Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 382/2017-T
Data da decisão: 2018-02-23  IRS  
Valor do pedido: € 86.063,75
Tema: IRS - Rendimentos provenientes de actividade ilícita - pressupostos e prova - ónus da prova
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Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Fernando Araújo e Rodrigo de Castro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte

 

Acórdão Arbitral

 

I – Relatório

 

  1. O contribuinte A…, com o NIF… (doravante "Requerente"), apresentou, no dia 23 de Junho de 2017, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 5.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), com os fundamentos previstos nas alíneas a) e c) do art. 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").
  2. O Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações adicionais de IRS nº 2017…, nº 2017… e nº 2017…, referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012 e resultantes das correcções efectuadas ao abrigo das ordens de serviço OI2016…, OI2016… e OI2016… da Direcção de Finanças da …, tudo num total de €86.063,75.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 29 de Junho de 2017.
  4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 11 de Agosto de 2017.
  5. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 29 de Agosto de 2017.
  6. A fundamentar o pedido alega, entre o mais, o Requerente:
  1. A liquidação é ilegal porque assentou a sua fundamentação de facto num inquérito criminal que foi extinto por arquivamento, mormente porque, no seu entender, a Requerida procedeu, logo no RIT, a uma utilização selectiva e parcial da factualidade apurada naquele inquérito.
  2. Mais especificamente, o Requerente assinala que, no inquérito criminal, o Ministério Público reconheceu ter ficado insuficientemente demonstrado que os montantes creditados nas contas das filhas do arguido representassem valores por este recebidos na actividade ilícita da qual era acusado – tendo sido dessa insuficiência de prova que resultou a decisão de arquivamento do inquérito.
  3. Alega que a AT pretende ainda retirar conclusões que não foram retiradas no inquérito criminal, remetendo para prova que não foi feita, e por isso tentando provocar efeitos que o próprio despacho de arquivamento terá considerado precludidos.
  4. Além disso, o Requerente alega que no RIT se extrapolou ilegitimamente a partir da condenação do Requerente no processo-crime NUIPC …/07… TELSB (não transitada em julgado), que se reporta a factos ocorridos nos anos de 2007 a 2009, quando o RIT se cinge a factos dos anos de 2010 a 2012.
  5. Seria, portanto, totalmente ilegítimo tentar extrapolar de uma condenação penal para provar actividade ilícita posterior aos factos que foram objecto dessa condenação, mais a mais quando se trata de tributação de rendimentos com base anual, requerendo, por isso, prova relevante de factos de cada ano, separadamente.
  6. Assim, para o Requerente, das duas uma:
    • Ou a fundamentação da AT procura assentar na condenação alcançada no processo NUIPC …/07… TELSB, e verifica-se a não coincidência temporal, e logo a falta de prova para os anos de 2010 a 2012;
    • Ou a fundamentação da AT procura assentar no inquérito NUIPC …/13… TELSB, e terá que atender aos efeitos do despacho de arquivamento, que novamente a deixam sem prova para os anos de 2010 a 2012.
  7. Recordando o Requerente que o ónus da prova recai, no caso, sobre a AT, nos termos do art. 74º da LGT, insiste que ficou por provar-se, para o período de referência, que os fundos creditados nas contas dos filhos e genros do Requerente fossem efectivamente rendimento deste, - e não daqueles – não bastando, para efeito de descoberta da verdade material, anexar ao RIT, como a Requerida o fez, o relatório elaborado pelo Gabinete de Recuperação de Activos da Polícia Judiciária.
  8. A Requerida ter-se-ia, assim, demitido do seu dever funcional de descoberta da verdade material, ao limitar-se a incorporar no RIT o relatório apenso ao inquérito NUIPC …/13… TELSB, sem reverificar a informação que nele se continha.
  9. Daí resulta, no entender do Requerente, que a prova obtida no inquérito NUIPC …/13… TELSB nem sequer poderia valer como princípio de prova no RIT, porque, nos termos do art. 421º do CPC (valor extraprocessual das provas) não foi produzida com audiência contraditória, sendo prova pericial que não foi sequer comunicada ao Requerente.
  10. O Requerente assinala que a AT nem sequer recorreu à avaliação indirecta para provar a existência de uma actividade ilícita nos anos de 2010 a 2012, como podia ter feito recorrendo nos termos do art. 87º, 1, f) da LGT – preferindo, no seu entender, inferir a partir de uma condenação em processo-crime respeitante a condutas em anos anteriores.
  11. Na ausência de tal prova, por inadmissível no RIT, sustenta o Requerente que se impõe a anulação do acto impugnado, nos termos do art. 100º do CPPT.
  12. Subsidiariamente, o Requerente dispõe-se a fazer a demonstração daquilo que ele alega serem inconsistências e inverdades no RIT, em especial no que se refere aos movimentos das contas bancárias, às titularidades dos saldos, à justificação de todos os movimentos financeiros, sejam os seus, sejam os das contas das suas filhas e genros.
  13. E procede a uma explicação detalhada dos movimentos, entre os anos de 2010 a 2012, de oito contas da titularidade do Requerente e sua esposa, das suas filhas e dos seus genros:
  1. PT50…
  2. PT50…
  3. PT50…
  4. PT50…
  5. PT50…
  6. PT50…
  7. PT50…
  8. PT50… .
  • Dado que pagou o imposto e sustenta que houve erro imputável aos serviços de que resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, o Requerente reclama juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 43º da LGT e 61º, 2 do CPPT.
  1. A Requerida apresentou a sua Resposta em 2 de Outubro de 2017 e o Processo Administrativo completo na data de 23 de Outubro.

