Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 191/2017-T
Data da decisão: 2017-10-10  IMT  
Valor do pedido: € 240.968,35
Tema: IMT – Isenção - Compra de prédio para revenda
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Decisão Arbitral[1]

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, escolhido pelos outros Árbitros), Dr. Paulo Ferreira Alves e Dra. Sílvia Oliveira, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-06-2017, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

            A…, S.A., com sede na Rua …, nº…, freguesia de…, concelho do Porto - SERVIÇO DE FINANÇAS DO PORTO –… (…) -, titular do número único de identificação de pessoa colectiva e de matrícula … (doravante designada como “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da Liquidação Adicional ao IMT 2011/… .

            Subsidiariamente, a Requerente defende que o valor do prédio a considerar é menor do que o que foi considerado para determinar o imposto liquidado.

 

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Dr. Paulo Ferreira Alves, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-03-2017.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro a Dr.ª Sílvia Oliveira.

Os Árbitros designados pelas Partes indicaram para presidir ao Tribunal Arbitral o Cons. Jorge Lopes de Sousa, que aceitou o encargo.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 24-05-2017.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 16-06-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 04-09-2017, foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

Em 14-09-2017, a Administração Tributária e Aduaneira junto ao processo um «print» obtido do seu sistema informático, com uma lista dos valores históricos do prédio inscrito com o artigo matricial …, da Freguesia de …, em Vila Nova de Famalicão.

As Partes não apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            Não há nulidades nem obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objecto “compra, designadamente para revenda, a venda, a construção e a locação de prédios rústicos ou urbanos, incluindo a constituição e a negociação de fracções imobiliárias em propriedade horizontal, a promoção e a negociação de projectos de loteamento e a urbanização e a administração de propriedades, a prestação de serviços de consultadoria no âmbito das actividades referidas e a administração de condomínios de prédios próprios ou alheios”;
  2. No ano de 2011, a Requerente exercia normalmente a sua actividade, beneficiando por isso na compra para revenda de imóveis da isenção de pagamento de IMT, ao abrigo do disposto no artº. 7º do CIMT;
  3. No dia 21-12-2011, a Requerente comprou a B…, S. A., o “prédio urbano, sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão composto por dois edifícios ligados entre si, destinados a indústria e logradouro, com a área total de trinta e seis mil seiscentos e nove vírgula cinco metros quadrados, sendo a área coberta actualmente de catorze mil cento e quarenta e dois vírgula quatro metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão sob o número ... (…), inscrito actualmente na matriz sob o artº...” (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Na escritura do contrato de compra e venda foi referido que ao prédio adquirido se destinava a revenda;
  5. A Requerente beneficiou da referida isenção de IMT na aquisição do imóvel;
  6. O imóvel foi adquirido pelo preço de 2.745.000,00€, obtendo a Requerente para tal aquisição e benfeitorias um financiamento de 5.267.500,00€ efectuado pelo Banco C…, garantido com hipoteca sobre o prédio referido (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  7. O valor patrimonial deste imóvel, no ano de 2011, era de 3.573.210,00€ (documento junto pela Administração Tributária e Aduaneira em 14-09-2017);
  8. Em 23-03-2013, no âmbito de uma reestruturação financeira de um grupo de empresas maioritariamente controladas por um administrador e, indirectamente, maior accionista da Requerente, foi contratualmente formalizada a celebração de diversos negócios jurídicos autónomos, os quais assentavam em parte numa cessão dos créditos bancários do Banco C…, a uma terceira entidade, D…, NIF…, mediante várias condições;
  9. Entre as condições fixadas, estava a transmissão para a E… (…) (i) da propriedade do prédio urbano, composto por dois edifícios ligados entre si, destinados a indústria e logradouro, sito em Lugar de …, freguesia de…, concelho de Vila Nova de Famalicão sob o número …, daquela freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artº. … (…)” (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, designadamente a Cláusula 2.ª do Documento Complementar);
  10. Em 27-03-2013, a Requerente e a empresa E…, SA, NIPC…, celebraram uma escritura de «Dação em Cumprimento», cuja cópia consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, na qual os representantes da Requerente declaram:

      «Que, pela presente escritura, para pagamento do crédito no valor de cinco milhões duzentos e oitenta e nove mil quinhentos e quarenta e nove euros, de que a E… é titular sobre a A… (o “Crédito da E…”), dão em cumprimento à mencionada E…, na presente data:

      a) Prédio urbano sito em Lugar de …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o número …, da dita freguesia, com a aquisição registada a favor da A… pela inscrição resultante da Ap. … de 2011/12/14, inscrito na respectiva matriz sob o artigo…, com o valor patrimonial de € 3.707.205,38 (o “imóvel”), ao qual atribuem o valor de três milhões setecentos e sete mil duzentos e cinco euros e trinta e oito cêntimos;

      Que sobre o imóvel incide uma hipoteca voluntária, registada a favor do Banco C…, pela inscrição resultante da Ap. 74 de 2011/12/14, a qual foi transmitida a favor da E…, na sequência de escritura de cessão de créditos lavrada neste Cartório em vinte e três de Março de dois mil e treze, a folhas …, e por escritura lavrada hoje neste Cartório a folhas que a estas imediatamente antecedem.

