Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 7/2023-T
Data da decisão: 2023-07-20  IMT  
Valor do pedido: € 27.500,00
Tema: Isenção de IMT para jovens agricultores. Anulação de ato constitutivo de direitos.
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SUMÁRIO:

  1. O Requerente, após liquidar IMT pela compra de prédio rústico, apercebeu-se de que podia beneficiar de isenção daquele imposto por se tratar de jovem agricultor, ao abrigo do artigo 6º do CIMT.
  2. Nesta conformidade requereu à AT devolução do imposto entretanto pago e a concessão da competente isenção.
  3. O SF de ..., no âmbito de processo de apreciação de reclamação graciosa, deferiu a pretensão do Requerente e devolveu em 30-4-2019 o valor do IMT entretanto suportado.
  4. A AT em 2022-11-25 emitiu uma liquidação oficiosa de IMT relativa a tal transmissão por entender que (i) os atos praticados pelo chefe do SF de ... eram inválidos, por ilegais e (ii) por entender que o pedido de isenção não podia ser deferido por ser extemporâneo.
  5. Todavia, no termos do artigo 168, nº 2 do novo CPA, o prazo para anular um ato constitutivo de direitos – como, no entender do Tribunal, é o caso – era de um ano e, como se viu no número anterior, tal prazo já se encontra largamente excedido.
  6. Nesta medida, é entendimento do Tribunal que o ato da AT é ilegal, sendo, por consequência, anulado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO

1- A..., NIF..., solteiro, maior, agricultor, morador na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., pertencente à área do serviço de Finanças de ..., não se conformando com a liquidação oficiosa do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (a partir de agora apenas IMT) efetuada nos termos do artigo 38.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (partir de agora apenas CIMT), com o n.º..., de 2022-11-25, relativa à transmissão onerosa do prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de Moura, inscrito na respetiva matriz sob  o n.º..., Secção A, vem requerer a constituição de tribunal arbitral com vista a dirimir o litígio entre ele e a Administração Tributária e Aduaneira,  que visa a declaração de invalidade da mencionada liquidação oficiosa, no montante de 27.500,00€, por ilegalidade dos pressupostos, com fundamento no disposto na alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.  (doc.º 1).

 

2-O Requerente apresentou os seus argumentos em sede de audiência prévia, os quais, contudo, não mereceram acolhimento, pelo que em 08-09-22 a AT indeferiu o benefício fiscal entretanto concedido ao Requerente, tendo este recorrido hierarquicamente em 08-10-22 para o Ministro das Finanças, recurso esse que foi também indeferido em 15-12-2022, por despacho do Sudiretor-Geral da AT por subdelegação de competências e é esse despacho que determina o pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

3- O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 2023-01-04 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificada à AT.

 

4 – O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do artigo 6º, nº 2 alínea a) e do artigo 11º, ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação do signatário como árbitro do tribunal singular, facto que as partes não contestaram, tendo o Tribunal sido constituído em 13-03-2023.

 

I.1- OS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO DAS PARTES

I.1.2- DO REQUERENTE

 

1-O requerente é agricultor, tendo nessa qualidade apresentado uma candidatura à primeira instalação como “jovem agricultor” no PDR 2020-...-..., submetida em 24-07-2015 e que foi aprovada em 03-11-2016 pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo, Operação 3.2.1-investimento na Exploração Agrícola e Operação 3.11 - Jovens Agricultores. (comprovação no processo administrativo - processo de isenção n.º 2018...)

 

2-No âmbito dessa operação, por escritura pública de 16-11-2017, celebrada no Cartório Notarial de ..., o requerente disse que comprava a B... que, autorizado pela mulher, C..., disse que lhe vendia, o prédio rústico denominado “...”, sito no lugar e freguesia de ..., concelho de Serpa, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...-..., inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o art.º..., Secção A (a partir de agora apenas “prédio”).

 

3-O comprador, ora requerente, declarou, em 16-11-2017, no Serviço de Finanças de ... a aquisição para efeito de liquidação do IMT correspondente à aquisição referida no n.º anterior, a que correspondeu o registo n.º 2017/..., em que se baseou a liquidação do imposto, no valor de € 27.500,00, pago em 16-11-2017 através do DUC ... (SF .../...).

 

4- O requerente, alertado que na aludida aquisição poderia ter o benefício de isenção de IMT, por ser jovem agricultor e a aquisição que serviu de base à liquidação do imposto se inscrever na primeira instalação nessa qualidade de jovem agricultor, em requerimento dirigido ao Senhor Ministro das Finanças, entrado no Serviço de Finanças de ... em 09-02-2018 (entrada n.º ...), requereu o reembolso da referida quantia de € 27.500,00, paga a título de IMT, fundamentando o pedido na circunstância da aquisição ter sido feita no âmbito da instalação como jovem agricultor ao abrigo do mencionado projeto que apresentou às entidades competentes do Ministério da Agricultura, que o aprovaram.

