Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 53/2017-T
Data da decisão: 2017-07-17  IUC  
Valor do pedido: € 296,06
Tema: IUC – Incidência subjetiva
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A… S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, …, …-… Lisboa, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra os atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos do indeferimento de reclamações graciosas e, consequentemente, contra os atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos aos anos de 2013 e 2014 e aos veículos automóveis identificados pelo respetivo número de matrícula em lista e documentos anexos ao pedido (Anexo A), cuja anulação solicita. Como consequência da referida anulação, requer a condenação da Administração Tributária ao reembolso da importância que considera indevidamente paga, no montante global de € 269,06, sendo € 257,36 de imposto e € 11,70 de juros compensatórios, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 16-01-2017, alega a Requerente, em síntese, que tendo oportunamente apresentado reclamações graciosas contra as liquidações de IUC em causa foram as mesmas indeferidas, igual sorte assistindo aos recursos hierárquicos oportunamente interpostos daquelas decisões.

 

3. Como fundamento das referidas reclamações e subsequentes recursos hierárquicos das decisões sobre as mesmas proferidas, a Requerente invoca o facto de não ser o sujeito passivo da obrigação de IUC referente aos períodos de tributação e veículos a que respeitam as liquidações impugnadas.

 

4. De acordo com o alegado pela Requerente, os referidos veículos, embora se encontrassem registados em seu nome à data a que se reportam os factos tributários a que respeitam aquelas liquidações, encontravam-se já alienados a terceiros, na sequência de opção de compra exercida pelos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira.

 

5. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da Requerida.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-01-2017.

 

7. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 13-03-2017.

 

8. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

9. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28-03-2017.

 

10. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

11. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

12. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas questões prévias ou  exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito, encontrando-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

13. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, designadamente do processo administrativo, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

14. Não se suscitando dúvidas quanto à fixação dos factos devidamente comprovados em face de prova documental e considerando estar em causa exclusivamente matéria de direito, o Tribunal decidiu prescindir da prova testemunhal.

 

II. Matéria de facto

 

15. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base na prova documental junta aos autos, se consideram provados:

 

15.1. A Requerente é uma instituição de crédito que, no âmbito do seu objeto social, pratica todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos aos bancos.

 

15.2. De entre as suas áreas de atividade, assume especial relevância o financiamento ao setor automóvel sendo que uma parte substancial da sua atividade se reconduz à celebração de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.

 

 15.3. Para o efeito, a ora Requerente adquire as viaturas indicadas pelos clientes aos respetivos fornecedores procedendo, de seguida, à sua entrega aos locatários.

 

15.4. Durante o período estipulado no contrato, estes locatários mantêm o gozo temporário do veículo — que permanece propriedade da Requerente —, mediante remuneração a entregar à Requerente sob a forma de rendas; podendo vir a adquirir o veículo, no termo do contrato, mediante o pagamento de um valor residual.

 

15.5. Os veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas, identificados em lista anexa ao pedido de pronúncia arbitral (Anexo A), foram entregues aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira.

 

15.6. Todos os locatários adquiriram, no termo do respetivo contrato, o veículo automóvel sobre o qual o mesmo incidia, mediante o pagamento do correspondente valor residual, conforme se comprova pelas respetivas faturas de venda (Docs. nº 9 a 12).

 

15.7. Relativamente aos veículos automóveis, identificados no referido Anexo A pelo respetivo número de matrícula, e aos períodos de tributação de 2013 e 2014, a Administração Tributária efetuou liquidações oficiosas de IUC, acrescido de juros compensatórios, no montante global de € 269,06.

 

15.8. Notificada das referidas liquidações a ora Requerente efetuou o pagamento voluntário do imposto (Cf. Docs. 1 a 4).

 

15.9. Todavia, reagiu contra os referidos atos de liquidação através de reclamações graciosas em que, no essencial, alega não ser o sujeito passivo da obrigação de imposto porquanto, à data da ocorrência dos respetivos factos geradores, os veículos a que aqueles respeitam se encontravam já transmitidos aos respetivos locatários, por exercício por estes de opção de compra ao abrigo de contratos de locação financeira.