      Que sobre o imóvel incide um ónus de não fracionamento, pelo prazo de dez anos a contar de dezasseis de Dezembro de dois mil e três, registado pela inscrição resultante da Ap. … de 2004/05/04.

      b) O crédito de que a A… é titular sobre a sociedade F…, SA, NIPC e número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial …, com sede na Rua …, número…, no Porto, com o capital social de um milhão novecentos e cinquenta mil euros (a “F…”), no valor de um milhão quinhentos e oitenta e dois mil trezentos e quarenta e três euros e sessenta e dois cêntimos, ao qual atribuem idêntico valor (o “Crédito da A…”).

 

  1. Na referida escritura de Dação em Cumprimento foi declarado pelos representantes da E…, as que «nos termos e para efeitos do disposto no artº. 837º do Código Civil, aceitam a dação em cumprimento do Imóvel e do Crédito da A…, nos termos acima exarados, e com a mesma declaram definitiva e imediatamente extinto o Crédito da E… e, em consequência declaram, para todos os devidos efeitos, a mencionada A… total e definitivamente exonerada da obrigação emergente do mesmo, excluindo, expressa e irrevogavelmente, a presunção constante do artº. 840º do Código Civil»;
  2. A E…, S.A., pessoa colectiva n.º…, no momento da celebração da escritura de cessão de créditos supra referida, não detinha qualquer crédito sobre a Requerente;
  3. Com a celebração da escritura de dação em pagamento nos termos supra referidos, a E…, S.A., pessoa colectiva n.º … considerou que todos os seus créditos sobre a Requerente, adquiridos no momento imediatamente anterior à celebração da referida escritura, se extinguiram na totalidade;
  4. A Administração Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2014…;
  5. Nessa acção inspectiva foi elaborado o projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cuj3.7o teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

      Da análise aos elementos da contabilidade do sujeito passivo detetamos a existência das seguintes situações irregulares:

 

      Imposto Municipal sobre as Transmissões - IMT

 

      Nos termos do n.° 1 do artigo 7.° do Código do IMT, são isentas de IMT as aquisições de prédios para revenda.

      A A… beneficiou da mencionada isenção na aquisição do imóvel com o artigo matricial…, da Freguesia de …, em Vila Nova de Famalicão, aquisição esta que foi efectuada em 21 de Dezembro de 2011, pelo montante de 2.745.000,00€, obtendo para tal aquisição e benfeitorias um financiamento de 5.267.500,00€.

      O valor patrimonial deste imóvel, no ano de 2011, era de 3.573.210,00€.

      Em 27 de Março de 2013, a A… e a “E…, SA”, NIPC…, celebraram uma escritura de Dação em Cumprimento, na qual os representantes da A… declaram:

      (...)

      Assim, através da escritura aqui descrita, em vinte e sete de Março de 2013, a A… deu em cumprimento, para pagamento de uma dívida, à E…, o imóvel com o artigo matricial…, da Freguesia de …, em Vila Nova de Famalicão, o qual havia sido adquirido, em 21 de Dezembro de 2011, aquisição essa que beneficiou da isenção de IMT, isenção estabelecida pelo n.° 1 do artigo 7.° do Código do IMT que isenta daquele imposto a aquisição de prédios para revenda.

      No entanto há que atender ao n.° 5 do artigo 11.º do mesmo diploma legal, o qual preconiza que a aquisição a que se refere o artigo 7.° deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.

      Ora, no caso aqui em apreço, temos que o prédio que usufruiu desta isenção foi objeto de uma dação em cumprimento, pelo que sendo entendimento tradicional da nossa jurisprudência, que a dação em cumprimento configura uma operação distinta da revenda, estamos perante a situação dum imóvel ao qual foi dado um destino diferente o que, consequentemente, conduz à perda da isenção de IMT de que havia beneficiado aquando da respetiva aquisição. Neste mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, através do Acórdão de 4 de Outubro de 2000, Processo 024923, do qual destacamos:

      (...)

      Assim, verificando-se, nos termos do já explanado, que:

  • Em 2013, a A… deu em cumprimento, para pagamento de uma divida, à E…, o imóvel com o artigo matricial…, da Freguesia de …, em Vila Nova de Famalicão, o qual havia sido adquirido, em 21 de Dezembro de 2011, pelo montante de 2.745.000,00€;
  • Essa aquisição beneficiou da isenção estabelecida pelo n.° 1 do artigo 7.° do Código do IMT, que isenta deste imposto a aquisição de prédios para revenda;
  • A dação em cumprimento configura - conforme acórdão do STA referido - uma operação distinta da revenda.