Na Resposta argumenta, entre o mais, a Requerida:

  1. As liquidações controvertidas consubstanciam uma correcta aplicação do Direito, não enfermando de qualquer vício, devendo ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
  2. O arquivamento do inquérito NUIPC …/13… TELSB significa que não estavam reunidos os pressupostos de facto para a acusação do crime que estava indiciado, e que era o de branqueamento de capitais, não que não se tenha feito prova da obtenção pelo Requerente, e no período relevante, de rendimentos provenientes de actividade ilícita que depositou nas suas contas bancárias e nas contas bancárias em que os nomes das suas filhas aparecem como titulares.
  3. Fez a prova que lhe competia e que ela consta do RIT. Desincumbiu-se do seu onus probandi e obteve inclusivamente a colaboração do Requerente durante a acção inspectiva, colaboração da qual resultaram inclusivamente alterações às correcções inicialmente propostas.
  4. A Requerida rejeita que se tenha recorrido, na acção inspectiva ou no RIT que dela resultou, a informação respeitante a anos anteriores a 2010, ou a provas obtidas noutros processos, fosse ela prova pericial ou outra.
  5. A Requerida entende não estarem provados os factos agrupados sob a epígrafe “Movimentos bancários” a fls. 14 a 132 do pedido de pronúncia arbitral, havendo inclusivamente algumas que foram desconsideradas no RIT, não podendo constituir matéria de facto com interesse para os presentes autos.
  6. E, em remate da sua Resposta, a Requerida apresenta as suas objecções à prova testemunhal, que entende nada poder acrescentar à prova documental, nem poder suprir a falta de suporte documental quando ele ocorra.

 

  1. Em Requerimento apresentado, em 3 de Outubro de 2017, o Requerente assinalou que o Processo Administrativo junto pela Requerida à sua Resposta de 2 de Outubro de 2017 se encontrava incompleto, e solicitou a junção aos autos da cópia integral desse Processo Administrativo, nos termos do art. 17.º, 2 do RJAT.
  2. O Despacho Arbitral de 7 de Outubro de 2017 solicitou à Requerida a junção aos autos da cópia integral do Processo Administrativo.
  3. Em Requerimento de 9 de Outubro de 2017, o Requerente solicitou a convocação da reunião prevista no art. 18º, 1, a) e b) do RJAT, por entender que subsistiam, após a Resposta da AT, algumas questões prévias por esclarecer, nomeadamente referentes ao Processo Administrativo e à Prova Testemunhal.
  4. Em Requerimento de 23 de Outubro de 2017 a Requerida veio cumprir o determinado pelo Despacho Arbitral de 7 de Outubro de 2017, remetendo o Processo Administrativo completo.
  5. O Despacho Arbitral de 23 de Outubro de 2017 mandou notificar o Requerente quanto à junção dos elementos em falta no Processo Administrativo.
  6. Em Requerimento, de 26 de Outubro de 2017, o Requerente solicitou a junção de novos documentos ao Processo Administrativo, por considerá-lo ainda incompleto.
  7. O Despacho Arbitral de 29 de Outubro de 2017 solicitou da Requerida a junção do Processo Administrativo completo, mas mandou desconsiderar os argumentos expendidos pelo Requerente no seu Requerimento de 26 de Outubro de 2017. O mesmo Despacho determinou a dispensa da reunião prevista no art. 18.º do RJAT e designou data para a audiência de julgamento.
  8. Em Requerimento de 31 de Outubro de 2017 o Requerente solicitou a notificação de uma das testemunhas arroladas.
  9. Em Requerimento de 7 de Novembro de 2017 a Requerida, reiterando o seu entendimento quanto à inutilidade da prova testemunhal, solicitou que à testemunha fosse possível prestar o seu depoimento por videoconferência, ou lhe fosse permitido ser inquirida somente da parte da tarde, dada a distância implicada na sua deslocação ao Tribunal.
  10. O Despacho Arbitral de 8 de Novembro de 2017 deferiu a pretensão relativa à prestação de depoimento testemunhal por videoconferência.
  11. Em Requerimento de 9 de Novembro de 2017 o Requerente insistiu na vantagem de obtenção presencial do depoimento da testemunha.
  12. Por Requerimento de 10 de Novembro de 2017 a Requerida veio juntar mais alguns documentos a complementarem a informação constante do Processo Administrativo.
  13. Em Requerimento de 13 de Novembro de 2017 o Requerente veio pronunciar-se sobre a admissão e força probatória desses documentos, invocando o art. 415º do CPC.
  14. O Despacho Arbitral de 14 de Novembro de 2017 indeferiu o Requerimento apresentado pelo Requerente em 9 de Novembro de 2017, e solicitou à Requerida que fizesse chegar à testemunha toda a documentação pertinente, com vista à obtenção do seu depoimento por videoconferência.
  15. Em Requerimento de 20 de Novembro de 2017 a Requerida solicitou que fosse especificado pelo Requerente qual o tipo de documentos sobre que pretendia interrogar a testemunha, dado o depoimento desta só poder abranger a documentação com a qual ela teve contacto – a menos que se pretendesse o depoimento de um perito, o que sucederia se ele fosse ouvido relativamente à documentação junta ao pedido de pronúncia arbitral.
  16. Em Requerimento de 22 de Novembro de 2017 a Requerida indicou o endereço de contacto da testemunha para efeitos de realização da videoconferência.
  17. Em Requerimento de 23 de Novembro de 2017 o Requerente, em resposta ao Requerimento de 20 de Novembro de 2017 da Requerida, esclareceu que efectivamente pretendia ouvir a testemunha relativamente à documentação junta ao pedido de pronúncia arbitral, visto entender ser isso necessário para se conhecer a factualidade subjacente à liquidação impugnada.
  18. No dia 29 de Novembro de 2017 teve lugar a audiência de julgamento.
  19. Na audiência de julgamento procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas e foi deferido o requerimento do Requerente, de junção de mais alguns documentos.
  20. Foi fixado às partes o prazo de 15 dias para alegações escritas sucessivas.
  21. O Tribunal fixou a data de 28 de Fevereiro de 2018 para prolação da decisão arbitral.
  22. As partes apresentaram alegações.