 

5- O pedido de reembolso fundou-se na isenção prevista no art.º 6.º, al. j) do CIMT, que prescreve o gozo desse benefício para “As aquisições de prédios rústicos que se destinem à primeira instalação de jovens agricultores candidatos aos apoios previstos no Decreto-Lei n.º 81/91, de 18 de Fevereiro, ainda que operadas em épocas diferentes, até ao valor previsto no artigo 9.º, independentemente do valor sobre que incidiria o imposto ultrapassar aquele limite.

 

6-Na sequência desse pedido, o Serviço de Finanças de ..., pelo ofício n.º..., de 09-02-2018, solicitou à Câmara Municipal de ... a emissão de “ ... parecer vinculativo sobre o reconhecimento do preenchimento dos requisitos previstos para a isenção de IMT, requerida ao abrigo do disposto no artigo 6.º alínea j) do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis ... “.

 

7-Fê-lo em obediência ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 10.º do CIMT, segundo os quais:

3 - As isenções a que se referem as alíneas ... j) ... do artigo 6.º só serão reconhecidas se a câmara municipal competente comprovar previamente que se encontram preenchidos os requisitos para a sua atribuição.

 4 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Direcção-Geral dos Impostos solicita à câmara municipal competente a emissão do parecer vinculativo.

 

8-Sobre o assunto, pronunciou-se a Assessoria Jurídica da Câmara Municipal de ..., em 10-05-2018, cuja informação, dando como verificada a apresentação pelo requerente, dos seguintes documentos:

 

[Contrato de Compra e Venda ... celebrado em 16/11/2017, no cartório ...., livro 30E, a fls. 82, do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo..., seção A, denominado “...”, sito na freguesia de ..., cuja aquisição ...;

  1. Ficha de identificação de Candidatura número PDR2020-...-..., submetida em 2015-07-24, e decisão de aprovação de 03/11/2016, do organismo DRAPAL, Operação 3.2.1 – Investimento na exploração agrícola, e Operação 3.11- Jovens Agricultores;

 

 

  1.  .... ;
  2. ....;
  3. ..................;
  4. Requerimento dirigido ao Ministro das Finanças a solicitar a restituição do IMT, correspondente à aquisição do prédio rústico supra identificado, apresentado no serviço de finanças de ... em 02/02/2018.],

 

9- Em reunião ordinária de 18-06-2018, deliberou, nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do CIMT, e de acordo com o parecer técnico, “ ... por unanimidade, emitir parecer favorável à isenção de IMT na aquisição do prédio rústico denominado “...”, sito na freguesia da ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., secção A.

 

10-Em 30-04-2019 a requerida reembolsou ao requerente a quantia de € 27.500,00 do IMT  por transferência para conta bancária a este último pertencente na CCAM..., C.R.L., deferindo reclamação graciosa. (processo administrativo – referido processo de isenção). Assim, em jeito de conclusão factual intercalar, pode-se assentar que a requerida, face ao pedido de isenção de IMT formulado pelo requerente na aquisição do “prédio”, e ao parecer vinculativo favorável à mesma isenção da Câmara Municipal de ..., decidiu concedê-la, deferindo reclamação graciosa, transferindo o montante correspondente ao IMT pago para conta bancária titulada pelo requerente (P.º SICAT ...2019...)

 

 11-Surpreendente e extemporaneamente, pelo ofício n.º..., de 23-02-2022, quase 3 anos depois de deferir a isenção, a AT notificou o requerente para, querendo, exercer o direito de se pronunciar em audiência prévia sobre proposta de decisão relativa ao pedido de isenção de IMT formulado em 09-02-2018, que era no sentido de indeferimento, pois entendia que,“ ... não se encontram reunidos todos os pressupostos para a concessão da isenção solicitada, porquanto o pedido de isenção foi apresentado posteriormente à liquidação do IMT, contrariando o disposto no art.º 10.º, n.º 1 do CIMT, pelo que se propõe o indeferimento do pedido de isenção efetuado ao abrigo da alínea J) do artigo 6.º do CIMT ......”

 

12-O requerente exerceu o direito de pronúncia em audiência prévia em que, fundamentalmente, pugnou pela ilegalidade e extemporaneidade do projetado indeferimento depois de, na sequência do pedido formulado, a requerida, quase há 3 anos, lhe ter devolvido o imposto liquidado e pago. Não obstante, pelo ofício da requerida ..., de 08-09-2022, o requerente foi notificado do despacho de 2022-07-14, da Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais de que “... foi indeferido o vosso pedido de isenção do IMT, ao abrigo do artigo 6.º, alínea j) do respetivo Código.

 

13-O despacho de indeferimento apropriou-se das razões aduzidas em Informação de serviços da requerida n.º ..., de2 3-05-2022, que se transcreve no que importa:

 

Estas isenções são de reconhecimento prévio, por despacho do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na sequência de requerimento dos interessados, a apresentar antes do ato ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempres antes da liquidação que seria de efetuar [artigo 10.º, n.º 1 e 7, alínea c) ambos do CIMT].

O reconhecimento da isenção depende de a câmara municipal competente comprovar previamente que se encontram preenchidos os requisitos para a sua atribuição (artigo 10.º, n.º 3 do CIMT).

 

Por força do estabelecido no n.º 2 do artigo 10.º do CIMT, o pedido de isenção, quando for cado disso, deve ser acompanhado dos documentos que demonstrem os pressupostos da isenção.