 

      Resulta, de acordo com o estabelecido no referido n° 5 do artigo 11° do Código do IMT, que a aquisição em causa, deixou de beneficiar de isenção, por se ter verificado que, ao prédio adquirido para revenda, foi dado destino diferente, pelo que, conforme se prescreve no artigo 34° e no n° 6 do artigo 36° do mesmo Código, o sujeito passivo deveria ter procedido à regularização da situação, solicitando a liquidação do IMT que se mostrasse devido, em consequência da cessação dos pressupostos que determinaram a isenção da transação em causa.

      Deste modo, atendendo a que a sociedade deu ao imóvel adquirido para revenda um destino diverso daquele que originou a concessão da isenção e, não tendo providenciado o cumprimento do estabelecido no artigo 34° do Código do IMT (Caducidade da Isenção - Pedido da Liquidação) e no n° 6 do artigo 36° do mesmo Código, propõe-se a liquidação de IMT sobre o respetivo valor de aquisição.

  • Correções à matéria tributável para efeitos de IMT: 3.573.210,00€.

 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, na sequência do que foi elaborada uma informação, datada de 03-05-2016, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Do direito

- O direito de audição foi apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 60° da LGT;

Em sede de IMT:

- Em 13-12-2011 foi efectuada a liquidação do lMT n° … com isenção atribuída nos termos do artigo 7° do respectivo código que precedeu a escritura de compra e venda celebrada no dia 21 desse mês;

- O prédio em causa foi transmitido por escritura de dação em cumprimento o que, segundo o entendimento tradicional da nossa jurisprudência, configura uma operação distinta da revenda.

- Assim, deparamo-nos com a situação de um prédio a que foi dado um destino diferente, o que, conforme estabelece o n° 5 do referido artigo 11°, determina a caducidade da isenção de IMT que beneficiou aquando da sua aquisição. A transmissão deste imóvel por meio de escritura de dação em cumprimento não vai de encontro ao objetivo que esteve subjacente à sua aquisição e que justificou a isenção, nem se poderá considerar que foi efectuada no âmbito da atividade de compra de prédios para revenda a que o sujeito passivo se dedica e sob o exercício do qual o adquiriu.

- No que respeita ao valor patrimonial tributário a considerar para efeitos de liquidação de IMT, esclarece o n° 2 do artigo 18° do referido diploma legal, que “Se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação", reportando-se esta à data em que deveria ter sido pedida a liquidação, conforme esclarecimento da Direção de Serviços do IMT de 26-11-2014. Ou seja, tendo ocorrido a caducidade da isenção -em 27-03-2013, o valor patrimonial a considerar será o que estava vigente à data de 26-04-2013 (30 dias após a caducidade da isenção), face ao disposto no n° 1 do artigo 34° do código do IMT, ou seja, 3.707.205,38 EUR.

(...)

      Conclusão

      Assim, face ao exposto será de indeferir o pedido.

 

  1. Em 03-05-2016, foi proferido despacho manifestando concordância com esta informação e indeferindo o pedido de anulação da liquidação formulado no exercício do direito de audição;
  2. O Serviço de finanças de Vila Nova de Famalicão - … emitiu a liquidação adicional de IMT n.º 2011/…, com o seguinte teor:

SUJEITO PASSIVO: A… S A, NIPC …

LIQUIDAÇÃO ADICIONAL AO IMT 2011/…

      Deve a quantia de 240.968,35€ de I.M.T. relativamente à escritura de compra e venda celebrada em 21-12-2011, no cartório notarial de G…, em virtude de ter beneficiado de isenção de I.M.T. para revenda, nos termos do artigo 7° do código do IMT e ter dado ao bem um destino diferente, ocorrendo assim a caducidade da isenção, nos termos do n° 5 do artigo 11° do referido código, relativamente ao(s) prédio(s) seguinte(s):

      1) Prédio urbano com afectação de Armazéns e actividade industrial, inscrito na matriz da freguesia de…, deste concelho sob o artigo…, com o valor patrimonial, à data da caducidade da isenção, de € 3.701.205,38 e valor declarado de €2.745.000,00;

      Vai servir de base à liquidação o valor patrimonial, nos termos do n° 1 do artigo 12°. É aplicada a taxa de 6,5% prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 17° do CIMT.

      Liquidação: 3.707.205,38€ X 6,5% = 240.968.35€

      Juros compensatórios contados nos termos do artigo 33° do CIMT (27-04-2013 até 12-06-2015) = 20.492,21€

 

      DATA DA CADUCIDADE DA ISENÇÃO: 2013-03-27

      Liquidação efectuada em seguimento da informação dada no processo Ol2014…, da Direção de finanças do Porto.