 

II –Saneador

 

30.1. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

30.2.As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

30.3. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

III- Mérito

 

III.1- Matéria de facto

 

§1.º Factos provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões de mérito suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. O Requerente é sujeito passivo de IRS, sendo residente em território português, efectuando a determinação dos seus rendimentos empresariais e profissionais com base no regime simplificado.
  2. O Requerente é titular, juntamente com B…, das contas bancárias PT50… (no Banco C…– C…) e PT50… (Banco D…).
  3. O Requerente foi condenado, em 20 de Janeiro de 2016, no processo-crime NUIPC …/07… TELSB, pela prática, durante os anos de 2007 a 2009, do crime de contrabando (comercialização de tabaco à margem do controlo e fiscalização das autoridades), por sentença não transitada em julgado.
  4. O Requerente foi constituído arguido, em 28 de Abril de 2015, no inquérito criminal NUIPC …/13… TELSB (iniciado com uma certidão extraída dos autos do inquérito NUIPC …/07… TELSB), tendo sido sujeito a investigações financeiras e patrimoniais levadas a cabo nesse mesmo inquérito, destinadas a apurar a eventual prática do crime de branqueamento de capitais, conduzindo ao Relatório de Investigação Financeira e Patrimonial da Polícia Judiciária identificado por “NAI…”, que constitui apenso do inquérito NUIPC …/13… TELSB.
  5. Esse processo de inquérito NUIPC …/13… TELSB foi extinto por Despacho de Arquivamento proferido, em 22 de Março de 2016, por se entender, entre o mais, que  «Das diligências de inquérito realizadas não resultou suficientemente demonstrado que os montantes creditados nas contas das filhas do arguido representassem valores por este recebidos da sua actividade ilícita e pelo qual foi acusado. Com efeito, a maioria desses créditos foram efectuados em numerário, sem que, por tal facto e atenta a ausência de qualquer outro elemento de prova, seja possível determinar em concreto a sua proveniência, mormente a existência de uma relação directa entre os valores depositados nas contas das filhas e o ilícito alegadamente por este perpetrado” (Despacho de arquivamento do DCIAP, a folhas 7, junto como Doc.n.º 8).
  6. Mais adiante conclui-se nesse despacho que os dados recolhidos não permitiam a subsunção à prática do crime de branqueamento, previsto no art. 368º-A do Código Penal, concluindo “que se tratou mais de um aproveitamento do produto do crime (que o arguido pode ter utilizado para efectuar liberalidades às suas filhas) do que, propriamente a ocultação desses valores visando a perturbação da investigação crime” e que “verifica-se a existência, na esfera patrimonial do arguido A… e de suas filhas, de património incongruente com os rendimentos declarados, que, nos termos do art. 7º da Lei nº 5/2002 de 11/01, se poderia presumir como constituindo vantagem de actividade criminosa”.
  7. A liquidação de IRS do Requerente, respeitante aos anos de 2010, 2011 e 2012, foi sujeita a uma acção de inspecção interna efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças da …, ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI2016…, OI2016… e OI2016…, entre 28 de Novembro e 28 de Dezembro de 2016.
  8. O Relatório de Inspecção Tributária (doravante, “RIT”) fixou oficiosamente rendimentos obtidos pelo Requerente nos anos de 2010, 2011 e 2012, e sujeitos a IRS, respectivamente em €73.885,60, €36.750,75 e €129.507,15, por correcções meramente aritméticas.
  9. O RIT faz assentar a sua factualidade no referido inquérito criminal NUIPC …/13…TELSB, e no resultado das investigações financeiras e patrimoniais que se encontram descritas no Relatório realizado pelo Gabinete de Recuperação de Activos (GRA) da Polícia Judiciária (“NAI …”), apenso ao inquérito NUIPC …/13… TELSB, relativo ao período que vai de 28 de Abril de 2010 a 28 de Abril de 2015, e que passou a integrar, como Anexo 2, o RIT.
  10. Nesse Relatório “NAI…” consta, por análise financeira e patrimonial, a existência de uma vantagem patrimonial total, no período de 2010 a 2015, de €72.402,75 para o Requerente, e de €360.847,65 para as filhas (€106.034,30 + €254.813,35)
  11. O RIT evidenciou um contraste entre os rendimentos declarados pelo Requerente e os movimentos a crédito nas suas contas bancárias e nas contas bancárias tituladas pelas suas filhas (em euros):

