Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 309/2017-T
Data da decisão: 2017-11-20  IVA  
Valor do pedido: € 156.922,05
Tema: IVA - Sujeito passivo misto - Instituição bancária - Locação financeira - Pro rata de dedução
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Decisão Arbitral

 

     Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Maria Alexandra Mesquita e Dr. Nuno Miguel Morujão (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-07-2017, acordam no seguinte:

 

    

              1. Relatório

 

A…, S.A. (doravante “A…” ou “Requerente”), titular do número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa –… Secção e de identificação de pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, …, …-… Lisboa, veio, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2,º e dos art.ºs. 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos actos tributários consubstanciados nas declarações periódicas de IVA respeitantes aos períodos de 01/2015, 02/2015 e 03/2015, respectivamente submetidas nos dias 13-02-2015, 17-03-2015 e 04-05-2015, bem como a sobre a legalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º …2016… .

A Requerente pede ainda a restituição da quantia de € 156.922,05 referente ao IVA não deduzido, acrescida dos juros legais contados desde a data da apresentação das respectivas declarações periódicas relativas aos períodos de 01/2015, 02/2015 e 03/2015, ou seja, dos dias 13-02-2015, 17-03-2015 e 04-05-2015, respectivamente, até à data da efectiva restituição.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 03-05-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-06-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 20-07-2017.

Em 03-10-2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 03-10-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

Apenas a Requerente apresentou alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A Requerente é uma pessoa colectiva, instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

b)    A Requerente era e é sujeito passivo misto para efeitos de IVA, dado que a sua actividade compreende por um lado i) operações tributáveis, que conferem o direito de dedução do imposto (locação financeira mobiliária), e por outro ii) operações sujeitas a IVA mas isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA (operações de financiamento e concessão de crédito).

c)    No dia 19-02-2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Janeiro de 2015 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 02-04-2015 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d)    No dia 17-03-2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Fevereiro de 2015 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)    No dia 04-05-2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Março 2015 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)     A Requerente deduziu, nas declarações periódicas relativas aos períodos de Janeiro, Fevereiro e Março de 2015, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2014;

g)   Nessas declarações, a Requerente, na determinação do cálculo do pro rata, excluiu do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, reduzindo assim o seu pro rata de 59% [valor definitivo para 2014 (e provisório para 2015), segundo o critério seguido pela Requerente] para 18 % [valor definitivo para 2014 (e provisório para 2015), adoptando o critério imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, cujos valores não são questionados pela Autoridade Tributária e Aduaneira);

h)   A Requerente passou a desconsiderar do numerador e do denominador as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, em virtude da posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, sancionado pelo Director Geral e seguida pelos Serviços de Inspecção em sede de inspecção junto da Requerente em exercícios anteriores;

i)      Caso o cálculo de pro rata definitivo de 2014 fosse feito incluindo as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, e os valores de alienação/abate por destruição dos bens locados, o pro rata passaria de 18% para 59%, e por consequência seria devido IVA inferior em € 156.925,04;

j)      Em 17-06-2015, a Requerente deduziu reclamação graciosa das liquidações referidas, que teve o n.º …2015… e foi indeferida em 16-12-2015 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

k)   A Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que foi indeferido por despacho de 31-01-2017, proferido pela Senhora Directora de Serviços do IVA, em que se manifesta concordância com uma Informação que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

(...)

17. Analisada a reclamação (fls. 265 a 282 dos autos de reclamação), os competentes Serviços, consideraram que:

A questão em análise nos presentes autos não se prende com a existência de qualquer erro no preenchimento da declaração, mas antes, num alegado erro no apuramento do pro rata ou percentagem de dedução;

O apuramento da percentagem de dedução efetuado pelo sujeito passivo está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno, pelo que, não se afigura assistir razão ao ora Recorrente quanto a pretensão formulada;

Trata-se de uma matéria relativamente à qual a AT já se pronunciou através do Ofício-Circulado nº 3010812009, em cujas instruções, embora contemplando a doutrina já defendida pela então DGCI, se visava divulgar a correta interpretação a dar ao art. 23º do CIVA, no que respeita às instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing e ALD;