Acresce, como norma de caráter geral que, por força do previsto no artigo 13.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as isenções apenas podem ser concedidas a sujeitos passivos com situação tributária regularizada perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária e Aduaneira.”.

 

14-Notificado deste indeferimento, o requerente optou por reagir contra ele pela interposição, em 08-10-2022, de recurso hierárquico dirigido ao Senhor Ministro das Finanças, entrado na requerida no dia 11 seguinte, em que invocou a invalidade do despacho que “teria” indeferido a isenção do IMT, o qual haveria de ser indeferido por despacho de 15-12-2022.

 

15-Na pendência do recurso hierárquico interposto, o Serviço de Finanças de ..., em 25-11-2022, comunicou ao requerente, via CTT, invocando o P.º n.º ...2022..., referindo em assunto “Notificação de Decisão Final”, em processo de “Reclamação Graciosa”, que:

... no procedimento supra identificado, em 25-11- 2022 foi proferido despacho de Deferimento, pelo Chefe de Serviço de Finanças, ao abrigo de Competência própria.

Nos termos do art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), em anexo consta a fundamentação da decisão ora notificada.”  (doc.º 2).

 

16-O requerente foi notificado da decisão do recuso hierárquico por ofício datado de 15-12-2022, P.º ...2022..., “de que no procedimento de Recurso Hierárquico identificado ... , em 14-12-2022 foi proferido despacho de Indeferimento, pelo Subdiretor-geral, ao abrigo de Subdelegação de competências”  e que  “Nos termos do art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), em anexo consta a fundamentação da decisão ora notificada.” (doc.º 7)

 

17-A decisão proferida e respetiva fundamentação, que se dão aqui por integralmente reproduzidas, enunciando o objeto do processo, os pressupostos procedimentais, os factos, a apreciação que se limitou a considerar que o pedido de isenção de IMT foi formulado, em 09-02-2018, em data posterior à da aquisição, 16-11-2017, contrariamente ao que dispõe o artigo 10.º n.º 1 do CIMT, concluiu pela impossibilidade legal de vir a ser obtido o benefício fiscal que foi solicitado.

 

18-Acrescentando, ainda, que a eficácia do benefício pedido pelo requerente é dependente de reconhecimento prévio, da competência do Diretor-Geral da AT, a requerimento das entidades interessadas, gerando a violação dessa regra, de natureza procedimental, a impossibilidade de vir a ser obtido o benefício, ainda que, ao tempo, se mostrassem preenchidos os necessários pressupostos de natureza substantiva.

 

19-Da análise dos fundamentos em que se baseou a decisão de indeferimento parece legítimo concluir que a entidade que proferiu essa decisão não apreciou juridicamente a questão posta, limitando-se a dissertar sobre os pressupostos da isenção de IMT que ao caso importariam.

 

 

20-De uma coisa há a certeza: os € 27.500,00 que a requerida transferiu em 30-04-2019 para conta bancária do requerente na CCAM ..., C.R.L. foram a restituição do valor do IMT que ele pagou pela aquisição do “prédio”, resultando o reembolso de deferimento de pedido feito nesse sentido pelo requerente em reclamação graciosa.

 

21-Na Informação prestada no P.º 2018... (GESTPAT), de 09-02-2022, anexa ao ofício da requerida n.º ..., de 23-02-2022, diz-se, expressamente, que a “Liquidação do IMT foi efetuada em 2017-11-16, através do DUC n.º ... (SF .../..., no valor de € 27.500,00, que foi pago; todavia, através de reclamação graciosa (processo SICAT n.º ...2019...), aquele montante foi integralmente reembolsado.”. E confirma-o a fundamentação do despacho que indeferiu o recurso hierárquico.

 

22-É, pois, facto indesmentível que a requerida em 30-04-2019, reembolsou o requerente da quantia de € 27.500,00 correspondente ao IMT que ele liquidou e pagou pela compra do “prédio”, pela liquidação identificada pelo n.º ... . Reembolso feito em 30-04-2019 e que a requerida pretende reaver em 08-09-2022, mais de 3 anos depois.

 

23-Na verdade, o reembolso pala requerida da quantia paga pelo requerente a título de IMT, em deferimento de reclamação graciosa, representou uma conduta voluntária da requerida, entidade integrada na administração pública, que produziu efeitos concretos na esfera jurídica do requerente.

 

24-A liquidação oficiosa impugnada, traduzindo-se na revogação de um ato administrativo em matéria tributária constitutivo de direitos, fora dos condicionalismos em que é legalmente permitida (art.ºs 148.º. 165.º, n.º 1  e 167.º. n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código do Procedimento Administrativo - CPA), é inválida, por erro de direito nos pressupostos, não podendo subsistir.

 

25-A revogação dos atos tributários, prevista no art.º 79.º da Lei Geral Tributária e em vários preceitos do CPPT, não têm especificidade no campo do direito fiscal, sendo-lhe aplicável o regime constante do CPA.

 

26-O reembolso ao requerente do valor do IMT liquidado pela AT e pago configura um ato administrativo em matéria tributária constitutivo de direitos (cfr. art.º 167.º, n.º 3 do CPA), como tal, irrevogável, passados mais de 3 anos da data em que foi praticado e produziu efeitos.