 

15.10. As reclamações apresentadas, conforme decorre dos elementos que integram o presente processo, foram objeto de indeferimento expresso.

 

15.11. Das referidas decisões foram interpostos recursos hierárquicos, também indeferidos na sua totalidade.

 

16. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Cumulação de pedidos

 

17. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IUC. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à cumulação de pedidos.

 

IV. Matéria de direito

 

18. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade de atos de indeferimento expresso de recursos hierárquicos interposto de decisões de indeferimento de reclamações graciosas e, em consequência, a legalidade dos atos de liquidação de IUC, relativos aos períodos de 2013 e 2014 e aos veículos que identifica em relação anexa ao pedido (cfr. Anexo A), invocando a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, os mesmos se encontrarem já transmitidos aos respetivos locatários na sequência de exercício, por estes, de opção de compra ao abrigo de contratos de locação financeira, e, consequentemente, não assumir a qualidade do sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

19. Está, pois, em causa determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e períodos a que o tributo respeita, devidamente identificados em anexo ao pedido, por, à data da exigibilidade do tributo, se encontrarem já transmitidos a terceiros.

 

20. Relativamente a este matéria, dispõe o artigo 3.º do CIUC, nos seus números 1 e 2, na redação vigente à data dos factos em análise, que:

 

"1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes co reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação"

 

21. Segundo entendimento da Requerida, a referida norma não comporta qualquer presunção legal, considerando que "O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1, quem são os sujetos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas n.º 2 as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

22. Por seu lado, sustenta a Requerente que aquela norma consagra uma presunção legal, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária segundo o qual as presunções de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

23. Esta matéria tem vindo a ser objeto de numerosas decisões no âmbito dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, em geral no sentido da procedência dos respetivos pedidos, com o fundamento de que a norma em causa, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, encerra uma presunção legal que admite prova em contrário.[i]

 

24. Aderindo, pois, à posição acima referida, dispensa-se, por desnecessária e fastidiosa, a reprodução da respetiva fundamentação, porquanto no presente processo nada de novo se adianta nessa matéria.

 

Da elisão da presunção

 

25. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem.

 

26. No presente caso, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, pelo que o presente pedido de decisão arbitral, na sequência de indeferimento pedido de revisão oficiosa e de subsequente recurso hierárquico, é meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui objeto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do RJAT).

 

27. Figurando a Requerente no registo automóvel como proprietária dos veículos identificados no pedido nos períodos de tributação a que as questionadas liquidações respeitam e alegando a mesma que os mesmos se encontravam já transmitidos aos locatários por exercício, por estes, de opção de compra ao abrigo de contratos de locação financeira, resta avaliar-se a prova apresentada, no sentido de se determinar se é a mesma bastante para ilidir a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código.

 

28. Para ilidir a presunção derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente oferece, como meio de prova, a faturação emitida com referência à transmissão dos veículos a que respeitam as liquidações questionadas (Docs. n.º 9 a 12).

 

29. Pronunciando-se sobre a prova documental apresentada, alega a Requerida que “por força do disposto no artigo 3.º, n.º 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.º do mesmo Código, era a Requerente, na qualidade de proprietária constante da Conservatória do Registo Automóvel, o sujeito passivo do IUC.” Pelo, que, segundo entende, “todo o raciocínio propugnado pela Requerente se encontra eivado de erro, não sendo possível ilidir a presunção legal estabelecida”.

 

30. No entanto, acrescenta a Requerida que “ainda que assim não se entenda – o que somente por mera hipótese académica se admite – e aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência já entretanto firmada neste centro de arbitragem, importará ainda assim, apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão.”