Da leitura do aludido Ofício-Circulado, conclui-se que 0 apuramento da percentagem de dedução definitiva antes referida (18%) foi efetuado em perfeita concordância com os termos nele previsto;

A percentagem de dedução inicialmente apurada não resulta da aplicação do nº 4 do artº 23º do CIVA, mas antes assenta na aplicação do método de afetação real, através da utilização de um critério de imputação objetivo específico, tendo em conta os valores envolvidos nas operações desenvolvidas pelo ora Recorrente no âmbito das atividades de Leasing e ALD;

Na situação em apreço estamos perante operações que têm subjacentes contratos de locação financeira mobiliária. O objeto deste tipo de contratos não é a transferência de propriedade, mas sim a cedência, pela locadora, do uso dos bens por si adquiridos (ou o financiamento para a sua aquisição), recebendo, em contrapartida uma prestação (renda), acrescida de IVA;

Numa perspetiva tributária, a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artº 4º do CIVA;

No caso das operações de locação, dúvidas não restam de que a respetiva contrapartida se concretiza nas rendas auferidas pela entidade que assume a posição contratual de locadora;

Contudo, não se pode descurar o facto de que estas operações de locação (Leasing e ALD) consubstanciam (entre outras) uma modalidade de crédito, pelo que a atividade da entidade locadora, é, em substância, a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratória é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas;

Deve ter-se presente que, nesta matéria, um dos objetivos do legislador foi assegurar o cumprimento do princípio de neutralidade fiscal, na vertente de princípio de igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação a quem adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outrem que o adquire diretamente;

O facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao tocador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA, tal não significa que a parte integrante da renda, correspondente a amortização financeira ou de capital, tenha sido incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos;

Desde logo, porque a renda constitui 0 pagamento da concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes, capital ou amortização financeira que mais não é do que o reembolso da quantia emprestada e juros acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador;

Na perspetiva da operação de locação enquanto concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário;

No momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito a dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto de contrato de locação, por via do método da imputação direta;

Razão pela qual, sendo-lhe aplicável o método de afetação real com recurso a critério de imputação objetiva, não podia deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que, esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para aquisição do bem;

Do mesmo modo, para além da componente de capital incluída nas rendas recebidas no âmbito dos contratos de locação financeira, as demais quantias recebidas pelo sujeito passivo a título de alienação ou de indemnização pelo abate por destruição dos bens locados, ainda que residuais, destinam-se, exclusivamente, a amortização, financeira total ou parcial, do capital objeto de financiamento concedido através da aquisição dos bens tocados, sendo, por isso, igualmente excluídas do cálculo da percentagem de dedução;

À luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema do IVA, fácil se torna perceber que a incidência deste imposto sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupere o valor do imposto que já foi deduzido pelo sujeito passivo;

A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens, mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros;

A inclusão no rácio entre (de) operações com e sem direito à dedução da componente relativa a restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provoca um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva atendendo a que será significativa e positivamente influenciada (no caso concreto, um aumento de 18% para 59%), por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição;

Este facto gerará deduções acrescidas para o sujeito passivo, relativamente à generalidade dos inputs de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente, que, nessa medida, se apresenta como exagerado, face à realidade das operações tributáveis;

Torna-se compreensível que no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, aplicável na situação em apreço, e em harmonia com o entendimento da AT, deva considerar-se apenas o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta, o IVA da parte relativa ao capital é integralmente deduzido;

É apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução;

Se assim não fosse, permitia-se um aumento artificial da dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo;

Do entendimento propugnado pela AT não decorre, assim, qualquer restrição do direito legítimo à dedução, como alega o ora Recorrente. Antes, pelo contrário, pugna pela inadmissibilidade do exercício do direito a dedução ilegítimo, na medida em que, a eventual execução do procedimento aqui defendido colocaria em causa a neutralidade fiscal inerente à mecânica do IVA;

O método do pro rata previsto no nº 4 do art. 23º do CIVA, que o ora Recorrente pretende ver aplicado, não tem mérito para medir o grau de utilização que as duas categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhes são indistintamente alocados (utilização mista), devendo, antes, aplicar-se um critério de imputação objetivo;