 

27-Na verdade, a anulação administrativa de atos inválidos constitutivos de direitos só é possível no prazo de 1 ano após a data da sua emissão, sob pena de sanação da ilegalidade e convalidação do ato originariamente ilegal, nos termos dos art.º 163.º, n.º’s 1 e 3 e 168.º, n.º 2, ambos do CPA.

 

28-Dispositivos legais que seriam invocáveis ainda que houvesse violação do art.º 10.º, n.º 7, al. a) do CIMT, pela atribuição, em 30-04-2019, da isenção não pelo Diretor-Geral dos Impostos, mas por outro órgão ou agente integrado na requerida, pelo que pedem a declaração de invalidade da liquidação oficiosa e a manutenção da isenção concedida ao Requerente em matéria de IMT.

 

I.1.2- DA REQUERIDA

 

1-Em 2017-11-16, o requerente apresentou junto do Serviço de Finanças (SF) de..., uma declaração Modelo 1 de IMT, referente à aquisição do prédio rústico denominado “...”, sito no lugar e freguesia de ..., no concelho de Serpa, inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo ..., secção A (cf. fls. 30 do Processo Administrativo PA)

2-Esta apresentação a que correspondeu o registo n.º 2017/..., originou a emissão, na mesma data, da liquidação de IMT n.º ..., no montante de €27.500,00, a qual foi paga através do Documento Único de Cobrança (DUC)..., em 2017-11- 16 (cf. fls. 30 e 31 do PA).

3-Em 2017-11-16, através de escritura pública, o requerente celebrou um contrato de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança, através do qual adquiriu, pelo preço de 550.000,00, o referido prédio rústico, com o VPT de €148.488,57 (cf. fls. 2 a 9 do PA).

4-Em 2018-02-09, apresentou junto do SF de ..., um pedido de reconhecimento da isenção do IMT, com o fundamento na alínea j) do artigo 6.º do CIMT, referente à aquisição do referido prédio, onde solicitou a restituição do imposto pago – Processo n.º 2018... (cf. fls. 1 do PA).

 

5- Através do ofício n.º ..., de 2018-10-09, o SF de ... procede ao envio do pedido de isenção apresentado pelo requerente, em 2018-02-09, à DSIMT. (cf. fls. 19 do PA).

6-Em 2019-04-14, foi apresentado um requerimento de insistência, dirigido ao Chefe  do SF de ..., onde se solicita que, com a maior brevidade possível, se resolva a situação referente ao pedido de reembolso apresentado no SF de... em 2018-02-09 (cf. fls. 22 do PA).-Em 2019-04-19, foi restituído ao requerente o montante de €27.500,00, através de reclamação graciosa (processo SICAT n.º ...2019...) (cf. fls. 32 do PA).

7-Por Despacho de 2022-02-09, foi determinada a audição prévia do requerente quanto ao projeto de decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento da isenção do IMT apresentado em 2018-02-09, nos termos e com os fundamentos que constam da Informação n.º I2021..., da Direção de Serviços do IMT, onde se concluiu que:

 

…“não se encontram reunidos todos os pressupostos para a concessão da isenção solicitada, porquanto o pedido de isenção foi apresentado posteriormente à liquidação de IMT, contrariando o disposto no artigo 10.º, n.º 1, do CIMT, pelo que se propõe o indeferimento do pedido de isenção efetuado ao abrigo da alínea j) do artigo 6.º do CIMT” (cf. fls. 82 a 85 do PA).

 

8-Através do ofício n.º ..., datado de 2022-02-23, expedido sob correio registado RD...PT, em 2022-02-24, foi o requerente notificado do projeto de decisão (cf. fls. 86 e 87 do PA).

9-Em 2022-04-04, o requerente vem exercer direito de audição (cf. fls. 88 a 95 do PA).

10-Após análise do direito de audição, foi determinado o indeferimento do pedido, conforme despacho de 2022-07-14, da Senhora Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IMT, nos termos e com os fundamentos constantes da Informação n.º I2022...6, de 2022-05- 23, de onde resulta a demonstração da extemporaneidade do pedido sendo ainda referido, “a título adicional”, a seguinte informação:

“A isenção em apreço está cingida à matéria coletável de €92.407,00, à qual corresponde a coleta limite de €4.620,35;

 

11-Não foi solicitada a confirmação da contratualização do projeto junto do IFAP, I.P, por inútil” (cf. fls. 98 a 102 do PA).

12-Em 2022-10-08, por não se conformar com a decisão proferida, apresentou recurso hierárquico daquela, o que originou a instauração do processo SICAT n.º ...2022... (cf. fls. 107 a 111 do PA)

 13- Em 2022-11-25, foi emitida a liquidação oficiosa de IMT n.º ..., no montante de€27.500,00 e em 2022-12-14, e foi proferido despacho de indeferimento no processo de recurso hierárquico (cf. fls. 117 a 123 do PA).

 

14-Entretanto o SF de ..., após análise do requerimento apresentado, proferiu decisão de deferimento quanto ao mesmo, no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2019... .

