Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 274/2017-T
Data da decisão: 2018-01-16  IRS  
Valor do pedido: € 31.486,57
Tema: IRS – qualificação de rendimentos – contrato de cessão de exploração turística.
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Decisão Arbitral

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 03 de julho de 2017, decide nos termos que se seguem:

  1. RELATÓRIO

 

  1. Enquadramento processual

 

No dia 18-04-2017, os contribuintes A…, NIF … e B…, NIF…, apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-04-2017. 

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 12-06-2017.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 03-07-2017, tendo-se seguido os pertinentes trâmites legais.

 

  1. Posições das Partes

 

Os Requerentes peticionam a declaração de ilegalidade dos seguintes atos:

  1. Ato de liquidação de IRS n.º 2016…, ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, e Demonstração de Acerto de Contas n.° 2016…, relativos ao ano de 2012, dos quais resultou um valor a pagar de €3.975,15 (cfr. Documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral};
  2. Ato de liquidação de IRS n ° 2016… e Demonstração de Acerto de Contas n ° 2016…, referentes ao ano 2013, dos quais resultou um valor a pagar de € 3.392,74 (Documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  3. Ato de liquidação de IRS n.º 2016…, ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, todos referentes ao ano 2013, dos quais resultou um valor a pagar de € 6.955,12 (Documento 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  4. Ato de liquidação de IRS n.º 2016…, ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, todos emitidos por referência ao ano de 2014, dos quais resultou uma coleta total de € 17.163,56 (Documento 4 junto com o  pedido de pronúncia arbitral).

 

Em defesa da cumulação de pedidos, alegam os Requerentes que em todos os atos estão em causa as mesmas circunstâncias de facto e a mesma interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

Em 26 de abril de 2007. os Requerentes celebraram um contrato-promessa de compra e venda com a sociedade C... S.A. (NIPC…), doravante designada por "C…" tendo por objeto um imóvel designado "Apartamento…, inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo …, sob a letra G, sito no empreendimento "Apartamentos  …“ e. na mesma data, os assinaram com a C… (Portugal), S.A. um contrato de cessão de exploração turística da unidade … acima identificada, reservando-se esta o direito de nomear uma entidade gestora, que veio mais tarde a concretizar com a constituição da sociedade D... S.A., NIPC … (doravante "D…") (cfr. Cláusula 2.1 do Documento 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

Desde 6 de março de 2012 que a Requerente B… passou a exercer a atividade de exploração de apartamentos turísticos, estando para o efeito registada com o CAE 55123 "apartamentos turísticos sem restaurante'’ e enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime de contabilidade organizada, por opção, em sede de IRS (Categoria B).

 

Nos termos do mencionado contrato de cessão de exploração turística, ficou estabelecido que os Requerentes iriam assegurar a exploração turística através dos serviços da entidade gestora DIP (D…) e, de acordo com os termos do mesmo contrato (Cláusula 2.1. do Documento 5). A entidade gestora (D…) iria explorar os apartamentos turísticos da unidade … por conta dos respetivos proprietários prestando-lhes todos os serviços necessários à efetivação dessa exploração (Cláusula 2.1. do Documento 5).

 

Os Requerentes reconheceram e aceitaram que durante toda a vigência do Contrato, não explorariam, arrendariam ou por qualquer outro modo disponibilizariam a unidade a terceiro a troco de pagamento, renda, remuneração ou quaisquer outros meios de pagamento (inclusivamente de caráter não pecuniário ou gratuito), reconhecendo e aceitando não divulgar nem permitir que outra pessoa singular ou coletiva divulgasse a unidade como estando, entre outras, disponível para ocupação (Cláusula 3.8 do d i Documento 5).

Por sua vez. a entidade gestora (D…) aceitou a nomeação como gestora do apartamento turístico e, em consequência, aceitou prestar os serviços descritos nesta Secção 2.2 durante toda a vigência do Contrato, mais precisamente:

A. Administrar o Programa de Exploração Turística descrito na Secção 3;

B. Prestar os Serviços de Administração da Propriedade descritos na Secção 4;

C. Prestar os Serviços de Manutenção da Propriedade descritos na Secção 5; e

D. Prestar os Serviços de Limpeza e de Arrumação da Unidade descritos na Secção 6 (Cláusula 2.2 do cit. Documento 5).

 

No âmbito do referido Programa de Exploração Turística, a entidade gestora (D…) ficou obrigada a gerir, em nome dos Requerentes, os aspetos operacionais (gestão corrente) inerentes à exploração turística do apartamento acima identificado, designadamente tratando da cobrança dos pagamentos devidos, realização de despesas, gestão das reservas, determinação de tarifas (cfr. Cláusulas 3.1 a 3.13 do cit. Documento 5), tendo ainda ficado responsável pelos serviços de administração geral da unidade (incluindo contabilidade, vendas e marketing, custos das agências de viagens e/ou concessões dos operadores turísticos e respetivas despesas incorridas, despesas com os serviços centrais relacionados com o Programa de Exploração Turística e despesas de serviços de receção e outras despesas com ela relacionadas - Cláusula 4.1 do referido Documento 5, serviços de manutenção de rotina que fossem por ela livremente considerados necessários para manter a unidade apropriada à ocupação de hóspedes – Cláusula 5.1 do Documento 5 – e serviços de limpeza e arrumação da unidade – cláusula 6.1 do Documento 5.

 

Em troca a entidade gestora (D…) tinha, nos termos do referido contrato, direito a receber e reter 25% (vinte e cinco por cento) da Receita Bruta da Exploração Turística, ou qualquer outra percentagem que viesse a ser acordada periodicamente entre a gestora e os Requerentes [Cláusula 2.3 e Secção 7 do cit. Documento 5).

