Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 228/2017-T
Data da decisão: 2017-11-27  IRC  
Valor do pedido: € 12.399,93
Tema: IRC - Dedução de encargos aos rendimentos prediais.
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1.        A…, pessoa coletiva com o número de identificação fiscal (“NIF”)…, com morada fiscal na Rua …, n.º…, …-… … (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, no dia 1 de abril de 2017, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de tribunal arbitral, de forma a ser declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) dos exercícios de 2012, 2013 e 2014 seguidamente expostas, bem como a declaração da ilegalidade do ato de deferimento parcial da Reclamação Graciosa que a ora Requerente apresentou com vista à declaração da ilegalidade e anulação das referidas liquidações tributárias:

(i)       Demonstração de liquidação de IRC n.º 2016…, de 17 de fevereiro de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, estas duas de 19 de fevereiro de 2016 (exercício de 2012);

(ii)    Demonstração de liquidação de IRC n.º 2016…, de 17 de fevereiro de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, ambas de 22 de fevereiro de 2016 (exercício de 2013);

(iii)  Demonstração de liquidação de IRC n.º 2016…, de 17 de fevereiro de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, as duas de 23 de janeiro de 2016 (exercício de 2014).

Sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2.        Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 6 de junho de 2017.

3.        Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 22 de junho de 2017.

B) História processual

4.        No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IRC mencionadas supra, respeitantes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, bem como a ilegalidade do ato de deferimento parcial da Reclamação Graciosa que apresentou com vista à declaração de ilegalidade e anulação das referidas liquidações tributárias.

5.    Por despacho de 18 de outubro de 2017, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

6.    Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo para a decisão arbitral o dia 30 de novembro de 2017.

7.    O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

8.    Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

9.     A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de definir, numa primeira fase, o alcance do conceito apresentado no artigo 41.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) relativo a despesas de manutenção e conservação e, bem assim, de aferir a legalidade da consideração proporcional da dedutibilidade das despesas incorridas aos rendimentos prediais, em função do número de dias de arrendamento do imóvel.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

10.    Examinada a prova documental produzida, o tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

                    i.            A Requerente é uma sociedade não residente, e sem estabelecimento estável em Portugal, coletada pela atividade a que corresponde o CAE 68331 “Atividades de Mediação Imobiliária”.

                  ii.            O regime de determinação da matéria coletável da Requerente obedece ao disposto no artigo 56.º do Código do IRC, pelo que é determinado de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes em sede de IRS.

                iii.            Nos anos de 2012, 2013 e 2014, o imóvel foi arrendado durante 28, 35 e 63 dias, respetivamente, não existindo qualquer indicação de que o imóvel tenha sido utilizado em benefício próprio, de outra pessoa/entidade que não a contratada ou para quaisquer outros fins, durante o período referido.

                iv.            Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI2015…/…/…, de 11 de dezembro de 2015, foi realizada ação inspetiva interna à Requerente pela AT, de âmbito parcial e incidente sobre os exercícios de 2012, 2013 e 2014, respeitante aos procedimentos adotados em sede de apuramento do IRC.

                  v.            A 14 de janeiro de 2016, a Requerente foi notificada do Projeto de Correções de Inspeção Tributária, efetuada ao abrigo das referidas Ordens de Serviço. A Requerente foi notificada através do Ofício n.º… de 12 de fevereiro de 2016 do Relatório final de Inspeção.

                vi.            Em resultado da referida ação inspetiva, foram efetuadas correções em sede de IRC no valor de € 4.063,64, quanto ao exercício de 2012, de € 3.914,73, relativamente ao exercício de 2013, e de € 4.042,70, relativamente ao exercício de 2014. Na sequência da Inspeção Tributária e das conclusões vertidas no Projeto e no Relatório Final, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação adicional de IRC e dos respetivos juros compensatórios, havendo sido pago um montante total de € 12.829,45.

              vii.            A Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa referente aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, visando a correção dos atos tributários de liquidação adicional de IRC, entretanto ocorridos, tendo solicitado o reembolso do imposto pago no montante de € 12.021,07 e do valor de € 808,38 de juros compensatórios, acrescido de juros indemnizatórios.

            viii.            A 3 de janeiro de 2017, a Requerente foi notificada da decisão final de deferimento parcial da referida Reclamação Graciosa, a qual se materializou no reembolso de € 170,85 e € 258,67 referente a imposto pago em excesso relativamente aos exercícios de 2012 e 2014.

                ix.            O deferimento parcial decorreu da disponibilização de informação adicional pela Requerente em sede de Reclamação Graciosa, designadamente o contrato de administração da propriedade, subjacente às faturas emitidas pela B… Ltd (doravante, B…) e declarações, em complemento das faturas anteriormente apresentadas, com o descritivo que permite enquadrar o bem/prestação de serviços, no entendimento da Requerida, em despesas correntes ou despesas de conservação e manutenção.

11.    A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

IV. Do Direito

A) Argumentos das partes

12.    A Requerente, no seu pedido, alega, em primeiro lugar, a falta de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária, considerando a Requerente que o Relatório de Inspeção se abstém de indicar quais são em concreto as despesas que não são dedutíveis quando o descritivo não permite enquadrar o bem / prestação de serviço suportado.

13.    Com efeito, considera a Requerente que a AT fundamentou de forma obscura e insuficiente a correção efetuada, particularmente quanto à aplicação de um critério de proporcionalidade na dedutibilidade dos encargos suportados para a obtenção de rendimentos prediais.

14.    Alega ainda a Requerente que os atos de liquidação sofrem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, no que se refere à dedutibilidade de despesas ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRS e na proporcionalidade das despesas tendo por base o número de dias de arrendamento.

15.    Considera a Requerente que o conceito de despesas de manutenção e conservação, previsto no artigo 41.º do Código do IRS não deverá ser interpretado no sentido de se assumir como um fator de rigidez capaz de pôr em causa a racionalidade que deverá caracterizar os rendimentos da Categoria F de IRS.

16.    Neste contexto, na opinião da Requerente, todo o tipo de despesas de conservação previstas nos vários ramos do Direito, tais como, as despesas de conservação ordinárias e extraordinárias, são dedutíveis para efeitos fiscais.

17.    Adicionalmente, e no que se refere à aplicação pela AT de uma proporção ao montante das despesas cuja dedutibilidade é aceite em função do número de dias do arrendamento do imóvel, a Requerente entende que a mesma é ilegal, desde logo pela falta de suporte legal.

18.    Em conclusão, peticionou então a Requerente que as liquidações previamente mencionadas fossem anuladas, por serem manifestamente ilegais, tudo com as demais consequências.

19.    Por seu turno, a Requerida considera que as faturas apresentadas, e desconsideradas enquanto gastos dedutíveis, respeitam a despesas correntes, logo excluídas da dedução contemplada no artigo 41.º do Código do IRS, sendo, igualmente, entendimento da Requerida que as despesas de conservação, manutenção e IMI pago relativamente ao imóvel arrendado deverão ser proporcionalmente consideradas tendo por base o tempo de arrendamento.

20.    Em concreto, considera a Requerida que o Relatório Final de Inspeção discrimina as despesas praticadas em cada um dos anos, explicitando a que respeitam as mesmas e identificando se as mesmas são ou não dedutíveis, reforçando que tanto assim é que em momento posterior a Requerente adicionou nova documentação destinada, precisamente, a complementar às faturas que sofriam de descritivo omisso.

21.    Ademais, no entendimento da Requerida, a Requerente enquanto proprietária de uma unidade de alojamento, beneficiária, portanto, de rendimentos prediais, e não rendimentos comerciais, apenas pode deduzir a esse rendimento predial as despesas expressamente contempladas no artigo 41.º do Código do IRS, na proporção em que o imóvel está afeto a gerar aquele rendimento.