15-No seguimento deste deferimento, foi anulada a liquidação de IMT n.º ... e restituído ao     requerente o montante pago através da referida liquidação - €27.500,00.

16-Porém, tendo-se constatado que o IMT devido pela aquisição do prédio rústico inscrito sob o artigo ... – secção A, na freguesia de ..., concelho de Serpa, era devido, face à decisão proferida no procedimento referido anteriormente que não reconheceu o direito ao benefício fiscal pedido por manifesta intempestividade, foi promovida a liquidação oficiosa de IMT n.º ... .

 

17- A alínea j) do art.º 6.º do CIMT estabelece que ficam isentas de IMT:

 

“As aquisições de prédios rústicos que se destinem à primeira instalação de jovens agricultores candidatos aos apoios previstos no Decreto-Lei n.º 81/91, de 18 de fevereiro, ainda que operadas em épocas diferentes, até ao valor previsto no artigo 9.º, independentemente do valor sobre que incidiria o imposto ultrapassar aquele limite.”

 

18-Estamos perante uma isenção de reconhecimento prévio por despacho por Despacho do Diretor –Geral dos Impostos sobre informação do serviço vide al. a) do n.º 7 do art.º 10.º do CIMT,

 

19-Não estamos perante uma isenção de reconhecimento automático, em que a sua verificação e declaração compete ao serviço de finanças onde é apresentada a declaração modelo 1 do IMT prevista no n.º 1 do art.º 19.º do CIMT.

 

20-Sendo esta uma isenção de reconhecimento prévio, significa que o procedimento se inicia mediante a apresentação de um requerimento previamente à liquidação do imposto, acompanhado dos documentos exigidos pela al. e) do n.º 2 do art.º 10.º do CIMT (documentos de candidatura aos apoios previstos no Decreto-Lei n.º 81/91, de 19 de fevereiro).

21-Contudo, deveria ter apresentado este pedido de isenção em momento anterior ao da liquidação      do imposto, ao abrigo do artigo n 6º, alínea j)

 

22- O requerente entende que o pedido de isenção foi deferido tacitamente, com a decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2019..., que anulou a liquidação de IMT n.º ...e procedeu ao reembolso do montante do imposto pago (€27.500,00), através de transferência bancária concretizada em 2019-04-30.

 

23-A anulação da liquidação de IMT n.º ... e a restituição do imposto efetuada no decurso do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2019..., não configuram um deferimento tácito do procedimento de reconhecimento prévio da isenção, desde logo porque o procedimento de reclamação visa a anulação de atos tributários de liquidação com os fundamentos previstos no art.º 99.º do CPPT, não constituindo o hipotético direito à isenção, fundamento de anulação da liquidação, o qual depende de pedido e reconhecimento em procedimento próprio.

 

 

24-Por fim, o requerente vem alegar que, “a liquidação oficiosa impugnada, traduzindo-se na revogação de um ato administrativo em matéria tributária constitutivo de direitos, fora dos condicionalismos em que é legalmente permitida (art.ºs 148.º, 165.º, n.º 1 e 167.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código do Procedimento Administrativo - CPA), é inválida, por erro nos pressupostos, não podendo subsistir. “

 

25-Sendo que, “o reembolso ao requerente do valor do IMT liquidado pela AT e pago configura um ato administrativo em matéria tributária constitutivo de direitos (art.º 167.º, n.º 3 do CPT).

 

26-E, como tal, “irrevogável, passados mais de 3 anos da data em que foi praticado e dos seus efeitos.”

 

27-Ora, o reembolso não é mais do que uma consequência da anulação (ainda que indevida) da liquidação de IMT, sendo que a autoridade tributária não está impedida de liquidar oficiosamente o IMT, sempre que o imposto se mostre devido, salvaguardados que sejam os limites temporais previstos no art.º 35.º nº 1 do CIMT.

 

28-A liquidação oficiosa (n.º...), emitida após a anulação da liquidação de IMT n.º... e consequente restituição do imposto, decididas no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º ...2019..., não consubstancia uma revogação de um ato administrativo em matéria tributária, antes sim, um verdadeiro e puro ato tributário, passível de reclamação graciosa ou impugnação judicial.

 

29-Como vimos, o chefe do SF de ... deferiu a reclamação graciosa e anulou a liquidação de IMT n.º ...com a consequente restituição do montante de imposto pago.

 

30-Já o procedimento de reconhecimento prévio da isenção espoletado pelo pedido efetuado em 2018-02-09, ao abrigo do disposto na al. j) do art.º 6.º do CIMT, foi indeferido em 2022- 07-14, pela entidade competente para a sua apreciação, em procedimento próprio e independente daquela reclamação graciosa

 

31-E a liquidação oficiosa efetuada, ao abrigo dos poderes que assistem à AT, nos termos do art.º 19.º e dentro do prazo de oito anos previsto no art.º 35.º, do CIMT, e de acordo com o princípio da legalidade a que está vinculada.

 

32-Daqui se depreende que estamos perante procedimentos distintos:

 

  - a reclamação graciosa que deu origem ao processo n.º ...2019... (v. art.º 68.º do CPPT e seguintes),

-     o procedimento de reconhecimento prévio de isenção apresentado em 2018-02- 09 (v. art.º 65.º do CPPT), a que correspondeu o processo n.º 2018... e que foi indeferido, e o procedimento de liquidação oficiosa, objeto do presente pedido.