 

Aos Requerentes competia a realização de todas as operações que não estivessem relacionadas com a gestão operacional da exploração turística, designadamente sendo responsáveis por todas os encargos e despesas, pendentes ou devidos, relacionadas com a Unidade, incluindo quaisquer impostos e encargos cobrados por credores ou fornecedores, pagamento de quaisquer despesas de operação, encargos de condomínio, custos de gestão e de reservas, todos os prémios de seguro aplicáveis, honorários de auditores, contas telefónicas e outras despesas e todos os custos com serviços básicos (eletricidade, água, gás) - Cláusula 4.4 do cit. Documento 5).

 

Competia ainda aos Requerentes manter a unidade completamente operacional, pelo que foram eles que adquiriram todos os equipamentos e mobílias para a Unidade, equipando-a com o pacote Standard de mobília, que representou um gasto de € 55.660,00 (cinquenta e cinco mil e seiscentos e sessenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável, que foi exclusivamente suportado e pago pelos Requerentes na data de assinatura do contrato (Cláusula 3.12 do Documento 5).

 

A gestora (D…) estava obrigada a facultar um relatório mensal das contas aos Requerentes, num prazo de 15 (quinze) dias a contar do fim do mês em questão, para além de um relatório anual auditado (relatório) da conta dos Requerentes identificando, para o ano civil anterior, todas as receitas da exploração turística de todas as unidades participantes no Programa, a retribuição da gestora, a receita líquida de exploração turística, a retribuição dos Requerentes e todas as outras despesas e encargos da responsabilidade dos Requerentes, disponibilizadas de acordo com os termos do Contrato (Cláusulas 11.1 e11.2 do Documento 5).

 

Deste quadro retiram os Requerentes a conclusão de que a atividade de exploração dos apartamentos turísticos era desenvolvida pelos respetivos proprietários, não ocorrendo a transferência do "risco de negócio' para a entidade gestora (D…) nem participando esta na atividade exploratória com interesse próprio.

 

Os Requerentes foram objeto de um procedimento de inspeção tributária, dirigido à análise dos rendimentos declarados em sede de IRS com referência aos anos de 2012, 2013 e 2014, em cumprimento das Ordens de Serviço n.®. 012016…, 012016… e 012016…, de 17 de agosto de 2016, tendo os Requerentes sido notificados do respetivo Projeto de Relatório (Documento 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral) em que foram propostas as seguintes correções aos rendimentos declarados:

 

  1. € 68.865,45 quanto ao ano de 2012,;
  2. € 34.427,69 quanto ao ano de 2013;
  3. € 57.424,15 quanto ao ano de 2014.

 

No âmbito do referido Projeto de Relatório de Inspeção sustentaram os Serviços de Inspeção Tributária que os rendimentos auferidos derivam apenas da disponibilização a terceiros de um imóvel, sendo que os proprietários não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento, pelo que os rendimentos que o sujeito passivo auferiu em 2012, 2013 e 2014 foram auferidos de forma meramente passiva, em resultado da prossecução de uma atividade comercial por parte da D…, pelo que deveriam ser classificados como rendimento da Categoria F na esfera do sujeito passivo. Apesar de o sujeito passivo ter suportado todas as despesas de operação do programa de exploração turística, parte desses encargos não são suscetíveis de ser deduzidos aos rendimentos da categoria F e por essa razão deveriam ser desconsiderados.

 

Não obstante a resposta apresentada em sede de audição prévia, os Requerentes foram notificados do Relatório Final de Inspeção, no qual os serviços de Inspeção Tributária mantiveram as correções à matéria coletável nos termos inicialmente propostos, tendo os Requerentes, posteriormente, sido notificados dos atos tributários relativos aos anos de 2012. 2013 e 2014, acima identificados e contestados nos presentes autos.

 

Quanto à fundamentação apresentada pela AT, os Requerentes começam por dizer que a mesma foi pouco clara e incongruente. A AT entendeu que a atuação dos Requerentes, especialmente da Requerente B…, é passiva e por essa razão os rendimentos que declarou como sendo rendimentos da categoria B deverão ser antes tributados como rendimentos da categoria F. nos termos da Circular n..º 5/2013 de 2 de julho de 2013, o que os Requerentes questionam na medida em que, sendo titulares da exploração turística do apartamento e tendo cedido a exploração do mesmo à D…, mantêm, no entanto, na sua esfera, o risco da exploração, não compreendendo em que medida pode a AT entender que exercem de forma passiva a exploração turística.

 

Entendem, ainda, que a tributação no âmbito do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRC e alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma não condiciona a tributação no âmbito da referida categoria ao alegado exercício ativo ou passivo da atividade.

 

Sustentam, portanto, que os Serviços de Inspeção Tributária, ao não sustentarem nas Conclusões do Relatório Final de Inspeção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos em que se basearam para concluírem que os rendimentos auferidos pelos Requerentes eram rendimentos da categoria F não deram cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara e cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos tributários contestados.

 

Entendem ainda que os de Inspeção Tributária não logram cumprir o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação que sobre si recai, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, ou seja. dos pressupostos legais da sua atuação face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes (artigo 75.º da LGT), quando o juízo subjacente à desconsideração das operações resultam de conclusões de caráter genérico, sem uma análise casuística da atividade dos Requerentes.

 

Quanto à matéria de fundo, defende ser jurisprudência firmada que “desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade económica (mesmo que expressa em um só ato) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de uma qualquer relação do agente contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele (mediação entre oferta e procura) haverá uma atividade comercial” (Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, do Processo n.“ 580/15, datado de 24 de fevereiro de 2016). Invocam ainda MANUEL FAUSTINO quando o Autor sustenta, por referência às sucessivas alterações do Código de 1RS, que “O legislador do Código do IRS procurou esquivar-se à polémica utilizando uma dupla técnica: por um lado, deixou de fazer referência a "atividades de natureza ou industriais" para mencionar "atividades comerciais ou industriais"; e por outro, embora não correndo os riscos de uma enumeração taxativa elencou um grande número de atividades consideradas comerciais e industriais, no qual se incluem todas aquelas cuja qualificação poderia suscitar dúvidas. Dir-se-à, então, que o critério material continua a ser essencialmente um critério económico e não um critério estritamente jurídico" (cf. IRS-Teoria e Prática, Lisboa, Edifisco. 1993, pág.132).

 

Invocam ainda outros elementos da doutrina no sentido de ser manifesto que são tributados pela Categoria B todos os rendimentos apuradas no âmbito das atividades geradoras de rendimentos de atividades comerciais, designadamente as resultantes das atividades hoteleiras e similares, concluindo que, para que os rendimentos sejam imputáveis as atividades geradoras de rendimentos empresariais ou profissionais, estando o sujeito passivo registado com o respetivo CAE necessário será apenas que os rendimentos auferidos estejam relacionados com essa atividade, o que sucede no caso concreto - estando em causa rendimentos decorrentes da exploração turística, que é a atividade exercida pela Requerente B…, não podem os mesmos ser tributados como rendimentos da Categoria F, completamente desfasados da referida atividade comercial exercida.

 

Acrescentam que, embora a Administração Tributária pugne, em sede de inspeção tributária, por uma interpretação restritiva do conceito de "‘atividade, considerando que para feitos de tributação em sede de Categoria B só são admissíveis os lucros decorrentes da exploração direta da Unidade, os Requerentes entendem que esta interpretação não encontra qualquer suporte no teor literal da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, razão pela qual devem ser considerados todos os resultados obtidos ao longo do exercido imputáveis à atividade de exploração de empreendimento turístico, quer sejam resultados decorrentes da exploração direta, quer sejam resultado da sub-contratação de uma entidade para explorar a unidade. No âmbito da alínea da alínea a) do n.° 1 do artigo 3.° do Código do IRS, tendo o legislador utilizado a expressão "atividade’’’ sem delimitar (restritivamente) a sua extensão, é evidente que pretendeu incluir todos os rendimentos obtidos, por qualquer forma, da exploração direta ou através da contratação de serviços para realizar os rendimentos em causa.

 

Entendem, portanto, que "atividade" para efeitos de tributação no âmbito da Categoria B não se deve cingir – porque o legislador não o fez - à consideração da atividade operacional, excluindo os titulares que obtêm rendimentos na sequência da cessão da exploração e consequente contratação de serviços, como aconteceu no caso concreto. Por essa razão os rendimentos em causa alocados à atividade de exploração turística exercida pelos Requerentes devem ser tributados no âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do 1RS.

 

Por fim, os Requerentes reforçam que, embora os Serviços de Inspeção Tributária tenham requalificado os rendimentos dos Requerentes com base no entendimento constante da Circular n.° 5/2013 de 2013-07-02, esta orientação administrativa apenas vincula os órgãos da Administração Tributária e não é considerada fonte de direito fiscal, pelo que não tem qualquer eficácia externa vinculativa própria, não sendo sequer objeto de publicação, pelo que os sujeitos passivos não estão de modo algum obrigados a cumprir o disposto nas mesmas, nem os Tribunais.

 

Os Requerentes questionam o que alegam ser a duplicidade de critérios da AT relativamente à caraterização e tributação das situações de exploração turística e de alojamento local, na medida em que, nos termos do Ofício-Circulado n.º 20180, a AT entendeu que os rendimentos decorrentes da cedência de exploração obtidos pelo Cedente (Proprietário e titular da exploração inicial) eram sempre tributados no âmbito da Categoria B do IRS. Sustentam que a AT está a tratar de forma diferente duas situações semelhantes, uma vez que em cada um dos casos os proprietários, tendo aberto atividade no âmbito da Categoria B do IRS e sendo titulares do direito de exploração turística cederam esse direito de exploração a terceiros, o que constitui manifestamente uma violação do principio constitucional da igualdade, peio que também por esta razão os atos tributários se mostram ilegais.

 

Por fim, ainda que se admitisse que os rendimentos obtidos pelos Requerentes são efetivamente rendimentos da Categoria F do Código do IRS, a realidade é que a matéria coletável do Requerente jamais seria no valor apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária em sede de inspeção tributária, devendo ser entendidas como despesas dedutíveis aos rendimentos da Categoria F do IRS as despesas de manutenção e conservação referentes a mulher da limpeza, ordenado do jardineiro, eletricidade, água e gás, gastos com o aluguer de casa com equipamentos, reparações e pinturas, prémios de seguro e custos de administração do prédio.

 

Nos termos do n.° 1 do artigo 41.° do Código do IRS. na redação em vigor à data dos factos "Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.° deduzem-se, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depredações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração". Desse modo, para além das despesas inerentes aos seguros, retribuição da D… e segurança, deverão ser relevados ainda os custos referentes a mulher da limpeza, ordenado do jardineiro, eletricidade, água e gás gastos reparações e pinturas, os quais serão apurados a final em sede de execução.

 

Em Resposta, sustentou a AT o seguinte entendimento:

 

Quanto à falta de fundamentação, entende a AT que, da leitura do relatório inspetivo resulta que um homem médio, colocado na posição de destinatário, consegue apreender o seu sentido e conclusão. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem uniformemente entendido que a fundamentação do ato é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que se considera haver suficiente fundamentação quando esta permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do acto a decidir daquela maneira e não de outra.