 

  1. Em 06-10-2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, sobre a qual a Administração Tributária e Aduaneira elaborou um projecto de decisão, que consta do processo administrativo, datado de 13-10-2016, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
  3. Em 13-12-2016, o Senhor Chefe de finanças de Famalicão…, proferiu o despacho de indeferimento da reclamação graciosa que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

A. RELATÓRIO

O Sujeito Passivo supra identificado, notificado pelo ofício n° … em 14 de novembro de 2016, apresentou defesa em 28 de Novembro, onde alega em sede de audição prévia, não concordar com o projecto de indeferimento, porquanto o mesmo não foi devidamente fundamentado, nomeadamente no que toca à dação em pagamento não se poder enquadrar no conceito de revenda.

A empresa agora reclamante. através da escritura realizada em vinte e sete de Março de 2013, a A… deu em cumprimento, para pagamento de uma dívida, à E…, o imóvel com o artigo matricial…, da Freguesia de…, em Vila Nova de Famalicão, o qual havia sido adquirido, em 21 de Dezembro de 2011, aquisição essa que beneficiou da isenção de IMT, isenção estabelecida pelo n.° 1 do artigo 7.° do Código do IMT, que isenta daquele imposto a aquisição de prédios para revenda.

No entanto há que atender ao n.° 5 do artigo 11.° do mesmo diploma legal, o qual preconiza que a aquisição a que se refere o artigo 7.° deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda, foi dado destino diferente, ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos, ou o foram novamente para revenda.

No caso aqui em apreço, temos que o prédio que usufruiu desta isenção foi objecto de uma dação em cumprimento, pelo que sendo entendimento tradicional da nossa jurisprudência, que a dação em cumprimento configura uma operação distinta da revenda, estamos perante a situação dum imóvel ao qual foi dado um destino diferente o que, consequentemente, conduz à perda da isenção de IMT de que havia beneficiado aquando da respectiva aquisição.

Neste mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, através do Acórdão de 4 de Outubro de 2000, Processo 024923, do qual destacamos:

(...)

Assim, verificando-se nos termos do já explanado, que:

  •  Em 2013, a A… deu em cumprimento, para pagamento de uma divida, à E…, o imóvel com o artigo matricial…, da Freguesia de…, em Vila Nova de Famalicão, o qual havia sido adquirido, em 21 de Dezembro de 2011, pelo montante de 2.745.000,00€;
  • Essa aquisição beneficiou da isenção estabelecida pelo n.° 1 do artigo 7.” do Código do IMT, que isenta deste imposto a aquisição de prédios para revenda;
  • A dação em cumprimento configura - conforme acórdão do STA referido - uma operação distinta da revenda,

 

Resulta, de acordo com o estabelecido no referido n° 5 do artigo 11° do Código do lMT, que a aquisição em causa, deixou de beneficiar de isenção, por se ter verificado que, ao prédio adquirido para revenda, foi dado destino diferente, pelo que, conforme se prescreve no artigo 34° e no n° 6 do artigo 36° do mesmo Código, o sujeito passivo deveria ter procedido à regularização da situação, solicitando a liquidação do lMT que se mostrasse devido, em consequência da cessação dos pressupostos que determinaram a isenção da transacção em causa.

Deste modo, atendendo a que a sociedade deu ao imóvel adquirido para revenda um destino diverso daquele que originou a concessão da isenção e, não tendo providenciado o cumprimento do estabelecido no artigo 34° do Código do lMT (Caducidade da isenção -Pedido da Liquidação) e no n° 6 do artigo 36° do mesmo Código, deve ser liquidado IMT sobre o respectivo valor de aquisição.

Face ao exposto, não existem nem foram acrescentados quaisquer outros elementos relevantes, susceptíveis de alterar o projecto de decisão.

B. DECISÃO

Conforme o contexto legislativo já notificado ao reclamante em sede de audição prévia, decide-se a presente Reclamação Graciosa (…2016…), tornando-se definitivo o projecto de decisão notificado ao reclamante e em consequência declara-se improcedente o pedido.

Notifique-se que poderá, querendo, interpor recurso hierárquico no prazo de 30 dias (art°66 n° 2 do CPPT), ou impugnar judicialmente no prazo de três meses (art.° 102 do CPPT), ou ainda requerer a constituição de Tribunal Arbitral no prazo de 90 dias (art.° 10 n° 1 a) do DL 10/2011 de 20 de Janeiro).

 

  1. Em 21-03-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

            2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não sendo objecto de controvérsia.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questões que são objecto do processo e posições das Partes

 

A Requerente dedica-se a actividade de aquisição de prédios para revenda e adquiriu um prédio, em 2011, declarando que o destinava a revenda, beneficiando da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do CIMT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 7.º

Isenção pela aquisição de prédios para revenda

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.

2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.

3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.

4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção.

 

          Em 2013, a Requerente deu em cumprimento pelo qual transmitiu o referido prédio à empresa E…, SA, para pagamento de um crédito de que esta empresa era titular.

          A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, invocando jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que, com esta dação em cumprimento, foi dado ao prédio um destino diferente da revenda, pelo que caducou a isenção, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT que estabelece que «a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda».

          A Requerente entende que não ocorreu a caducidade porque, em suma, transmitiu a propriedade do prédio dentro do prazo de três anos previsto neste n.º 5 do artigo 11.º, e que a dação em cumprimento é equiparável à revenda, para este efeito.

          Subsidiariamente, a Requerente defende que o valor sobre que incidiu o IMT não é correcto.

 

          3.2. Questão da caducidade da isenção

 

A posição defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira está em sintonia com o entendimento adoptado pelos Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 04-10-2000, proferido no processo n.º 024923 [2], a propósito de idêntica isenção que se previa nos artigos 11.º, n.º 3, 13.º-A e 16.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.

Naquele acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo refere o seguinte:

 

Pressuposto essencial da decisão recorrida foi o entendimento de que a "revenda prevista no CIMSISSD (como não causante da caducidade) é a de natureza comercial, aquela que é feita com intuito lucrativo por pessoa que exerce a actividade comercial e está, para tanto, fiscalmente colectada" por à mesma se ajustar a ratio legis da isenção, pois que "tal isenção foi justificada pelo facto de tais imóveis, integrando o activo mobilizado da empresa e sendo revendidos como mercadoria com obtenção de lucros, serem estes sujeitos a outro ónus fiscal - a contribuição industrial - julgada mais perfeita do que a tributação em sisa, por entrar em linha de conta com os proveitos e custos respectivos, tributando-se o lucro real".

A isenção aqui em causa está prevista na lei (n.º 3 do art.º 11º do CIMSISSD) segundo os seguintes termos "As aquisições de prédios para revenda, nos termos do art.º 13º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no art.º 105º do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do art. º 94º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda".

E por seu lado no art.º 16º n.º 1 do mesmo Código da Sisa estabelece-se que deixarão de beneficiar da isenção logo que se verifique "que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda".

É evidente - e sobre este entendimento ninguém divergiu no processo - que a isenção prevista no n.º 3 do art.º 11º do CIMSISSD tem como razão de ser a circunstância de não ser razoável que se tribute em sisa as operações económicas que dizem respeito a bens - no caso bens imóveis e só por aí sujeitas a esta tributação - que constituem a mercadoria cuja venda constitui o objecto da actividade normal do contribuinte e por cujos lucros está sujeita a imposto sobre o rendimento (IRS ou IRC consoante contribuinte singular ou pessoa colectiva ou equiparada).

Estamos perante uma isenção fiscal claramente querida pelo legislador que a sujeitou, todavia, às condições de caducidade do art.º 16ºe não perante qualquer inevitabilidade jurídico-tributária, já que, do ponto de vista de estruturação do imposto da sisa, não haveria nenhum obstáculo a que a aquisição ficasse sempre sujeita a sisa, levando-se a regra de custos no imposto sobre o rendimento o valor do imposto suportado (...)

 

Deste modo a questão reconduz-se em apurar se ocorre a hipótese de caducidade da isenção prevista no n.º 1 do art.º 16º do CIMSISSD de "aos prédios adquiridos para revenda ter sido dado destino diferente", já que todas as demais aí apontadas são manifestamente inaplicáveis à situação e não foi com base nelas que se declarou a isenção atingida de caducidade.

Assim sendo, tudo passa por saber se a dação em cumprimento dos bens imóveis por cuja aquisição a V2 ficou isenta de sisa corresponde a um destino diferente do da revenda.

E desde já podemos adiantar que a resposta só poderá ser a afirmativa.

Em primeiro lugar, pelos termos verbais da lei: não desconhecendo o legislador fiscal as figuras próximas dos da venda e da revenda, é de entender que terá utilizado o termo "revenda" na acepção que o mesmo tem no ramo de direito de que provém.

Trata-se de um princípio de interpretação hoje abertamente afirmado no art.º 11º n.º 2 da Lei Geral Tributária, por outro diferente não decorrer directamente da lei fiscal.

Sendo assim, apenas deverão ser relevadas como equivalendo-se juridicamente a revenda as figuras negociais em que seja possível surpreender os mesmos elementos do tipo negocial e, nomeadamente, a sua funcionalidade económica ou o específico fim negocial próprio do tipo de negócio.

É neste sentido que poderá sustentar-se poder caber em tal conceito a figura da expropriação, como já o entendeu este STA no acórdão citado pela recorrente.

Mas seguramente que não cabe nela a dação em cumprimento, pois que, por um lado, se resume a um tipo negocial cujo objecto tanto pode abranger bens imóveis como móveis ou direitos de crédito.

E mais importante que tudo isso porque não visa criar obrigações sinalagmáticas de equilíbrio subjectivamente desejado de prestações, mas antes extinguir obrigações cuja fonte pode nem sequer ser contratual, mas extracontratual, sendo uma causa de extinção de obrigações (embora contratual) pluricausal.