 

33-A liquidação oficiosa objeto do presente pedido de pronúncia traduz a prática de um ato tributário de liquidação do imposto que é devido, repondo a legalidade tributária.

 

34-Caso o tribunal, venha a julgar a ação procedente, não deverá ser fixado o valor do montante a reembolsar pois o tribunal não possui todos os elementos necessários para o efeito.

 

SANEAMENTO

O tribunal arbitral singular foi constituído nos termos do artigo 5º do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas em conformidade com o disposto nos artigos 4º e 10º, nº 2 do RJAT e dos artigos 1º a 3 º da portaria nº 112-A/2011, de 22 de março. O processo não enferma de nulidade.

 

III- MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA

 

Face aos argumentos apresentados pelas partes e pela consulta do processo instrutor, dão-se como provados os seguintes factos:

 

1-O requerente, em 16-11-2017, apresentou no Serviço de Finanças de ..., uma declaração Modelo 1 do IMT, referente à aquisição do prédio rústico sito na freguesia de  ..., concelho de Serpa, inscrito na matriz predial sob o n.º ... – Secção A, a que corresponde o registo n.º 2017/..., com base na qual foi emitida, na mesma data, a respetiva liquidação, no montante de €27 500,00, que foi paga através do DUC ... .

2- O requerente, em 09-02-2018, apresentou no Serviço de Finanças de ..., um pedido de reconhecimento de isenção do IMT que antes pagara, fundando-o no disposto no art.º 6.º, al, j) do CIMT, pedindo a restituição do imposto pago.

3-Na sequência de parecer favorável à isenção, de 18-06-2018 da Câmara Municipal de Municipal de ..., na sequência de pedido do Serviço de Finanças de... (art.º 10.º, n.ºs 3 e 4 do CIMT), o requerente, por requerimento de 14-04-2019 dirigido ao referido Serviço de Finanças, insistiu no pedido de reembolso dos € 27 500,00.

4-A AT, em 19-04-2019, em deferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., reembolsou o requerente do IMT pago, transferindo o seu montante - € 27 500,00 – para conta bancária do requerente na ….

5-Pelo ofício n.º ..., de 23-02-2022, a AT notificou o requerente para audiência prévia no procedimento desencadeado pelo aludido pedido de isenção de IMT, formulada em 09-02-2018, sendo a decisão provisória de indeferimento por o pedido de isenção ter sido apresentado posteriormente à liquidação do IMT, ao contrário do disposto no art.º 10.º, n.º 1 do CIMT.

6-Após o requerente se ter pronunciado em sede de audiência prévia, pelo ofício da AT ..., de 08-09-2022, foi notificado do despacho de 2022-07-14, da Directora de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis de que foi indeferido o pedido de isenção, ao abrigo do artigo 6º, alínea j) do CIMT, tendo-se seguido liquidação oficiosa..., de 25-11-2022;

7-O requerente interpôs recurso hierárquico relativamente a este ato, em 08-10-2022, tendo o mesmo sido indeferido por decisão de 15-12-2022.

 

 

 

IV- O DIREITO APLICÁVEL

 

1- Como pode ver-se dos elementos que foram dados como provados, assim como do argumentário de ambas as partes, a questão sobre a qual temos de emitir juízo de Direito tem a ver com o facto de saber se, após um ato proferido dentro da AT que deferiu uma reclamação graciosa do Requerente, será possível à mesma AT vir a pronunciar-se em sentido contrário, indeferindo o benefício fiscal  e emitindo uma liquidação oficiosa tendo por base esse indeferimento que estava subjacente, após um prazo superior a uma ano.

 

2- Principiando por aqui, recordar-se-á que o Requerente, após pagar o IMT relativamente à transmissão de um prédio rústico já identificado, apercebeu-se de que poderia beneficiar de isenção, pelo que requereu ao Ministro das Finanças a devolução do imposto que havia suportado a título de IMT, no montante de 27.500,00€, sendo que o Serviço de finanças de ..., em 2019-04-30 procedeu à devolução da mencionada importância ao Requerente, na esteira do requerimento, convolando-o em reclamação graciosa que viria expressamente a deferir. Aliás, dúvidas não subsistem quanto a este facto, qual seja o do deferimento da reclamação graciosa, da anulação da liquidação de IMT mediante a qual o Requerente havia pago a verba de 27.500,00€ e, consequentemente, restituindo a referida importância ao Requerente (cfr,. Entre outros, artigo 51º da resposta da AT).

 

3- Não iremos discutir e tomar posição aqui nesta decisão arbitral quanto ao facto de o SF ser ou não competente para proferir a  decisão de deferir a pretensão do Requerente, porquanto entendemos que, eivado ou não de ilegalidade tal ato, o que está em causa são fundamentalmente duas coisas (i) se o ato do SF é ou não constitutivo de direitos; (ii) sendo, se poderá ser ainda revogado pela própria AT cerca de 3 anos após a materialização da devolução do imposto que o requerente havia pedido que lhe fosse devolvido.