É no âmbito dos poderes conferidos à AT pela al. b) do nº 3 do art. 23º do CIVA que se enquadra 0 citado Ofício-Circulado nº 30108/2009, aqui em discussão, ao prever uma solução que permite afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizam operações de locação financeira e ALD;

No que concerne ao facto alegado de que o procedimento adotado pela AT viola o princípio do direito à dedução e da neutralidade, ínsitos ao sistema comum do IVA (normas internas e comunitárias), o mesmo não se verifica, uma vez que o n.º 5 do art.º 17º da Sexta Diretiva (que corresponde ao atual art. 174º da Diretiva IVA) consente aos Estados-Membros opções em relação ao apuramento do IVA dos "inputs promíscuos", autorizando ou impondo que utilizem determinados métodos específicos de dedução do IVA quando as circunstâncias o justifiquem;

 Em consonância com essa permissão está o disposto no nº 2 e na al. b) do nº 3 do art. 23º do CIVA;

Estas regras que regem o direito a dedução constam das diretivas que disciplinam o sistema comum do IVA, estando, também em consonância com as normas constantes do CIVA;

A posição da AT encontra perfeito acolhimento quer nos princípios constitucionais, quer no espírito e princípios disciplinadores do mecanismo do exercício do direito a dedução, constantes quer da jurisdição comunitária, quer do quadro normativo nacional, que mais não é do que uma transposição das normas jurídicas comunitárias;

A este respeito, cumpre esclarecer que as orientações constantes do ponto 9 do Ofício-Circulado nº 301 08/2009, mais não fazem do que contribuir para a praticabilidade dos desígnios constitucionais plasmados nos artigos 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa, sendo um fator decisivo para garantir e tutelar a confiança dos contribuintes;

A posição da AT, em momento algum põe em causa, quer normas internas quer comunitárias relativas ao direito à dedução, conforme já amplamente elucidado, jamais procurando alterar ou violar as regras jurídicas que lhe deram origem;

Nestes termos, tendo em consideração que o ora Recorrente determinou a percentagem de dedução seguindo o entendimento preconizado pela AT no mencionado Ofício-Circulado, não se vislumbra que tenha incorrido em qualquer erro no respetivo apuramento, por desconsideração, quer do valor correspondente à componente do capital das rendas dos contratos de locação financeira, quer do valor relativo às alienações e indemnizações por abate dos bens locados.

 

18. Deste modo, atendendo a que os fundamentos apresentados pelo então Reclamante careciam de fundamento legal, logo, não mereceram acolhimento para uma decisão favorável ao mérito da causa, concluíram pelo indeferimento do pedido.

(...)

33. Ora, o direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos deste imposto, desde que os bens e os serviços a que respeita tal imposto a deduzir sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

34. Dos princípios gerais do imposto, em particular dos objetivos de neutralidade e de não distorção de concorrência que lhes estão subjacentes, decorre que só na medida em que os inputs das atividades desenvolvidas forem atribuíveis à prossecução de operações que possibilitem a dedução do imposto suportado a montante é que o IVA contido nesses inputs pode ser deduzido.

35. De acordo com a jurisprudência comunitária, acórdão de 18 de dezembro de 2008 (Processo C-488/07, Royal Bank of Scotland), o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) evidenciou que as alíneas a) a d) do terceiro parágrafo do nº 5 do artº 17º da Sexta Diretiva (atual artº 173º nº 2 da Diretiva IVA) tem por objetivo permitir que os Estados-Membros atinjam resultados mais precisos em matéria de determinação da medida do direito à dedução do IVA suportado a montante, tomando em conta as características específicas das atividades dos sujeitos passivos.

36. Mais explicitamente, no acórdão de 8 de novembro de 2012 (Processo C-511/10, BLC Baumarkt), o TJUE assinalou que as possibilidades contidas no terceiro parágrafo do nº 5 do art. 17º da Sexta Diretiva (atual artº 173º nº 2 da Diretiva IVA) visam permitir que os Estados-Membros atinjam resultados no cálculo do pro rata de dedução mais precisos, podendo constituir, nos casos em que tal se justifique, derrogações a regra de determinação do pro rata estabelecida no art. 19º da citada Sexta Diretiva (atuais artigos 174 e 175 da Diretiva IVA).