 

31. Impugnando os documentos n.ºs 9 a 12 juntos pela Requerente, sustenta a Requerida que “As faturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes”

 

32. Neste sentido, argumenta a Requerida, que “

 

- As regras do registo automóvel (ainda) não chegaram o ponto de uma factura unilateralmente emitida pela Requerente poder substituir o Requerimento de Registo Automóvel, aliás documento aprovado por modelo oficial;

 

A inequívoca declaração de vontade dos pretenso adquirente poderia ser indiciada mediante a junção de cópia do referido modelo oficial para registo da propriedade automóvel, pois trata-se de documento assinado pelas partes intervenientes;

 

- Porém, a Requerente, não juntou cópia do referido modelo oficial para registo da propriedade automóvel quando podia e devia tê-lo feito ou seja, no requerimento do pedido de pronúncia arbitral, encontrando-se precludida a possibilidade de o fazer em momento ulterior...

 

 32. Para além da posição de fundo que expressa quanto à insuficiência das faturas comerciais para afastar a presunção de incidência do IUC, a Requerida questiona o valor probatório dos documentos apresentados pela Requerente, nos seguintes termos:

 

“ Mais: no que tange ao valor ou força probatória das faturas corporizadas nos Documentos 9 a 12 juntos à p.i. levantam-se sérias dúvidas sobre a sua veracidade, tais são as discrepâncias que apresentam, podendo-se especular que a sua junção constituirá uma tentativa apressada para demonstrar uma realidade inexistente, senão vejamos:

 

Em primeiro lugar, as “faturas” pretensamente referentes às vendas dos veículos com as matrículas n.º …-…-… e n.º…-… -… não possuem sequer os requisitos legalmente exigidos para serem considerados faturas.

 

Com efeito, aqueles documentos NÃO contêm sequer:

- A firma ou denominação do pretenso vendedor;

-  O número de identificação fiscal do pretenso vendedor; e

-  A sede social do pretenso vendedor.

 

Frisa-se: inexiste uma referência mínima ao Requerente e/ou a qualquer seu elemento identificativo!

 

Por palavras mais simples: não se sabe quem pretensamente vendeu a viatura.

 

Em segundo lugar, e em decorrência direta do que se acaba de expor, uma coisa é desde já certa: face à ausência dos requisitos legalmente exigidos para as faturas (cfr. artigo 36.º/5 do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado), forçoso é concluir que as “faturas” acabadas de elencar JAMAIS podem beneficiar da presunção de verdade a que alude o artigo 75.º da LGT.

 

Pelo contrário, as assinaladas omissões e incongruências entre os factos alegados e o documento em causa são de tal ordem que se levantam sérias dúvidas sobre a sua veracidade, podendo-se especular que a sua junção constituirá uma tentativa apressada para demonstrar uma realidade inexistente, face àquilo que acima se evidenciou.”

 

33. Como bem se extrai da posição da Requerida quanto à prova produzida, esta, em termos gerais, seria insuficiente para afastar a incidência tributária definida com base da propriedade, tal como consta do registo, que, em coerência com a posição de fundo por ela assumida, apenas seria afastada em função de atualização, atempada, do próprio registo.

 

34. Não sendo esse o entendimento do tribunal, importa avaliar a prova produzida pela Requerente no sentido de se determinar se é esta bastante para ilidir a presunção derivada do registo automóvel que, no plano da incidência subjetiva, é acolhida para efeitos do IUC.

 

35. Para tanto, importa ter-se presente que, na situação em análise, se está perante contratos de compra e venda que, relativos a coisas móveis e não estando sujeitos a qualquer formalismo especial (C. Civil, art. 219.º), operam a correspondente transferência de direitos reais (C. Civil, art. 408.º, n.º 1).

 

36. Tratando-se de contratos que envolvem a transmissão da propriedade de bens móveis, mediante o pagamento de um preço, têm aqueles, como efeitos essenciais, entre outros, o de entregar a coisa (C. Civil, arts. 874.º e 879.º).

 

37. No entanto, estando em causa um contrato de compra e venda que tem por objeto um veículo automóvel, em que o registo é obrigatório, o seu cumprimento pontual pressupõe a emissão da declaração de venda necessária à inscrição no registo da corresponde aquisição a favor do comprador, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.[ii] Tal declaração, relevante para efeitos de registo, poderá constituir prova da transação, mas não constitui o único ou exclusivo meio de prova da transação. 