 

4- Sobre esta problemática seguirei de perto o teor da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 490/2022-T (processo em que fui árbitro e que votei de forma convicta a respetiva decisão) que trata, em parte, de questão similar à que teremos agora de decidir. Nele se diz o seguinte:

 

 

 

5- No que respeita a este vício invocou a Requerente que o ato de liquidação (…), revogou/anulou ilegalmente o despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa anteriormente apresentada pela Requerente. Isto porque, no entender da Requerente, aquela revogação só poderia ter sido feita, nos termos da legislação vigente à data, no prazo de 1 ano a contar da prolação do ato revogado.

 

6. Pelo contrário, alegou a Requerida que o despacho que deferiu parcialmente a primeira reclamação graciosa apresentada pela Requerente era ilegal por vício de violação de lei, sendo consequentemente inválido. Assim sendo, no entender da Requerida, a AT poderia anular administrativamente aquele ato nos termos do n.º 1, do artigo 168.º do novo CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.

 

  7. Ora, a faculdade que assiste à AT de revogar/anular uma decisão de deferimento parcial de um pedido de reclamação graciosa com a consequente emissão de um novo ato de liquidação de IRS encontra‑se prevista no artigo 79.º, n.º 1 da LGT, no qual se dispõe que “O ato decisório pode revogar total ou parcialmente ato anterior”. Uma vez que não se regula na LGT nem na demais legislação tributária o prazo no qual poderá ser efetuada tal revogação, caberá aplicar subsidiariamente as normas aplicáveis à revogação dos atos administrativos, ao abrigo da remissão constante dos artigos 2.º, alínea c), da LGT e 2.º, alínea d), do CPPT.

 

           

           

8- Em virtude da aprovação do “novo” CPA, através da publicação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, os prazos que regulam a revogação dos actos administrativos passaram a constar do artigo 168.º daquele código, que dispõe no seu n.º 1 que “Os actos administrativos podem ser objecto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respectiva emissão”. Em todo o caso, determina o n.º 2 daquele mesmo artigo que “os actos constitutivos de direitos só podem ser objecto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respectiva emissão”. Uma vez que o deferimento parcial de um pedido de reclamação graciosa consiste num acto constitutivo de direitos nos termos do artigo 167.º, n.º 3 do “novo” CPA, porquanto reconhece e atribui uma vantagem patrimonial ao sujeito passivo, é de um ano o prazo previsto para a respectiva revogação.

 

            9. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 23/16.8BELRS, em 14.10.2021, da seguinte forma:

            “O ora Recorrente apresentou reclamação contra a liquidação de IRS efetuada e num primeiro momento a reclamação foi deferida. Posteriormente, a Autoridade Tributária e Aduaneira anulou  aquela decisão de deferimento da reclamação graciosa invocando para o efeito o artigo 165/2 do Código de Procedimento Administrativo e proferiu decisão nova decisão, agora, de indeferimento da reclamação apresentada.

            É contra esta nova decisão que se insurge o Recorrente, alegando, em suma, que ao contrário do decidido na sentença recorrida, não era aplicável ao caso o prazo de revisão do ato tributário previsto artigo 78º CPPT, por não se estar já perante um ato tributário stricto sensu, mas sim as regras aplicáveis à revogação de ato administrativo, por se tratar, agora, da revogação de ato administrativo em matéria tributável.

            Desde já adiantaremos que mesmo a aceitar-se a tese do Recorrente de que se trata de ato administrativo em matéria tributável, este carece de razão quanto à questão. Porquanto, é consabido que a revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária está prevista no artigo 79º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165º a 174º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força do artigo 2.c) LGT. Nesse mesmo sentido, aliás, se pronuncia o Recorrente nas conclusões d) e e) das alegações de recurso.

            (…) No caso em análise, o Impugnante, ora Recorrente, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº..., relativa ao ano de 2013, a qual foi deferida por despacho de 29 de setembro de 2014 (cf. ponto 7 dos factos provados).

            A 9 de setembro de 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou por via postal ao Impugnante, ora Recorrente, o projeto de decisão de anulação daquela decisão, para efeitos de exercício do direito de audição prévia.

            E em 28 de setembro de 2015 foi proferido o despacho que anulou a decisão/despacho e indeferiu a reclamação apresentada pelo Impugnante, ora Recorrente.

            Nos termos do artigo 168º CPA com a epígrafe Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa:

1 - Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.

2 - Salvo nos casos previstos nos números seguintes, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão.

(…)     Defende o Recorrente que há muito que se tinha esgotado o prazo de 6 meses para a anulação administrativa.

            Vejamos:

            Com a reforma de 2015, no que respeita aos atos administrativos em matéria tributária, importa agora distinguir os casos em que haja lugar à impugnação do ato junto dos tribunais, dos demais.

            Quanto a estes últimos introduziu-se também uma diferença no regime de anulação administrativa dos atos administrativos, em que o prazo de anulação, por iniciativa da Administração, é de seis meses, contados do conhecimento do vício ou da cessação do erro do agente, com um limite máximo de cinco anos, e o dos atos constitutivos de direitos, em que o prazo de anulação será de um ano a contar da respetiva emissão, salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente - artigo 168/4.c) do CPA.