Mas o argumento verdadeiramente decisivo é o que se distrai dos próprios termos do preceito que estabelece a isenção e da sua ratio legis.

A utilização como revenda só poderá traduzir-se num acto que realize o escopo que esteve subjacente à sua aquisição ou compra e que justificou a isenção.

O destino da revenda terá de consubstanciar-se numa transmissão da propriedade mediante um preço efectuada dentro e ainda em execução da actividade de compra de prédios para revenda a que o contribuinte se dedica e sob o exercício da qual a adquiriu.

Dito pela forma mais simples sugerida pelo Exmo. Magistrado do M.ºP.º no seu parecer: se a isenção se fundamenta na circunstância de tais bens imóveis constituírem a mercadoria da actividade a que a empresa se dedica, também a disposição do imóvel terá de acontecer como acto de venda de mercadoria praticado no exercício da mesma actividade de aquisição de prédios para revenda.

Ora, tal não acontece seguramente com a dação em cumprimento em que nenhum proveito correspondente ao preço acaba por ser recebido, apenas se verificando uma situação em que o património líquido do contribuinte acaba por ser mais favorável, seja ele ainda negativo ou positivo.

Desta sorte, como bem acabou por concluir a decisão recorrida, verificou-se o caso de caducidade previsto na primeira parte do n.º 1 do art.º 16º do CIMSISSD e, consequentemente, era devida a sisa que foi apurada, não padecendo o acto de liquidação da ilegalidade que lhe foi assacada.

 

A interpretação aqui efectuada pelo Supremo Tribunal Administrativo afigura-se correcta.

Na verdade, por um lado, a referência a «revenda» no prazo de três anos como condição da consolidação, aponta, na sua literalidade, para apenas a venda do imóvel ser relevante e não qualquer outra forma de transmissão da propriedade.

Com efeito o significado natural da palavra «revender» é o de «tornar a vender» [3].

Vender é uma das formas jurídicas de transmissão da propriedade pelo que o uso desta palavra em vez de uma palavra com alcance genérico, como «transaccionar» ou «alienar» aponta para se ter pretendido que apenas aquela forma de alienação ser relevante para efeito da manutenção da isenção.

Uma confirmação de que no CIMT se pretendeu utilizar intencionalmente a expressão «revender» em vez de «transaccionar» ou «alienar» encontra-se no próprio artigo 11.º do CIMT, em que em duas normas seguidas se empregam os dois termos, a propósito da caducidade de duas isenções:

 

5 - A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.

6 - Deixarão de beneficiar de isenção as aquisições a que se refere o artigo 8.º, se os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos a contar da data da aquisição.

 

Assim, tendo de se presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, «pelo que, a falta de elementos que induzam à eleição de um sentido menos imediato do texto legal, o intérprete deve optar, em princípio, por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas. [4]

Isto é, tem de se concluir que ao utilizar a palavra «revenda» se está aludir apenas a essa forma de alienação e não a qualquer outra.

Uma outra confirmação, cronologicamente mais distante, mas ainda mais expressiva, de que se pretendeu restringir a manutenção da isenção apenas aos casos em que a «revenda» se concretiza no prazo e que o mesmo efeito não é atribuído a outras formas de transacção, encontra-se no regime equivalente relativo à isenção de sisa em aquisição de prédios adquiridos para revenda.

Na verdade, na redacção inicial do Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41.969, de 24-11-1958, a isenção de sisa estava prevista para «as aquisições de prédios para revenda, quando feitas por entidade tributada em contribuição industrial pelo exercício do respectivo comércio» (artigo 11.º, n. 3).

E no artigo 16.º, n.º 1, do mesmo Código, previa-se que as transmissões aí referidas «deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respectivamente» «que os prédios adquiridos para revenda não foram transaccionados dentro de dois anos».

Com a redacção dada ao n.º 1 do referido artigo 16.º pelo Decreto-Lei n.º 757/75, de 31 de Dezembro, manteve-se a referência:

 

1.º Que os prédios adquiridos para revenda não foram transaccionados dentro do prazo de dois anos ou o foram novamente para revenda, salvo justificação aceite por despacho do Ministro das Finanças, que poderá prorrogar esse prazo até ao máximo de dois anos mais.

 

Mas, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 263/79, de 1 de Agosto, este n.º 1 do artigo 16.º passou a ter a seguinte redacção:

 

1.º Que os prédios adquiridos para revenda não foram revendidos dentro do prazo de dois anos ou o foram novamente para revenda, salvo justificação aceite por despacho do Ministro das Finanças e do Plano, que poderá prorrogar esse prazo até ao máximo de dois anos;

 

A substituição da expressão a «não foram transaccionados» por «não foram revendidos» impõe a conclusão de que se pretendeu restringir à revenda as formas de transacção relevantes para a manutenção da isenção.