 

38. Para efeitos registrais, também não é exigível qualquer formalismo especial, bastando a apresentação à entidade competente de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor que, através de declaração de venda, confirma que a propriedade do veículo foi por aquele adquirida por contrato verbal de compra e venda (vd. Regulamento do Registo Automóvel, art. 25.º, n.º 1, alínea a).

 

39. Não obstante serem estas as regras decorrentes das disposições da lei civil, relativas ao informalismo da transmissão de coisas móveis e, sendo o caso, do respetivo registo, não pode deixar de ter-se também presente que, na situação em análise, estamos perante transações comerciais, efetuadas por uma entidade empresarial no âmbito da atividade que constitui seu objeto social.

 

40. Nesse âmbito, a empresa está vinculada ao cumprimento de normas contabilísticas e fiscais específicas, em que a faturação assume especial relevância.

 

41. Desde logo, por força de normas fiscais, a entidade transmitente dos bens está obrigada a emitir uma fatura relativamente a cada transmissão de bens, qualquer que seja a qualidade do respetivo adquirente (CIVA, art. 29.º, n.º 1, alínea b).

 

42. Também de acordo com o disposto em normas tributárias, a fatura deve obedecer a determinada forma, detalhadamente regulada nos artigos 36.º do Código do IVA e artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19/06.

 

43. É com base nesse documento emitido pelo fornecedor dos bens que o adquirente, quando se trate de um operador económico, irá deduzir o IVA a que tenha direito (CIVA, art. 19.º, n.º 2) e contabilizar o gasto da operação (CIRC, arts. 23.º, n.º 6 e 123.º, n.º 2).

 

44. Por seu lado, é também com base na faturação emitida que o fornecedor dos bens deverá contabilizar os respetivos rendimentos, conforme decorre do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC.

 

45. Desde que emitidas na forma legal e constituam elementos de suporte dos lançamentos contabilísticos em contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, os dados que delas constem são abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

 

46. Com efeito, a referida presunção abrange não só os livros e registos contabilísticos, mas também os respetivos documentos justificativos, conforme, de resto, constitui entendimento pacífico da própria administração tributária [iii] e da jurisprudência firmada dos tribunais superiores [iv]

 

47. A presunção de veracidade das faturas comerciais emitidas nos termos legais pode, porém, ser afastada sempre que as operações a que se referem não correspondam à realidade, bastando, para tanto, que a Administração Tributária recolha e demonstre indícios fundados desse facto (LGT, art. 75.º, n.º 2, al. a).[v]

 

48. Considerada, pois, a relevância atribuída pela legislação tributária às faturas emitidas, nos termos legais, pelas empresas comerciais no âmbito da sua atividade empresarial e a presunção de veracidade das operações por elas tituladas, não pode deixar de considerar-se que as mesmas constituem, só por si, prova bastante das transmissões invocadas pela Requerente.

 

49. Porém, como bem assinala a Requerida, algumas das cópias de faturas apresentadas pela Requerente, como é o caso das que se destinam a comprovar a transmissão dos veículos com as matrículas …-…-… e …-… -… não preenchem os requisitos de forma exigíveis pela lei fiscal. Com efeito, das mesmas não constam a identificação – designação social e número de identificação fiscal – do transmitente.

 

50. Não se mostrando preenchidos os requisitos de forma exigíveis não pode considerar-se ilidida a presunção decorrente do registo automóvel com referência aos veículos referidos, a que respeitam as liquidações números … e … .

 

51. Relativamente às restantes faturas, emitidas na forma legal, considera-se constituírem prova bastante da transmissão do direito de propriedade dos veículos com as matrículas …-… -… e …-…-… em data anterior à da exigibilidade do imposto a que respeitam as liquidações números … e…, relativas ao período de imposto de 2013.

 

52. Nestes termos, considera-se ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, relativamente aos veículos e períodos a que se reportam as liquidações referidas no ponto anterior.

 

 

 

 

 

Pedido de juros indemnizatórios.

 

53. A par da anulação das liquidações, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

54. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

55. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

56. No presente caso, ainda que se reconheça não ser devido, em parte, o imposto pago pela Requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando-se, em consequência, o respetivo reembolso, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito a favor do contribuinte.