 

2010

2011

2012

Totais

Declaração de rendimentos do agregado familiar do Requerente

6.581,70

6.581,70

6.581,70

19.745,10

Movimentos a crédito nas contas do Requerente

12.052,24

57.047,61

18.248,42

87.348,27

Declaração de rendimentos dos agregados familiares das filhas do Requerente

50.646,74

73.783,60

82.311,98

206.742,32

Movimentos a crédito nas contas das filhas do Requerente

154.634,58

121.826,05

263.505,66

539.586,32

  1. O RIT evidenciou assim uma disparidade entre rendimentos declarados e movimentos a crédito nas contas bancárias (em euros):

 

2010

2011

2012

Diferença entre movimentos a crédito e rendimentos declarados (Requerente)

5.470,54

50.465,91

11.666,72

Diferença entre movimentos a crédito e rendimentos declarados (filhas do Requerente)

103.987,84

48.042,45

181.193,68

Totais anuais de diferença

109.458,38

98.508,36

192.860,40

  1.  A mesma disparidade se verifica entre esses movimentos a crédito e os patrimónios apurados no Relatório “NAI…” (que avalia, para o período de 2010 a 2015, o património do Requerente em €41.357,66 quanto a bens imóveis, e €28.460,00 quanto a bens móveis).
  2.  Aplicando a esses totais anuais o coeficiente 0,70 nos termos do art. 31º, 2 do CIRS, a consideração dos rendimentos provenientes de actividade ilícita foi de €76.620,87, €68.955,85 e €135.002,28, respectivamente para os anos de 2010, 2011 e 2012.
  3.  O Requerente foi notificado em 4 de Janeiro de 2017 para exercer o direito de audição sobre o projecto de RIT, e o Requerente exerceu esse direito em 25 de Janeiro de 2017.
  4. Em função dos esclarecimentos prestados e das justificações apresentadas pelo Requerente, com a justificação de créditos no montante de €38.903,07 em 2011 e de €653,90 em 2012, e considerando ainda a diferença de coeficientes entre rendimentos empresariais e profissionais, por um lado, e rendimentos agrícolas, por outro, chegou-se aos já referidos valores de €73.885,60, €36.750,75 e €129.507,15 como rendimentos tributáveis para efeitos de correcção da liquidação.
  5.  O RIT mereceu parecer favorável do Chefe de Equipa em 3 de Fevereiro de 2017 e Despacho de concordância da Directora de Finanças em 13 de Fevereiro de 2017.
  6.  Na sequência da Inspecção, foram apresentadas ao Requerente as seguintes liquidações adicionais de IRS: para 2010, a liquidação nº 2017…, no valor de € 21.135,13; para 2011, a liquidação nº 2017…, no valor de € 9.172,44; para 2012, a liquidação nº 2017…, no valor de € 42.932,04. E ainda: juros compensatórios de 2010, Liquidação nº 2017…, no valor de €4.782,90; juros compensatórios de 2011, Liquidação nº 2017…, no valor de € 1.717,88; juros compensatórios de 2012, Liquidação nº 2017…, no valor de € 6.323,36. Perfazendo, no total, €86.063,75.
  7. O Relatório de Investigação Financeira e Patrimonial da Polícia Judiciária identificado por “NAI…”, solicitado pelo DCIAP no âmbito do inquérito criminal, NUIPC …/13… TRLSB, é composto por 3 “Apensos”:

Apenso A – peças processuais que originaram a investigação

Apenso B – vol. I, II, III e IV (informação bancária)

Apenso C – Informação AT e IRN.

  1. O relatório de inspeção tributária assentou apenas em certidão extraída do Relatório elaborado pelo GRA (apenso A de fls.48), não tendo havido acesso à informação constante daqueles anexos, em especial no que se refere aos documentos de suporte aos fluxos financeiros/bancários que dele fazem parte integrante (documentos juntos aos autos e depoimento das testemunhas).
  2. A Exma. Inspectora Tributária, Dra. E…, do Núcleo de Investigação Criminal da Direcção de Finanças da …, elaborou uma “Informação” datada de 21.11.2016 da qual consta: «Mais se refere que os documentos de suporte aos fluxos financeiros constam do processo de inquérito, supra mencionado, pelo que, caso se conclua pela insuficiência do relatório do Gabinete de Recuperação de Ativos (GRA), deve ser solicitada a emissão de certidão dos documentos bancários, constantes do processo” (Informação datada de 21.11.2016).
  3. A Exma. Directora de Finanças da … (Dra. O…) concordou com essa Informação e enviou um ofício ao DCIAP a solicitar os documentos comprovativos dos fluxos financeiros a que o relatório fazia alusão, mas o Ministério Público indeferiu o pedido de remessa de cópia da documentação bancária com fundamento em impedimento legal, por exigir prévia tramitação do procedimento destinado ao levantamento do segredo bancário, conforme jurisprudência do STA (cf. despacho de 19.12.2016- cfr. ofício n.º …).
  4. Não foram ouvidos os titulares das contas bancárias envolvidos (o Requerente, o cônjuge, as filhas F… e G… e maridos (prova testemunhal - Dr. H… e Tenente-Coronel  I…) .
  5. No relatório do GRA não estão desconsideradas/deduzidas as contratações de empréstimos; nem a mobilização e desmobilização de contas a prazo e outras aplicações financeiras (erroneamente qualificadas como rendimentos) (prova testemunhal – depoimento do Tenente- Coronel I…).
  6. A título de exemplo do erro de análise sobre os rendimentos (lícitos) obtidos no período em questão, o depoente referiu ao Tribunal Arbitral que em 2012 foi o ano em que auferiu mais rendimentos (salários) do Exército por ter estado numa missão no Líbano (depoimento da testemunha Tenente- Coronel  I…).
  7. Contudo, o relatório do GRA indica, com referência a esse ano, que terá sido aquele em que a testemunha auferiu menos rendimentos - concretamente 15.395,27€), por desconhecimento (erro) de que o rendimento declarado para efeitos de tributação não corresponde ao rendimento auferido, em virtude da parcela mais significativa estar “isenta” de imposto (cf. documento n.º 105 apresentado pela própria testemunha para corroborar o seu depoimento).
  8. A testemunha referiu também outros exemplos, agora relativos a entradas de dinheiro em contas pelo vencimento de aplicações (poupanças) e seguros financeiros constituídos antes de 2010 – considerados pela AT como rendimentos obtidos no período de 2010-2012, a saber:
  • Movimento 493 – liquidação de seguro financeiro “Janeiro 2009 – ICAENN”, no valor de 30.081,38€, constituído em 19.01.2009 (cf. documento n.º 106 apresentado pela própria testemunha para corroborar o seu depoimento);
  • Movimento 577 – liquidação de poupança PT 50…, no valor de 24.478,33€, cuja existência antes de 2010 se comprova através do documento n.º … apresentado pela própria testemunha para corroborar o seu depoimento;
  • Movimento 645 – liquidação do seguro financeiro “J… 3% apólice…”, no valor de 26.740,65€, constituído em 26.01.2009 (cf. documento n.º 108 apresentado pela própria testemunha para corroborar o seu depoimento);
  • Movimento 715 – transferência de conta poupança “K… crescente n.º…”, no valor de 25.000,00€, cuja existência antes de 2010 se comprova através do documento n.º 109 apresentado pela própria testemunha para corroborar o seu depoimento (este documento comprova a transferência, bem como a constituição da poupança);
  1. A mesma testemunha deu também exemplos da consideração “duplicada” do mesmo dinheiro, nomeadamente na conta n.º 9 L…: i) Movimento 651 – transferência bancária de 51.110,00€ da conta n.º 6, que corresponde ao movimento espelho (Mov. 855) de entrada na conta n.º 9;ii) Movimento 654 – transferência bancária de 499€ da conta n.º 6, que corresponde ao movimento espelho (Mov. 857) de entrada na conta n.º 9;iii) Movimento 858 – depósito de cheque de 2.100€ da conta n.º 7 (cf. documento 101 referido supra apresentado pela testemunha);iv) Movimento 860 – depósito de cheque de 10.250€ da conta n.º 7 (cf. documento 102 referido supra apresentado pela testemunha);v)Movimento 862 – depósito de cheque de 16.100€ da conta n.º 7 (cf. documento 103 referido supra apresentado pela testemunha Tenente- Coronel I…).
  2. Para além destes 5 movimentos a crédito só existe mais um movimento a crédito nesta conta, no valor de 32.900€, que corresponde a um apoio financeiro prestado pelo pai do cunhado M… (cf. Doc. n.º 89 e 90 da PI). Não obstante, o relatório do GRA indica como rendimento obtido nessa conta o valor de 61.350,00€ (o que não é inteligível).
  3. Aquela testemunha disse, ainda, que, para além de funcionário do Exército Português, é responsável pelo alvará da empresa de construção “N…”, tendo exibido em  audiência comprovativos (cuja junção aos autos foi admitida pelo Tribunal) dos rendimentos auferidos dessa empresa (cfr. Documento n.º 112 comprovativo do movimento 109; Documento n.º 113 comprovativo do movimento 208; Documento n.º 114 comprovativo do movimento 247; Documento n.º 115 comprovativo do movimento 253, demonstrando assim não se tratar de rendimentos da atividade do Requerente.

31) O Requerente apresentou, em 31 de Março de 2017, um pedido de suspensão dos processos executivos para cobrança coerciva dos actos de liquidação, nos termos e para os efeitos do art. 169.º, 2 do CPPT, pretensão que foi indeferida.

34) O Requerente pagou, em 18 de Maio de 2017, o imposto e o acrescido, no valor de €84.441,66.

35) O Requerente apresentou, apresentou, no dia 23 de Junho de 2017, o pedido de pronúncia arbitral.

 

§2.º Factos que se consideram não provados

 

Inexistem outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado. 

 

§3.º. Fundamentação da matéria de facto

 

O julgamento da matéria de facto tomou por base a apreciação da posição assumida pelas partes, a prova documental junta aos autos pelo Requerente e, bem assim, o processo administrativo.

Foi igualmente tida em conta a análise crítica da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento.

A primeira testemunha ( H…, Inspetor Tributário Estagiário da Direção de Finanças da …) corroborou, em especial, quanto à natureza da acção de Inspeção e das correcções subjacentes às liquidações ora impugnadas, que se tratou de inspecção de natureza interna e que as correcções foram meramente aritméticas, por entenderem que o Relatório de Investigação Financeira e Patrimonial enviado pela Polícia Judiciária continha matéria suficiente para efeitos de tributação.

Relativamente à 2.ª Testemunha arrolada, I…, Tenente- Coronel e genro do Requerente, após jurar dizer a verdade apesar do seu grau de parentesco, respondeu às perguntas formuladas, tendo afirmado ter conhecimento de todo o processo, embora jamais tenha sido ouvido nem pela PJ nem pela AT. Mais declarou ter elaborado todo o processo relativo aos movimentos bancários entre as contas do Requerente, da testemunha, de sua esposa, irmã e cunhado, alegando e juntando alguns documentos adicionais, com vista a fazer prova de que os valores em causa resultavam do produto dos seus ordenados e poupanças.

Pediu ao Tribunal a junção de vários documentos que considera relevantes para provar, em relação a determinados montantes creditados nas contas bancárias em causa, que não se tratava de rendimentos da actividade do sogro, o que foi deferido pelo Tribunal.

Ambas as testemunhas depuseram, no essencial, de forma coerente e sustentada.

A primeira testemunha depôs com isenção e demonstrou ter conhecimento directo dos factos alusivos ao procedimento tributário.

A segunda testemunhou com assertividade e revelando perfeito conhecimento dos movimentos bancários.

 

III-2. Matéria de Direito

 

III-2.1. Da ilegalidade das liquidações adicionais de IRS por erro sobre os pressupostos de facto e de direito

  

Alega o Requerente que os actos tributários enfermam de ilegalidade, por manifesto erro nos pressupostos de facto e de erro nos pressupostos de direito, nomeadamente:

 

  1. Inexistência de factos tributários (quod probandum est);
  2. Errónea qualificação como rendimentos (movimentos bancários);
  3. Erro na interpretação e aplicação das normas legais (por via do recurso à avaliação directa através de correcções técnicas, mas querendo que as mesmas funcionem como avaliação indirecta à semelhança do artigo 89.º-A LGT);
  4. Vícios procedimentais (v.g. violação do princípio do inquisitório, por omissão de actos de inspecção).

 

 

O Relatório de Inspecção Tributária (doravante, “RIT”) fixou oficiosamente rendimentos obtidos pelo Requerente nos anos de 2010, 2011 e 2012, e sujeitos a IRS, respectivamente em €73.885,60, €36.750,75 e €129.507,15, por correcções meramente aritméticas.

Para tanto aquele relatório tomou por base a informação constante do “Relatório de Investigação Financeira e Patrimonial da Polícia Judiciária “(Gabinete de Recuperação de Ativos”- GRA)”, no âmbito de uma investigação à prática de crime de branqueamento de capitais, ao abrigo do processo de inquérito n.º …/13… TELSB.

 Da investigação efetuada e das suas conclusões foi verificado existirem depósitos de valores monetários avultados nas contas tituladas pelo SP e pela sua esposa, bem como nas contas bancárias tituladas pelas suas filhas G… e F… . 

No Relatório de inspecção pode ler-se, a dado passo, o seguinte:

“O sujeito passivo encontra-se enquadrado para o exercício de atividades relacionadas com a agricultura, silvicultura, exploração animal e exploração florestal, tendo sido condenado no crime de contrabando de circulação qualificado (decisão ainda não transitada em julgado), conforme sentença proferida no processo …/07… TELSB, proferida em 2016-01-20.

“Tendo em conta os rendimentos declarados pelo sujeito passivo (…) não lhe sendo conhecidas outras fontes de rendimento, desenvolvendo o mesmo atividades ilícitas (tendo sido acusado da prática de vários crimes e condenado da prática do crime de contrabando de circulação qualificado), podemos concluir que os valores declarados nas contas bancárias tituladas por si e pela sua esposa estão relacionados com as atividades desenvolvidas pelo sujeito passivo, quer atividades lícitas quer atividades ilícitas”.

Em relação aos valores detetados nas contas das filhas, pode ler-se, entre o mais, no referido relatório, que nessas “contas ocorreram entradas de dinheiro de forma fracionada e ao longo do tempo, e não sendo conhecidas às suas filhas e respetivos cônjuges, outras fontes de rendimentos sem ser os rendimentos de trabalho dependente, rendimentos esses declarados nas respetivas declarações de rendimentos, a origem desses valores parecem ter outra origem que não os próprios titulares das contas bancárias.(…) Como no processo  de inquérito não foram encontrados elementos que permitissem concluir que as filhas do sujeito passivo desenvolviam as referidas atividades ilícitas que foram alvo de acusação ao seu pai, ou outras atividades quer lícitas ou ilícitas, vai-se considerar que esses valores monetários eram pertença do sujeito passivo em análises, que foram por ele ou por sua ordem  depositados  nas contas tituladas pelas suas filhas. Assim considerando que a atividade que deu origem a tais entradas de depósitos era desenvolvida somente pelo sujeito passivo em análise, os rendimentos dessa atividade, também só a ele podem ser imputados”. 

Entende a Requerida que as correcções efectuadas encontram fundamento nos factos apurados pelo “relatório de investigação financeira e patrimonial apenso ao inquérito n.º…/13…TELSB, que embora não se revelassem suficientes para preencher a moldura penal de que o Requerente vinha indiciado eram, ainda assim, bastantes para justificar as correcções propostas no projecto de Relatório da Inspeção Tributária” (ponto 15 da Resposta).

 

Vejamos.

 

Como vimos, o “RIT” fixou oficiosamente os rendimentos obtidos pelo Requerente nos anos de 2010, 2011 e 2012, e sujeitos a IRS, por correcções meramente aritméticas, assentes, em primeiro lugar, na presunção de que os movimentos a crédito nas contas de depósito tituladas por si, por sua esposa e filhas resultam ou estão relacionadas com as actividades desenvolvidas por si, quer sejam “actividades lícitas”, quer sejam “ilícitas”.

       Em primeiro lugar, nas correcções que estiveram na base das liquidações adicionais ora impugnadas não se procedeu a qualquer desagregação entre os rendimentos resultantes, quer das actividades “lícitas” quer das actividades “ilícitas”.

Por outro lado, é verdade que o carácter ilícito da obtenção dos rendimentos ou da aquisição ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis (artigo 10.º da LGT).

Realce-se, porém, que os pressupostos de aplicação desta norma não se encontram preenchido no caso em apreço, como passamos a demonstrar.

Como resulta da factualidade dada como provada, o Requerente foi condenado, em 20 de Janeiro de 2016, no processo-crime NUIPC …/07… TELSB, pela prática, durante os anos de 2007 a 2009, do crime de contrabando (comercialização de tabaco à margem do controlo e fiscalização das autoridades), por sentença não transitada em julgado. O Requerente foi constituído arguido, em 28 de Abril de 2015, no inquérito criminal NUIPC …/13… TELSB (iniciado com uma certidão extraída dos autos do inquérito NUIPC …/07… TELSB), tendo sido sujeito a investigações financeiras e patrimoniais levadas a cabo nesse mesmo inquérito, destinadas a apurar a eventual prática do crime de branqueamento de capitais. Este processo de inquérito foi extinto por Despacho de Arquivamento proferido, em 22 de Março de 2016, em virtude “das diligências de inquérito realizadas não resultou suficientemente demonstrado que os montantes creditados nas contas das filhas do arguido representassem valores por este recebidos da sua actividade ilícita e pelo qual foi acusado. Com efeito, a maioria desses créditos foram efectuados em numerário, sem que, por tal facto e atenta a ausência de qualquer outro elemento de prova, seja possível determinar em concreto a sua proveniência, mormente a existência de uma relação direta entre os valores depositados nas contas das filhas dos arguidos e o ilícito alegadamente por este perpetrado”( fls. 7 do referido despacho) .

  Assim sendo, para além de faltar a desagregação entre rendimentos provenientes da actividade “lícita” e da “ilícita”, os factos relacionados com a comercialização do tabaco à margem do controlo e fiscalização das autoridades ocorreram entre 2007 e 2009, sendo que o procedimento de inspecção tributária foi instaurado para averiguação de rendimentos alegadamente obtidos nos anos de 2010, 2011 e 2012.

 O que significa que a Requerida considerou provada a existência de actividade “ilícita” pelo Requerente, nos anos de 2010, 211 e 212, com base na alegada actividade “ilícita” ocorrida nos anos de 2007 a 2009 e na certidão de fls… extraída do inquérito NUIPC …/13…TELSB, que foi objecto de despacho de arquivamento.

Ante o exposto, se acrescentarmos que mesmo em relação ao processo crime este ainda não transitou em julgado, faltam, desta forma, os pressupostos que fundamentem a tributação da actividade “ilícita”.

As correcções que sustentam as liquidações em causa partem da presunção de que  determinados fluxos bancários resultam de actividades ilícitas do Requerente sem qualquer justificação, quer factual, quer legal.

Acresce que, como resulta da matéria dada como provada, a Inspeção Tributária não teve acesso à informação financeira/ bancária relativa aos documentos de suporte dos fluxos financeiros constantes do processo de inquérito criminal. Ainda chegou a ser enviado ofício ao DCIAP a solicitar certidão dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros a que o relatório fazia alusão, mas esse pedido foi recusado por exigir prévia tramitação do procedimento destinado ao levantamento do segredo bancário.

A Administração Tributária não enveredou por aí e decidiu-se pela tributação direta, através de correções técnicas, selecionando os elementos que entendeu serem os adequados à tributação do Requerente, mesmo utilizando movimentos de contas de terceiros, sem estes serem ouvidos.

Assim sendo, o Relatório de inspecção limitou-se a tomar por base a informação bancária que consta do Relatório elaborado pelo Gabinete de Recuperação de Activos da Polícia Judiciária (onde são “identificadas as contas bancárias” onde “foram efectuados depósitos /transferências”. Também no despacho de arquivamento do processo de inquérito “constam as contas bancárias e movimentos a crédito nas contas tituladas pelas filhas do sujeito passivo”.

Ainda que se admitisse que a partir dos factos averiguados e constantes do mencionado Relatório se pudesse razoavelmente presumir, de acordo com as regras da vida e da experiência, que os rendimentos assim obtidos não proviessem exclusivamente da actividade agrícola (actividade lícita), em caso de dúvida, tratando-se de presunção natural, sempre teríamos de dar razão ao SP.

Como resulta do previsto no artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que era sobre a Requerida que impenderia o dever de fazer prova do facto tributário, ou seja, da verificação dos pressupostos de incidência do imposto em causa.

Mais concretamente, no caso dos autos recai sobre a Requerida o ónus de demonstrar que os montantes creditados nas contas das filhas e dos genros do Requerente representam valores por este recebidos na sua actividade (origem dos rendimentos) e a data do seu recebimento. Ou seja, impendia também sobre a Requerida demonstrar que aqueles montantes tinham sido obtidos pelo Requerente nos anos de 2010, 2011 e 2012 e em resultado da sua actividade agrícola.

Ora, no caso dos autos, como resulta da matéria de facto provada, logo no âmbito do processo de inspecção e em sede de direito de audição, o Requerente demonstrou a proveniência de alguns fluxos financeiros, erroneamente qualificados inclusivamente no Relatório (GRA) e erroneamente reproduzidos no processo de inspeção como rendimentos pertencentes ao Requerente.

Resulta também da matéria de facto provada que em sede de audiência de julgamento que a autoridade Tributária e Aduaneira incorre em erro na apreciação e qualificação dos valores e fluxos financeiros das diversas contas bancárias em causa. (pontos 24 a 31 do probatório).

 Consequentemente, em situação de dúvida, sempre se deveria decidir em sentido favorável ao Requerente, ou seja, contra a parte sobre quem incide o ónus da prova.

Ante o exposto assiste razão ao Requerente quanto ao alegado erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à aplicação do artigo 10.º do CIRS, erro de facto quanto à qualificação e origem dos rendimentos (derivado da errada avaliação dos fluxos financeiros/bancários) e incumprimento do ónus de prova que impendia sobre a Requerida.

 Tendo este Tribunal dado como procedente o vício de violação de lei invocado pelo Requerente, com a consequente anulação das liquidações impugnadas, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados.

Com efeito, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios, seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Termos em que, não assistindo razão à Requerida, deve proceder o pedido do Requerente, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IRS relativas aos anos de 2010, 2011 e 2012 e respetivos juros compensatórios, no valor global de €86.063,75.

 

 

III-2.2. Juros indemnizatórios

 

O Requerente pede ainda ao Tribunal que seja condenada a AT no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento das liquidações contestadas, com base em erro imputável aos serviços, nos termos das disposições dos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º do CPPT.

Nos termos conjugados do artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e do artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, a AT será condenada ao pagamento de juros indemnizatórios quando, devido a erro, (de facto ou de direito) imputável aos serviços daquela, o contribuinte pague indevidamente um tributo e este venha a ser considerado indevido em razão de o acto ou actos de liquidação serem anulados em consequência de impugnação judicial – como foi o caso .

Mais é referido nas citadas normas que os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento do imposto até à emissão da respetiva nota de crédito, sendo calculados de acordo com a aplicação da taxa prevista nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10 da LGT e no artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil.

Deste modo, por se verificar que são indevidas por ilegais as liquidações adicionais de IRS em causa, não pode deixar de se reconhecer o direito ao Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos antes referidos.

         

 

IV. Decisão

 

Em face de tudo quanto antecede, decide-se:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRS relativas aos anos de 2010, 2011 e 2012;
  2. Anular das liquidações adicionais mencionadas;
  3. Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios nos termos legais, pela privação das importâncias que foram indevidamente exigidas e pagas pelo Requerente;
  4. Condenar a Requerida no pagamento das custas.

 

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em €86.063,75, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas a cargo da Requerida, dado que o presente pedido foi julgado improcedente, no montante de € 2754,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2018

 

Os Árbitros

 

Maria Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

 

Fernando Araújo

 

 

José Rodrigo de Castro