22.    Neste sentido, a Requerida entende ainda como relevante reafirmar, na sua visão, o alcance do conceito de despesas correntes, as quais respeitam a consumos correntes que não têm conexão direta ou não são inerentes ao imóvel ou a serviços que não incidem propriamente sobre o imóvel mas sobre a utilização corrente que é feito do mesmo.

23.    Entende assim a Requerida que as liquidações por si promovidas resultam de uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, pedindo, dessa forma, que a pretensão aduzida pela Requerente seja julgada improcedente e a primeira absolvida do pedido.

24.    A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como nos articulados apresentados e das posições das partes neles expressas, sendo de salientar a concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

B) Apreciação do tribunal

25.    A título introdutório, cumpre referir que, no entendimento do presente tribunal, e tendo em consideração o quadro jurídico previamente apresentado, a proposição normativa essencial a ter em consideração para a decisão do caso é a que resulta do artigo 41.º do Código do IRS, à data dos factos, no qual se encontra previsto o enquadramento legal subjacente à possibilidade de proceder à dedução de encargos aos rendimentos prediais obtidos.

Artigo 41.º - Deduções (redação 2013 e 2014)

1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.

2 - No caso de fração autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal, deduzem-se também os encargos de conservação, fruição e outros que, nos termos da lei civil, o condómino deva obrigatoriamente suportar, por ele sejam suportados, e se encontrem documentalmente provados.

3 - Na sublocação, a diferença entre a renda recebida pelo sublocador e a renda paga por este não beneficia de qualquer dedução.

26.    O n.º 1 do artigo supra no ano de 2012 apresentava a seguinte redação: “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento tenha sido englobado”, não apresentando tal diferença de redação qualquer impacto nas questões em apreciação.

27.    Refira-se, igualmente, que, aos olhos do tribunal arbitral, a questão sob análise prende-se, exclusivamente, com matéria de direito, nomeadamente compreender, para efeitos da aplicação da aludida norma, qual o conceito relevante de “despesas de manutenção e de conservação” e, bem assim, aferir a legalidade da aplicação de uma proporção (calculada em função do número de dias em que o imóvel foi arrendado) no cálculo do montante dedutível dos encargos suportados.

28.    Por facilidade de exposição, opta-se nesta decisão por individualizar a análise relativamente a cada um dos tópicos identificados, não obstante a conexão existente entre ambos.

A.                Dedutibilidade de despesas de conservação e manutenção

29.    Em primeiro lugar, salienta-se a existência de jurisprudência arbitral consolidada sobre esta matéria, à qual na presente decisão se adere por inteiro, desde logo, contribuindo para uma interpretação e aplicação uniformes do Direito (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil).

30.    Entre outras decisões, cabe salientar as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 435/2014-T, n.º 201/2015-T, 294/2015-T, n.º 434/2016-T, seguidamente abordadas.

31.    Decorrente da apreciação da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, a AT não aceitou a dedutibilidade das despesas seguidamente detalhadas por considerá-las como “despesas correntes”, não obstante reconhecer o seu suporte documental adequado, com exceção das despesas relativas a serviços de manutenção da moradia, as quais não se encontravam comprovadas por contrato com o fornecedor do serviço (B…).

 

 

32.    Em concreto, e no que se refere aos gastos suportados pelos serviços prestados pela B… no âmbito do contrato supramencionado, note-se que das descrições (que apresentam um nível de detalhe comum, adequado e necessário para a compreensão do objetivo / propósito visado com os bens e serviços ora em causa) são, nomeadamente, as seguintes: “serviços de limpeza”, “segurança social dos serviços de limpeza”, o detalhe dos produtos utilizados nos serviços de limpeza (veja-se, a título de exemplo, a fatura 2520 de 26 de dezembro de 2012), “limpeza com máquina de pressão após cheia”.

