de cálculo, a taxa e o período considerado (…)» no entanto, dele não consta «qualquer menção aos motivos essenciais pelos quais tais juros podem e foram liquidados.» Na verdade, considera a Requerente que «em nenhum momento, no acto notificado e ora em crise, a Autoridade Tributária e Aduaneira logrou demonstrar, ou sequer invocar, os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios, nem sequer invocando qualquer disposição legal ao abrigo da qual actue.» nomeadamente a culpa do contribuinte no alegado retardamento da liquidação de imposto.

2.       Mais refere, a Requerente, que «(…) não contendo o Relatório Final de Inspecção Tributária qualquer referência a juros compensatórios, não foi dada à ora Autora a oportunidade participar, em sede de audição prévia na decisão de liquidação dos mesmos juros», assim, «(…) não cuidou de salvaguardar nem a letra nem a ratio das disposições combinadas dos artigo 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, 60.º, n.º 1, alíneas a) e e), e 3 da Lei Geral Tributária e 45.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, actuando de forma ilegal e unilateral, o que, não podendo e não devendo ser desconsiderado, determina a preterição de uma formalidade legal essencial, com as inerentes consequência a nível da validade do acto tributário em crise

3.       Quanto a este aspeto, defende a Requerida que «fundamentação da liquidação de juros compensatórios decorre das correcções efectuadas pela AT que o Requerente liquidou imposto em montante inferior ao legalmente devido, sendo imputável ao contribuinte o retardamento na entrega do imposto, nos termos do n.º 1 do artigo 35.º da LGT.» Ademais, «no caso em apreço, verificou-se que a Requerente não cumpriu o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRC», concluindo pela improcedência, também, deste vício.

4.       Os juros compensatórios têm a sua previsão no artigo 35.º da LGT, o qual dispõe que. «são devidos juros compensatórios, quando por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido (…)».

5.       Ora, no caso em concreto, sendo a Requerente uma sociedade, ou seja, uma pessoa coletiva, estava adstrita à previsão do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, segundo o qual: «consideram-se rendimentos resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: a) os relativos a vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens;».

6.           Assim sendo, a não declaração de rendimentos, entretanto, apurados pela AT no decurso da ação de inspeção à contabilidade da Requerente, e sobre o qual foi liquidado imposto, permite a cobrança, pela AT, de juros compensatórios, nos termos do referido artigo 35.º da LGT, mormente porque tal comportamento é imputável ao sujeito passivo.

7.       Conforme refere o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 06670/13, de 17.10.2013:

«1. Os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.83, do C.P.T.; artº.35, da L.G.T.). Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de imposto, resulta hoje, com evidência, do preceituado no artº.35, nº.8, da L.G.T.

2.    A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:

a-Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou

b-Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou

c-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou

d-Reembolso superior ao devido;

e-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;

f-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa.

3.    No artº.35, nº.10, da L.G.T., mais se consagra que a taxa dos juros compensatórios é a taxa dos juros legais fixada nos termos do artº.559, nº.1, do C.Civil, sendo actualmente de 4% (taxa fixada pela portaria 291/2003, de 8/4, em vigor desde 1/5/2003).

4.    Nos termos do artº.35, nº.9, da L.G.T., na liquidação de juros compensatórios devem ser discriminados os montantes da dívida de imposto e dos juros, explicando-se com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos actos lesivos, constitucionalmente imposto (cfr.art.268, nº.3, da C.R.P.).

5.    O conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará:

a-A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;
b-Os termos inicial e final da contagem dos juros;

c-A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros;

d-A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;

e-A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a actuação culposa do contribuinte.»

8.       Alude, ainda, a Requerente, em prol da sua posição, que «não contendo o Relatório Final de Inspecção Tributária qualquer referência a juros compensatórios, não foi dada à ora Autora a oportunidade participar, em sede de audição prévia na decisão de liquidação dos mesmos juros», sem que, contudo, lhe assista razão.

9.       Pois, conforme se retira do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0675/11, de 16.05.2012:

«I - Tendo o contribuinte, no decurso de uma acção de fiscalização, sido notificado, nos termos do art. 60.º da LGT, do projecto de conclusões do relatório de inspecção, sendo ouvido numa das fases do procedimento inspectivo, não tem que ser de novo ouvido antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos em relação aos quais ainda não tenha tido oportunidade de se pronunciar.

II - É o que resulta do disposto no n.º 3 do art. 60.º da LGT, na redacção do n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, como é o que resultava já da anterior redacção do art. 60.º da LGT, sendo que o referido n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 16-A/2002, tal como o legislador consignou no n.º 2 daquele artigo, tem natureza interpretativa.

III - A liquidação de juros compensatórios não constitui “facto novo” para os efeitos referidos em I.»

10.    Pelo que será de improceder, igualmente, o vício de ilegalidade dos juros compensatórios face às razões de facto e de direito expostas.

 

  1. vício de Ilegalidade da decisão da reclamação graciosa

 

1.       Por último, alega, a Requerente o vício de Ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, referindo, por um lado, «[a]o manter-se na ordem jurídica, os actos de liquidação contestados, a Senhora Chefe de Divisão agiu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo que vícios imputados aos actos de liquidação se transmitem à própria decisão que os mantém»,  e por outro lado, «(…) verifica-se que a Senhora Chefe de Divisão não se pronuncia sobre todas as questões suscitadas pela Autora, assim violando o disposto no artigo 56.º da Lei Geral Tributária.», para arrematar no sentido de que «(…) o referido Despacho da Senhora Chefe de Divisão deve ser anulado porque praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 135.º do CPA).».

2.       Responde, contudo, a Requerida mencionando que «[q]uanto à pretendida ilegalidade da decisão que indeferiu a reclamação graciosa em apreço, deve a mesma ser julgada improcedente por todas as razões de facto e de direito que supra se aludiu

3.        Vício e argumento que o presente tribunal arbitral entende improceder face às razões de facto e de direito acima enunciadas, por não se verificar nenhum dos vícios que inquinaria a decisão no sentido de indeferimento da reclamação graciosa, legitimando-se, assim, por legal, o ato de liquidação retenção na fonte-IRS - e respetivos juros compensatórios, referentes ao exercício de 2013, aqui controvertido.

 

DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide-se manter na ordem jurídica os actos de liquidação de retenção na fonte-IRS – referente ao exercício de 2013, no montante de € 2.605,98 (dois mil, seiscentos e cinco euros e noventa e oito cêntimos) e juros compensatórios no montante de € 200,48 (duzentos euros e quarenta e oito cêntimos), tudo num total de € 2.806,46 (dois mil oitocentos e seis euros e quarenta e seis cêntimos).

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 2.806,46 (dois mil, oitocentos e seis euros e quarenta e seis cêntimos), nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerente de acordo com o art.º 12, n.º 2 do RJAT, do art.º 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, de acordo com o que se fixam no montante de € 612,00.

  

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de dezembro de 2017

 

***

O Árbitro

 

 

 

(Jorge Carita)



[1] Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) é um imposto periódico, porquanto os factos ou situações que dão origem ao imposto se repetem, no tempo, com carácter de continuidade.