Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 184/2017-T
Data da decisão: 2018-03-02  IRS  
Valor do pedido: € 638,45
Tema: IRS – Aplicação da cláusula geral anti-abuso.
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DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

A…, contribuinte n.º…, com domicílio fiscal na Rua …, n.º…, …-… …, doravante designado como “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, submeter pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”), o qual tem por objeto o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “IRS”) identificado com o número 2016… e demonstração de acerto de contas com o número 2016… relativas ao ano de 2012, com vista à sua anulação.

O pedido de constituição de tribunal arbitral, correspondente ao registo n.º 4036 foi validado e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 21 de março 2017, tendo sido notificado à Requerida em 24 de março de 2017.

O Requerente optou por não designar árbitro, tendo o Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, designado como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, a qual aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

As partes foram devidamente notificadas da designação do árbitro em 11 de maio de 2017, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.

O tribunal arbitral singular ficou, assim, constituído em 29 de maio de 2017, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 artigo 11.º do RJAT.

Em 29 de maio de 2017, a Requerida foi notificada do despacho proferido pelo tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, para apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo.

Não tendo a Requerida apresentado resposta, nem remetido o processo administrativo no prazo de 30 dias, em 14 de julho de 2017, o tribunal arbitral emitiu o seguinte despacho: i) notificação do Serviço de Finanças de Matosinhos –… para remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi n.º 1 do artigo 29.º do RJAT; b) notificação do Requerente e Requerida para se pronunciarem sobre o valor do processo arbitral, ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 305.º do Código de Processo Civil, ex vi n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

O Serviço de Finanças de Matosinhos – … foi notificado em 17 de julho de 2017.

O Requerente pronunciou-se sobre o valor da causa em requerimento apresentado em 20 de julho de 2017.

Em 25 de julho de 2017, o Serviço de Finanças de Matosinhos –… reencaminhou o pedido ao Serviço de Finanças do Porto – … .

O Serviço de Finanças do Porto – …, por seu turno, em 26 de julho de 2017, reencaminhou o pedido para a Inspecção Tributária da Direção de Finanças do Porto, em virtude de ter sido o processo administrativo elaborado por aquela direção de finanças, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2015… .

Dada a ausência de cumprimento do despacho referido em 7 supra, o tribunal arbitral emitiu novo despacho em 18 de setembro de 2017, com o seguinte teor: i) notificação da Direção de Finanças do Porto, Divisão de Apoio e Planeamento da Inspeção Tributária, para dar cumprimento com urgência ao despacho do tribunal arbitral do passado dia 14 de julho de 2017, de junção aos autos de cópia do processo administrativo; ii) notificação do Requerente para indicar sobre que factos, constantes do pedido de pronúncia arbitral, deveria incidir a produção de prova testemunhal; iii) designação do dia 29 de setembro pelas 14:30 horas para realização da primeira reunião, ao abrigo do disposto no artigo 18.º do RJAT, na qual se procederia à inquirição das testemunhas arroladas, seguida de alegações orais.

O Requerente veio aos autos requerer que o depoimento das testemunhas arroladas no seu pedido de pronúncia arbitral fosse realizado por teleconferência a partir do Porto, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 119.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), ex vi n.º 2 do artigo 29.º do RJAT.

No seguimento do requerimento supra, o tribunal arbitral emitiu despacho de: i) notificação da Requerida para, em obediência ao princípio do contraditório, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a audição das testemunhas por teleconferência; ii) em caso de não oposição do Requerente, notificação do ilustre mandatário do Requerente para comunicar ao tribunal a identificação das testemunhas a oferecer e o respetivo endereço de Skype; iii) reagendamento da reunião para o dia 18 de outubro de 2017, pelas 14.30h.

Em cumprimento do despacho de 18 de setembro de 2017, a direção de finanças juntou aos autos, em 28 de setembro de 2017, cópia do processo administrativo.

Na mesma data, o Requerente juntou aos autos a lista dos factos que seriam objeto de inquirição de testemunhas.

Em 18 de outubro de 2017, pelas 15 horas, teve lugar no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, em Lisboa, a reunião do tribunal arbitral constituído, tendo estado presentes o ilustre mandatário do Requerente e o Representante da Requerida. Este último requereu a suspensão provisória do processo pelo prazo de 10 dias, dado que estaria em reanálise pelos serviços da AT a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT ao Requerente. Ouvido o ilustre mandatário da Requerente, que não se opôs à suspensão, o tribunal arbitral decidiu suspender o processo arbitral pelo prazo de 10 dias.

Decorrido o prazo de 10 dias de suspensão do prazo, sem que a Requerida tivesse comunicado qualquer alteração dos atos de liquidação sub judice, o tribunal arbitral designou o dia 17 de novembro de 2017, pelas 14:30 horas, para a realização da reunião ao abrigo do artigo 18.º do RJAT.

Contudo, o ilustre mandatário da Requerente veio solicitar o reagendamento da reunião por se encontrar ausente do país, tendo o tribunal arbitral agendado a reunião para dia 12 de dezembro de 2017, pelas 14:30h.

O mandatário da Requerente reiterou o pedido de audição das testemunhas por teleconferência, tendo o tribunal arbitral, mediante despacho de 18 de novembro de 2017, dado um prazo de 10 dias à Requerida para se pronunciar sobre o mesmo.

Por seu turno, o representante da Requerida solicitou o reagendamento da reunião, por motivo de sobreposição com outra diligência no CAAD, tendo o tribunal arbitral reagendado a reunião para dia 12 de dezembro de 2017 pelas 10:00 horas.

No dia 12 de dezembro de 2017, pelas 10 horas, teve lugar a reunião do tribunal arbitral constituído, tendo comparecido o ilustre mandatário do Requerente, Dr. B…, e os Drs. C… e D…, representantes da Requerida.

Na referida reunião foi feita a inquirição de testemunhas por teleconferência, via Skype, com reprodução sonora dos depoimentos prestados. As testemunhas inquiridas foram E…, sobre os artigos 13.2 a 21.2 do pedido de pronúncia arbitral, F…, sobre os artigos 13.2 a 28.2 do pedido de pronúncia arbitral, G…, sobre os artigos 22.2 a 28.2 do pedido de pronúncia arbitral, e H… sobre os artigos 22.2 a 28.2 do pedido de pronúncia arbitral.

Finda a inquirição de testemunhas, o Tribunal notificou o Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de I0 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente. Em cumprimento do disposto no artigo 18.º n.º 2 do RJAT, o tribunal arbitral designou o dia 29 de janeiro de 2018 para a prolação da decisão arbitral, advertindo o mandatário do Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

O ilustre mandatário do Requerente apresentou alegações escritas em 29 de dezembro de 2017, nas quais reiterou os argumentos conducentes à improcedência do pedido e à inaplicabilidade da cláusula geral anti-abuso, reiterando o interesse em agir no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral.