            À luz do novo CPA o regime da anulação administrativa, consagra uma multiplicidade de prazos nos quais um ato administrativo pode ser anulado pela Administração, que variam consoante uma diversidade de fatores, como sejam (i) o vício que inquina o ato, (ii) o facto de estarmos (ou não) perante um ato constitutivo de direitos, (iii) a circunstância de o ato ter ou não sido impugnado jurisdicionalmente ou (iv) a boa ou má fé do beneficiário do ato (1).

            Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de 6 meses, a constar da data do conhecimento do órgão da causa da invalidade ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro e em qualquer caso, desde que não tenham decorrido 5 anos, a contar da respetiva emissão – artigo 168/1 CPA.

            Salvo nos casos previstos nos n.ºs 3 a 7, do artigo 168º CPA, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão - artigo 168º, n.º 2, do CPA.

            Nos termos do artigo 167/3 CPA, consideram-se atos constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagens ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições.

            Anote-se que apesar de defender que ao caso era aplicável o prazo de seis meses, o Recorrente nada alega sobre qual a data de conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade ou sobre o momento da cessação do erro do agente, mas que, se bem compreendemos o alegado, o termo inicial (dies a quo) do prazo de seis meses deveria ser o da emissão do ato.

            Entendemos, porém, no caso concreto, que independentemente da data de conhecimento da causa invalidante ou da data de cessação do erro do agente, estamos perante um ato administrativo constitutivo de conteúdo pecuniário e logo que a anulação administrativa da decisão de deferimento da reclamação apresentada pelo contribuinte podia ser operada dentro do prazo de um ano, a contar da respetiva emissão, por aplicação do disposto no artigo 168/2 CPA.”.

 

            10. Aqui chegados, e tendo presente a jurisprudência acabada de citar, cumpre então verificar se o ato revogatório foi ou não praticado pela AT dentro do prazo previsto para o efeito. O despacho de deferimento da reclamação do contribuinte foi consubstanciado na esfera da Requerente em 30-04-2019, ao ser-lhe devolvido o IMT suportado anteriormente, em procedimento de apreciação de reclamação graciosa pelo chefe do serviço de finanças de ..., de tal forma que o prazo de 1 ano para revogar o ato nos termos da legislação já evidenciada terminava em 30-04-2020, isto é, muito antes da emissão do ato revogatório que apenas foi proferido em 2022.

 

            11. Tal conclusão não é posta em causa pela entrada em vigor do “novo” CPA que passou a conformar de modo não exatamente coincidente os prazos de revogação dos atos administrativos. Desde logo porque o regime previsto no “antigo” CPA se insere nas “garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes” cuja aplicabilidade é salvaguardada em virtude do disposto no artigo 12.º, n.º 3 da LGT. Mas também porque, conforme se viu, o regime previsto no “novo” CPA determina igualmente no presente caso que é de um ano o prazo de revogação do acto tributário.

 

            12. Perante o exposto, julga-se procedente o vício invocado pela Requerente a este respeito, impondo-se a anulação total dos atos de liquidação de IRS.

 

            13. A AT procurou, na sua argumentação, encontrar modo de contornar esta questão da revogação do ato de liquidação e consequente devolução do imposto. Evidentemente que, como vimos, não podia deixar de assumir que tal aconteceu, mas limitou-se a dizer que este não era o meio próprio para atacar o ato de liquidação, porquanto o que estava em causa era um pedido de reconhecimento de benefício fiscal – isenção de IMT- que culminou legalmente com o indeferimento do mesmo, por ter sido extemporaneamente pedido e que, por outro lado, a atuação do chefe de serviço de finanças de ... enfermava de diversos vícios e que, por consequência, não poderia ser tidos em conta  na apreciação da presente questão.

 

            14. Ora, na ótica do Tribunal, até poderia ser verdade o que diz a AT mencionou quanto aos pretensos vícios do despacho do chefe do serviço de finanças. Todavia, como vimos, o ato do mesmo foi um ato constitutivo de direitos materializado na anulação da liquidação anterior de IMT, tendo o montante em causa sido devolvido ao sujeito passivo. Nessa medida, a AT deveria ter desencadeado processo de anulação do ato do chefe de serviço de finanças no prazo de um ano e, como vimos, não o fez pelo que deixou que o mesmo se consolidasse na esfera do sujeito passivo.

 

DECISÃO

 

Em conclusão:

 

O ato de liquidação que foi feito em 25-11-2022, e o ato do indeferimento do pedido de concessão de benefício fiscal de IMT, no valor de 27.500,00€ é ilegal por ter sido proferido fora do prazo legalmente concedido para anular atos constitutivos de direitos, tal como no previsto no artigo 168º, nº 2 do CPA, pelo que não pode subsistir na ordem jurídica, sendo, consequentemente, anulado com todas as consequências legais.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 97-A do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1 do RJAT e do artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 27.500,00€.

 

CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de 1.530,00€, a suportar pela Requerida, conforme dispõem os artigos 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Lisboa, 20 de julho de  2023

 

O árbitro singular

 

Vasco Valdez