 

57. Com efeito, ao promover a liquidação oficiosa do IUC considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a AT limitou-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

 

58. Por outro lado, também como já se concluiu, a referida norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a AT, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo a essas pessoas, sem necessidade de provar os factos que a ela conduz, conforme expressamente prevê o n.º 1 do artigo 350.º do C. Civil.

 

59. Todavia, relativamente às liquidações que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, importa saber se o ato de indeferimento da pretensão da ora Requerente, formulada na reclamação graciosa oportunamente interposta, configura, ou não, erro imputável à Administração Tributária para efeitos da exigibilidade de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

60. Nesta matéria tem-se em atenção a orientação decorrente da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que vai no sentido de reconhecer que uma decisão da Administração Tributária que indefere um pedido de anulação de liquidação reconhecidamente ilegal e consequente restituição de tributo indevidamente cobrado, constitui erro imputável aos serviços.

 

61. Segundo a mencionada jurisprudência – vertida em douto acórdão de 28-10-2009, no proc. n.º 601/09 – são devidos juros indemnizatórios a partir da data do indeferimento da reclamação até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do artigo 61.º do CPPT.

 

62. Acolhendo-se a orientação referida, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios com referência às liquidações a que se referem os autos e que, pela presente decisão, constituem objeto de anulação.

 

V - Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral no que concerne à elisão da presunção de incidência subjetiva de IUC, relativamente aos períodos de 2013 e de 2014 aos veículos com as matrículas …-…-… e …-…-…, mantendo-se, consequentemente, as respetivas liquidações;

 

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à elisão da presunção de incidência subjetiva do IUC, relativamente aos veículos com os números de matrícula …-… -… e …-… …, a que respeitam as liquidações de IUC do período de 2013, determinando-se a sua anulação e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas.

 

c) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, mas apenas com referência às liquidações cuja anulação é determinada na presente decisão e contados a partir da data do indeferimento das correspondentes reclamações graciosas.

 

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 269,06, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 306, 00, devidas pela Requerida e pela Requerente, na proporção do respetivo vencimento: € 149,59 e € 156,41, respetivamente.

 

Lisboa, 17 de julho de 2017

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.

 

 

 



[i]  A título meramente exemplificativo, cfr. Procs.14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T, 217/2013--T, 256/2013-T, 289/2013-T, 294/2013-T, 21/2014-T, 42/2014-T, 43/2014-T, 50/2014-T, 52/2014-T, 67/2014-T6, 68/2014-T, 77/2014-T, 108/2014-T, 115/2014-T, 117/2014-T, 118/2014-T, 120/2014-T, 121/2014-T, 128/2014-T, 140/2014-T, 141/2014-T, 152/2014-T, 154/2014-T,  173/2014-T, 174/2014-T, 175/2014-T, 182/2014-T, 191/2014-T, 214/2014-T, 219/2014-T, 221/2014-T, 222/2014-T, 227/2014-T, 228/2014-T, 229/2014-T, 230/2014-T,  233/2014-T, 246/2014-T, 247/2014-T, 250/2014-T. 262/2014-T, 302/2014-T, 333/2014-T,  414/2014-T, 646/2014-T, todos disponíveis em www.caad.org.pt.

[ii]  Cfr. STJ, Acs. de 23.3.2006 e de 12.10.2006, Procs. 06B722 e 06B2620.

[iii] Cfr. Parecer do Centro de Estudos Fiscais, homologado por despacho do Diretor-Geral dos Impostos, de 2 de Janeiro de 1992, publicado em Ciência e Técnica Fiscal n.º 365.

[iv] Cfr. STA, Ac. de 27.10.2004, Proc. 0810/04, TCAS, Ac. de 4.6.2013, Proc. 6478/13 e TCAN, Ac. de 15.11.2013, Proc. 00201/06.8BEPNF, entre outros.

[v] Cfr. STA, Acs. de 24.4.2002, Proc. 102/02, de 23.10.2002, Proc. 1152/02, de 9.10.2002, Proc. 871/02, de 20.11.2002, Proc. 1428/02, de 14.1.2004, Proc. 1480/03, entre muitos outros.