37. Para tanto, acrescentou o TJUE nos nºs 22 e 23 do mesmo acórdão, que na falta de indicação na Sexta Diretiva das formas de dar concretização ao disposto no terceiro parágrafo do nº 5 do seu art. 17º (atual art. 173º nº 2 da Diretiva IVA) cabe aos Estados-Membros instituir métodos e normas para o cálculo do pro rata de dedução do IVA pago a montante, tendo em conta a sistemática do referido nº 5 e o princípio da neutralidade fiscal em que se alicerça o sistema comum do IVA.

38. Do acórdão de 21 de fevereiro de 2008 (Processo C-425/06, Part Service, nº 57, quinto

travessão) consta expressamente o reconhecimento de que a componente das rendas de locação financeira referente à parcela de amortização do capital gasto na aquisição do bem e, por si só, desprovido de rendibilidade económica, nada tendo a ver com a efetiva remuneração auferida pelos locadores financeiros.

39. Dispõem os nºs 2 e 3 do art. 23º do CIVA, transpostos para o ordenamento interno com base na citada Sexta Diretiva que, quando um sujeito passivo exerça atividades económicas distintas ou quando a aplicação do pro rata geral baseado no volume de negócios possa conduzir a distorções significativas, a AT pode obrigá-lo a efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em outros critérios de repartição mais adequados, que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito e impondo, se necessário, condições especiais.

40. Verifica-se, assim, que, ao abrigo do nº 3 do art.º 23º do CIVA, que tem por base a faculdade conferida na al. c) do terceiro parágrafo do nº 5 do art. 17º da citada Sexta Diretiva (atual artº 173º nº 2 da Diretiva IVA), a AT pode impor a adoção de outros critérios mais adequados para permitirem aferir, com maior rigor, o grau de afetação de bens e serviços de utilização mista, por parte dos sujeitos passivos que também realizem operações de locação financeira, como é o caso do Recorrente.

41. Ora, como foi sufragado na Informação que suporta o despacho recorrido, o apuramento da percentagem de dedução definitiva (18%) foi efetuado em concordância com os termos previstos no Ofício-Circulado nº 30108/2009, estando, deste modo, o apuramento da percentagem de dedução efetuado pelo sujeito passivo em perfeita conformidade com as normas de direito comunitário e interno.

42. Não é, assim, desconhecido pelo Recorrente que a metodologia utilizada nas autoliquidações impugnadas foi imposta pelo referido Ofício-Circulado nº30108/2009.

43. Pelo que, a pretensão do Recorrente subjaz num juízo de ilegalidade relativamente às instruções administrativas propugnadas no Ofício-Circulado, quanto a imposição de que, na atividade de locação financeira, no cálculo da percentagem de dedução de imposto suportado em bens mistos seja desconsiderada a componente de amortização financeira das rendas.

44. O Recorrente entende que a componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de Leasing tem de ser incluída no valor das operações para efeitos de IVA, o que seria uma consequência necessária do facto de, nos termos da al. h) do n°2 do art. 16° do CIVA, todo o valor da "renda recebida ou a receber do locatário" constituir o valor tributável sobre o qual há-de incidir o IVA. Considerando ilegal que a AT cinda as componentes das rendas derivadas dos contratos de locação financeira a propósito da aplicação do regime de dedução parcial.

45. De referir que a metodologia de dedução (previamente) imposta pela AT, designadamente a exclusão da componente de amortização das rendas para efeitos do cômputo do direito de dedução, não se enquadra no âmbito do pro rata de dedução geral previsto no n°4 do art.° 23° do CIVA, mas sim no âmbito do método da afetação real, o qual permite, nos termos dos n°s 2 e 3 do mesmo preceito, que sejam impostas condições especiais na dedução relativa a bens de utilização mista, nomeadamente quando a aplicação do pro rata geral provoque distorções significativas na tributação, como é o caso.

l)    A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, com o seguinte teor:

Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD

Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:

1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

 9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.

m)  Em 02-05-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

Quanto ao valor de € 156.922,05, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que esteja correctamente determinado no documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 173.º

1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

        (...)