A relevância deste argumento literal é especialmente acentuada nos casos de normas sobre benefícios em que, como vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo se deve adoptar uma interpretação estrita ou declarativa, o que decorre da sua natureza excepcional ou anti-sistemática.

            Neste sentido, precisamente sobre a interpretação deste conceito de «revenda» utilizado no artigo 11.º, n.º 5, do CIMT, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2012, proferido no processo n.º 0529/12, em que se refere, na esteira de NUNO SÁ GOMES e SÉRGIO VASQUES:

Com efeito os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, de carácter excepcional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (Manual de Direito Fiscal, 11ª edição com adenda, 2000, páginas 323/326, Nuno de Sá Gomes...)

As normas de benefícios fiscais merecem assim tratamento autónomo porque são normas anti-sistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto (Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, pág. 312.).

E é essa circunstância que legitima que se sustente quanto a elas um princípio de interpretação estrita ou declarativa (strict interpretation), fundado precisamente na sua natureza excepcional ou anti-sistemática.

Daí que se entenda que, a isenção de imposto, na medida em que contraria os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, é insusceptível de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido.

Assim, numa interpretação estrita do preceito (artº 11º, nº 5 do CIMT) há-de entender-se que, no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a Lei exige, sem mais, a efectivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem equiparar a ela qualquer outro tipo de acto ou contrato.

Este tem sido também o entendimento tradicional da nossa jurisprudência no âmbito do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, cujo regime é, neste aspecto, muito semelhante ao regime do CIMT – cf. Acórdãos de 6/3/1985, rec. n.º 2732, de 19.06.1985, recurso nº 002841, de 13.10.1993, rec. º nº 15334, de 28.01.2008, rec. n.º 642/08 e de 07.03.2012, recurso 01141/11.

Como se exarou no Ac. de 13.10.1993, acima citado (publicado no Apêndice ao DR, de 20/5/1996, pp. 3279 a 3282) «perante o texto da lei aplicável e o intuito legal de, com a concessão desta isenção, se evitar a tributação sucessiva, em imposto de sisa dos mesmos bens, num curto período de tempo, não será de concluir que o legislador disse menos do que pretendia, mas antes é de reconhecer que os termos utilizados traduzem a vontade ali inequivocamente expressa, no sentido de só relevar, para o efeito aí assinalado, o acto de «revenda» do prédio em causa».

E ainda a propósito do conceito de revenda se disse também no supra citado Ac 1141/11 que “revender é vender de novo, ou vender o que se tinha comprado, ainda que sem aquele propósito, e torna-se por demais evidente que só através da venda se opera a revenda, e não mediante simples troca ou permuta dos bens originariamente adquiridos (…) Sendo assim só a revenda assume relevância para efeitos de isenção de sisa, não a tendo a troca ou a permuta” (Acórdãos Doutrinais, nº 257, pág. 644).

 

Esta interpretação estrita da expressão «revenda» tem sido reafirmada uniformemente pela jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 15-02-2017, proferidos nos processos n.ºs 01243/16 e 01244/16; de 21-6-2017, proferido no processo n.º 456/17; de 22-2-2017, proferido no processo n.º 1245/16.

Por outro lado, a razão que explica que se reconheça esta isenção às empresas que têm como actividade normal a comercialização de prédios para revenda e não a quaisquer outras, é a de os proveitos obtidos com o exercício de actividade comercial deverem ser preferencialmente tributados em sede de imposto sobre o rendimento, em consonância com o princípio constitucional de que a tributação das empresas deve incidir fundamentalmente sobe o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP).[5]

Por isso, devendo o alcance das normas reconduzir-se aos limites definidos pela sua razão de ser ([6]) deverá restringir-se o campo de aplicação da isenção às situações em que o imóvel se mantém afecto à actividade de intermediação entre a oferta e a procura de imóveis, em que se traduz a actividade comercial de compra de prédios para revenda cujos rendimentos são tributados em sede de imposto sobre o rendimento.

Assim, é de concluir, com base em elementos de natureza literal, histórica, racional e teleológica da interpretação jurídica, que a isenção prevista no artigo 7.º do CIMT apenas se mantém se o prédio for revendido no prazo de três anos e caduca se ocorrer alienação por outra via, à margem da actividade comercial de intermediação entre a oferta e a procura em que se consubstancia o «exercício da actividade de comprador de prédios para revenda», que justifica que se atribua a isenção.

No caso em apreço, a Requerente deu o prédio em cumprimento, para extinção de uma dívida, o que não consubstancia «revenda» nem se insere no exercício da actividade de intermediação entre a oferta e a procura, pelo que se verifica uma situação em que ao prédio adquirido «para revenda foi dado foi dado um destino diferente», em que ocorre a caducidade da isenção.

Para além disso, a transmissão foi efectuada para satisfazer a «necessidade de reestruturar financeiramente um grupo de empresas maioritariamente controladas por um Administrador e, indirectamente, maior accionista da requerente (como a própria refere no artigo 18.º do pedido de pronúncia arbitral), pelo que foi feita manifestamente à margem da sua actividade de comercialização de prédios para revenda.

Pelo exposto, não merece censura a liquidação impugnada ao ter como pressuposto a caducidade da isenção.

 

            3.3. Questão do valor do imóvel a atender na liquidação

 

            Subsidiariamente, a Requerente defende que o valor do imóvel que deve ser considerado na liquidação, em 2011, é de € 3.573.210,00, e não o de € 3.707.205,38 constante de Liquidação, uma vez que o valor considerado para efeitos de escritura não foi superior ao Valor Patrimonial Tributário.

A Autoridade Tributária e Aduaneira aventa que este Tribunal Arbitral não tem competência para alterar o valor em causa, mas é óbvio que a utilização de um valor diferente do que deve ser utilizado para calcular o imposto consubstancia vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, cuja apreciação se insere manifestamente nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, já que se trata de questão que tem a ver com ilegalidade de actos de liquidação.

            A Requerente pretende que seja considerado para efeito de liquidação o valor patrimonial tributário que o imóvel tinha em 2011, que era de € 3.573.210,00, alegando que «o valor considerado para efeitos de escritura não foi superior ao Valor Patrimonial Tributário».

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que «esclarece o n.º 2 do artigo 18.º do CIMT que “se ocorrer ao valor caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação”, reportando-se esta à data em que deveria ter sido pedida a liquidação. Ou seja, tendo ocorrido a caducidade da isenção em 27-03-2013, o valor patrimonial a considerar será o que estava vigente à data de 26-04-2013 (30 dias após a caducidade da isenção), face ao disposto no n.º 1 do art. 34.º do CIMT, ou seja 3.707.205,38€».

            O artigo 18.º, n.º 2, do CIMT estabelece que “se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação”.

            Só não será assim quando após a aquisição dos bens, tenham ocorrido factos que alterem a natureza do imóvel, caso em que o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão, como resulta do n.º 3 do mesmo artigo 18.º.

            A “data da liquidação” é, para este efeito, a “data em que, por força da caducidade, deve ser pedida a liquidação” ([7]), que é a data em que se constitui o facto tributário, a data da verificação dos pressupostos que determinam que ela deve ocorrer e não a data em que a Autoridade Tributária e Aduaneira a concretiza ou a data em que o contribuinte deve pedir que ela seja efectuada.

            Na verdade, a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário e os seus elementos essenciais não podem ser alterados por vontade das partes (artigo 36.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

            Nos casos de caducidade da isenção o facto tributário ocorre na data em que a isenção fica sem efeito, como se infere do n.º 1 do artigo 35.º do CIMT.

            A caducidade da isenção ocorre «logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente», com o que resulta do preceituado no artigo 11.º, n 5, do CIMT.

            No caso em apreço, a caducidade da isenção ocorreu em 23-03-2013, data em que foi acordada a reestruturação financeira em cujas condições se incluiu a obrigação de transmissão da propriedade do prédio para a E… e, consequentemente, o prédio deixou de estar destinado a revenda, no âmbito da actividade comercial da Requerente.

            Assim, o valor a atender é o que o prédio tinha em 23-03-2013.

            Pelo documento junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com as alegações, conclui-se que o valor patrimonial do prédio à data de 23-03-2013, era o de € 3.707.205,38, fixado em 28-12-2012.

            Foi este o valor que foi considerado para efectuar a liquidação, pelo que se conclui que esta não enferma do vício que a Requerente lhe imputa, quanto ao valor considerado.

 

            4. Decisão

 

            Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

            a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

            b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.


 

            5. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 240.968,35.

 

           

Lisboa, 10-10-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(Paulo Ferreira Alves)

 

(Sílvia Oliveira)

 



[1] Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), com versos em branco e por nós revisto, e respeitando a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas, em que se manteve a ortografia do original.

[3] Dicionário Priberam, disponível em https://www.priberam.pt/dlpo/revenda e Dicionário Infopédia (Porto Editora), disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/revender

[4] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.

[5] Como, aliás, deixa perceber o texto explícito do artigo 11.º, n.º 3, do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, ao fazer referência a «entidade tributada em contribuição industrial pelo exercício do respectivo comércio».

[6] «Cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-09-2015, processo n.º 0244/15, em que se refere: «Parece ter sido opção do legislador que, verificando-se caducidade da isenção, nestas situações, sem que o bem tenha sofrido qualquer alteração o imposto seja determinado tendo em conta a taxa e o valor vigentes à data da liquidação. Mas, verificando-se alteração, já a liquidação terá em conta as taxas e valores vigentes à data da transmissão que ocorreu, naturalmente, antes de qualquer alteração sobre a natureza do bem».