 

No caso vertente, a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral, não só demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua atuação, como na realidade também já havia cabalmente compreendido o mesmo quadro fáctico e legal em sede de audição prévia.

 

Quanto à matéria de fundo:

 

Relativamente à alegação dos Requerentes de que a lei não distingue a forma como o rendimento é obtido, entendem que tal não corresponde à verdade, porquanto a lei refere expressamente que são entendidos como rendimentos empresariais os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial. O uso da palavra “exercício” na redação dada à norma, por contraposição às palavras usadas, no artigo 8º do CIRS, para definir quais são os rendimentos de categoria F, tem subjacente a prática de atos com um determinado propósito que, no caso, será o da obtenção de lucro.

 

Salientam a jurisprudência do STA no sentido em que no Ac. do STA proferido no processo 01622/15, em 11.01.2017, sustenta que:

“…] o conceito de atividade comercial ou industrial há-de ser determinado pelo conceito económico de atividade comercial ou industrial, que abrange atividades de mediação entre a oferta e a procura e atividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objetivo de obtenção de lucros. Mas o código do IRS, no seu artigo terceiro não usa apenas o conceito de atividade comercial ou industrial, como antes fazia o Código de contribuição industrial utilizando também o conceito de rendimentos empresariais e profissionais dos quais, os obtidos no exercício de uma atividade comercial ou industrial, são uns dos possíveis a aí obter enquadramento”, e ainda que “[…] Ao conceito do exercício de uma atividade empresarial, não definido na legislação tributária, está necessariamente ligada a ideia de exercício estável ou habitual de uma atividade comercial como meio de vida, ainda que sem continuidade perfeita, como sucede com as atividades que, por sua própria natureza, só podem ser exercidas em épocas determinadas ou de tempos a tempos não deixando, por isso, de constituírem, ainda, um desempenho normal e regular de uma ou mais atividades comerciais ou industriais. Acresce, ainda, que o fim lucrativo deve estar diretamente associado aos atos que qualificam ou identificam a profissão em causa, não bastando que tal fim lucrativo possa ser um fim meramente acessório dessa prática. O fim lucrativo é o móbil principal, se não mesmo exclusivo de toda a atividade empresarial e a sua ausência ou existência de forma meramente acessória permite antever não estarmos em face de uma atividade empresarial.(…) A inclusão de rendimentos empresariais na categoria B do IRS exige o afastamento da possibilidade de englobamento noutras categorias de rendimentos. Mas os rendimentos empresariais, para existirem, nos termos do disposto no art. 4., n.º 1 CIRS respeitam ao exercício de verdadeiras atividades pelo que não podem constituir rendimentos de natureza comercial ou industrial os atos de gestão de um património privado.”

 

Pretender, como fazem os Requerentes no pedido de pronúncia arbitral, que o facto de se ter declarado início de atividade, afirmando a intenção de exercer uma atividade de exploração turística (quando, efetivamente, nada mais se fez para além de adquirir um imóvel), deva ser valorado como suficiente para a qualificação dos rendimentos como imputáveis à categ. B, quando depois, efetivamente, não se exerce a atividade declarada, seria dar primazia à forma sobre a substância, contrariando os mais elementares princípios do direito fiscal.

 

O mero ato de compra de um imóvel e a sua consequente e imediata cessão de exploração a um terceiro, têm de ser subsumidos a simples atos de gestão de património particular, não constituindo, em si mesmos, sinais de exercício de atividade de exploração de um imóvel por parte de quem cedeu a exploração, como, erradamente, pretendem os Requerentes.

 

Quanto ao conteúdo do ofício-circulado 20180, refere a AT que “Com a entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, […], passou a estar prevista a possibilidade de os sujeitos passivos optarem pela tributação dos rendimentos prediais nos termos e regras aplicáveis aos rendimentos empresariais e profissionais (categoria B).” e que, por outro lado, a partir da publicação do DL 128/14 de 28.08, passou a estar regulada a atividade de alojamento local, ou seja, estamos a tratar de realidades que não existiam nos anos em causa nos procedimentos inspetivos em análise. De qualquer modo, os rendimentos são classificados como categoria F, apenas concedendo a lei (não o oficio circulado), a possibilidade de os sujeitos passivos optarem pela forma de tributação, ressalvando que a opção pelas regras da categoria B, implica a necessária afetação da totalidade dos imóveis ao arrendamento.

 

Da leitura do contrato de cessão de exploração, resulta claramente que os Requerentes nunca assumem as funções de responsáveis pela exploração do alojamento, sendo essas assumidas pela Gestora nas suas diferentes vertentes. A título meramente de exemplo, vd as cláusulas 3.3, 3.4 ou 3.5, em que se define ser a Gestora quem desenvolve esforços no sentido de explorar turisticamente o imóvel, quem é responsável por todas as despesas relativas à cobrança dos pagamentos e/ou despejo e quem detém a exclusividade para explorar o imóvel segundo as tarifas que livremente fixar. Resulta assim evidente que os Requerentes não levam, nem podem levar a cabo qualquer atuação de livre uso e utilização do imóvel do qual são apenas proprietários.

 

Quanto à pretensão, por parte dos Requerentes, de que sejam aceites a totalidade das despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, gás e água, pois estas não foram aceites na análise efetuada no procedimento inspetivo, refere a AT o seguinte: nos termos do artigo.41.º n.º 1 do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal. (Redação dada pela lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

 

Fazendo aqui apelo ao Acórdão do TCA Sul proferido no processo 05310/12, em 15.12.2016, temos que:

«[…] Não definindo o CIRS o conceito de “despesas de conservação”, deve valer aqui a noção civilística constante no Regime do Arrendamento Urbano-RAU - (aprovado pelo Decreto – Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro) relativa à definição de obras de conservação e a determinação de quais são as que incumbem ao senhorio. Sob a epígrafe «Tipos de obras» prescreve o artigo 11º do RAU:

«1 - Nos prédios urbanos, e para efeitos do presente diploma, podem ter lugar obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária e obras de beneficiação.

 

2 - São obras de conservação ordinária:

a) A reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências;

b) As obras impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável, e que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização;

c) Em geral, as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.

3 - São obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que não sendo imputadas acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano.

4 - São obras de beneficiação todas as que não estejam abrangidas nos dois números anteriores.»

 

Recorda, a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.07.2016, proferido no processo n.º 088/16, onde, para além do mais, se pode ler: «As despesas de manutenção e de conservação serão despesas que sejam necessárias à conservação e manutenção dos imóveis que são geradores de rendimento. Poderão ser, como antes definidas no Regime do Arrendamento Urbano, art. 11.º, despesas efetuadas com obras de conservação ordinária - reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública, e, em geral, as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração; obras de conservação extraordinária – de reparação de defeitos de construção do prédio ou supervenientes; ou até de beneficiação do imóvel, mas sempre com repercussão no imóvel e na suscetibilidade de ele gerar rendimentos.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

 

Mediante estes conceitos concluem que as despesas mencionadas pelos Requerentes não consubstanciam despesas de conservação nem, tão pouco, de manutenção. Por outro lado, e no que concerne às despesas com salários e com a limpeza, ressalta das secções 5 e 6 do contrato de cessão que esses encargos estão a cargo da Gestora o que significa que nem são da responsabilidade dos Requerentes, aqui senhorios.

 

Termos subsequentes:

 

A Requerente veio solicitar a realização de uma audiência para produção de prova testemunhal, requerendo a anulação do despacho arbitral que determinou a não realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT por entender que a matéria em discussão no presente caso é matéria de qualificação jurídica das situações de facto, estando estas bem clarificadas pelos documentos apresentados e elementos constantes das peças processuais.

 

O Tribunal manteve o entendimento de que a realização de audiência para produção de prova testemunhal consubstancia um ato dispensável no presente processo, atentos os aspetos acima indicados, ou seja, o facto de se tratar de uma discussão acerca de matéria de direito e o facto de os elementos factuais relevantes para a decisão já terem sido carreados para o processo através de documentos juntos, do processo administrativo e das clarificações efetuadas pelas Partes nas correspondentes peças processuais.

 

As Partes apresentaram alegações escritas, tendo a Requerente novamente suscitado essa questão, referindo que estaria em causa uma violação dos princípios do contraditório e da igualdade entre as Partes. Impõe-se, portanto um esclarecimento adicional.

 

Referem os Requerentes que “a produção de prova adicional afigurava-se essencial para que a Requerente mulher demonstrasse que a sua atuação esteve sempre em consonância com a informação que lhe foi transmitida pelos vários organismos da administração tributária e que, como tal, não estavam preenchidos todos os requisitos para que [a AT] pudesse operar a requalificação dos rendimentos por si auferidos (....).” Ora, com todo o respeito, tal prova não teria qualquer relevância para a decisão sobre a questão de fundo no presente processo que é, repita-se, uma questão de qualificação de rendimentos para efeitos da respetiva sujeição a um conjunto específico de normas de tributação.

 

Assim, o tribunal mantém o entendimento já transmitido anteriormente às Partes sobre esta matéria.

 

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

4. A cumulação de pedidos é admissível nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo (PA) junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

III.1. Factos provados

 

  1. Em 2016.08.17, foi aberta a OI nº OI2016…/…/…, determinada por despacho do Diretor de Finanças de Faro, com vista ao controlo de arrendamento de imóveis, e teve âmbito parcial em IRS, conforme prevê a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), com extensão aos anos de 2012, 2013 e 2014.

 

  1. Em resultado da referida ação, apuram-se correções ao rendimento tributável de IRS, de natureza meramente aritmética, nos montantes de € 68.865,45, € 34.427,69€ e € 57.424,15 nos anos de 2012, 2013 e 2014 respetivamente, decorrente de rendas recebidas relacionadas com prédios localizados em território nacional.

 

  1. Assim, apurou-se o rendimento tributário da categoria F de IRS, nos montantes de €17.202,14, € 38.975,47€ e € 67.294,52 nos anos de 2012, 2013 e 2014 respetivamente., as quais deram origem às liquidações sindicadas.

 

  1. Pelo facto de se tratar de sujeitos passivos não residentes, o rendimento predial é tributado à taxa de 16,5 % no ano de 2012 nos termos do nº1 do artigo 72º do CIRS e de 28% nos anos de 2013 e 2014 conforme previsto no nº 7 do artigo 72º do CIRS, em vigor à data dos factos.

 

  1. A Requerente B… NIF …, encontra-se registada para o exercício da atividade “Apartamentos turísticos sem restaurante” CAE 55123 desde 2012-03-06, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime da contabilidade organizada, por opção, em IRS

 

  1. Os Requerentes são sujeitos passivos não residentes em território nacional e de acordo com o sistema informático da AT, têm como seu representante, fiscal E…, NIF… .

 

  1. Os Requerentes são proprietários de um imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de
  2. freguesias de … e … sob o artigo n.º … fração “G”, Apartamento … e artigo nº…, fracção “E”, apartamento …, sito no “…”, que adquiriram a C… SA NIPC… .

 

  1. O Requerente A…, nif … é proprietário do outro ½ dois (2) imóveis inscritos na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo nº … fração “G”, Apartamento … e artigo nº …, fracção “E”, apartamento …, não se encontrando coletado por qualquer atividade comercial, industrial ou de prestação de serviços.