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

 

 

O artigo 23.º do CIVA estabelece o seguinte, no que está em causa no presente processo:

 

Artigo 23.º

 

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

 

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

 

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

 

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

 

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

 

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

 

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

 

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

 

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

 

A Requerente é uma instituição de crédito que desenvolve concomitantemente actividade de locação financeira.

É um sujeito misto para efeitos de IVA, desenvolvendo operações sujeitas – designadamente as relativas à locação financeira mobiliária (leasing e ALD financeiro) - e operações isentas – nomeadamente a concessão de crédito.

O Ofício Circulado n.º 30108 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem concomitantemente este tipos de actividades, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).

Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em lhes impor, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades».

Em segunda linha, ainda, segundo o ponto 8, «na aplicação do método da afectação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD» (ponto 9).

Em suma, regime especial previsto no Ofício Circulado consiste em impor a estes tipo de sujeitos passivos a dedução segundo a «afectação real», que deverá ser efectuada de duas formas:

– preferencialmente, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades»;

– sempre que tal não seja possível, a «afectação real» será efectuada utilizando um «coeficiente de imputação específico», que é determinado calculando a percentagem de dedução apenas com base no montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, e não com, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º, com base em «todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica».

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente, nas liquidações impugnadas, aplicou a regra que consta do ponto 9 do referido Ofício Circulado, tendo no cálculo do pro rata de dedução relativo a bens de utilização mista excluído do numerador e do denominador da fracção das rendas de contratos de locação financeira as amortizações financeiras e os valores de alienação/abate por destruição dos bens locados, o que tem ínsito que entendeu que não lhe foi possível aplicar, nos termos do ponto 8 do Ofício Circulado, o método da afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

No entanto, a Requerente impugnou as liquidações por via de reclamação graciosa e, depois, recurso hierárquico, defendendo, em suma, o seguinte:

– sendo as operações de locação financeiras sujeitas a IVA pelo valor global das rendas, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 16.º do CIVA, não há fundamento para que o montante das amortizações financeiras e das indemnizações não incluam o volume de negócios para efeitos de determinação do pro rata;

– à luz das disposições nacionais que transpuseram a Diretiva de IVA para o ordenamento jurídico nacional (designadamente o CIVA), não é atribuída à Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer prerrogativa destinada à alteração do modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, pois o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e denominador da fracção e os n.º 2 e 3 do art. 23.º do CIVA apenas habilitam a AT a impor condições especiais no âmbito da dedução segundo a afectação real;

– o Acórdão do TJUE proferido no caso Banco Mais não apura se a lei portuguesa (artigo 23.º do CIVA) prevê ou não mecanismos que permitam à Autoridade Tributária e Aduaneira impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista e que o CIVA não dispõe de qualquer norma (incluindo n.º 2 do artigo 23.º) que corresponda ao artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva;

– por isso, sendo verdade que a Sexta Diretiva permite que o legislador nacional autorizasse ou obrigasse o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, o legislador nacional preferiu todavia não se socorrer dessa possibilidade;

– nem sequer é consagrado no art. 23.º do CIVA o poder de a AT, perante um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, lhe impor condições à percentagem de dedução, pelo que a doutrina contida no Acórdão do TJUE do caso Banco Mais não tem aplicação concreta no que respeita aos actos tributários aqui em crise;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira não fundamenta, em concreto, a verificação de “distorção significativa da tributação”, legitimadora de alteração do método de dedução de IVA adoptado pela Requerente.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua resposta, defende o seguinte, em suma:

 

– o que se discute e pretende aferir é se houve ou não erro na autoliquidação de Imposto;

– sendo certo que a redação do n.º 2 do art. 23º do CIVA não impede que o critério objectivo seja determinado de acordo com a percentagem de dedução afecta a todos os recursos da ora Requerente, não é menos certo que este critério tinha de reflectir tão só o montante dos proveitos provenientes da sua actividade tributada (os juros) sob pena de se subverter a neutralidade que preside a todo o sistema que consagra o direito à dedução;