33.    Tal é particularmente relevante relativamente às faturas com um descritivo mais genérico (“serviços de manutenção da moradia”), detalhando-se o âmbito dos serviços prestados, de acordo com o aludido contrato, como se segue:

a.       “A Administradora, administra, a pedido, e no interesse, do proprietário, o imóvel acima identificado, sendo responsável pela manutenção do imóvel em boas condições organizando os serviços de limpeza e manutenção de todas as áreas, jardins e piscina, mediante o recebimento de uma quantia mensal a acordar entre as partes tendo em conta as caraterísticas do imóvel em questão.

b.      A Administradora compromete-se a organizar os pequenos trabalhos de manutenção a efetuar no imóvel, como eletricidade e pequenas reparações, organizando e fazendo aprovar pelo proprietário orçamentos para a realização de trabalhos de maior envergadura.”

34.    Neste contexto, questiona a Requerida a inexistência de um contrato celebrado em nome da Requerente com a aludida empresa prestadora de serviços. Entende o tribunal relativamente a este facto que tal se releva irrelevante para efeitos da presente decisão, dado que nunca é questionado ao longo deste processo pela Requerida a efetiva prestação do serviço em apreço, entendendo-se, portanto, que o mesmo efetivamente ocorreu nos moldes supra descritos, desde logo pela referência no contrato ao imóvel detido pela Requerente.

35.     Com efeito, daqui decorre que a existência ou não do aludido contrato se revela irrelevante para efeitos de avaliação das despesas suportadas pela Requerente, encontrando-se estas despesas devidamente comprovadas, desde logo, através da respetiva fatura.

36.    Ora, adicionalmente argumenta a Requerida, sem colocar em causa a veracidade das faturas e as despesas subjacentes, que a desconsideração daquelas despesas resulta do facto de não se entender que corresponderiam a despesas de manutenção e conservação, mas sim a despesas correntes.

37.    A este respeito, note-se que o conjunto de despesas realizadas se encontra suportado por uma declaração, sempre que aplicável, assinada por uma representante legal da aludida empresa prestadora de serviços, atestando a veracidade e o âmbito dos serviços prestados.

38.     Note-se, contudo, e conforme desenvolvido na decisão arbitral proferida no processo n.º 434/2016-T, que não existe razão de ordem legal (ou económica) para afirmar que as despesas ditas “correntes” não são “despesas de manutenção e conservação”, como também porque tais despesas – como se percebe facilmente pela descrição e elenco dados pela própria Requerida, visam preservar o estado (e o regular funcionamento) do imóvel, garantindo que o mesmo cumpre com as suas finalidades, permitindo aos arrendatários usufruírem de todos os serviços que foram e que são colocados ao seu dispor no âmbito do contrato, e pelos quais pagam as rendas.

39.     Com efeito, o elenco de despesas supra é suficientemente esclarecedor sobre a ligação das despesas (subjacentes às faturas em causa) à atividade exercida pela Requerente. Por outras palavras, os gastos incorridos pela Requerente, e acima identificados, eram necessários para a obtenção dos rendimentos prediais, tratando-se de despesas de manutenção que estão documentalmente provadas e que, como tais, são passíveis de dedução à luz do disposto no artigo 41.º do Código do IRS (tanto na redação anterior como posterior à Lei n.º 66-B/2012, de 31/12), julgando-se, portanto, procedente o pedido de pronúncia arbitral nesta matéria.

B.                 Da consideração proporcional das despesas suportadas

40.    Em face do enquadramento factual discutido, cabe, nesta fase, ao presente tribunal decidir se as despesas do artigo 41.º do Código do IRS, apenas podem ser dedutíveis aos rendimentos brutos da Categoria F de forma proporcional ao período em que o imóvel arrendado se encontra efetivamente arrendado durante o respetivo ano fiscal.

41.    Com efeito, o tema em apreço tem sido objeto de decisões arbitrais que, até ao momento, se têm revelado unânimes na apreciação desta matéria, veja-se, a título de exemplo, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 201/2015-T, n.º 294/2015-T e n.º 434/2016-T.

42.    Em concreto, veja-se o entendimento preconizado no processo n.º 294/2015-T: “No que se refere à redução das despesas e encargos mediante aplicação de um "coeficiente de ocupação", não pode tal procedimento ser aceite, porquanto todas as despesas realizadas, tais como, limpeza das habitações e da piscina e respetivo tratamento de salubridade, água, luz, seguro, IMI e outros, terão sempre que ser suportadas, independentemente da taxa de ocupação. Tal "coeficiente de ocupação", como se referiu, um fundamento “sui generis” que (…), não tem, no entender deste tribunal, qualquer base legal.”

43.    De facto, e concordando-se com o teor da conclusão aí vertida, veja-se, igualmente, a decisão proferida no processo n.º 103/2017-T, na qual se sustenta que a posição assumida pela AT relativa à proporcionalidade da dedutibilidade das despesas ou aplicação de coeficiente de ocupação não resulta do Código do IRS ou do próprio regime tributário dos rendimentos prediais, sendo, portanto, ilegal.

44.    Em termos mais genéricos, note-se, conforme afirmado na decisão n.º 201/2015-T:

“Ora, como a operação elementar do cálculo do imposto consiste em determinar o rendimento tributável, através das deduções e abatimentos ao rendimento bruto, não se vê razão para que estas componentes negativas não tenham afinal o mesmo período de referência que tem o rendimento bruto, que é a componente positiva. No fundo, os rendimentos (brutos) auferidos em cada ano constituem os elementos positivos que contribuem para apurar o rendimento tributável anual, havendo também que considerar os elementos negativos do mesmo período, que são as deduções e abatimentos. Há assim que concluir que a regra geral do IRS afirma que o imposto tem natureza anual e é relativamente a cada ano civil que devem ser considerados os elementos que permitem determinar a incidência, designadamente rendimento bruto, deduções e abatimentos.

Não parece que este artigo 41º, ou qualquer outro, possa conduzir a um regime de exceção relativamente à citada regra geral da anualidade do IRS. Com efeito, este dispositivo mais não faz do que afirmar a regra geral: aos rendimentos brutos deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação, bem como a contribuição autárquica. Claro que nada se refere quanto ao período a considerar, pois este já foi afirmado logo no artigo 1º; trata-se do período anual.

Não ficam assim dúvidas que não há que fazer qualquer outra correspondência temporal entre o rendimento bruto e as despesas a deduzir. Há apenas que assegurar que as deduções dizem respeito ao ano civil em que foram pagos ou colocados à disposição os rendimentos prediais.”

45.    Em face do exposto, considera-se que não resulta da letra da lei uma exceção à dedutibilidade das despesas fundada na proporcionalidade, pelo que as despesas apresentadas pela Requerente nos anos de 2012, 2013 e 2014, no âmbito do artigo 41.º do Código do IRS, são legalmente aceites na sua totalidade, improcedendo o argumento de proporcionalidade dedutibilidade das despesas face ao período de arrendamento.

V. Decisão

46.    Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular as liquidações de IRC e respetivos juros compensatórios supramencionadas, por referência ao exercício de 2012, 2013 e 2014, dos quais resultou imposto pago no montante de € 12.399,93, valor que deverá agora ser reembolsado à Requerente;

B) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, havendo no caso sub judice, indubitavelmente erro imputável aos serviços na prática dos atos tributários em causa, calculados sobre a quantia paga, desde o dia em que foram pagas as liquidações mencionadas supra e até o integral reembolso do montante referido; e

C) Condenar a Requerida nas custas do processo.

VI. Valor do processo

47.    Fixa-se o valor do processo em € 12.399,93 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), correspondente à utilidade económica quantificada pela Requerente.

VII. Custas

48.    De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 27 de novembro de 2017

O Árbitro

 

(Sérgio Santos Pereira)