 

  1. Em 26 de abril de 2007. os Requerentes celebraram um contrato-promessa de compra e venda com a sociedade C… S.A. (NIPC…), doravante designada por "C…" tendo por objeto um imóvel designado "Apartamento…, inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo …, sob a letra G, sito no empreendimento "Apartamentos …”.

 

  1. Na mesma data, os Requerentes assinaram com a C…, S.A. um contrato de cessão de exploração turística da unidade … acima identificada, reservando-se esta o direito de nomear uma entidade gestora, que veio mais tarde a concretizar com a constituição da sociedade D... S.A., NIPC … (doravante "D…") (cfr. Cláusula 2.1 do Documento 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Desde 6 de março de 2012 que a Requerente B… passou a exercer a atividade de exploração de apartamentos turísticos, estando para o efeito registada com o CAE 55123 "apartamentos turísticos sem restaurante'’ e enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime de contabilidade organizada, por opção, em sede de IRS (Categoria B).

 

  1. Nos termos do mencionado contrato de cessão de exploração turística, ficou estabelecido que os Requerentes iriam assegurar a exploração turística através dos serviços da entidade gestora DIP (D…) e, de acordo com os termos do mesmo contrato (Cláusula 2.1. do Documento 5).

 

  1. A entidade gestora (D…) ficou encarregada de explorar os apartamentos turísticos da unidade … por conta dos respetivos proprietários prestando-lhes todos os serviços necessários à efetivação dessa exploração (Cláusula 2.1. do Documento 5).

 

  1. Os Requerentes aceitaram que durante toda a vigência do Contrato, não explorariam, arrendariam ou por qualquer outro modo disponibilizariam a unidade a terceiro a troco de pagamento, renda, remuneração ou quaisquer outros meios de pagamento (inclusivamente de caráter não pecuniário ou gratuito), reconhecendo e aceitando não divulgar nem permitir que outra pessoa singular ou coletiva divulgasse a unidade como estando, entre outras, disponível para ocupação (Cláusula 3.8 do d i Documento 5).

 

  1. A entidade gestora (D…) aceitou a nomeação como gestora do apartamento turístico e, em consequência, aceitou prestar os serviços descritos nesta Secção 2.2 durante toda a vigência do Contrato, mais precisamente:
  2. Administrar o Programa de Exploração Turística descrito na Secção 3;
  3. Prestar os Serviços de Administração da Propriedade descritos na Secção 4;
  4. Prestar os Serviços de Manutenção da Propriedade descritos na Secção 5; e
  5. Prestar os Serviços de Limpeza e de Arrumação da Unidade descritos na Secção 6 (Cláusula 2.2 do cit. Documento 5).

 

  1. No âmbito do referido Programa de Exploração Turística, a entidade gestora (D…) ficou obrigada a gerir, em nome dos Requerentes, os aspetos operacionais (gestão corrente) inerentes à exploração turística do apartamento acima identificado, designadamente tratando da cobrança dos pagamentos devidos, realização de despesas, gestão das reservas, determinação de tarifas (cfr. Cláusulas 3.1 a 3.13 do cit. Documento 5), tendo ainda ficado responsável pelos serviços de administração geral da unidade (incluindo contabilidade, vendas e marketing, custos das agências de viagens e/ou concessões dos operadores turísticos e respetivas despesas incorridas, despesas com os serviços centrais relacionados com o Programa de Exploração Turística e despesas de serviços de receção e outras despesas com ela relacionadas - Cláusula 4.1 do referido Documento 5, serviços de manutenção de rotina que fossem por ela livremente considerados necessários para manter a unidade apropriada à ocupação de hóspedes – Cláusula 5.1 do Documento 5 – e serviços de limpeza e arrumação da unidade – cláusula 6.1 do Documento 5.

 

  1. Em troca a entidade gestora (D…) tinha, nos termos do referido contrato, direito a receber e reter 25% (vinte e cinco por cento) da Receita Bruta da Exploração Turística, ou qualquer outra percentagem que viesse a ser acordada periodicamente entre a gestora e os Requerentes [Cláusula 2.3 e Secção 7 do cit. Documento 5).

 

  1. Aos Requerentes competia a realização de todas as operações que não estivessem relacionadas com a gestão operacional da exploração turística, designadamente sendo responsáveis por todas os encargos e despesas, pendentes ou devidos, relacionadas com a Unidade, incluindo quaisquer impostos e encargos cobrados por credores ou fornecedores, pagamento de quaisquer despesas de operação, encargos de condomínio, custos de gestão e de reservas, todos os prémios de seguro aplicáveis, honorários de auditores, contas telefónicas e outras despesas e todos os custos com serviços básicos (eletricidade, água, gás) - Cláusula 4.4 do cit. Documento 5).

 

  1. Competia ainda aos Requerentes manter a unidade completamente operacional, tendo adquirido todos os equipamentos e mobílias para a Unidade, equipando-a com o pacote Standard de mobília, que representou um gasto de € 55.660,00 (cinquenta e cinco mil e seiscentos e sessenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável, que foi exclusivamente suportado e pago pelos Requerentes na data de assinatura do contrato (Cláusula 3.12 do Documento 5).

 

  1. A gestora (D…) estava obrigada a facultar um relatório mensal das contas aos Requerentes, num prazo de 15 (quinze) dias a contar do fim do mês em questão, para além de um relatório anual auditado (relatório) da conta dos Requerentes identificando, para o ano civil anterior, todas as receitas da exploração turística de todas as unidades participantes no Programa, a retribuição da gestora, a receita líquida de exploração turística, a retribuição dos Requerentes e todas as outras despesas e encargos da responsabilidade dos Requerentes, disponibilizadas de acordo com os termos do Contrato (Cláusulas 11.1 e11.2 do Documento 5).

 

III.2. Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.

 

IV. THEMA DECIDENDUM

 

Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito, devendo este Tribunal, com base no disposto no n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, apreciar e decidir as seguintes questões:

a) Aferir se o Relatório de Inspeção Tributária e os atos de liquidação praticados com base no mesmo e aqui contestados enfermam do vício de falta ou insuficiência de fundamentação;

b) Saber se os rendimentos auferidos pelos Requerentes configuram rendimentos da categoria B do IRS rendimentos da categoria F do IRS;

c) Em caso de improcedência do pedido principal, saber se os atos de liquidação contestados enfermam de ilegalidade parcial em virtude da não aceitação, pela AT, da dedução, em sede de Categoria F, de todas as despesas suportadas pelos Requerentes com o imóvel gerador dos rendimentos em causa;

d) Em caso de procedência do pedido, saber se os Requerentes têm direito ao pagamento, pela AT, de juros indemnizatórios.

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Sobre o dever de fundamentação dos atos em matéria jurídico-tributária, a jurisprudência do STA é já suficientemente clara, não sendo necessárias alongadas explicações sobre o tema. Assim, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 11-11-1998, proferido no âmbito do processo n.º 31339, em que aquele tribunal esclarece que «(…) o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do ato, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, por forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação».

 

Ainda o STA, no seu acórdão de 13-04-2000, proferido no âmbito do recurso n.º 31.616, salienta que a densidade da fundamentação pode variar «em função do tipo legal de ato e das suas circunstâncias», considerando aceitável «uma fundamentação menos densa de certos tipos de atos, considerando-se suficiente tal fundamentação desde que corresponda a um limite mínimo que a não descaracterize, ou seja, fique garantido o “quantum” indispensável ao cumprimento dos requisitos mínimos de uma fundamentação formal: a revelação da existência de uma reflexão e a indicação das razões principais que moveram o agente».

 

No caso em apreço, a fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária no qual se fundamentam as liquidações contestadas apresenta-se suficientemente clara e inequívoca, permitindo a um destinatário normal conhecer o percurso lógico-jurídico em questão e compreender as razões que conduziram à decisão: tanto assim é que os Requerentes, quer ainda no âmbito do procedimento administrativo, quer já em sede de processo arbitral, demonstraram ter compreendido perfeitamente o iter decisório da AT, inclusive contestando-o de diversas formas. Naturalmente que a discordância da argumentação sustentada pela AT não é suficiente para atribuir aos atos por esta praticados o vício de falta de fundamentação alegado que, assim, se dá por não provado.

 

  1. Quanto à qualificação dos rendimentos em questão, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), relativo aos rendimentos da categoria B, «consideram-se rendimentos empresariais e profissionais […] a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária […]». O legislador elenca, a título exemplificativo, no n.º 1 do artigo 4.º do CIRS, diversas atividades consideradas comerciais e industriais, encontrando-se entre elas as «atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como a venda ou exploração do direito real de habitação periódica» [alínea h)].

 

Quanto aos rendimentos de categoria F, o artigo 8.º do CIRS previa, na redação aplicável à data dos factos, o seguinte:

«1 - Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares.

2 - São havidas como rendas:

a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência;

b) As importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliários instalados no imóvel locado; […]»

 

A qualificação dos rendimentos em questão como rendimentos da categoria B ou F, tendo em conta que estamos perante um caso de aproveitamento de um bem imóvel para a geração de rendimento, passa por saber se esses rendimentos decorrem do exercício de uma atividade comercial (conforme alegam os Requerentes) ou se, diferentemente, resultam da mera cedência do imóvel (conforme sustenta a Requerida). Parece-nos, efetivamente, que estando-se perante um caso em que os rendimentos são gerados a partir de um elemento que é um bem imóvel, a única circunstância, atendendo à forma como o legislador configurou ambos os rendimentos no Código do IRS, que poderá ditar a destrinça é precisamente a distinção na forma como esses rendimentos são gerados – se por via da realização de uma atividade comercial, se por via da cedência do imóvel. Por outras palavras, importa determinar o que é que é remunerado através do rendimento tributável – se a realização de uma atividade de prossecução do lucro através da realização de atos destinados a promover a comercialização, isto é, a venda de prestações relacionadas com o dito imóvel, a terceiros; se a simples disponibilização do imóvel a terceiros.

 

No caso em apreço, e nos termos do contrato celebrado pelos Requerentes a que se alude supra na matéria de facto, a exploração turística, isto é, a exploração do imóvel com vista à prossecução, no mesmo, de uma atividade turística, cabia a uma outra entidade que não os Requerentes, a qual adquiriu a legitimidade para prosseguir essa atividade num imóvel que era pertença dos Requerentes por vontade destes constante do referido contrato de cessão de exploração turística.

 

Deste modo, a exploração turística da fração imobiliária de que os Requerentes são proprietários, nos anos em questão, foi assegurada pela sociedade a quem os mesmos cederam o direito de exploração turística, limitando-se os Requerentes a ceder a fração imobiliária para exploração, pelo que os rendimentos que auferiram têm a natureza de rendas, tal como estas se encontram definidas na alínea a), do n.º 2 do artigo 8.º do CIRS, constituindo rendimentos prediais (conforme resulta do n.º 1 do artigo 8.º do CIRS), enquadráveis na categoria F de rendimentos.

 

Para esta conclusão, é irrelevante que os Requerentes estejam registados para o exercício de atividades comerciais, designadamente a que se refere a “apartamentos turísticos sem restaurante”, tal como é irrelevante o regime do IVA em que estejam enquadrados. Também não releva para o caso o intuito lucrativo que possa ter motivado os Requerentes na aquisição da fração imobiliária do empreendimento turístico, nem tão-pouco o facto de os Requerentes terem, eventualmente, alguma organização para o desenvolvimento das atividades comerciais em que estão inscritos para efeitos fiscais.

 

Acompanhamos, assim, a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte (cf. o acórdão de 20/01/2005, no âmbito do processo n.º 00325/04, relatado pelo Desembargador Valente Torrão) nos termos da qual: “ (…) a cessão de exploração ou concessão de exploração do estabelecimento comercial, também conhecida por locação de estabelecimento comercial é um negócio jurídico mediante o qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, considerado este como uma unidade jurídica e económica, isto é, uma organização económica – jurídica de todos os elementos que o integra, afetada à realização de uma determinada atividade mercantil ou industrial”.

(…) ao ceder a exploração dos estabelecimentos obteve rendimentos prediais enquadráveis como rendimentos de categoria F (…) efetivamente, o impugnante não chegou a exercer atividade comercial ou industrial nas instalações em causa, pelo que a situação é equiparável à de um mero particular que auferiu um rendimento sujeito a IRS.

O facto de ter adquirido e equipado determinadas instalações destinadas a comércio não constitui em si uma atividade comercial ou industrial, antes sendo equiparada a uma aplicação financeira que, posteriormente, se traduziu no recebimento de determinado montante pelo arrendamento das instalações”.

 

  1. Quanto à não aceitação de despesas para efeitos da sua dedução aos rendimentos tributáveis nos termos da categoria F, designadamente quanto aos custos suportados com a manutenção e conservação do imóvel, o n.º 1 do artigo 41.º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos ocorridos em 2013 e 2014, previa que, “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal” (Redação dada pela lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)[1]. Assim, torna-se necessário apurar se as despesas que os Requerentes pretendiam deduzir e que a AT não considerou dedutíveis configuram despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo.

 

Decorre do n.º 2 do artigo citado que importa proceder à distinção entre despesas de manutenção, conservação e funcionamento, sendo dedutíveis apenas as primeiras (desde que efetivamente suportadas e documentalmente provadas), e excluindo-se a possibilidade de dedução das despesas de funcionamento (despesas correntes), conforme resulta do previsto no n.º 1 do artigo 41.º do CIRS.

 

De acordo com o STA (cf. o acórdão de 06-07-2016, proferido no âmbito do processo 088/16), “despesas de manutenção e de conservação serão despesas que sejam necessárias à conservação e manutenção dos imóveis que são geradores de rendimento. Poderão ser, como antes definidas no Regime do Arrendamento Urbano, art. 11.º, despesas efetuadas com obras de conservação ordinária – reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública, e, em geral, as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração; obras de conservação extraordinária – de reparação de defeitos de construção do prédio ou supervenientes; ou até de beneficiação do imóvel, mas sempre com repercussão no imóvel e na suscetibilidade de ele gerar rendimentos.”

 

Consideram-se, assim, excluídas dos conceitos de manutenção e conservação as despesas referentes a consumos de eletricidade, água e gás (consideradas, nos termos do contrato de cessão de exploração turística, como “despesas diretas da unidade”) as quais não poderão, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 41.º do CIRS, ser deduzidas aos rendimentos brutos da categoria F, contrariamente ao que pretendem os Requerentes.

 

Quanto às demais despesas sobre as quais existe divergência no caso sub judice – despesas com pessoal de limpeza e jardinagem, reparações e pinturas –, integram-se no conceito de despesas de manutenção e conservação, restando apenas saber se, à luz do acordado entre as partes no contrato de cessão da exploração turística, cabia aos Requerentes suportá-las. Nos termos acordados, as despesas com pessoal de limpeza (cláusula 6 do contrato) e jardinagem (cláusula 5.5), reparações (cláusula 5.3) e pinturas (cláusula 5.4), incluem-se nos serviços que devem ser prestados pela Gestora, e pelos quais esta é remunerada, conforme resulta das cláusulas 2.2. e 2.3 e 7 do contrato de cessão da exploração turística, pelo que não podem as mesmas ser deduzidas pelos Requerentes-proprietários.

 

O custo dedutível é, assim, o correspondente à remuneração paga à Gestora, o qual não é contestado pelos Requerentes, improcedendo o pedido dos Requerentes de consideração, para efeitos de dedução aos rendimentos da categoria F do IRS, das despesas com salários de pessoal (de limpeza e jardinagem), eletricidade, gás, água, pinturas e reparações referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT prevê que são devidos juros indemnizatórios “[…] quando se determine […] que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Tendo este Tribunal concluído que os atos contestados não enfermam de qualquer vício, e que, portanto, não há qualquer erro que possa ser imputado aos serviços da AT, não têm os Requerentes direito ao reembolso dos montantes de imposto pagos nem a juros indemnizatórios.

 

VI. DECISÃO

 

Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se:

  1. Julgar improcedente o pedido de anulação dos atos tributários impugnados, referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014 e, consequentemente, negar o pedido de resituição do imposto pago;
  2. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
  3. Condenar os Requerentes nas custas processuais aplicáveis.

 

Valor: em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 315.º do CPC, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e com o n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 31.486,57 (trinta e um mil. quatrocentos e oitenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos).

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1 836.00, a suportar pelos Requerentes nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 16 de janeiro de 2018

A Árbitro,

Raquel Franco

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 



[1] A disposição legal transcrita não diverge significativamente da redação em vigor para o ano de 2012. Em ambos os casos, faz-se depender a dedutibilidade dos seguintes pressupostos legais:

- Consubstanciarem despesas da manutenção;

- Incumbirem ao sujeito passivo;

- Serem efetivamente suportadas e documentalmente provadas.