– pelo que, seguindo o Ofício nº 30108/2009 (visando clarificar o método correcto a adoptar, na ausência dos critérios objectivos impostos pelo método de afectação real, para todos os operadores económicos da referida atividade, metodologia sustentada por diversa jurisprudência do TJUE), o procedimento adoptado pela Requerente aquando das autoliquidações de imposto foi o correcto;

– o que sucede é que num momento posterior à submissão das declarações fiscais, a Requerente pretendeu abandonar aquele critério que utilizou relativamente ao exercício do direito à dedução do imposto suportado nos recursos de utilização mista, vindo a recalcular uma percentagem de dedução de 59%, utilizando o mesmo método do pro rata de dedução mas incluindo o valor total da renda, sem expurgar a parte referente à amortização de capital;

– instado a decidir em última instância litígio que opunha o Banco Mais à Fazenda Pública, veio o STA submeter ao TJUE a seguinte questão prejudicial:

Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?

– na sequência do que aquele Tribunal decidiu que “nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel”.

– devendo o sistema comum do IVA garantir a perfeita neutralidade relativa à carga fiscal de todas as atividades económicas o TJUE veio considerar que o art. 17º, nº5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva: “…deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e denominador a fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão de reenvio verificar.”;

– sobre a mesma matéria também já se pronunciou o STA, por Acórdão de 29/10/2014, proferido no âmbito do processo nº 01075/13, 2ª Secção, onde expressamente se decidiu: “Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros”.

– a jurisdição arbitral está vinculada à interpretação efectuada pelo TJUE, que é o garante da interpretação e aplicação uniforme do direito da EU no território de todos os Estados membros, relativamente ao artigo 17º, nº5 da Sexta Directiva IVA (actual artigo 173.º, n.º 2 da Directiva nº 2006/112 CE), em causa nos presentes autos, já que o artigo 23.º do Código do IVA procedeu à sua transposição para o nosso direito interno.

 

3.2. Apreciação da questão

 

A Requerente desenvolve actividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como actividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).

Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na actividade sua económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na actividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].

No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a bens utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (como é a locação financeira), como na actividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).

Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).

Tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior e é aplicável provisoriamente, a determinado ano calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).

Mas, o sujeito passivo pode optar por «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA). [1]

A utilização deste método de afectação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» [alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º]. A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».

Através do referido Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afectação real» (ponto 8).

Segundo os pontos 8 e 9, a «afectação real» deverá fazer-se de suas formas:

 

– se for possível, faz-se «a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);

– se não for «possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.

 

No caso em apreço, está-se perante uma situação em que não há controvérsia entre as Partes quanto à inviabilidade de utilização do método da afectação real, com base em critérios objectivos, tendo a Requerente utilizado nas liquidações impugnadas este «coeficiente de imputação específico» determinado da forma prevista no ponto 9, considerando no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, excluindo do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.

No entanto, a Requerente defende que este método é ilegal, pelo que deve ser determinado o pro rata de dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, isto é, deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Como afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira, o TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que desenvolve actividades de locação financeira, que conferem direito à dedução, e outras actividades financeiras, que não conferem tal direito.

No acórdão proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), proferido no âmbito de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».

Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

                 As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) ( [2] ).

                 Na linha do decidido pelo TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já, no acórdão de 29-10-2014, proferido no processo n.º 0175/13, e «os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros».

                 A Requerente questiona este entendimento dizendo, em suma, o seguinte:

 

– «da mera leitura das por entender que o artigo 23.º do CIVA disposições legais nacionais aplicáveis (maxime do artigo 23.º do CIVA) se pode (e deve) constatar que (ao contrário do que o TJUE veio a dar como certo, apenas e só com base no que o Representante do Estado Português alegou no processo) as mesmas não correspondem à mera transposição ipsis verbis da Directiva do IVA, não estando, assim, prevista na nossa legislação nacional a possibilidade – conferida pela Directiva, como veio o TJUE a esclarecer, e que, naturalmente, já não se questiona – de a AT poder mitigar o pro rata»;