Os representantes da Requerida apresentaram alegações escritas em 18 de janeiro de 2018, nas quais reiteraram a verificação dos pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, para aplicação da cláusula geral anti-abuso e as correções para efeitos de liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, dando por integralmente reproduzido o relatório inspetivo subjacente aos presentes autos. Impugnaram a prova testemunhal carreada aos presentes autos, com base no interesse direto ou indireto revelado pelas testemunhas, por estar a correr termos ação semelhante, com o mesmo pedido e causa de pedir, ou por existir uma relação económica entre a sociedade cujas participações foram alienadas ou por existirem relações familiares. Concluíram, assim, que que estavam reunidos os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, o que impunha a aplicação da CGAA e a concretização das correções para efeitos de liquidação do imposto, pelo que o pedido arbitral deveria ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida, com as devidas e legais consequências.

  1. PRETENSÕES DAS PARTES

 

  1. Pretensão do Requerente

O Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRS e subsequente acerto de contas, por não se verificarem os pressupostos para a aplicação do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), por enfermarem de vício de fundamentação e de vício de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguese (“CRP”), 153.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo(“ CPA”) , 77.º da LGT e 63.º, n.º 3, do CPPT, por inconstitucionalidade decorrente de violação dos princípios da capacidade contributiva, previsto nos artigos 104.º n.º 1 da CRP e artigo 4.º, n. º 1 da LGT, princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, princípio da reserva de lei em matéria fiscal, previsto no artigo 165.º n.º 1, alínea i), da CRP, princípio da proteção da propriedade privada, previsto no artigo 62.º n.º 1, da CRP e princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º n.º 1 da CRP.

Em consequência, requer a anulação do referido ato, com todas as consequências legais.

B. Pretensão da Requerida

No presente pedido de pronúncia arbitral a Requerida não apresentou resposta. A falta de apresentação de resposta será valorada pelo tribunal arbitral nos termos do disposto no n.º 6 e 7 do artigo 110.º do CPPT, ex vi artigo 29.º do RJAT.

Os representantes da Requerida apresentaram alegações escritas em 18 de janeiro de 2018, nas quais reiteraram a verificação dos pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, para aplicação da cláusula geral anti-abuso e as correções para efeitos de liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, concluindo que o pedido arbitral deveria ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida, com as devidas e legais consequências.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3.º, 6.º e 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT).

Com efeito, conforme alegado pelo Requerente, a Liquidação Adicional e o Acerto de contas constituem atos decisórios lesivos da Autoridade Tributária, suscetíveis de impugnação contenciosa, tendo o tribunal arbitral competência para apreciar a legalidade de "(...) atos de liquidação de tributos (...)", nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

No caso em apreço, estamos perante um ato de liquidação de tributos, que resultou na requalificação pela AT de um negócio jurídico praticado pelo Requerente, cuja legalidade se discute nos autos.

Assim, ainda que a Liquidação Adicional e o Acerto de contas tenham resultado da correção de uma menos-valia obtida realizada com a transmissão de participações sociais, que não gerou imposto adicional a pagar, tal correção merece a discordância do Requerente, o qual tem direito a reagir contra tal ato tributário perante a AT e perante os tribunais. Deste modo, conclui-se que o Requerente tem interesse em agir, o qual, refira-se, não foi posto em causa pela Requerida.

Face ao supra exposto, não restam dúvidas ao Tribunal Arbitral sobre a legitimidade ativa do Requerente, decorrente do seu interesse em agir, para requerer a anulação do ato de liquidação de IRS e respetiva demonstração de acerto de contas.

A questão do valor do processo arbitral será decidida após o estabelecimento da matéria de facto.

Não se verificam quaisquer nulidades, nem foram alegadas pelas partes quaisquer exceções que obstem ao conhecimento do mérito da questão.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos dados como provados

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º, do CPPT e n.º 3 e 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da questão de Direito.

Assim, tendo em consideração, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida e o processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:

  1. A I…, SGPS, SA (I… SGPS) é uma sociedade anónima, com número único de pessoa coletiva e de contribuinte …, cujo objeto social é a gestão de participações sociais como forma indireta do exercício de atividade:
  2. A I… SGPS foi constituída em 1 de julho de 1998, com o capital social inicial de € 6.000.000,00, representado por 1.200.000 ações, com o valor nominal de € 5,00, pelos seguintes acionistas:

Accionistas

Participação no capital

Número de ações

Percentagem

E…

€1.375.000,00

275.000

23%

J…

€1.375.000,00

275.000

23%

F…

€1.375.000,00

275.000

23%

K…

€1.200.000,00

240.000

20%

L…

€675.000,00

135.000

11%

Total

€6.000.000,00

1.200.000

100%

 

  1. Em 21 de maio de 2012 foi aprovado o aumento do capital social da I… SGPS no montante de € 3.000.000,00, mediante incorporação de prémios de emissão (€ 2.992.787,38) e incorporação de reserva legal (€ 7.212,62), tendo o capital social da I… SGPS passado de € 6.000.000,00 para € 9.000.000,00 e o valor nominal das ações de €5,00 para € 7,50:

Accionistas

Participação no capital

Número de ações

Percentagem

E…

€2.062.500,00

275.000

23%

J…

€2.062.500,00

275.000

23%

F…

€2.062.500,00

275.000

23%

K…

€1.800.000,00

240.000

20%

L…

€1.012.500,00

135.000

11%

Total

€9.000.000,00

1.200.000

100%

 

  1. Em 12 de junho de 2012, a I… SGPS alienou a totalidade da sua participação na M… BV, principal ativo da sociedade, pelo preço de €61.896.457,74, o qual foi recebido em:

  1. Conforme deliberação da assembleia geral, a I… SGPS distribuiu dividendos aos seus acionistas em 2012:

  1. Em 24 de outubro de 2012, foi aprovada a redução do capital social da I… SGPS no valor de € 8.520.000,00, por redução do valor nominal das ações de €7,5 para €0,40, passando o capital social de € 9.000.000,00 para € 480.000,00, com o objetivo de promover "a libertação de excesso de capital (…)” e “Direta atribuição aos accionistas da importância libertada, no montante global de 8.520.000,00 Euros".
  2. O capital social da I… SGPS passou a ser representado nos seguintes termos:

Accionistas

Participação no capital

Número de ações

Percentagem

E…

€110.000,00

275.000

23%

J…

€110.000,00

275.000

23%

F…

€110.000,00

275.000

23%

K…

€96.000,00

240.000

20%

L…

€54.000,00

135.000

11%

Total

€480.000,00

1.200.000

100%

 

  1. Em 2 de Novembro de 2012, foi celebrado entre F…, número de contribuinte …, na qualidade de doadora, e o Requerente, seu filho, na qualidade de donatário, um contrato de doação de 13.750 ações da I… SGPS.
  2. Não sendo a I… SGPS uma sociedade cotada em Bolsa, o valor da transmissão a título gratuito das ações foi calculado de acordo com as regras da alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo (“CIS”), tendo sido atribuído às ações o valor tributável de €170.637,50.
  3. A referida doação realizada entre ascendente e descendentes estava isenta de Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 6.º do CIS.
  4. Em 23 de novembro de 2012, a Assembleia Geral da I… SGPS aprovou um balanço especial reportado a 30 de setembro 2012, tendo autorizado o Conselho de Administração a proceder à aquisição de ações próprias.
  5. A referida aquisição de ações próprias teve parecer favorável do Revisor Oficial de Contas, N…, Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, conforme parecer datado de 10 de dezembro de 2012.
  6. Segundo o Relatório de Inspeção, a encomenda ao Revisor Oficial de Contas do serviço de certificação do balanço intercalar, reportado a 30 de setembro de 2016, foi efetuada com data anterior a 30 de outubro de 2012 (confr. página 11 do Relatório de Inspeção; página 131 do PA).
  7. Em 18 de dezembro de 2012, o Conselho de Administração da I… SGPS deliberou a aquisição de ações próprias ao Requerente, tendo o contrato de compra e venda de ações sido celebrado em 20 de dezembro de 2012, data em que foram alienadas pelo Requerente 13.750 ações detidas por este na I… SGPS, à própria sociedade, que as adquiriu como ações próprias, pelo valor de € 598.125,00, que terá sido pago nesta data ao Requerente.
  8. Em 4 de julho de 2013, O…, irmã do Requerente e donatária do mesmo número de ações da I… SGPS, entregou requerimento junto do serviço de finanças Porto-…, a solicitar a revisão do valor tributável da doação, apresentado a demonstração de cálculo do valor tributável das ações transmitidas nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º do CIS e que ascenderia a €2.133.175,00.
  9. O serviço de finanças verificou que teria existido um erro no apuramento do valor tributável, por se ter considerado na fórmula de cálculo que o número de ações representativas do capital social era de 15.000.000 e não de 1.200.000. Detetado o erro, o valor tributável foi corrigido e comunicado ao(s) sujeito(s) passivo(s), em Outubro de 2014, sendo o valor tributável constante da nova liquidação de €2.133.175,00.
  10. O Requerente inscreveu no quadro 8 do Anexo G da sua declaração modelo 3 de IRS os seguintes montantes:

  1. No entanto, considerando o valor tributável da aquisição das ações a título gratuito (€2.133.175,00) determinado nos termos do citado artigo 15.º do CIS, relevante para efeitos de cálculo das mais ou menos-valias em sede de IRS, e o valor de realização correto (€ 598.125,00), a menos-valia apurada pelo Requerente, para efeitos de IRS em resultado daquela transmissão, deveria ter sido de:

  1. A referida transação foi objeto de análise pela AT através de inspeção tributária interna, com a ordem de serviço n.º OI2015…, que se iniciou em 1 de outubro de 2015 e culminou em 4 de fevereiro de 2016, com a notificação ao Requerente do Projeto de correções do Relatório de Inspeção, mediante Ofício n.º …/… de 5 de fevereiro de 2016 para exercício do direito de audição.
  2. O Requerente exerceu o seu direito de audição em 11 março de 2016, tendo solicitado a audição de testemunhas.
  3. Atento o disposto no n.º 3 do artigo 54.º da LGT e no n.º 3 do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou o Requerente, mediante ofício n.º…/… de 17 de março de 2016, para comparecer no dia 31 de março de 2016 com as testemunhas para ser lavrado o correspondente termo de declarações e os fatos novos trazidos ao depoimento testemunhal serem levados em conta na fundamentação da decisão do procedimento inspetivo.
  4. O Requerente foi notificado das conclusões do procedimento inspetivo, conforme ofício n.º 2016… de 31 de outubro de 2016 e numa segunda notificação, conforme ofício n.º 2016…, datado de 17 de novembro de 2016.
  5. A liquidação adicional e acerto de contas foram notificados ao Requerente em 14 de dezembro de 2016, por carta registada com aviso de receção.
  6. Em 20 de março de 2017 foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.
  1. Factos não provados

Não resultaram provados os seguintes factos:

  • A doação ao Requerente visava dar início a um processo de sucessão geracional na detenção e gestão da I… SGPS a favor da terceira geração da Família P… (na qual o Requerente se integra).

Não existem outros factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Os factos foram dados como provados com base no Relatório de Inspeção Tributária, nos documentos que constam do processo administrativo e demais documentos juntos aos autos.

O depoimento das testemunhas ouvidas não logrou provar factos suscetíveis de influenciar a decisão da causa, que não estivessem já comprovados por outros meios de prova, nomeadamente prova documental.

Relativamente à matéria de facto não provada, esta foi assim considerada em resultado da ausência de elementos probatórios suscetíveis de, inequivocamente, a comprovarem.

 

 

  1. mATÉRIA DE DIREITO
  1. Da alegada violação do dever de fundamentação

Ponto prévio à análise da verificação dos pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso, cumpre analisar se, como alegado pelo Requerente, o Relatório de Inspeção não cumpre as exigências de fundamentação previstas nos artigos 153.º, n.º 2, do CPA, 77.º n.º 1, da LGT, e 63.º, n.º 3, alínea a), do CPPT, o que determinaria a anulabilidade da Liquidação Adicional, nos termos do artigo163.º n.º 1, do CPA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.

O Requerente alega no pedido de pronúncia arbitral que existe uma contradição nos fundamentos de aplicação da CGAA tal como exposto no Relatório de Inspeção, na medida em que existiria uma contradição entre o alegado no elemento intelectual e sancionatório, face ao alegado nos demais elementos, o que não permitiria a um destinatário normal aperceber-se integralmente das razões de facto e de direito da decisão da AT, comprometendo o seu direito de defesa.

O dever de fundamentação da decisão é uma imposição constitucional (n.º 3 do artigo 268.º da CRP), concretizado, entre outros, pelo disposto no artigo 77.º da LGT.

O artigo 77.º consagra o dever de fundamentação dos atos tributários “por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Sendo que, nos termos do n.º 2 da mesma disposição, “A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Contudo, como ensina Rui Duarte Morais, “A fundamentação do ato deverá, ainda, ser acessível, (…). A fundamentação tem, ainda, que ser exaustiva, ou seja, tem que ser alegada a verificação de todos os pressupostos de que a lei faz depender a legalidade do ato em causa. (…) O conteúdo, a profundidade, exigível à fundamentação depende necessariamente do caso concreto. Normalmente afirma-se que a fundamentação tem que ser expressa, clara, congruente e suficiente. O exigível é – utilizando um dizer habitual da nossa jurisprudência – que a fundamentação permita a um destinatário normal entender o itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato, de modo a que se fique a saber a razão pela qual se decidiu assim e não de outro modo. (…) Esta consistirá, essencialmente, na demonstração da verificação no caso concreto, da hipótese da norma legal, não havendo lugar à motivação do conteúdo concreto da decisão (à explanação das razões pelas quais se decidiu nesse sentido e não noutro), pois que, por regra, a decisão (a única possível) a ser tomada resulta diretamente da lei. Daí a expressa previsão, no n.º 2 do artigo 77.º da LGT de uma fundamentação simplificada”. [1] [2]

À semelhança do citado por este autor, para distinguir os atos tributários em que é admissível uma fundamentação simplificada das situações em que a lei consagra a obrigação de uma fundamentação com “especial densidade” como são as previstas no n.º 3 a 5 do artigo 77.º da LGT, e, acrescentamos, as previstas no n.º 3 do artigo 63.º do CPPT.

Conforme sumarizado num recente aresto do Supremo Tribunal Administrativo, “A jurisprudência e a doutrina têm consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. (Ver neste sentido, desde logo o acórdão deste STA de 23/05/2012 tirado no recurso 0870/11, no qual o ora relator interveio como adjunto e ainda os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs.). Acresce dizer, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».E, o vício da falta de fundamentação dos actos administrativos, como vem sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência, é de natureza formal e não substancial, enfermando o acto de falta ou insuficiência de fundamentação quando não externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que o determinaram e o seu sentido decisório[3] (negrito nosso).

Ora, perante as alegadas contradições do Relatório de Inspeção relativamente à verificação dos elementos da cláusula geral anti-abuso, cumpre apurar se a AT cumpriu o dever de fundamentação previsto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT e no n.º 3 do artigo 63.º do CPPT.

Conforme acima referido, a fundamentação para ser suficiente, clara e precisa, deverá permitir a um destinatário normal entender o itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato, de modo a que se fique a saber a razão pela qual se decidiu assim e não de outro modo.

Com efeito, conforme a jurisprudência constante dos tribunais superiores, para que se considere cumprido o dever de fundamentação, basta que o Requerente tenha entendido o itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato, de forma a poder contestá-lo seja pela via da reclamação graciosa ou pela via contenciosa, o que veio a acontecer com a submissão do presente pedido de pronúncia arbitral.

Resulta de todo o exposto no pedido de pronúncia arbitral e alegações escritas, bem como no processo administrativo, que o Requerente não viu frustrado o seu direito de defesa pela forma como o dever de fundamentação foi exercido pela Requerida no Relatório de Inspeção.

Termos em que improcede, assim, o vício de falta de fundamentação invocado pelo Requerente.

  1. Do enquadramento jurídico-tributário da operação e da aplicação da cláusula geral anti-abuso

Conforme resulta do Relatório de Inspeção, a Requerida considera que os atos tributários praticados pelo Requerente e que deram origem à liquidação sub judice foram abusivos, pretendendo aplicar-lhes a Cláusula Geral Anti-Abuso (CGAA), consagrada no n.º 2 do artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

A referida cláusula estabelece o seguinte:

"São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas."

A CGAA é complementada pelo disposto no artigo 63.º do CPPT (com a redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro) relativo ao procedimento especial a adotar pela AT para aplicação da referida cláusula:

“1. A liquidação de tributos com base na disposição antiabuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da lei geral tributária segue os termos previstos neste artigo. (…)

3. A fundamentação do projecto e da decisão de aplicação da disposição antiabuso referida no n.º 1 contém necessariamente:

a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais. (…)”.

Assim, como decorre das disposições supra, a aplicação da cláusula geral anti-abuso tem como requisito a prática pelo contribuinte de um negócio jurídico artificioso ou com abuso de forma jurídica, tendo como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida se esse mesmo contribuinte tivesse utilizado um negócio ou ato com substância económica equivalente.

Como forma de delimitar o planeamento fiscal legítimo do planeamento fiscal abusivo, que se visa combater com esta norma geral anti-abuso, veja um excerto da decisão arbitral no processo n.º 363/2016-T[4], do coletivo presidido pelo Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa:

“Nas definições elaboradas por Saldanha Sanches: o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo actua contra legem, extra legem e intra legem.

Quando este actua contra legem, a sua actuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe directamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal passível, inclusive, de ser objecto de censura contra-ordenacional ou criminal.

A actuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar directamente. Este adopta «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal». Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detectar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema». Este tipo de actuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal».

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a actuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a actuação não se enquadre na supra referida actuação extra legem.” (negrito nosso).

Assim, para que estejamos perante um planeamento fiscal abusivo, segundo a construção doutrinária[5], que tem vindo a ser seguida pela jurisprudência dos tribunais superiores[6] e pela jurisprudência arbitral tributária do CAAD[7], deverão verificar-se cinco elementos:

  • Elemento meio – “(…) corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e. o(s) ato(s) ou negócio(s) jurídico(s) cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal.”[8]. Os meios de que se vale o contribuinte deverão configurar um abuso de formas jurídicas.
  • Elemento resultado – “Importa apenas demonstrar que o sujeito passivo logrou, pelos seus atos (cujas características foram referidas nos requisitos anteriores), a verificação de uma certa vantagem fiscal e a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do ato normal praticado”[9].
  • Elemento intelectual – Verifica-se uma motivação fiscal preponderante que se manifesta nas formas adotadas e que faz prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal.
  • Elemento normativo – O qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da estrutura montada e da vantagem obtida, ou seja, o contribuinte atua com manifesto abuso das formas jurídicas.
  • Elemento sancionatório – “O elemento sancionatório corresponde à estatuição da CGAA depende da verificação cumulativa dos elementos já referidos que preenchem a previsão da mesma” e consiste na ineficácia, no âmbito tributário, dos atos ou negócios jurídicos em causa, dependendo da verificação cumulativa dos outros elementos.

Correspondendo este último elemento à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos[10], que permitirão aferir quanto à verificação de uma atividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo.

Elementos, estes, cuja verificação a Requerida pretende ter demonstrado no Relatório de Inspeção Tributária e cuja não verificação é defendida pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral e alegações escritas.

Vejamos, então, cada um destes elementos e a sua verificação no caso sub judice.

  1. Elemento Meio

O elemento meio traduz-se, então, na via escolhida pelo contribuinte para obter um ganho ou vantagem fiscal, que configure um abuso de formas jurídicas.

Segundo a doutrina, não basta que o ato ou negócio jurídico seja determinado em função de um resultado fiscal, exigindo-se que o mesmo seja dotado de uma “forma anómala, inusual, artificiosa, complexa ou mesmo contraditória”[11]”.

De acordo com outros autores citados, "Para que se confirme o abuso de formas jurídicas é exigido: 1. Que tenham sido escolhidas formas ou negócios insólitos, inadequados para os fins a que se destinam os factos ou negócios, visando iludir o sistema tributário; 2. Que as partes alcancem substancialmente do ponto de vista económico, o mesmo resultado que teriam obtido caso houvessem adoptado a forma jurídica correspondente às normais relações económicas; 3. Que as desvantagens jurídicas da forma adoptada não tenham qualquer importância, ou tenham apenas uma importancia diminuta" [12]

Trata-se, assim, de aferir se, no caso concreto, existe uma incoerência entre a forma escolhida pelo Requerente e o fim para é empregue essa forma adotada.

No caso sub judice, alega a Requerida que "(…) o negócio pretendido pelos sujeitos passivos consistia na alienação de ações da I… SGPS à própria sociedade por parte de F…, como forma de distribuir à acionista o rendimento obtido com a venda da participação da RLEG, constatando-se que, para evitar a tributação que da mesma decorreria foi adotada a seguinte sucessão de atos:

- A acionista F…, em 2/11/2012, faz uma doação isenta de Imposto de selo aos seus filhos O… e A… de 10% das ações que detinha na I… SGPS;

- Em 20/12/2012, os donatários transmitem as ações à própria sociedade, apurando uma menos valia, só possível por beneficiar do valor de aquisição das ações, correspondente ao valor tributável que serviria de base à liquidação de Imposto do Selo caso ele fosse devido – Confr. Relatório de Inspeção a páginas 13 e seguintes.”

Por seu turno, alega o Requerente que “não compreende como o "meio" invocado pela AT — a doação das ações ao Requerente seguida da alienação das mesmas à I… SGPS — poderia resultar numa distribuição à F… do "rendimento obtido com a venda da participação da RLEG". Com efeito, de acordo com o Requerente, a vantagem fiscal obtida (a menos-valia obtida com a venda das ações à I… SGPS) dependia de uma condição essencial que se verificava desde sempre, ou seja, o tipo de participações sociais doadas assumir a forma de ações não cotadas em mercado regulamentado. Considera o Requerente que tendo a I… SGPS adotado desde sempre a forma de sociedade anónima, não tendo nunca sido cotada em mercado regulamentado, não existiria qualquer artificialidade a apontar ao propósito do elemento determinante para o alegado sucesso fiscal da pretensa sucessão de atos: o tipo societário da I… SGPS. Acrescenta, ainda, que não existiu qualquer afastamento dos efeitos típicos produzidos pelo ato de doação, dado que F…, a donatária, teria, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, disposto gratuitamente das ações da I… SGPS a favor do Requerente. Concluindo que não teria sido feita pela Requerida a prova da natureza abusiva da operação, como se lhe impunha, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT.

Face ao supra exposto, haverá que analisar em que medida se verifica ou não o elemento meio da CGAA.

Recorde-se a sucessão de atos que levaram à liquidação em crise:

  1. Doação por F… de 13.750 ações detidas na I… SGPS ao Requerente;
  2. Venda pelo Requerente de 13.750 ações da I… SGPS à sociedade (ações próprias).

Em temos fiscais, estes dois negócios jurídicos tiveram os seguintes impactos fiscais:

  • A doação de ações feita ao Requerente beneficiou de uma isenção de Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 6.º do CIS e de uma não sujeição a IRS nos termos do n.º 6 do artigo 12.º do Código do IRS;.
  • A doação de ações, ainda que isenta, implicou a obrigação de reporte à AT e a avaliação das ações, de acordo com a fórmula prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º do CIS;
  • O Requerente vendeu as ações à I… SGPS pelo preço de € 598.125,00. O valor da avaliação (€2.133.175,00), acima referida, foi considerado como custo de aquisição das ações, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRS, realizando aquele uma menos-valia de €1.535.050, a qual foi reportada na sua declaração modelo 3 de IRS de 2012.

A Requerida alega que a finalidade pretendida seria a alienação de ações da I… SGPS por parte de F… à própria sociedade, como forma de distribuir a esta o rendimento obtido com a venda da participação da RLEG, e não a doação de ações ao filho, ora Requerente.

Contudo, os negócios efetivamente realizados foram uma doação de F… ao filho ora Requerente, realizada a título gratuito, e uma venda dessas mesmas ações realizada pelo Requerente à I… SGPS.

Ambos os negócios jurídicos foram formalizados e produziram os efeitos ditos “normais”, tendo a doação operado uma transmissão gratuita das ações realizada por F… a favor do Requerente e a venda dessas mesmas ações realizada pelo Requerente a favor da I… SGPS operado a transmissão onerosa das ações a favor da sociedade.

Não resulta dos contratos formalizados entre as partes, que os efeitos dos negócios jurídicos celebrados tenham sido alterados pela aposição de cláusulas suspensivas ou resolutivas ou outras capazes de descaracterizar os referidos negócios.

Para que os negócios jurídicos celebrados sejam considerados artificiosos ou fraudulentos visando a obtenção de uma vantagem fiscal, teria que se comprovar que o negócio visado pelo Requerente era, efetivamente, a compra e venda das ações da I… SGPS realizada por F… à I… SGPS de forma a distribuir à acionista o rendimento obtido por aquela sociedade com a venda da participação da RLEG.

Apesar da existência de indícios de que esta aquisição de ações próprias estava a ser gizada pela sociedade I… SGPS antes mesmo da doação, faltou comprovar que os negócios jurídicos celebrados eram, em substância, uma compra e venda das ações da I… SGPS, realizada por F… à I… SGPS. Desde logo, ainda que fosse desconsiderada a doação e considerada a venda direta realizada por F… à sociedade, sempre faltaria um elemento fundamental caraterizador do contrato de compra e venda – o preço ou contrapartida do negócio –, o qual, de acordo com o Relatório de Inspeção, foi recebido pelo Requerente.

Por outro lado, como bem alega o Requerente, todos os demais pressupostos de aplicação das normas fiscais, nomeadamente de aplicação da fórmula prevista no artigo 15.º do Código do Imposto do Selo, eram pré-existentes, não tendo resultado de qualquer ação ou omissão do Requerente.

Nesta medida, entende o tribunal que a Requerida não logrou provar o caracter artificioso ou fraudulento e com abuso de formas jurídicas dos negócios jurídicos de doação e compra e venda realizados com as ações da I… SGPS.

  1. Do Elemento Resultado

Outra dos elementos que deverá verificar-se como requisito de aplicação da CGAA é o elemento resultado.

“Neste elemento resultado, importa apenas demonstrar que o sujeito passivo logrou, pelos seus actos (…) a verificação de uma vantagem fiscal e a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do acto normal tributado”[13].

Alega a Requerida que “(…) o efeito económico pretendido residia no encaixe financeiro que a transmissão de ações à sociedade poderia proporcionar a F… . Sendo que tal efeito poderia ser obtido pela venda direta das ações por F… à I… SGPS ou como foi planeado pela mesma e demais intervenientes, pela precedente doação aos descendentes das mesmas ações e posterior transmissão dos donatários à sociedade. Tais hipóteses, como adiante se verá, implicam enquadramentos tributários distintos, ao proporcionar, basicamente, ausência de carga fiscal na situação adotada pela contribuinte e tributação em IRS, como rendimento de mais-valia (Categoria G), em negócio equivalente" – (negrito nosso) cfr. Relatório de Inspeção.

Contrapõe o Requerente que, “(…) da sucessão de atos em causa não resulta nenhum encaixe financeiro na esfera da F…, antes na do Requerente: não foi aquela quem recebeu o preço da venda das ações próprias, mas sim o Requerente, beneficiário da doação. Ou seja, tais atos não produzem efeitos equivalentes à venda direta das ações da I… SGPS pela F… .”.

Em apoio a esta posição, cita o parecer do Professor Doutor Gustavo Courinha em que o mesmo sustenta que: "Ora, a este respeito cabe registar que não existe em substância um negócio económico de efeito equivalente ao de uma alienação onerosa direta das ações por parte da doadora quando, nos negócios implementados e agora contestados, não se vislumbram quaisquer cláusulas acessórias ou termos jurídicos capazes de transformar materialmente uma doação de ações seguida da sua venda (pelo donatário) numa alienação onerosa direta por parte da doadora. (...) Assim, e em estrito rigor dogmático, é o próprio requisito resultado - nesta vertente económica - que não se chega sequer a verificar." — cfr, páginas 20 e 21 do Parecer junto aos autos. Pelo que, na opinião do Requerente, a Requerida não teria logrado demonstrar a alegada equivalência económica das operações, como se lhe impunha nos termos do artigo 74.º n.º 1, da LGT

Com efeito, no caso em apreço, a vantagem fiscal última é a não tributação, nem da doação das ações, na esfera do donatário, e a não tributação em sede de IRS da venda dessas mesmas ações à sociedade, num curto espaço de tempo.

No entanto, para que a doação por F… das ações detidas na I… SGPS ao Requerente, seguida da venda por este das mesmas ações à sociedade, tivesse um efeito económico equivalente ao da venda das ações por F… à I… SGPS, aquela haveria que receber o preço desta última venda ou, pelo menos, ficar desonerada da realização de uma obrigação com valor económico equivalente ao da venda.

Com efeito, a doação de ações provocou um decréscimo no património da doadora, correspondente ao valor económico das ações doadas, e um aumento no património do Requerente, no mesmo montante, enquanto que a alienação de ações pelo Requerente à I… SGPS representa um encaixe financeiro na esfera deste último.

Para demonstração de um resultado económico equivalente ao da compra e venda de ações da I… SGPS por F…, haveria que ter sido demonstrado que o encaixe financeiro desta venda ocorreu na esfera daquela e não na esfera do Requerente, o que não resultou provado no Relatório de Inspeção, nem no presente processo.

Não tendo sido demonstrada a equivalência entre o negócio jurídico normal que, segundo a Requerida, deveria ter sido praticado – a transmissão de ações da I… SGPS realizada por F… à própria sociedade – e os atos/negócios jurídico praticados pelo Requerente – doação de ações da I… SGPS realizada por F… ao Requerente, seguida de transmissão onerosa dessas mesmas ações pelo Requerente à sociedade – tem-se por não demonstrada a verificação do elemento resultado da CGAA, conforme impõe o artigo 74.º, n.º 1, da LGT e o artigo 63.º n.º 3 alínea a) do CPPT.

 

  1. Do Elemento Intelectual

O elemento intelectual traduz-se numa "motivação fiscal preponderante que se manifesta nas formas adotadas e que faz prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal."[14].

O elemento intelectual corresponde à motivação do contribuinte, impondo que a finalidade fiscal prevaleça sobre a finalidade não-fiscal.

Resultando na opção por um ato igualmente idôneo para a produção de certo efeito económico em comparação com outro, que não teria um tratamento fiscal tão vantajoso.

De acordo com a doutrina, "não basta decorrer da análise dos actos ou negócios jurídicos em causa, a obtenção de um resultado fiscalmente vantajoso e um resultado não fiscal equivalente", sendo exigível que "as escolhas e as formas adoptadas pelo contribuinte sejam fiscalmente dirigidas (tax driven), e que aquele (resultado fiscal) prevaleça sobre este (resultado não fiscal)"[15].

De acordo com o Relatório de Inspeção, “O contribuinte tem a possibilidade de escolher, de entre as várias opções legalmente admissíveis, a opção fiscalmente menos onerosa desde que a poupança fiscal não seja o único ou principal fim do acto a praticar ou do negócio jurídico a celebrar, como aconteceu neste caso. A motivação fiscal da contribuinte assentou no facto dos actos ou negócios praticados serem essencialmente dirigidos à ausência de tributação.”[16]

Acrescenta a Requerida no mesmo Relatório de Inspeção[17] que: "A análise dos contornos das operações realizadas por F… não permite descortinar a existência de qualquer motivação económica ou outra que justifique a doação de ações. Assim:

  Não existiu qualquer propósito de fazer o filho A… participar no capital da Sociedade, de lhe proporcionar um rendimento futuro a nível de dividendos, porquanto as ações que lhe foram doadas foram, logo de seguida, alienadas.

  Nunca houve intenção de mudar a estrutura acionista da sociedade, isto é que os donatários se tornassem participantes da I… SGPS, pois na data em que ocorreu a doação, dia 2 de novembro de 2012, já estava prevista a aquisição de ações próprias por parte da Sociedade e porque após esta aquisição, a estrutura acionista (em termos de percentagens de participação no capital) ficou exatamente igual à que existia antes da doação das ações. Como se referiu a encomenda à SROC da certificação legal de contas do balanco intercalar a 30 de Setembro (cujo objetivo era determinar o valor pelo que a sociedade iria adquirir as ações próprias, como consta da respectiva ata) ocorreu em data anterior a 30 de outubro, conforme email desta data trocado com a SROC”.

Concluindo "(…) que a realização da doação isenta entre mãe e filhos teve unicamente motivações de natureza fiscal, isto é, permitir, por virtude da aplicação da fórmula prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 15º do Código do Imposto do Selo (...), aumentar o valor de aquisição a utilizar no cálculo da mais-valia obtida com a venda das ações, impedindo a existência de qualquer tributação. Por outro lado, considerando o efeito combinado da doação de ações com a venda das mesmas ações à I… SGPS, conclui-se que, no final, o sujeito passivo A… recebeu a importância da €598.125,00. Assim, sendo, concluir-se-ia que o que se pretendeu verdadeiramente doar seria o dinheiro resultante da venda das ações e não estas. (…) Portanto, se a operação de aquisição de ações próprias por parte da I… SGPS viria sempre a acontecer e a intenção da doadora era apenas entregar dinheiro aos donatários, dispondo já na data da doação do montante necessário à realização da doação, conclui-se, também por aqui, que a razão da opção pela doação das ações em detrimento da doação em dinheiro, visou apenas evitar a tributação, em sede de IRS, da mais-valia que adviria da alienação direta destas ações à I… SGPS.(…)”

O Requerente, por seu turno, sublinha que “(…) na tese veiculada no Relatório de Inspeção, até ao final da parte relativa ao elemento resultado, o objetivo da sucessão de atos em causa consistiria na obtenção pela F… de um encaixe financeiro resultante da venda das ações à I… SGPS. Surpreendentemente, na parte relativa ao elemento intelectual, ainda na tese da AT, o objetivo da operação mudou: A doação das ações ao Requerente seguida da venda de ações próprias já não seria proporcionar liquidez à F…, mas sim doar dinheiro ao Requerente. (…) Mas independentemente e sem prejuízo disso, caso a F… tivesse doado dinheiro ao Requerente, não se vislumbra que tributação teria sido devida, uma vez que tal ato estaria isento de IS, nos termos do artigo 6.º alínea e), do Código do Imposto do Selo (CIS). Assim, não se compreende que "motivação fiscal" poderia ter conduzido à doação das ações da I… SGPS, quando a putativa "operação normal", na tese da AT — doação direta do dinheiro —, também não acarretaria o pagamento de qualquer imposto. Deste modo, a execução da sucessão de atos em análise não poderá ter assentado numa motivação fiscal, exclusiva ou preponderante, pois nenhum imposto havia a evitar.(…)”.

No que respeita ao elemento intelectual propriamente dito, ou seja, relativamente à motivação fiscal, haverá que aferir se a mesma é preponderante face à finalidade não fiscal.

A este respeito ensina Gustavo Lopes Courinha[18], que “Pode apreciar-se se as formas escolhidas (meios) são fiscalmente dirigidas ao efeito fiscal e não fiscal equivalente (resultados), se foram ou não motivadas por tal propósito, quer sob uma perspectiva objectiva, quer subjectiva.”, mas que a perspetiva objetiva foi expressamente abraçada em Portugal pelo regime constante do artigo 63.º do CPPT. (…) A prova da motivação fiscal nestas Cláusulas Gerais é feita (…), com recurso a factos ou elementos de prova que permitam ao intérprete (julgador) extrair, com razoável segurança e, segundo critérios de razoabilidade e normalidade, a conclusão de que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um preponderante fim fiscal. (…) Os elementos de prova submetidos a apreciação deverão ser suficientes para que, à luz de critérios de apreciação lógica e da experiência, se possa concluir pela existência deste requisito. O facto de a CGAA se bastar com o recurso (…) àqueles elementos objetivos, não impede que o contribuinte venha demonstrar, em idênticos termos, precisamente, o contrário, i.e., a existência de uma motivação não fiscal preponderante(…)”.

Chegados a este ponto cumpre decidir sobre a verificação do elemento intelectual da CGAA, ou seja, se existem elementos objetivos de prova de que resulte uma motivação fiscal preponderante face à motivação não fiscal da celebração dos negócios jurídicos.

No entanto, esta motivação fiscal não exclui a existência de uma motivação económica ou outra que poderia justificar a doação de ações. Para efeitos de verificação do elemento intelectual da CGAA, esta motivação (fiscal) tem é que ser preponderante face às restantes motivações. Perante dois negócios jurídicos de efeito económico equivalente, o contribuinte não é obrigado a escolher o negócio fiscalmente mais oneroso.

Contudo, no caso em apreço, conforme foi referido nos elementos anteriores, ficou por demonstrar a existência de negócio económico de efeito equivalente à doação das ações seguida da venda das mesmas à sociedade. Com efeito, a venda das ações realizada por F… à I… SGPS não poderá ser considerado, do ponto de vista do Requerente, como um negócio de efeito económico equivalente ao da doação das ações seguido da venda das mesmas à sociedade.

 

  1. Do Elemento Normativo

Segundo a doutrina que vem sendo citada[19], o elemento normativo traduz-se na desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, espírito e propósito da lei, princípios dos códigos e do sistema fiscal.

Neste sentido, Gustavo Lopes Courinha sustenta que "A desconsideração fiscal de tais atos ou negócios só sucederá quando, cumulando-se todos os supra referidos requisitos, se demonstre que o efeito fiscal obtido (sempre em atenção aos efeitos não fiscais identicamente obtidos) merece um juízo de reprovação pelo Direito"[20].

Tal tarefa deverá ser levada a cabo pela AT, que terá que demonstrar que a intenção das normas aplicáveis ou princípios essenciais de um determinado setor de tributação são contrários à aceitação do resultado. Demonstração, esta, que poderá ser levada a cabo de forma direta, pela pesquisa dos documentos preparatórios da mesma, relatórios de grupos de trabalho, etc, ou de forma indireta pelo recurso a princípios constitucionais que regem o sistema fiscal. Trata-se, portanto, de demonstrar por recurso a todos os métodos interpretativos possíveis que, apesar da letra da lei permitir que o(s) negócios jurídico(s) assegure(m) os efeitos fiscais visados pelos contribuintes, a intenção da lei ou do direito impedem a sua obtenção e permitem concluir pela sujeição a imposto.

No caso em apreço, alega o Requerente que a Requerida no Relatório de Inspeção se limita a invocar as normas fiscais aplicáveis ao "esquema" alegadamente abusivo, sendo que tal invocação nada comprova a verificação ou não do elemento normativo, uma vez que não justifica em que medida os atos levados a cabo merecem a reprovação do Direito. Assim, segundo o Requerente, a Requerida não terá comprovado a verificação do elemento normativo no caso em apreço como se lhe impunha, nos termos do artigo 74.º n.º 1 da LGT. Razão pela qual só pode concluir-se que a Requerida ao emitir a Liquidação Adicional, sem provar a verificação do elemento normativo da CGAA, violou o disposto no n.º 2 do artigo 38.º e no n.º 1 do 74.º da LGT.

No Relatório de Inspeção é afirmado a pág. 19, fls. 134 do PA, que "Através do esquema atrás descrito, F… obteve rendimentos de mais-valias resultantes da venda de ações, dos quais dispôs antecipadamente mediante a sua doação aos filhos, afastando tais rendimentos de tributação através do estipulado no n.º 6 do art.12.º do CIRS, conjugado com a alínea e) do art.6.º do CIS. O n.º 6 do art. 12.º do CIRS dispõe que: "O IRS não incide sobre os incrementos patrimoniais provenientes de transmissões gratuitas sujeitas a imposto de selo, nem sobre os que se encontrem expressamente previstos em norma de delimitação negativa de incidência deste imposto. " Por outro lado, a alínea e) do art. 6.º do CIS estipula que, são isentos de imposto de selo os descendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral (aquisição gratuita de bens) de que são beneficiários" (negrito nosso).

Com efeito, nem no Relatório de Inspeção, nem nas alegações escritas, a Requerida logrou demonstrar a verificação do elemento normativo.

Não bastava à Requerida invocar o normativo aplicável à situação em apreço, teria que comprovar em que medida os negócios jurídicos praticados, apesar de estarem compreendidos na letra da lei, extravasavam a intenção do legislador ou do direito.

Assim, a Requerida não comprovou a verificação do elemento normativo no caso em apreço como se lhe impunha, nos termos do artigo 74.º n.º 1, da LGT.

 

  1. Do Elemento Sancionatório

O elemento sancionatório corresponde à estatuição da norma, ou seja, verificados cumulativamente os elementos já referidos, que preenchem a previsão da norma, a aplicação da CGAA atinge com a sanção legal o seu desiderato – o combate à elisão fiscal – por via da negação dos efeitos fiscais pretendidos obter[21].

Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT e da alínea b) do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, tais atos ou negócios jurídicos serão ineficazes do ponto de vista tributário, efetuando-se a tributação de acordo com as normas fiscais aplicáveis na sua ausência e não se produzem os efeitos fiscais referidos.

No Relatório de Inspeção, a Requeria conclui que “comprovada a existência cumulativa dos quatro pressupostos anteriores justifica-se a ineficácia dos negócios jurídicos em causa, isto é, a desconsideração da doação das ações pela F… aos seus filhos (…) e A… e posterior venda por estes à I… SGPS [I… SGPS], procedendo-se à tributação do negócio pretendido pelo sujeito passivo, ou seja, a transmissão, de modo direto, pela F… à I… SGPS dessas mesmas ações(negrito nosso).

Ora, chegados a este elemento da CGAA, fica claro que a Requerida pretende desconsiderar a doação realizada ao Requerente, considerando que a transmissão das ações foi feita diretamente por F… à I… SGPS, deixando cair a tese da distribuição de lucros da I… SGPS a F… .

Desta forma, no respeita ao IRS de 2012 do Requerente, a correção proposta no Relatório de Inspeção, de natureza meramente aritmética, foi a desconsideração do montante de menos-valias declaradas na Cat. G do IRS – €2.073.350,68.

No entanto, conforme se referiu supra, não se verificando os quatro elementos da CGAA, acima identificados, a estatuição da norma não poderá operar.

 

 

  1. Do valor do processo

No que concerne à determinação do valor do processo, a Requerente indicou o valor de € 0 (zero euros).

Questionada sobre a atribuição de valor €0 ao processo, veio alegar o Requerente que a Demonstração de Liquidação de IRS, identificada com o número de liquidação 2016 … (Liquidação Adicional) e a Demonstração de Acerto de Contas com o número de acerto de contas 2016… relativas ao ano de 2012 (Acerto de contas), cuja anulação solicitou, tiveram origem na correção de uma menos-valia obtida com a transmissão de participações sociais, a qual não originou imposto adicional a pagar, nem valor adicional a reembolsar pela Autoridade Tributária (AT), face à liquidação de IRS inicial do Requerente. Acrescentando que o ato de liquidação sub judice reduz a base fiscal negativa (menos valia líquida apurada), com reflexo imediato na esfera jurídico-tributária do Requerente. Subsidiariamente, caso o Tribunal Arbitral assim não o entenda, o Requerente solicita que seja considerado o "Valor a reembolsar" constante na Liquidação Adicional, valor que corresponde a € 638,45.

A Requerida não se pronunciou sobre o valor do processo no prazo para contraditório concedido, nem posteriormente em fase de resposta ou em alegações escritas.

Cumpre, assim, decidir.

A determinação do valor do litígio deverá ser feita de acordo com o disposto no artigo 97.°-A do CPPT, subsidiariamente aplicável por força da alíneas a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA).

Assim, atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT,

“1. Os valores atendíveis(…), para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;

c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado; (…)

2 - Nos casos não previstos nos números anteriores, o valor é fixado pelo juiz, tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do impugnante, tendo como limite máximo o valor da alçada da 1.ª instância dos tribunais judiciais.(…)”

Conforme refere Jorge Lopes de Sousa[22], “Assim, quando estiver em causa a declaração de ilegalidade da liquidação, o valor da causa corresponderá à importância cuja anulação se pretende. (…) Sempre que não seja possível a fixação do valor da causa, de acordo com as opções referidas, o n.º 2 do artigo 97.º-A do CPPT prevê que o valor seja “fixado pelo juiz, tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do impugnante, tendo como limite máximo o valor da alçada da 1.ª instância dos tribunais judiciais”. De notar, neste âmbito, que, em sede arbitral deve ser sempre indicado o valor da utilidade económica do pedido, ainda que provisório, em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT (…)”.

Ora, no caso em apreço, o valor da causa deverá corresponder ao valor da utilidade económica do pedido, ou seja, ao montante da correção da liquidação de IRS, caso o presente pedido de pronúncia arbitral venha a ser julgado procedente.

Termos em que o valor do presente pedido de pronúncia arbitral deverá ser fixado em € 638,45 (seiscentos e trinta oito euros e quarenta e cinco cêntimos), correspondente ao montante da correção da menos-valia do Requerente.

 

 

  1. DECISÃO

Termos em que decide este tribunal arbitral:

  1. Julgar procedente, por provado, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS número 2016 … e demonstração de acerto de contas com o número 2016 … relativas ao ano de 2012, com fundamento em violação dos pressupostos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária;
  2. Condenar a Requerida em custas processuais.

 

  1. VALOR DA CAUSA

Em conformidade com o disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 306.º do CPC e da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 97.°-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de € 638,45 (seiscentos e trinta oito euros e quarenta e cinco cêntimos).

  1. CUSTAS

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos a Tabela I do RCPTA, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido de anulação do ato tributário objeto dos autos.

Notifique-se esta decisão arbitral às partes.

Lisboa, 2 de março de 2018

O Árbitro Singular,

(Vera Figueiredo)

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131º, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, redigido segundo a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto.

 



[1] Vide Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina 2014

[2] Sublinhado nosso.

[3] Acórdão do STA no processo n.º 01784/13, de 14-10-2015, disponível em www.dgsi.pt.

[4] Decisão arbitral no processo n.º363/2016-T, datada de 14-12-2016, disponível em www.caad.org.pt. As remissões foram eliminadas do excerto da citação, podendo ser consultadas na decisão arbitral.

[5] Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Anti-Abuso no Direito Tributário, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, página 162 e seguintes.

[6] A título de exemplo, veja-se o Acórdão do TCAS no processo n.º 04255/10 de 05-02-2011;

[7] Alguns exemplos de decisões arbitrais do CAAD sobre a CGAA: processo n.º139/2013, de 19-12-2013; processo n.º 62/2014-T, de 01-09-2014; processo n.º 106/2014-T, de 17-10-2014; processo n.º 143/2014-T, de 21-07-2014;  n.º 283/2014-T de 04-05-2015, processo n.º 377/2014-T, de 22-05-2015, etc.

[8] Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Anti-Abuso no Direito Tributário, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, página 165 e seguintes.

[9] Idem.

[10] Decisão arbitral no processo n.º363/2016-T, datada de 14-12-2016, disponível em www.caad.org.pt.

[11] António Lima Guerreiro, citado por Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Anti-Abuso no Direito Tributário, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, página 166.

[12] Cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 310.

 

[13] Confr. Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Anti-Abuso no Direito Tributário, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, página 171 e seguintes.

 

[14] Relatório de Inspeção, página 14, folha 132 do PA.

[15] cfr. Gustavo Lopes Courinha, op. cit., p.179.

[16] Relatório de Inspeção, página 14, folha 132 do PA.

[17] Relatório de Inspeção, página 15, folha 133 do PA.

[18] cfr. Gustavo Lopes Courinha, op. cit. p.183.

 

[19] Cfr. Gustavo Lopes Courinha, op. cit., p. 188.

[20] Idem.

[21] Cfr. Gustavo Lopes Courinha, op. cit., p. 197.

[22] Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, pág. 108, Almedina, 2013.