– «Ou seja, embora se admita hoje que de iure constituendo, ao abrigo da Directiva do IVA, os Estados-Membros possam optar por não só impor o uso de um determinado método de dedução do IVA relativo aos designados custos comuns para os sujeitos passivos mistos, como possam, inclusive, no caso da aplicação do método do pro rata, impor que determinadas verbas sejam, ou não, consideradas no numerador / denominador da fórmula de cálculo da percentagem de dedução, a verdade é que, de iure constituto, tal possibilidade não foi – de todo – a seguida pelo Estado Português que, embora a Directiva lhe conferisse essa margem, entendeu consagrar no nosso ordenamento jurídico (ou seja no CIVA) apenas a possibilidade de a AT impor o uso de um determinado método (afectação real ou pro rata)»;

– «o TJUE, erradamente, deu como assente que a Legislação Portuguesa (mais concretamente o CIVA) transpôs para o nosso ordenamento o que estava previsto na Directiva, ou seja, a possibilidade que a mesma concedia de os Estados Membros efectivamente mitigarem o pro rata, podendo obrigar o Contribuinte a incluir ou excluir determinadas verbas da fórmula»;

– «não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva.»;

– «É verdade que a Sexta Diretiva no art.º 17.º (n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c)), quando se referia, justamente ao pro rata, abriu a porta aos Estados-membros para que autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. Sucede, todavia, que o legislador nacional preferiu não abrir essa porta, nada consagrando no sentido de conferir à sua Autoridade Tributária poderes com esse conteúdo»;

– «em momento nenhum, em lugar algum, se descortina neste art.º 23.º a menção ou a consagração do poder de a Autoridade Tributária, perante um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, lhe impor condições à percentagem de dedução. Isto é, para lá das instruções precisas fornecidas pelo n.º 4 do art.º 23.º - e que são objetivas na determinação daquela percentagem – o legislador não habilitou a Autoridade Tributária a contrariar a percentagem de dedução tal como resulta do n.º 4»;

– é a interpretação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira que «afecta a neutralidade na medida em que (...) sujeita a totalidade da renda a IVA e não permite a dedução da parcela da amortização do capital» e «causa distorção na medida em que se pensarmos numa situação em que determinada empresa só realiza a actividade de Locação (seja em Leasing ou ALD) dúvidas não há de que a totalidade do IVA suportado com as rendas será aceite»;

– «para além da parte da amortização em causa nos presentes autos está também a parcela referente à alienação / abate dos bens abatidos. Matéria sobre o qual o TJUE não se pronunciou»;

– «a AT não se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, sob pena de violação do disposto nos artigos 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA e dos princípios que caracterizam o IVA (o princípio da neutralidade fiscal, o princípio da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, o princípio da segurança jurídica e o princípio da protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), assim como dos princípios constitucionais da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º), da legalidade (artigo 112.º, n.º 5) e da reserva de lei (artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), todos da Constituição da República Portuguesa».

 

            Afigura-se que a Requerente tem razão quanto ao erro de interpretação do direito interno português que afecta a decisão do TJUE.

            Mas, antes de mais, convém esclarecer alguns pontos.

            Desde logo, é de explicitar que, nos termos do artigo 267.º do TFUE [3], a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, se limita à «interpretação dos Tratados», e à «validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União», pelo que não se estende à interpretação do artigo 23.º do CIVA, na parte em que consubstancia opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, à sua discricionariedade.

            Por outro lado, há que ter em consideração que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não é uma disposição de aplicação directa, pois é dirigida aos «Estados-Membros» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

            Num Estado de Direito, em matéria subordinada ao princípio da legalidade e reserva de lei [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 8.º da LGT, a opção pela aplicação no nosso direito interno daquela norma facultativa da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, tem de ser efectuada por via legislativa.

            Para além disso, há que esclarecer que os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do CIVA são a:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» [n.º 1 alínea b) com remissão para o n.º 4;

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º).

 

            Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1] «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

            Assim, a questão que se coloca reconduz-se a saber se neste n.º 2 se inclui a possibilidade determinação da afectação real através de uma percentagem de dedução.

            Neste n.º 2 apenas se prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

            É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.

            Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º

             Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução.

            Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

             E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

            Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

            E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo artigo 3.º, n. 1, do Código do Procedimento Administrativo.

            Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

            À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». [4]

            Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

            No que concerne à necessidade de aplicação do método referido por imposição do princípio da neutralidade, não são indicadas nem demonstradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira as razões por que tal método é necessário para assegurar a «sã concorrência» ou a igualdade de todas as empresas, sendo certo que, na perspectiva do legislador nacional, a aplicação do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º é a forma adequada de assegurar o direito à dedução de todos os sujeitos passivos mistos, nos casos em que seja inviável a afectação real com critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito.

Pelo contrário, como se explica no Parecer do Senhor Prof. Doutor José Xavier de Basto e do Senhor Prof. Doutor António Martins, junto aos autos, afigura-se que «o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada».

            Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP] .

            Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, a orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essa orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem aos tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). [5]É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

 

 

            A isto acresce que, como decidiu o TJUE, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não se opõe a que um Estado-Membro obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contrato», no que está ínsito que não é compaginável com a regra referida a imposição de uma percentagem de dedução especial de forma generalizada, independentemente da utilização real dos bens e serviços.

             Pelo exposto, concluir-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade procede o pedido de pronúncia arbitral.

            Consequentemente, as liquidações impugnadas, em que foi dada execução a essa imposição, enfermam de vício de violação de lei, por errada aplicação do método de cálculo do pro rata de dedução, o que justifica a sua anulação bem como das decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que as mantiveram.

 

                 4. Juros indemnizatórios e restituição de quantia paga em excesso

 

          A Requerente pede ainda a restituição da quantia de € 156.922,05 referente ao IVA não deduzido, e portanto, liquidado em excesso, em relação ao que deveria ter liquidado aplicando o método do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, acrescida dos juros legais contados desde a data da apresentação das respectivas declarações periódicas relativas aos períodos de 01/2015, 02/2015 e 03/2015, ou seja, dos dias 13-02-2015, 17-03-2015 e 04-05-2015.[6]

          A Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona a quantificação efectuada pela Requerente.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.

Na sequência da ilegalidade das liquidações é manifesto que a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou indevidamente.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

O erro das liquidações é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do n.º 2 deste artigo, pois foram seguidas pela Requerente as orientações da Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente publicadas, através do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009.

Consequentemente, a Requerente tem à restituição da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde as datas dos pagamentos indevidos, até ser reembolsada.

 Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data de cada pagamento indevido até ao respectivo reembolso.

 

 

              5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Anular as liquidações de IVA efectuadas nas declarações periódicas respeitantes aos períodos de 01/2015, 02/2015 e 03/2015, respectivamente submetidas nos dias 13-02-2015, 17-03-2015 e 04-05-2015, bem como a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º …2016…;

c)      Condenar à Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 156.922,05, acrescida de juros indemnizatórios calculados sobre cada pagamento indevido desde a data em que foi efectuado até ao respectivo reembolso.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 156.922,05.

 

 

7 Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

Lisboa, 20-11-2017

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Maria Alexandra Mesquita)

 

 

 

 

 

(Nuno Miguel Morujão)

 

 



[1]             A utilização deste método é obrigatória de se tratar de bem não utilizados na actividade económica definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

[2]                                             Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 25-10-2000, processo n.º 25128, Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

[3]             Este artigo 267.º estabelece que

                «O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

                 a) Sobre a interpretação dos Tratados;

                 b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

[4]             FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.

                Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II: «A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça». (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo volume II, páginas 42-43.

                Em sentido idêntico, pode ver-se MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, que refere: «Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna. A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.

Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.».

                Nesta linha tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, por exemplo, pelo acórdão de 13-11-2002, processo n.º 047932.

[5]      Neste sentido, pode ver-se MANUAL DE DIREITO FISCAL, Pedro Soares Martinez, Edições Almedina, Coimbra, 1• Reimpressão -1984, página 109.

[6]             A Requerente, por lapso manifesto, indica a data de 04-05-2014 relativamente à liquidação do período 3/2015, mas a data exacta é 04-05-2015, como se vê pelo documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral.