Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 369/2017-T
Data da decisão: 2018-02-12  IRC  
Valor do pedido: € 3.367.870,98
Tema: IRC - Dedutibilidade de gastos - Falta de facturas - Operações com território com regime fiscal claramente mais favorável (RETGS).
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Ricardo Jorge Rodrigues Pereira e Dr.ª Cristiana Maria Leitão Campos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-08-2017, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, S.A., NIPC…, com sede na Avenida …, …, …-… Lisboa, (doravante designada como “A…” ou “Requerente”), veio ao abrigo dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral em que é requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pede a anulação da liquidação de IRC n.º 2017…, relativa ao período de tributação de 2014, e respectivas Demonstrações de Acerto de Contas identificada com o n.º 2017 … e de Liquidação de Juros Compensatórios e Moratórios, identificada com o n.º 2017 … .

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-06-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03-08-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21-08-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido.

Além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu que o valor da causa deve ser o de € 3.364.557,96, indicado como «valor a pagar» na «demonstração de acerto de contas» e não o de € 3.367.870,98, indicado pela Requerente como valor da causa e que e o que é indicado como «valor a pagar» na liquidação.

No dia 30-11-2017, procedeu-se a uma reunião para produção de prova testemunhal, em que se decidiu que o processo prosseguisse com as alegações por escrito.

As Partes apresentaram alegações.

Com as alegações, a Requerente apresentou quatro documentos e formulou pedidos adicionais de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

 A Autoridade Tributária e Aduaneira, nas alegações, opôs-se à junção dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com as alegações da Requerente, tendo sido decidido desentranhá-los, por despacho de 02-02-2018.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções.

 

 

2. Matéria de facto

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  • A Requerente iniciou atividade em 29-11-2012 e está colectada na atividade de Compra e Venda de Bens Imobiliários, com o Código de Atividade Económica (CAE) 68100 e, enquadrada, no ano de 2014, para efeitos de IRC, no regime geral de tributação;
  • Foram realizados procedimentos inspectivos à Requerente, referentes aos exercícios de 2013 e 2014, credenciados pelas Ordens de Serviço n.ºs OI2016… e OI2016..., respectivamente;
  • Relativamente aos procedimentos inspectivos referidos foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 54 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES ARITMÉTICAS

III.1 - Correções em sede de IRC - Matéria Coletável

III.1.1 - Gastos não aceites fiscalmente - Custo das Mercadorias Vendidas (CMVC)

Em 21/11/2013 a sociedade A… adquiriu por escritura pública, à sociedade B… SA - Em liquidação, com o NIF…, 213 imóveis localizados na freguesia do … (atuais artºs matriciais …, … e … da freguesia …), pelo montante de 1B.412.564,93€ (págs. 1 a 28 do Anexo), o qual foi registado nas contas de Mercadorias …-Lote 1.19.01, …-Lote 1.19.02 e …-Lote 1.19.03.

Na mesma data, foi celebrado um contrato de Cessão de Créditos Nº RNE/… __2013 entre a A… e o C… SA, nos seguintes termos (págs. 29 a 43 do Anexo):

1 - O Banco C… é legítimo titular dos seguintes créditos (Item A):

a. Crédito de 1.427.59_7,50€ sobre a sociedade Imobiliária D… SA, com o NIF …;

b. Crédito de 4.102.520,05€ sobre a sociedade E… SA, com o NIF… .

2 - Os referidos créditos foram reclamados pelo Banco C… nos processos de insolvência das sociedades devedoras, processo …/12…TYLSB no qual é Insolvente a sociedade Imobiliária D… SA e processo …/12… TYLSB no qual é Insolvente a sociedade E… SA, ambos do … Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, tendo os referidos créditos sido reclamados na sua totalidade (Item B);

3 - O Banco C… vende à A… os dois créditos de que é titular referidos em 1, nos montantes de 1.427.597,50€ e 4.102.520,05€, sobre as sociedades Imobiliária D… SA e E… SA, respetivamente, no total de 5.530.117,55€ (cláusula primeira);

4 - A cessão é efetuada pelo preço global igual ao valor total dos créditos referidos na cláusula primeira, que a A… pagou ao Banco C… na presente data (cláusula segunda);

5 - O Banco C… garante expressamente à A… a existência e a exigibilidade dos créditos objeto da cessão, mas não garante a solvibilidade dos respetivos devedores, nem o pagamento do crédito cedido (cláusula terceira);

6 - Compete à A… notificar os devedores da cessão nos termos e para os efeitos de que dispõe o artº 583º do Código Civil (cláusula quarta);

O artº 583º do Código Civil dispõe que “a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite. "

7 - O Banco C… entregará à A…, após solicitação escrita, os documentos que se encontrem na sua posse que sejam necessários para titular os créditos objeto da presente cessão (cláusula sexta).

A - Contabilização do contrato de Cessão de Créditos

Nos exercícios de 2013 e 2014 foram reconhecidos como gastos na rubrica Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas, conta 6111, os montantes de 852.706,65€ e 10.158.139,01€, respetivamente, conforme consta no Quadro 4 referente à Demonstração de Resultados e no Quadro 0519-A do Anexo A da declaração Anual, os quais foram assim determinados:

Foi elaborado o Quadro A que consta nas páginas 44 a 47 do Anexo, no qual se encontram discriminadas as frações adquiridas, o valor de compra e respetivas despesas de compra imputadas a cada fração e ainda o apuramento dos valores do Quadro 6.

No referido Quadro A constata-se que o montante declarado de compras no exercício de 2013, de 24.013.184,48€, corresponde ao somatório do valor de aquisição dos imóveis e dos valores considerados como despesas de compra, assim discriminado:

 

 

Deste modo, o montante de 5.530.1177,55€ relativo ao contrato de Cessão de Créditos foi considerado como Despesas de Compra e consequentemente foi contabilizado na rubrica inventários, conta 3211, através do documento de Operações Diversas 110.002 como se pode constatar nesse documento (págs. 48 a 53 do Anexo).

Da análise do documento 110.002 e do valor de aquisição dos imóveis, verifica-se que o montante da Cessão de Créditos foi imputado aos 213 imóveis adquiridos, proporcionalmente ao valor de aquisição de cada imóvel, conforme se constata através dos dados do Quadro A (coluna 9), no qual estão discriminados os 213 imóveis adquiridos, o correspondente valor da escritura de aquisição, as despesas de compra imputadas e a data da venda.

Relativamente a esta matéria, no decurso da ação inspetiva a sociedade A… foi notificada para:

- Indicar o motivo subjacente à realização do contrato, ou seja, indicar as vantagens obtidas ou a obter pela sociedade A… (ponto 1.1 da notificação);

- Apresentar a notificação aos devedores E… SA e Imobiliária D… SA, prevista na cláusula Quarta do Contrato (ponto 1.2 da notificação);

- Justificar a contabilização do contrato de Cessão de Créditos em inventários e não em Contas a Receber (ponto. 1.4 da notificação).

A notificação consta nas páginas 54 a 59 do Anexo.

›Relativamente ao ponto 1.1, a sociedade referiu o seguinte:

" Conforme ficou consignado na Ata nº 1 do Conselho de Administração de 17-09-2013 e na Ata nº 4 da Assembleia Geral de 17-09-2013 (págs. 66 a 71 do Anexo), foi entendido que, apesar de os créditos serem de difícil cobrança, era expectável que, num cenário de venda livre e de exploração do nicho de mercado Golden Visa, o valor dos ativos dos bens a adquirir viesse a ser superior ao seu valor de aquisição acrescido dos créditos.

Perspetivou-se, por isso que a operação trouxesse uma boa rentabilidade à sociedade, mesmo contabilizando os riscos inerentes à cobrança dos referidos créditos. Acresce que constitui pressuposto do negócio que o Banco concedesse financiamento à sociedade para aquisição de todos os ativos. Ou seja, a Cessão de Créditos foi uma imposição da instituição financeira (Banco C…), sem os quais não poderia realizar-se a aquisição dos imóveis" (pág. 60 do Anexo).

›Relativamente ao ponto 1.2, quanto ao disposto na cláusula quarta do contrato de Cessão de Créditos, a sociedade apresentou as notificações enviadas com carta registada e AR em 13-02-2014 e 10-04-2014, respetivamente para o Administrador de insolvência de D… e para a Administração de Imobiliária D… (págs. 72 a 75 do Anexo), nas quais consta em quatro parágrafos:

§1 – A A… vem pela presente notificar V. Ex” nos termos e para os efeitos do artº 583º nº 1 do Código Civil, que lhe foi cedido parcialmente o crédito pertencente ao vosso credor Banco C… Portugal;

§ 2 - O crédito foi cedido pelo valor global de 4.102.520,05 e corresponde o somatório dos montantes de capital em divida à data da declaração de insolvência que foram reclamados pelo Banco C… no âmbito do processo …/12… TYLSB (sociedade E…);

§ 2 - O crédito foi cedido pelo valor global de 1.427.597,50, referente ao montante de capital em divida à data da declaração de insolvência e que corresponde a parte do valor reclamado pelo Banco C… no âmbito do processo …/12… TYLSB (sociedade Imobiliária D…);

§ 3 - A Cessão de Créditos efetuada tem efeitos imediatos, razão pela qual deverão V. Exªs reconhecer a cessionária A…, SA como credora da quantia parcial anteriormente reconhecida ao Banco C… para todos os efeitos legais;

§ 4 - Mais informamos que nesta data faremos a apresentação de incidente de habilitação do cessionário, por apenso ao processo de insolvência acima identificado.

› Relativamente ao ponto 1.4, quanto à justificação da contabilização da Cessão de Créditos em inventários, a sociedade reforça que a Cessão de Créditos foi uma imposição do Banco C…, sem os quais não poderia realizar-se a aquisição dos imóveis e que desde o início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis, tratando-se por isso de um custo adicional do negócio principal que era a aquisição dos imóveis.

Refere ainda que de acordo com o nº 2 do artº 26º do Código do IRC e do parágrafo 10 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 18, podem ser incluídos no custo de aquisição outros gastos que lhes sejam diretamente atribuíveis e que o custo, dos inventários deve incluir todos os custos incorridos.

Em resumo, refere que a aquisição dos imóveis apenas se pôde concretizar com a aquisição simultânea dos dois créditos cedidos, os quais, não sendo recuperáveis, se traduzem num verdadeiro custo de aquisição adicional, conforme previsto nos normativos contabilísticos e fiscais aplicáveis (págs. 60 e 61 do Anexo).

B - Apreciação

-› Os parágrafos 3 e 4 das notificações enviadas pela A… em 13-02-2014 e 10-04-2014, as sociedades E… SA e imobiliária D… SA, respetivamente, referem que estas sociedades devem reconhecer a cessionária A… como credora das quantias referidas no parágrafo 2 e que fará a apresentação de incidente de habilitação do cessionário, por apenso aos processos de insolvência das sociedades devedores;

-› Da consulta nesta data ao Portal CITIUS do Ministério da Justiça, ponto de acesso onde se podem encontrar informações sobre os processos existentes nos Tribunais Judiciais, constata-se que:

- Em documento elaborado em 07/04/2014, relativo a Publicidade de Deliberação nos autos de insolvência relativos ao processo …/12… TYLSB em que é insolvente a sociedade E…, são notificados todos os interessados, de que no referido processo, por decisão da Assembleia de Credores, foi aprovado Plano de insolvência (pág. 76 do Anexo);

- Em documento elaborado em 03/06/2014 consta que no Tribunal do Comércio de Lisboa, … Juízo, foi proferida decisão de encerramento do processo …/12… TYLSB em que é insolvente a sociedade imobiliária D…, tendo sido determinada por trânsito em julgado da decisão de homologação do Plano de insolvência (pág. 77 do Anexo).

Constam ainda nesse documento os efeitos do encerramento, sendo nomeadamente:

- Todos os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra o devedor;

- Os credores da massa podem reclamar da devedora os seus direitos não satisfeitos.

C-Conclusão

De acordo com o teor dos parágrafos 1 a 4 das notificações enviadas pela A… às sociedades devedoras e com o teor da informação contida nos documentos extraídos do Portal “CITIUS", conclui-se não existir qualquer fundamento para que a aquisição dos créditos tenha sido considerada como um custo de compra, tendo em conta que:

- A A… notificou as sociedades devedoras de que deviam reconhecê-la como credora (parágrafo 3 das notificações) e de que fará a apresentação de incidente de habilitação do cessionário, por apenso aos processos de insolvência (parágrafo 4 das notificações);

- Os processos de insolvência estão em curso, em ambos foi aprovado plano de insolvência.

Deste modo os Balanços de 2013 e 2014, deveriam refletir os créditos como um Ativo financeiro e não em inventários.

Estes factos contrariam a fundamentação da A…, para o não reconhecimento do crédito como um ativo financeiro, expressa na resposta aos pontos 1.1 e 1.4 da notificação, de que, desde o início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis, ou de que não sendo recuperáveis, se traduzem num verdadeiro custo de aquisição adicional.

Face ao exposto, em 31-12-2013, sendo a sociedade A… credora do montante total de 5.530.117,55€, registou indevidamente em inventários, o montante daqueles créditos, os quais deveriam ter sido reconhecidos como Ativos Financeiros na rubrica Outras Contas a Receber.

Tendo sido registado em Compras de Mercadorias o montante de 5.530.117,55€, influenciou o valor apurado do Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas (CMCV), a favor da A…, dada a sua forma de determinação, em que:

CMVC = Inventários lniciais (EI) + Compras - Inventários Finais (EF)

D - Determinação dos montantes reconhecidos indevidamente como gastos na rubrica Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas nos anos de 2013 e 2014

Os montantes reconhecidos indevidamente como gastos na rubrica Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas nos anos de 2013 e 2014, conta 6111, determinam-se da seguinte forma:

Conforme atrás de referiu, o montante da Cessão de Créditos de 5.530.117,55€, foi imputado aos 213 imóveis adquiridos, proporcionalmente ao valor de aquisição de cada imóvel, assim como despesas bancárias de 20.000,00€ e despesas notariais de 50.502,00€, também repartidas da mesma forma, conforme se constata através dos dados do Quadro A (colunas 8, 9 e 10) que consta nas páginas 44 a 47 do Anexo.

Na coluna 12 do Quadro A, consta o valor total imputado a cada fração (valor de aquisição, despesas bancárias, contrato de Cessão de Créditos, despesas notariais e mobiliário).

Naquele Quadro consta ainda a data da venda de cada imóvel, podendo constatar que no ano de 2013 foram vendidos 5 imóveis, identificados nas linhas 1 a 5 e no ano de 2014 foram vendidos 73 imóveis identificados nas linhas 6 a 78.

Assim, conhecendo o valor imputado a cada imóvel e tendo em conta os imóveis vendidos em cada um dos exercícios, determina-se naquele Quadro o Custo dos imóveis Vendidos em cada exercício, declarado e corrigido, que se encontram resumidos no Quadro 8.

 

 

O valor corrigido do Custo dos imóveis Vendidos determina-se desconsiderando os valores relativos ao Contrato de Cessão de Créditos, conforme se constata no Quadro 8.

Os diferenciais de 196.374,12€ e 2.281.586,41€ apurados nos anos de 2013 e 2014, respetivamente entre o Custo dos Imóveis Vendidos declarado e corrigido, determinados no Quadro 8, conforme se constata na coluna 9 do Quadro A, correspondem ao somatório dos montantes relativos à Cessão de Créditos imputados às frações vendidas, os quais foram reconhecidos indevidamente como gastos na rubrica Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas.

Também da aplicação da fórmula de determinação do Custo das Mercadorias Vendidas e Consumidas e tendo por base os dados dos Quadro A, determinam-se aqueles montantes no Quadro 9.

 

 

 

Estabelece o nº 1 do artº 23º do CIRC: “consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora na redação em vigor em 2013 ou “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC na redação em vigor em 2014.

A aquisição de Créditos não sendo gastos mas um direito a receber um crédito, ou seja um ativo financeiro, não é dedutível para efeitos fiscais, constituindo infração ao nº 1 do artº 23º do CIRC.

Deste modo os montantes de 196.374,12€ e 2.281.586,41€ reconhecidos como gastos na rubrica Custo das Mercadorias Vendidas nos anos de 2013 e 2014, respetivamente, que constam nos Quadros 8 e 9, serão acrescidos ao Resultado Liquido para determinação da Matéria Coletável corrigida.

 

III.1.2 - Gastos não aceites fiscalmente - Fornecimentos e Serviços Externos

III.1.2.1 - Comissões a não residentes e Marketing documentadas com faturas emitidas por sociedades residentes em Hong Kong

A - Descrição dos factos

Nos anos de 2013 e 2014 a A… alienou 78 imóveis pelo montante total de 27.034.546,00€, sendo 1.544.500,00€ relativo a 5 imóveis vendidos no ano de 2003 e 25.490.046,00€ relativos a 73 imóveis vendidos no ano de 2014.

No Quadro B do Anexo, páginas 78 e 79, encontram-se identificadas as frações vendidas, valor de venda e data e respetivos encargos com marketing e comissões imputados a cada fração.

Os adquirentes de 76 imóveis são cidadãos não residentes, provenientes da República Popular da China e relativamente a 2 imóveis os adquirentes são sociedades nacionais.

Nos anos em análise, foram emitidas à sociedade A…, pelas sociedades F… Co. Limited e G… Limited, ambas residentes em Hong Kong, faturas referentes a serviços prestados relacionados com a venda dos imóveis.

As faturas encontram-se discriminadas no Quadro C da página 80 do Anexo, cujas cópias constam nas páginas 81 a 145 do Anexo.

A sociedade G…, emitiu apenas uma fatura no ano de 2014, no montante de 44.160.00€, sendo as restantes faturas emitidas pela sociedade F… Co. Limited no total de 3.695.072,76€.

No decurso da ação de inspeção foram apresentados Contratos celebrados com aquelas entidades e Aditamentos aos Contratos, cujas cópias constam nas páginas 146 a 163 do Anexo.

A descrição dos serviços que consta nas faturas emitidas pela sociedade F… Co. Limited, foi transcrita para o Quadro 10 no qual consta também a tradução para português.

Os encargos debitados nas faturas foram reconhecidos como gastos na rubrica Fornecimentos e Serviços Externos, conta 522101-Marketing no ano de 2013 e conta 62253-Comissões a não residentes no ano de 2014, conforme informação das notas (a) e (b) do Quadro C.

Refere-se que de acordo com as regras de localização definidas na alínea a) do nº 6 do artigo 6º do Código do IVA, as prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo dos referidos no nº 5 do artigo 2º do Código IVA, são tributáveis em território nacional, pelo que a A… (procedeu à liquidação e entrega nos cofres do Estado do correspondente IVA à taxa em vigor de 23% relativamente àquelas faturas, pelos montantes de 52.954,05€ e 807.069,48€, respetivamente nos anos de 2013 e 2014.

Atendendo a que nos exercícios de 2013 e 2014 a A… se encontrava isenta de IVA por força do disposto no nº 30 do artº 9º do Código do IVA, não é conferido o direito à dedução do imposto, conforme estabelece o artigo 20º do mesmo Código.

Não sendo dedutível o IVA liquidado, o mesmo é dedutível para efeitos fiscais em sede de IRC, pelo que foi reconhecido como gastos nas contas 622101-Marketing e 62253-Comissões a não residentes, contas onde foram registadas as faturas associadas.

Com a informação contida nas faturas em causa, nomeadamente, nome do adquirente, foi possível associar cada fatura à(s) fração(ões) a que respeita(m), pelo que, na coluna 8 do Quadro C é indicada a fração a que respeita cada fatura.

Tendo por base os dados do Quadro C (valor da comissão e fração associada), foi indicado na coluna 7 do Quadro B relativo à discriminação das frações vendidas, o montante da comissão debitada relativamente a cada fração vendida, determinando-se na coluna 8 do mesmo Quadro, a percentagem do encargo relativamente ao valor da venda, a qual está de acordo com as condições constantes nos contratos celebrados.

Verifica-se assim que:

- No ano de 2013, o montante debitado a título de marketing corresponde a 15% do valor da venda da fração associada;

- No ano de 2014:

- Em 10 frações não foi debitado qualquer encargo pelas sociedades em causa;

- Em 62 frações o montante debitado pela sociedade F… Co. Limited varia entre 19,25% e 22% do valor da venda da fração associada;

- O montante debitado pela sociedade G… Limited relativamente a uma fração, corresponde a 12% do valor da venda associada

B - Provas a que se refere o Código do IRC no nº 1 do artº 65º (aplicável ao ano de 2013) e no n.º 1 alínea r) do Artº 23º-A (aplicável ao ano de 2014)

-› Estabelece o CIRC no artº 65º nº 1 do CIRC (aplicável ao ano de 2013) e no Artº 23º-A nº 1 alínea r) (aplicável ao ano de 2014), que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e al submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

Considera-se que uma pessoa coletiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças (nº 2 do artº 65º aplicável em 2013 e nº 1 al. r) do artº 23º-A do CIRC, aplicável em 2014).

No caso concreto de Hong Kong, consta na Portaria 150/2004, alterada pela Portaria n.º 292/2011, aplicável nos exercícios em análise.

_» Estabelece o artº 65º nº 4 do CIRC (aplicável ao ano de 2013), que "a prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efetuada com a antecedência mínima de 30 dias" e o Artº 23º-A nº 8 (aplicável ao ano de 2014), estabelece que "a Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias.”

Para recolha da prova a que se refere o CIRC no artº 65º nº 1 (aplicável ao ano de 2013) e no artº 23º-A nº 1 alínea r) (aplicável ao ano de 2014) para efeitos de aceitação da dedutibilidade fiscal dos encargos debitados pelas sociedades residentes em Hong Kong, discriminados no Quadro C no montante de 3.739.232,76€ (23o.235,oo + 3.503.997,76), em cumprimento do nº 4 do artº 65º e do nº 8 do artº 23º-A atrás referidos, a A… na pessoa do seu H…, referido em II.3.1, foi notificada em 20-06-2016 para no dia 20-07-2016:

- Indicar quais os serviços prestados à A… pelas sociedades F… Co. Limited e G… Limited e apresentar documentos / elementos que pudessem ser considerados como prova da realização efetiva dos serviços faturados, de modo que permitissem concluir que os serviços influenciaram a venda dos imóveis e que não são de montantes exagerados (ponto 2.1 da notificação), págs. 55 e 56 do Anexo.

Em resposta foi referido o seguinte:

“As sociedades F… Co. Limited e G… Limited são sociedades de direito chinês que se dedicam à prestação de serviços a cidadãos chineses tendo em vista a obtenção, por estes, da autorização de residência em países da União Europeia, como é o caso de Portugal. Estas sociedades têm desenvolvido atividades de promoção do programa “Golden Visa" Português por todo o território chinês (ex. Pequim, Shangai conforme se pode constatar pela origem dos vários clientes que foram angariados e introduzidos por estas sociedades à Exponente para aquisição dos seus imóveis - cfr. doc. nº 72, através de seminários, conferências, anúncios televisivos e outros materiais publicitários, onde evidenciam as vantagens e benefícios de investir/ viver em Portugal e prestam informação detalhada sobre os imóveis em Portugal. Para além desta atividade de promoção, estas sociedades organizam toda a logística associada à deslocação de potenciais investidores a Portugal, como seja o transporte da China para Portugal, o alojamento em Portugal, as deslocações aos imóveis e a obtenção do visto de turismo para entrada e estada em Portugal junto da Embaixada e consulados Portugueses na China. Já em território português, estas sociedades assistem os clientes em praticamente todo o processo de investimento, arranjando-lhes tradutores, advogados e motoristas, acompanhando-os e auxiliando-os junto do SEF, das finanças e na abertura de contas nos bancos, bem como no processo de procura, escolha e aquisição de imóveis em Portugal. Estes serviços não só permitiram à Exponente o acesso a estes clientes, que de outro modo seria impossível, dadas as diferenças linguísticas e culturais e a ausência de Know-how relativamente a este tipo de clientes e de mercado, como foram decisivos para a venda de imóveis da Exponente (juntamos cópia das faturas emitidas por estas sociedades, das fichas de reserva e dos recibos do pagamento do sinal do contrato promessa, como doc. nº 72. Só para se ter uma ideia da importância da colaboração destas sociedades e da influência dos serviços por elas prestados para a conclusão dos negócios realizados, desde que a Exponente deixou de colaborar com estas sociedades (e isto aconteceu porque estas sociedades passaram a criar as suas próprias empresas em Portugal que compram imóveis e vendem diretamente aos investidores chineses) não realizou mais vendas a cidadãos oriundos da República Popular da China. Quanto aos montantes praticados por estas sociedades, recorde-se que o setor imobiliário nacional esteve durante bastante tempo estagnado e que as empresas que se dedicavam a este setor, como é o caso da Exponente, estavam numa situação bastante difícil, pelo que quando este mercado chinês surgiu a Exponente não estava em condições de ditar as regras e como se compreenderá, quis aproveitar esta oportunidade. Acresce que, como se disse, a Exponente jamais conseguiria penetrar neste mercado chinês, sem a ajuda destas sociedades. Notamos que estas sociedades gostam de dominar todo o processo e oferecem uma grande resistência em partilhar informação e Know-how aos portugueses para evitar que o modelo possa ser replicado pelos promotores nacionais na China, o que os torna, naturalmente ainda mais indispensáveis. Acresce que a política de comissionamento praticada por estas sociedades devido à especificidade do mercado chinês, ao esforço empregue, ao tempo perdido com cada cliente, aos recursos utilizados, aos investimentos em feiras e seminários, à logística necessária, aos custos com a promoção e marketing, não poderia ser a mesma do que a praticada no mercado nacional como por exemplo pela "I…" que, para além do investimento e esforço ser muito menor, na maioria das vezes só tem que levar o investidor/cliente da sua loja até ao promotor.

Em suma, este foi o custo imposto por estas sociedades, que sabiam que eram indispensáveis aos promotores portugueses, e o certo é que estes serviços foram decisivos para as vendas efetuadas pela Exponente” (págs. 61 a 63 do Anexo).

O documento nº 7 referido pelo sujeito passivo, contém as cópias das faturas em causa e associados a cada fatura constam:

- Um documento denominado Formulário de Confirmação de Compra de Propriedade ("Property Purchase Confirmation Form"), o qual contém dados relativos ao adquirente, ao vendedor e à fração, nomeadamente, nome do adquirente e do vendedor, valor da reserva e respetiva data, data do contrato promessa, identificação da fração e morada e respetivas caraterísticas, valor de venda e forma de pagamento, valor do IMT e do Imposto de Selo.

Nas págs. 90 e 91 do Anexo consta o formulário relativo à fatura nº 162, a título de exemplo;

- Em alguns casos a prova do pagamento do valor da reserva.

A título de exemplo junta-se o documento que consta na página 89 do Anexo;

- Na maioria dos casos, cópia do passaporte do adquirente.

 

C - APRECIAÇÃO

Nos termos dos citados artºs do CIRC, cabe ao contribuinte provar que os encargos, pagos ou devidos a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado, condições necessárias para que tais encargos possam ser dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

Conforme atrás se referiu, o sujeito passivo foi notificado para indicar quais os serviços prestados à A…  pelas sociedades F… Co. Limited e G… Limited e apresentar documentos / elementos que pudessem ser considerados como prova da realização efetiva dos serviços faturados, de modo que permitissem concluir que os serviços influenciaram a venda dos imóveis.

Em resposta, referiu que aquelas sociedades são de direito chinês que se dedicam à prestação de serviços a cidadãos chineses tendo em vista a obtenção, por estes, da autorização de residência em países da União Europeia, como é o caso de Portugal, tendo desenvolvido atividades de promoção do programa “Golden Visa" Português por todo o território chinês.

Quanto aos serviços prestados à A… referiu que:

- Angariaram clientes de origem chinesa para aquisição dos seus imóveis, através de seminários, conferências, anúncios televisivos e outros materiais publicitários, onde evidenciaram as vantagens e benefícios de investir/viver em Portugal;

- Prestaram informação detalhada sobre os imóveis em Portugal;

- Organizaram toda a logística associada à deslocação de potenciais investidores a Portugal, como seja o transporte da China para Portugal, o alojamento em Portugal, as deslocações aos imóveis e a obtenção do visto de turismo para entrada em Portugal junto da Embaixada e consulados Portugueses na China; E

- Em território português, aquelas sociedades assistiram os clientes em todo o processo de investimento, arranjando-lhes tradutores advogados e motoristas, acompanhando-os e auxiliando-os junto do SEF, das finanças e na abertura de contas nos bancos, bem como no processo de procura, escolha e aquisição de imóveis em Portugal;

Quanto à prova documental da realização efetiva dos serviços prestados, apresentou:

- As faturas em causa;

- Um formulário que contém dados do adquirente, do vendedor e da fração (denominado pelo sujeito passivo como Ficha de Reserva);

- Prova do pagamento da reserva relativamente a alguns imóveis;

- Cópia do passaporte da maioria dos adquirentes.

A prova documental apresentada não demonstra claramente a realização de nenhum dos serviços que a A… referiu terem sido prestados pelas sociedades em causa, cuja descrição consta nas faturas, transcrita para o Quadro 10, para o qual se remete.

Por outro lado não foi apresentada qualquer prova da intervenção das citadas empresas:

– Na angariação dos clientes através da realização de seminários, conferências, anúncios televisivos ou utilização de outros materiais publicitários;

- Na deslocação dos adquirentes a Portugal;

- No transporte aéreo da China para Portugal;

- No alojamento em Portugal;

- Na obtenção dos vistos de turismo para entrada em Portugal junto da Embaixada e consulados portugueses na China e não foi demonstrada a existência desses Vistos.

- Na prestação de serviços de tradutores, advogados e motoristas em território português;

- Na realização dos demais serviços que constam descritos nas faturas em causa.

Face ao exposto, conclui-se pela inexistência de prova da realização efetiva dos serviços debitados e pela inexistência de prova de que influenciaram a venda dos imóveis.

Quanto à prova de que os encargos faturados não têm um caráter anormal ou um montante exagerado, em resposta à notificação, referiu:

- Tendo em conta que o setor imobiliário nacional esteve durante bastante tempo estagnado, a sociedade estava numa situação difícil e que quando o mercado chinês surgiu não estava em condições de ditar as regras;

- Que a política de comissionamento praticada por aquelas sociedades devido a especificidade do mercado chinês, ao esforço empregue, ao tempo perdido com cada cliente, aos recursos utilizados, aos investimentos em feiras e seminários, à logística necessária aos custos com a promoção e marketing, não poderia ser a mesma do que a praticada no mercado nacional;

- Que o custo foi imposto por estas sociedades, que sabiam que eram indispensáveis aos promotores portugueses e que estes serviços foram decisivos para as vendas efetuadas.

A A… referiu que a política de comissionamento daquelas sociedades, não poderia ser a mesma do que a praticada no mercado nacional, pelo que admite que os encargos faturados são de montante superior àquele que seria praticado no mercado nacional.

Conforme se determinou na coluna 8 do Quadro B, os encargos debitados pela sociedade F… Co. Limited, variam entre 19,25% e 22% do valor de venda dos imóveis.

A inexistência de prova da realização efetiva dos serviços debitados pelas sociedades em causa, atrás demonstrada, tem como consequência a impossibilidade da A… provar que aqueles encargos não são em montantes exagerados, limitando-se a referir que não estava em condições de ditar as regras, que face aos recursos utilizados, à logística necessária aos custos com a promoção e marketing a política de comissionamento não poderia ser a mesma do que a praticada no mercado nacional e que aqueles custos foram impostos pelas sociedades em causa.

D - CONCLUSÃO

Face ao estabelecido no Código do IRC, artº 65º nº 1, aplicável em 2013 e ao nº 1 al. r) do artº 23º-A, aplicável ao exercício de 2014, compete ao sujeito passivo cumprir cumulativamente cumprir duas condições:

 - Que os encargos debitados por entidades residentes fora do território português e al submetidas a um regime fiscal mais favorável correspondem a operações efetivamente realizadas;

- Que esses encargos não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

A A… não provou a realização efetiva dos serviços debitados nem provou que os encargos não são de montante exagerado.

Face o exposto, não tendo a A… apresentado a prova a que se refere o Código do IRC, artigo 65º nº 1 em 2013 e no artº 23º-A n.º 1 r) em 2014, os encargos em causa reconhecidos como gastos, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável dos anos de 2013 e 2014 nos montantes de 230.235,00€ e 3.508.997,76€, respetivamente, assim discriminados por entidade emitente:

 

 

 

 

III.1.2.2 - Comissões a não residentes sem suporte documental

Em 31-12-2014 foi contabilizado e reconhecido como gastos na conta 62251-Comissões Mercado Nacional, o documento interno de Operações Diversas 60/120.184 no montante de 955.700,78€, o qual inclui IVA no montante de 178.708,28€, com a descrição "Comissões F… 2014" (págs. 164 a 168 do Anexo).

Aquela conta teve como contrapartida a conta 272219 - Outros Credores por acréscimos de gastos cujo extrato consta na página 169 a 170 do Anexo.

Tendo aquele gasto como suporte documental um documento interno, a sociedade foi notificada para apresentar os documentos que suportam aquele registo (ponto 3 da Notificação, pág. 57 do Anexo).

Em resposta a sociedade referiu o seguinte:

- No exercício de 2014, foi vendido um conjunto de imóveis com intermediação dos respetivos promotores e que até à data do encerramento de contas do exercício de 2014, não tinham sido dececionaras as faturas das comissões de intermediação, relativamente à empresa F… Co. Limited;

- De acordo com o regime de periodização económica e de acordo com o artº 18º nº 1 do CIRC, foram estimados e reconhecidos como gastos os valores das comissões em falta relativas às vendas já realizadas;

- Atendendo à não dedutibilidade do IVA neste setor de atividade, foi igualmente estimado e reconhecido como gastos o valor do IVA correspondente que se mostrará devido aquando da contabilização das faturas correspondentes (págs. 63 e 64 do Anexo)

Face aos argumentos apresentados, refere-se o seguinte:

- A conta 2722 - Acréscimos de gastos, é creditada por contrapartida do débito a efetuar nas contas de gastos a reconhecer no período a que respeitam, nos casos em que a respetiva documentação de suporte é emitida no(s) período(s) seguinte(s).

No caso em apreço não existe documentação de suporte àquele acréscimo de gastos, o montante foi estimado, dado que até à data do encerramento de contas do exercício de 2014, não tinham sido rececionadas as faturas das comissões de intermediação da sociedade F… Co. Limited.

Não tendo apresentado as faturas em causa, em resposta à notificação, considera-se que o gasto reconhecido na rubrica 62251-Comissões, no montante de 776.992,50€, não está comprovado documentalmente, pelo que não é dedutível para efeitos fiscais nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 23º-A do CIRC, que estabelece que, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 23º, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.

Os nºs 3 e 4 do artº 23º do CIRC estabelecem que:

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

Relativamente ao valor do IVA estimado, conforme foi referido pela A…, atendendo à não dedutibilidade do IVA, foi estimado e reconhecido como gastos o valor do IVA no montante de 178.708,28€ correspondente às comissões estimadas no montante de 776.992,50€.

Tendo em conta que nos exercícios de 2013 e 2014 a A… se encontrava isenta de IVA por força do disposto no artº 9º do CIVA:

- Não é conferido o direito à dedução do imposto, conforme estabelece o artigo 20º do mesmo Código;

- Não está obrigada à apresentação da declaração periódica nos termos do Artº 41º;

- O IVA devido nos termos da alínea a) do nº 6 do artigo 6º do Código do IVA, é entregue ao Estado através da Guia de Pagamento Modelo P2 no prazo estabelecido no nº 3 do artº 27º do CIVA.

O IVA estimado, em apreciação, até à presente data não consta em qualquer Guia de Pagamento Modelo P2, pelo que não foi entregue ao Estado, conforme confirma a A… ao referir que o IVA estimado mostra-se devido aquando da contabilização das faturas em falta.

Dada a não dedutibilidade do IVA, o IVA devido, nos termos da alínea a) do nº 6 do artigo 6º do Código do IVA poderia ser reconhecido como gasto, mas apenas no momento em que se mostra devido, ou seja, no momento da contabilização das faturas em causa e da consequente entrega nos cofres do Estado.

Deste modo, à semelhança do valor estimado das comissões, considera-se que o correspondente IVA estimado no montante de 178.708,28€, reconhecido como gasto na rubrica 62251-Comissões, não está comprovado documentalmente, pelo que não é dedutível para efeitos fiscais nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 23º-A do CIRC.

Face aos fundamentos atrás descritos, quer o valor estimado das comissões de 776.992,50€, quer o valor do correspondente IVA também estimado de 178.708,28€, no total de 955.700,78€, reconhecidos em gastos na conta 62251 - Comissões, consideram-se não comprovados documentalmente, pelo que não são dedutíveis para efeitos fiscais nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 23º-A do CIRC.

III.2 - Correções em sede de IRC - Tributação Autónoma

De acordo com os nºs 1 e 8 do artº 88º do CIRC, aplicáveis aos anos de 2013 e 2014, são tributadas autonomamente à taxa de 35%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a pessoas coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

Nos termos do nº 14 do mesmo artigo, a taxa de 35% é elevada em 10% quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.

Conforme se descreve no capítulo III.1.2.1, o sujeito passivo não apresentou prova de que os encargos faturados pelas sociedades F… Co. Limited e G… Limited, correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, pelo que aquelas despesas ficam sujeitas a tributação autónoma, nos anos de 2013 e 2014, conforme o disposto nos nºs 1 e 8 do artigo 88.º do Código do IRC.

Relativamente ao ano de 2013, dado que apresenta prejuízo fiscal, nos termos do artº 88 nº 14, a taxa de tributação autónoma é de 45% (35% + 10%).

Da aplicação das taxas de 45% ao ano de 2013 e de 35% ao ano de 2014, os valores da tributação autónoma são de 103.605,75€ em 2013 e de 1.228.149,22€ em 2014, determinados no Quadro 12:

III.3 - Resumo das correções e determinação da Matéria Coletável Corrigida

  1. As correções em sede de IRC à Matéria Coletável são de 426.609,12€ em 2013 e de 6.746.284,95€ em 2014, o imposto em falta resultante da Tributação Autónoma é de 103.605,75€ em 2013 e 1.228.149,22€ em 2014, conforme se resume no Quadro 13.

  1. Tendo em conta as correções que constam no Quadro 13, o Lucro Tributável Corrigido do ano de 2013 é 331.009,81€ e do ano de 2014 é 10.438.424,94€, determinado no Quadro 14.

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do Artigo 60º da LGT e do Artigo 60º do RCPITA, a sociedade A…, foi notificada para exercer no prazo de 15 dias o direito de audição sobre o Projeto de Relatório, através do Ofício … de 18-11-2016.

O Direito de Audição foi exercido por escrito, documento que deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa em 06-12-2016 (Entrada 2016E…), que consta nas páginas 200 a 223 do Anexo, o qual tem anexos 30 documentos.

O Direito de Audição foi exercido nos seguintes termos:

1- CONTABILIZAÇÃO DO CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITOS

Quanto às correções nos montantes de 196.374,12€ (ano de 2013) e 2.281.586,41€ (ano de 2014) descritas e fundamentadas no capítulo III.1.1, para o qual se remete, o sujeito passivo discorda dos fundamentos da AT, tendo alegado e apresentado o seguinte:

1 - Desde o início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis e não sendo recuperáveis traduzem-se num verdadeiro custo de aquisição adiciona/ (Item 5);

2 - A efetivação do contrato de Cessão de Créditos ficou-se a dever à imposição por parte do Banco C…, instituição de crédito financiadora da operação de compra de 213 imóveis (Item 9);

3 - Tal imposição resultou da manifesta convicção de que tais créditos seriam incobráveis, motivo pelo qual os tomou parte integrante e indissociável do negócio, tendo sido aceites pela administração da A… dado que era expectável que o sobrecusto dos imóveis não inviabilizaria a rendibilidade da referida operação de compra (Itens 10 e 11);

4 - Trata-se de um custo adicional de compra, pese embora na forma de cessão de créditos, a sua substância é a de um sobrecusto (Item 12);

5 - A substância sobre a forma é um princípio das normas contabilísticas e as operações devem ser contabilizadas de acordo com a sua substância independentemente da forma (Item 13);

6 - Sendo a determinação do lucro tributável efetuada com base no resultado líquido apurado de acordo com a normalização contabilística, o princípio da substância sobre a forma é aceite pelas normas fiscais cfr artº 17º nº 3 do CIRC, o qual dispõe que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística de modo a permitir o apuramento do lucro tributável (Item 14);

7 - A contabilização do referido sobrecusto está enquadrada no artº 26º nº 2 do CIRC, segundo o qual podem ser incluídos no custo de aquisição outros gastos que lhes sejam diretamente atribuíveis de acordo com a normalização contabilística especificamente aplicável (Item 15);

8 - A normalização contabilística a este propósito refere que o custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais (cfr. § 10 da NCRF 18) (Item 16);

9 - Pretender que estes créditos devam ser contabilizados como um ativo financeiro é distorcer o princípio contabilístico da especialização dos exercícios vertido no artº 18º do CIRC que estabelece que os rendimentos e gastos são reconhecidos quando gerados (Itens 18 e 19)

10 - Se as entidades devedoras pudessem vir a liquidar total ou parcialmente os créditos em questão, a AT não sairia nunca defraudada já que os montantes recebidos, no ano em que o fossem, poderiam sempre ser contabilizados como ganhos extraordinários e como tal tributados (Item 22);

11 - Face ao exposto considera evidente que a contabilização foi correta, sendo por isso indevidas as correções propostas pela AT (Item 24).

12 - Como suporte documental junta documentos relacionados com os processos de insolvência das sociedades devedoras E… (NIF …) e Imobiliária D… (NIF…), processos …/12… TYLSB e …/12… TYSLB, respetivamente, dos quais se destacam os seguintes (Itens 7 e 8):

Processo nº …/12… TYLSB da Sociedade E…

- Notificação da sentença da Declaração de insolvência datada de 14-06-2012 (Doc. 1);

- Reclamação de Créditos, por parte do Banco C… (Doc. 1);

- Documento comprovativo de que o crédito foi reconhecido como comum e sob condição elaborado pelo (Doc. 2):

- Notificação da Aprovação do Plano de insolvência datado de 07-04-2014 (Doc. 5);

- Documento comprovativo da entrega, no Tribunal, de Incidente de Habilitação de Cessionário por parte da A… na qualidade de cessionária do crédito datado de 14-02-2014 e posterior sentença de 25-05-2015 que julgou a sociedade A… devidamente habilitada no processo (Docs. 3 e 4);

- Documento recolhido no portal CITIUS elaborado em 23-06-2016 sobre o estado do processo nº …/12… TYLSB, no qual consta que o processo se encontra em fase de Liquidação (Doc. 6);

Processo nº …/12… TYLSB da Sociedade Imobiliária D…- Notificação da sentença da Declaração de insolvência datada de 17-10-2012 (Doc. 7);

- Reclamação de Créditos por parte do Banco C…(Doc. 7);

- Documento comprovativo de que o crédito foi reconhecido como comum e sob condição elaborado pelo (Doc. 8);

- Notificação ao Banco C… da Homologação do Plano de insolvência em 27-01-2014 (Doc. 11);

- Documento comprovativo da entrega, no Tribunal, de Incidente de Habilitação de Cessionário, por parte da A… na qualidade de cessionária do crédito, datado de 21-04-2014 (Doc. 9);

- Despacho de 22-05-2014 declarando o encerramento do processo de insolvência …/12… TYLSB por motivo de homologação de Plano de insolvência (Docs. 10 e 13).

Os factos atrás descritos, foram também alegados no decurso do procedimento inspetivo em resposta a notificação efetuada para prestar esclarecimentos sobre esta matéria, conforme consta nas páginas 12 e 13 e como suporte documental foram apresentadas a Ata nº 1 do Conselho de Administração e a Ata nº 4 da Assembleia Geral ambas datadas de 17-09-2013 (págs. 66 a 71 do Anexo).

Nas Atas consta em resumo o seguinte:

- A A… pretende adquirir imóveis pertencentes à massa insolvente da sociedade B…, SA;

- A concretização e o financiamento da operação da compra dos imóveis em questão, pressupõe que, em conjunto, a sociedade adquira os créditos que o Banco C… detém sobre as sociedades E… e Imobiliária D…, também elas em processo de insolvência.

Não obstante estes créditos serem de difícil cobrança é estimado que o valor de mercado dos imóveis a adquirir seja superior ao seu valor de aquisição acrescido dos créditos a adquirir, em cenário de venda livre e em face da possibilidade de exploração do nicho de mercado associado ao Golden Visa, perspetivando-se que esta operação venha a trazer uma boa rentabilidade à sociedade, mesmo contabilizando os riscos inerentes à cobrança dos referidos créditos;

- Constitui pressuposto do negócio que o Banco C… conceda financiamento à sociedade para aquisição dos imóveis;

- Foi deliberado por unanimidade aprovar a operação de compra dos imóveis por se revelar uma boa oportunidade de negócio e nesse sentido ser no interesse da sociedade.

APRECIAÇÃO

Os fundamentos invocados pela A… para que a Aquisição dos Créditos ao Banco C… deva ser considerada um custo adicional de compra, são:

- A aquisição dos créditos foi uma imposição do Banco C…;

- Desde o início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis e não sendo recuperáveis traduzem-se num verdadeiro custo de aquisição adicional;

- A contabilização na rubrica inventários resulta do cumprimento dos artºs 17º nº 3, 26º nº 2 do CIRC e parágrafo 10 da NCRF 18 relativa a inventários;

 

Quanto à imposição por parte do Banco C… e quanto à afirmação de que desde o início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis.

Os elementos apresentados pela A… sobre esta matéria foram:

- As Atas do Conselho de Administração e da Assembleia Geral que constam nas págs. 66 a 71 do Anexo datadas de 17-09-2013;

- O Contrato de Cessão de Créditos, datado de 21-11-2013;

- Os documentos atrás identificados relacionados com os processos de insolvência das sociedades devedoras E… e Imobiliária D…, processos …/12… TYLSB e ../12… TYSLB, respetivamente.

› O teor das Atas descrito na página anterior não revela que tenha havido qualquer imposição por parte do Banco C… para aquisição dos créditos.

Por outro lado contraria a afirmação de que desde o início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis, uma vez que admitem a cobrança dos créditos, embora a considerem difícil e admitem a existência de riscos inerentes à cobrança.

Refere-se ainda que na cláusula terceira do Contrato de Cessão de Créditos (págs. 29 a 33 do Anexo) consta que "O BANCO C… garante expressamente à A… a existência e a exigibilidade dos créditos objeto da cessão ..."

› No Contrato de Cessão de Créditos que consta nas páginas 29 a 33 do Anexo, também não consta qualquer imposição por parte do Banco C… para aquisição dos créditos em análise.

› Os documentos apresentados relacionados com os processos de insolvência, …/12… TYLSB e …4/12… TYSLB, revelam que em ambos foi aprovado o Plano de insolvência.

O Plano de insolvência visa a liquidação do património da insolvente tendo como objetivos entre outros:

- Maximizar o produto da liquidação dos ativos da insolvente;

- Minimizar e controlar os riscos que, para os credores que detêm créditos sob condição junto da insolvente, adviriam da liquidação da sociedade;

- A sua repartição pelos credores.

 

Quanto à contabilização na rubrica inventários estar enquadrada no 2 do artº 26º do CIRC

O nº 2 do artº 26º do CIRC, na redação em vigor à data da contabilização em causa (ano de 2013), estabelece que "No caso de os inventários requererem um período superior a um ano para atingirem a sua condição de uso ou venda, incluem-se no custo de aquisição ou de produção os custos de empréstimos obtidos que lhes sejam directamente atribuíveis de acordo com a normalização contabilística especificamente aplicável. "

Deste modo, esta norma não tem aplicação no caso em análise, ela refere-se a custos de empréstimos obtidos, que podem ser incluídos no custo de aquisição ou de produção no caso dos inventários requererem um período superior a um ano para atingirem a sua condição de venda.

Face ao exposto, nenhuma das razões invocadas pela A… para a contabilização da aquisição dos créditos, como custo adicional de compra, pode ser admitida dado que:

- Não foi apresentada qualquer prova de que houve imposição do Banco C… para aquisição dos créditos;

- Não foi demonstrado que no início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis, nem é conhecido na data atual, dado que os planos de insolvência se encontram em curso;

- A contabilização na rubrica inventários não está enquadrada no artº 26º nº 2 do CIRC na redação em vigor à data da contabilização.

Cabe aqui referir por analogia, o que o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) cuja adoção se tornou obrigatória para os sujeitos passivos de IRC a partir do ano de 2010, consagra quanto ao desreconhecimento de créditos.

Em termos contabilísticos, de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística, concretamente com o parágrafo 30 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro, NCRF 27-Instrumentos Financeiros, um ativo financeiro, como é o caso dos créditos sobre clientes ou outros devedores, só deve ser desreconhecido, quando se verificar uma das seguintes situações:

  1. Os direitos contratuais aos fluxos de caixa resultantes do ativo financeiro expiram;
  2. ou (b) A entidade transfere para outra parte todos os riscos significativos e benefícios relacionados com o ativo financeiro; ou
  3.  A entidade, apesar de reter alguns riscos significativos e benefícios relacionados com o ativo financeiro, tenha transferido o controlo do ativo para uma outra parte e esta tenha a capacidade prática de vender o ativo na sua totalidade a uma terceira parte não relacionada e a possibilidade de exercício dessa capacidade unilateralmente sem necessidade de impor restrições adicionais à transferência. Se tal for o caso a entidade deve:
  1. Desreconhecer o ativo; e
  2.  Reconhecer separadamente qualquer direito e obrigação criada ou retida na Transferência

 

 Em resumo, um ativo financeiro só deve ser desreconhecido, quando os direitos contratuais aos recebimentos dele resultantes se realizam, expiram ou são transferidos para outra entidade.

A corroborar esta fundamentação foi em 28-01-2014 emitido um despacho do Sr. Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira neste sentido.

Nos termos do referido despacho:

- A reclamação judicial de créditos é uma das situações em que o crédito não deve ser desreconhecido em termos contabilísticos porque não se extingue o direito contratual do credor ou a obrigação civil do devedor, uma vez que se a empresa recorreu ao tribunal para ser ressarcida do montante em dívida é porque não quer abdicar do direito contratual aos respectivos fluxos de caixa.

- Não se tendo extinguido (por qualquer uma das causas previstas no Código Civil) o direito contratual aos fluxos de caixa resultantes do ativo financeiro, a entidade credora não deve, por força do disposto no parágrafo 30 da NCRF 27, desreconhecer o ativo.

- Se, ainda assim a entidade credora desreconhecer os créditos, o seu montante tem de ser acrescido no Quadro D7 da Declaração Modelo 22 para efeitos da determinação do lucro tributável do período de tributação em que ocorreu o desreconhecimento, uma vez que não se observam os requisitos exigidos no artº 41º do CIRC para a consideração do crédito incobrável.

- Também nos casos em que ainda esteja em curso um processo de execução, um processo de insolvência, um processo especial de revitalização ou um *procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial, o ativo financeira não deve ser desreconhecido do Balanço.

CONCLUSÃO

A contabilização dos créditos adquiridos no montante de 5.530.117,55 € em conta de inventários, tem como consequência o reconhecimento daquele montante como gastos, na rubrica Custo da Mercadoria Vendida, nos anos em que se verificarem as vendas dos imóveis, dado que, conforme se descreve no capítulo III.1.1, aquele montante foi imputado proporcionalmente aos 213 imóveis adquiridos.

Nos anos em análise, foi reconhecido como Custo da Mercadoria Vendida, o montante total de 2.477.960,53€, sendo 196.374,12 € no ano de 2013 e 2.281.586,41€ no ano de 2014, os quais se encontram determinados nos Quadros 8 e 9.

A parte restante de 3.052.157,02€ (5.530.117,55 € - 2.477.960,53€), vai ser reconhecida como gastos, nos anos posteriores, quando ocorrer a venda dos imóveis.

Face ao descrito, o montante dos créditos adquiridos de 5.530.117,55€ é reconhecido como gastos, bastando para isso ocorrer a venda dos imóveis.

Quanto ao montante daqueles créditos que venha a ser recebido total ou parcialmente, em resultado da liquidação ou recuperação das sociedades insolventes, sendo a contabilização efetuada na rubrica inventários e como tal reconhecido como gastos, deveria ser reconhecido como rendimento o montante recebido, mas, uma vez que a contabilidade não reflete aqueles créditos, aquele rendimento pode ser omitido pela sociedade A… .

Face ao exposto aqueles créditos deviam ter sido reconhecidos como ativos financeiros, sendo desreconhecidos do Balanço apenas nas situações previstas no parágrafo 30 da NCRF 27 atrás descritas, que até à presente data não se verificaram.

Em conclusão, face a todo o exposto neste capítulo e no capítulo III.1.1, para o qual se remete, mantêm-se as correções propostas no Projeto de Relatório nos montantes de 196.374,12 € e 2.281.586,41 € nos anos de 2013 e 2014, respetivamente, os quais se encontram determinados nos Quadros 8 e 9.

II - COMISSÕES A NÃO RESIDENTES E MARKETING DOCUMENTADAS COM FATURAS EMITIDAS POR SOCIEDADES RESIDENTES EM HONG KONG

Quanto às correções nos montantes de 230.235,00 € (ano de 2013) e 3.508.997,76 € (ano de 2014) descritas e fundamentadas no capítulo III.1.2.1, para o qual se remete, o sujeito passivo discorda dos fundamentos da AT, tendo alegado e apresentado os seguintes elementos:

1 - A F… Co. Limited (F…) e G… Limited são sociedades de direito chinês que se dedicam à prestação de serviços a cidadãos chineses tendo em vista a obtenção, por estes, da autorização de residência em países da União Europeia, como é o caso de Portugal através do investimento em imóveis.

A F… é uma sociedade de maior dimensão que conta com escritórios em vários países entre eles Portugal, conforme se pode ver no Site da F… e foi distinguida pela Câmara de Comércio e Industria Luso-Chinesa para o prémio de mérito empresarial cfr. doc. 14 (Itens 2, 3 e 5).

O doc. 14 é uma página de um jornal português no qual consta a F… como nomeada para os prémios de mérito empresarial;

2 - Estas sociedades constituem uma plataforma de promoção global de imóveis que providencia os seguintes serviços aos investidores:

- Fazem a seleção de projetos e ativos imobiliários nos mercados internacionais;

- Disponibilizam aos investidores informação detalhada sobre os projetos, imóveis e países;

- Dispõem de equipas internacionais de especialistas de marketing e comunicação dedicadas a acompanhar os investidores que fazem a seleção de imóveis e promotores a divulgar junto dos investidores, organizam as viagens de investimento providenciando os serviços de alojamento, tradutores, consultores imobiliários chineses, transporte;

- Contam com a participação de equipas nos destinos de investimento (locais e chineses) para satisfação das necessidades dos investidores e parceiros;

- Apoiam investidores na elaboração de todo o processo de aquisição;

- Fazem a ligação com as equipas de Advogados que prestam apoio aos investidores no país de destino;

- Realizam eventos, seminários e conferências, anúncios televisivos e outros materiais publicitários onde evidenciam as vantagens e benefícios de investir / viver nos países da União Europeia;

- Organizam toda a logística associada à deslocação de potenciais investidores a esses países, como seja o transporte da China para esses países, o alojamento, as deslocações aos imóveis e a obtenção do visto de turismo para a entrada e estada nesses países, junto das embaixadas e consulados;

- Assistem os potenciais clientes em praticamente todo o processo de investimento, disponibilizando equipas de tradutores, consultores, advogados, motoristas, acompanhando-os junto do SEF, das Finanças e na abertura de contas nos bancos, bem como no processo de procura, escolha e aquisição de imóveis (Item 6);

3 - Se a AT consultar o site da F… verifica que esta sociedade presta todos estes serviços, cfr prints juntos como doc. 15 (págs. 224 a 250 do Anexo) ( item 7);

4 - Estes serviços foram prestados por estas empresas à A…, como se comprova pelos elementos já juntos no âmbito da ação inspetiva e ainda pelo seguinte (item 8):

(a) O site da F… contém informação específica sobre o regime português dos Golden Visa;

(b) No que respeita aos serviços de consultoria de marketing e de promoção na China (seminários, campanhas publicitárias) a A… não esteve presente e por isso não percebe quais os documentos que deveriam ter sido juntos para comprovar a realização destes serviços.

Os elementos que a A… dispõe e pode dispor são os que junta como doc. 16 que comprovam que a F… contratou o ex-futebolista J… para promover Portugal em 18 conferências nas cidades de Pequim e Jinan ... as quais tiveram uma concorrida afluência de respetivamente 600 a 800 pessoas, o que é suficiente para se dar como comprovada a realização destes serviços;

(c) No que respeita aos serviços relacionados com a identificação dos investidores, o transporte da China para Portugal, as visitas de prospeção, a obtenção do número fiscal, a diligência jurídica e financeira, os procedimentos e preparação dos documentos necessários, o pós venda, a emissão do processo que conduz à autorização de residência e a preparação de documentação e ajuda ao cliente durante o processo de escritura pública, também não percebe quais os documentos que deveriam ter sido juntos para comprovar a realização destes serviços, já que foram realizados por estas empresas, portanto e alheia à A… .

Os elementos que a A… dispõe e pode dispor são os seguintes:

l) Cópias dos contratos promessa de compra e venda traduzidos por tradutor que assina documentos;

II) Cópias dos contratos de compra e venda, onde figuram como procuradores dos adquirentes chineses advogados das sociedades de advogados K… que prestaram serviços à F… e à G…;

III) Recibos/declaração a atestar o recebimento do valor do sinal;

IV) Formulários de confirmação da compra dos imóveis com toda a informação sobre a compra;

V) E-mails trocados entre a F…, A… e os advogados das sociedades de advogados K…, sobre as transações sendo na sua maioria em língua inglesa.

Os documentos 17, 18 e 19 apresentados, contêm os elementos identificados de l) a V).

(d) Junta listagem dos colaboradores da F… com quem a A… trocou e-mails, estabeleceu contactos telefónicos e que intervieram na venda dos imóveis aos investidores por eles angariados (doc. 20), listagem dos promotores / empreendimentos que recorreram aos serviços da F… (doc. 21), listagem das mediadoras imobiliárias que trabalharam com o mercado asiático e com comissões internacionais (doc. 22).

5 - Todos estes documentos assim como os anteriormente facultados à AT, comprovam que os serviços contratados e faturados à A… foram efetivamente prestados (Item 9);

6 - A A… não só demonstrou que os serviços debitados pela F… e G… foram efetivamente prestados como que os mesmos influenciaram a venda dos imóveis, tendo cumprido com o ónus da prova a que alude a cláusula anti-abuso prevista no artº 65º do CIRC (itens 25 e 26);

7 - Quanto aos montantes praticados por estas sociedades, as comissões pagas pela A… a estas sociedades chinesas, entre 15% e 21% do preço de venda, e igual às praticadas por todas as empresas que prestam este tipo de serviços destinados à angariação de investidores chineses, conforme contratos que se juntam a título de exemplo cfr. doc. 26 (Item 29);

8 - Se a AT comparar as comissões suportadas por todas as empresas que se encontram a ser inspecionadas, chegará à conclusão que não só nenhuma empresa suportou comissões de montante inferior ao suportado pela A…, como existiram empresas que suportaram comissões de montante superior, como por exemplo a L… e a M…, SA que suportaram comissões de 25%, cfr. doc. 27 (Itens 31 e 32);

9 - Tudo isto permite-nos concluir que o montante pago pela A… a título de comissões não foi exagerado, foi o custo imposto por estas sociedades, idêntico ao praticado por outras sociedades equivalentes a todas as empresas portuguesas (Itens 33 e 34);

10 - Face ao exposto e à prova realizada a A… considera evidente que as correções e tributações autónomas propostas no Projeto de Relatório carecem de fundamento legal e que AT está a incumprir os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que orientam a atividade administrativa, pelo que o Relatório Final a emitir deverá dar razão à A… e não propor quaisquer correções fiscais (itens 68 e 69).

APRECIAÇÃO

Estão descritos nos pontos 1 a 9 deste capítulo, para os quais se remete, os fundamentos e documentos apresentados pela A… que considera constituírem a dupla prova que compete ao sujeito passivo apresentar cumulativamente, exigida pelo CIRC, nº 4 do artº 65º (aplicável em 2013) e nº 8 do artº 23º-A (aplicável em 2014) de que:

- Os encargos debitados por entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal mais favorável correspondem a operações efetivamente realizadas;

- Esses encargos não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

Assim, dado estarmos perante requisitos específicos de uma norma anti-abuso a qual faz recair a responsabilidade da dupla prova no sujeito passivo, através da inversão do ónus da prova, a prova apesar de não obedecer a qualquer formalismo, conforme disposto no artº 352º e seguintes do Código Civil, estando ao dispor do sujeito passivo todos os meios de prova, terá de ser inequívoca, rigorosa e clara.

A - Quanto à prova da realização efetiva das operações

Nos pontos 1 a 6 deste capítulo para os quais se remete constam descritos os fundamentos que a A… considera que a AT deve reconhecer como prova da efetiva realização das operações.

Quanto aos elementos de prova apresentados, também identificados nos pontos referidos, são os seguintes:

- Página de um jornal português no qual consta a F… como nomeada para os prémios de mérito empresarial - doc. 14;

O doc. 14 é uma página de um jornal português no qual consta a F… como nomeada para os prémios de mérito empresarial;

- Prints do site da F… - doc. 15 (págs. 224 a 250 do Anexo).

Nesses prints não consta qualquer referência à sociedade A… ou aos seus imóveis;

- Imagens relacionados com o jogador J… sobre a sua participação na China em campanhas de promoção de Portugal (doc. 16);

O doc. 16 contém imagens relacionadas com o jogador J… sobre a sua participação em campanhas de promoção de Portugal, verificando-se que a sua participação ocorreu no ano de 2016, dado que nos documentos apresentados consta o seguinte (tradução Google) (págs. 251 a 253 do Anexo):

- As subsidiárias do Grupo N… Portugal convidaram o futebolista mundial J… para uma cerimónia de assinatura;

- Em 03 de setembro de 2016, o jogador de futebol mundial J… chegou à sede do Grupo N… para participar numa cerimónia de assinatura...

- Cópias dos contratos promessa de compra e venda e cópias das escrituras de compra e venda (doc. 17 e 18);

- Formulários de confirmação da compra dos imóveis com toda a informação sobre a compra e recibos/declaração a atestar o recebimento do valor do sinal (doc. 17 e 18);

- E-mails trocados entre a F…, A… e os advogados das sociedades de advogados K…, sobre as transações, sendo na sua maioria em língua inglesa (doc. 19);

- Listagem dos colaboradores da F… com quem a A… trocou e-mails e Listagem dos promotores I empreendimentos que recorreram aos serviços da F…(doc. 20 e 21);

O doc. 21 contém o nome de 30 empresas portuguesas (pág. 254 do Anexo);

- Listagem das mediadoras imobiliárias que trabalharam com o mercado asiático e com comissões internacionais (doc. 22).

O doc. 22 contém o nome de 12 empresas imobiliárias, algumas das quais são portuguesas (pág. 255 do Anexo);

Os documentos apresentados atrás descritos não comprovam com suficiência a realização dos serviços debitados nas faturas, descritos no Quadro 10, ou seja, não demonstram a intervenção das sociedades F… e G… visando a venda dos imóveis da sociedade A…:

- Na angariação dos clientes através da realização de seminários, conferências, campanhas, anúncios televisivos ou utilização de outros materiais publicitários.

O doc.16 apresentado como comprovativo de campanha promocional promovida pela F…, através do ex-jogador de futebol J…, conforme atrás se referiu, revela que essa campanha ocorreu no exercício de 2016, pelo que não influenciou as vendas ocorridas nos anos em análise (2013 e 2014);

- Na deslocação dos adquirentes a Portugal;

- No transporte aéreo da China para Portugal e no alojamento em Portugal;

- Na obtenção dos vistos de turismo para entrada em Portugal junto da Embaixada e consulados Portugueses na China e não foi demonstrada a existência desses Vistos;

- Na realização dos demais serviços que constam descritos nas faturas sobre esta matéria transcreve-se parte do acórdão proferido em 19/02/2015 no processo 08126/14 no Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que julgou um caso de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado, evidenciando a importância da demonstração das provas:

'No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C".

Face ao exposto, considera-se não existir prova efetiva da realização dos serviços debitados nas faturas.

 

B - Quanto ao carácter anormal ou ao montante exagerado

Nos pontos 7 a 9 deste capítulo para os quais se remete, constam descritos os fundamentos e estão indicados os elementos que a A… considera que a AT deve reconhecer como prova de que o montante pago pela A… a título de comissões não foi exagerado.

Sobre esta matéria transcreve-se parte do acórdão atrás referido.

" Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado."

Como prova dos serviços análogos no mercado, a A… limitou-se a apresentar quatro contratos celebrados com as sociedades indicadas no Quadro 15 (doc. 26).

O doc. 26 contém quatro contratos celebrados com as sociedades indicadas no Quadro 15, os quais constam nas páginas 256 a 288 do Anexo, verificando-se que as comissões acordadas variam entre 8% e 12% e entre 16% e 20%, sendo duas sociedades residentes em território nacional.

 

 

Da análise do Quadro verifica-se que:

- Duas sociedades praticam percentagens significativamente inferiores às praticadas pela sociedade F…, entre 8% a 12%;

- Apenas uma sociedade pratica a mesma percentagem da sociedade F…, 20% e apenas nos casos em que a quantidade vendida seja entre 16 e 20 imóveis.

Deste modo, por comparação com os serviços análogos no mercado, tendo por base os exemplos fornecidos pela A…, também aqui se conclui que, não tendo a A… produzido qualquer prova de que não é exagerado o montante da comissão cobrada pelas sociedades F… e G…, considera-se como não cumprido este requisito.

 

CONCLUSÃO

Tendo em conta todo o exposto, face à metodologia defendida pela AT sobre esta matéria, é entendimento da AT que os elementos apresentados pela A…, não cumprem os requisitos consagrados no Código do IRC, artigo 65º nº 1 (aplicável em 2013) e no artº 23º-A no 1 al. r) (aplicável em 2014), pelo que se mantém as correções propostas no Projeto de Relatório.

Os encargos debitados pelas sociedades F… e G… reconhecidos como gastos, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável dos anos de 2013 e 2014 e ficam sujeitos a tributação autónoma nos termos do disposto nos nºs 1 e 8 do artigo 88º do Código do IRC.

III - COMISSÕES A NÃO RESIDENTES SEM SUPORTE DOCUMENTAL

Quanto à correção no montante de 955.700, 78€ (ano de 2014) descrita e fundamentada no capítulo III.1.2.2, para o qual se remete, o sujeito passivo discorda dos fundamentos da AT, tendo alegado o seguinte:

1 - Até à data de encerramento das contas do exercício de 2014, não tinham sido rececionadas pela A… as faturas das comissões de intermediação na venda de imóveis relativamente à empresa F… (Item 61);

2 - De acordo com o nº 1 do artigo 18º do CIRC, os rendimentos e os gastos são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica e com base neste pressuposto foram estimados e acrescidos a gastos os valores das comissões em falta, relativas às vendas já realizadas, mas cujas faturas não se encontravam em nosso poder (Itens 62 e 63);

3 - Atendendo à não dedutibilidade do IVA foi estimado e acrescido a gastos o valor do IVA correspondente que se mostrará devido aquando da contabilização e consequente auto liquidação de imposto das faturas correspondentes (Item 64).

4 - Os gastos estão documentalmente justificados com o documento interno de operações diversas 60/120184, conforme disposições contabilísticas e fiscais aplicáveis (Item 65);

Não são indicadas as disposições contabilísticas e fiscais aplicáveis

5 - A jurisprudência do STA tem vindo a defender que o documento comprovativo e justificativo dos gastos em sede de IRC não se confunde nem se esgota na exigência de fatura.

Como exemplo da Jurisprudência invocada, menciona o acórdão de 07-05-2012 do STA relativo ao processo 0658/11 onde se pode ler o seguinte: "Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativa dos custos para efeitos do disposto nos artºs 23º nº 1 e 42º nº 1 al. g) do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova" (Item 67).

APRECIAÇÃO

Os fundamentos invocados pela A… para que os gastos titulados por documento interno sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, atrás descritos, foram já invocados no decurso do procedimento inspetivo em resposta a notificação efetuada, conforme consta na página 25.

O acórdão datado de 07-05-2012, relativo ao processo 0658/11 referido no exercício do direito de audição pelo sujeito passivo, respeita a factos ocorridos nos anos de 2005 e 2006 e refere-se aos documentos comprovativos e justificativos de gastos para efeitos do disposto no artº 42º nº 1 al. g) do CIRC na redação em vigor naqueles exercícios e até ao exercício de 2009, ou seja, até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 159/2009 de 13/07, que republicou o CIRC.

Esta norma do CIRC estabelecia que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício.

A correção em causa foi efetuada ao abrigo do disposto no artº 23º-A nº 1 alínea c) do CIRC (em vigor no exercício de 2014) o qual estabelece especificamente que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 23º, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.

Os nºs 3 e 4 do artº 23º do CIRC estabelecem que:

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

Nos termos do nº 6 do artº 23º quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 do mesmo artigo deve obrigatoriamente assumir essa forma.

O suporte documental que titula o gasto em análise, sendo um documento interno de operações diversas, não cumpre os requisitos do artº 23º-A nº 1 al. c) do CIRC atrás descritos, nem cumpre o estabelecido no nº 6 do artº 23º do CIRC.

Por outro lado, o montante de 776.992,50€ não foi pago ao credor referenciado, a sociedade F…, nem foi entregue nos cofres do Estado o correspondente IVA estimado no montante de 178.708,28€, dada a inexistência de fatura.

CONCLUSÃO

Em conclusão, considerando os fundamentos descritos no capítulo III.1.2.2 para o qual se remete, considerando a apreciação atrás descrita e não tendo o Sujeito Passivo apresentado elementos novos, mantêm-se as correções propostas no Projeto de Relatório dado que quer o valor estimado das comissões de 776.992,50€, quer o valor do correspondente IVA também estimado de 178.708,28€, no total de 955.700,78€, reconhecidos em gastos na conta 62251 - Comissões, consideram-se não comprovados documentalmente, pelo que não são dedutíveis para efeitos fiscais nos termos da alínea do nº 1 do artº 23º-A do CIRC.

 

  •  Na sequência da acção inspectiva foi emitida a liquidação de IRC n.º 2017…, relativa ao período de tributação de 2014, e respectivas Demonstrações de Acerto de Contas identificada com o n.º 2017… e de Liquidação de Juros Compensatórios e Moratórios, identificada com o n.º 2017… (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  • Na demonstração da liquidação de IRC refere-se, além do mais, o seguinte:

 

 

 

 

 

 

  • Em 21-11-2013, no âmbito da sua actividade operacional, a Requerente adquiriu por escritura pública, à sociedade B… S.A. - Em Liquidação, 213 bens imóveis localizados na freguesia do …, no montante de € 18.412.564,93 destinados a posterior revenda, sendo a aquisição financiada pelo Banco C… (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  • Como condição para a celebração do contrato de financiamento, o Banco C… impôs a cessão à Requerente dos créditos, no valor total de € 5.530.118,00, que mesmo detinha sobre as sociedades “E… S.A.”, no montante de € 4.102.520,00 e “Imobiliária D…, S.A.”, no montante de € 1.427.598,00 (depoimentos das testemunhas H…, O… e P… e actas da reunião do Conselho de Administração e da Assembleia Geral da Requerente que constam da parte 6 do processo administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos);
  •  Em 21-11-2013, ambas as sociedades sobre as quais o Banco C… detinha créditos tinham já sido declaradas insolventes, tendo a declaração de insolvência da sociedade “E… S.A.” ocorrido em 14-06-2012 e a declaração de insolvência da sociedade “Imobiliária D…, S.A.” ocorrido em 17-10-2012 (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  •  A aceitação pela Requerente da imposição do Banco C… de cessão dos créditos resultou do facto de ser expectável, de acordo com a análise a que procedeu, que, mesmo que não obtivesse a cobrança dos créditos, fosse rentável para a Requerente a alienação dos bens imóveis em questão, por a aquisição se destinar a explorar o nicho de mercado relacionado com o regime de “Golden Visa” (depoimentos das testemunhas H… e O…);
  • Esta expectativa de rentabilidade de que partiu a Requerente para proceder à contabilização dos créditos adquiridos ao Banco C… como gasto de aquisição dos imóveis revendidos verificou-se, de facto, nos resultados de vendas, volume de facturação e impostos entregues nos cofres do Estado nos períodos de 2013 e 2014; (depoimentos das testemunhas H… e O…);
  • O contrato de cessão de créditos foi celebrado entre a Requerente e o Banco C… na mesma data de 21-11-2013 em que foi celebrado o contrato de financiamento para aquisição dos imóveis (Documento n.° 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  • O processo de insolvência da E… S.A. tem o n.º …/12… TYLSB do Tribunal do Comércio de Lisboa tendo nele ocorrido os seguintes actos:

– o Banco C… reclamou créditos no valor de € 5.755.886,30, que foram reconhecidos (documentos n.ºs 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

– na sequência da cessão pelo Banco C… à Requerente de parte dos créditos que detinha, no valor de € 4.102.520,05, foi por esta feita habilitação desta no processo (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– foi proferida sentença que julgou a Requerente devidamente habilitada no processo (documento n.° 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– foi aprovado e homologado em 01-04-2014 o plano de insolvência, em que se prevê a liquidação controlada do activo (documento n.° 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– em 23-06-2016, o processo encontrava-se em fase de liquidação (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

  • O processo de insolvência da Imobiliária D…, S.A. tem o n.º …/12… TYLSB do Tribunal do Comércio de Lisboa tendo nele ocorrido os seguintes actos:

– O Banco C… reclamou créditos no valor de € 6.776.193,06 (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– o crédito foi reconhecido como comum e sob condição (Documento n.° 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– na sequência da cessão de parte dos créditos que detinha à Requerente no valor de € 1.427.597,50, foi feita a habilitação desta no processo (documento n.° 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– em 23-01-2014, foi aprovado e homologado o plano de insolvência, de acordo com o qual, relativamente aos créditos do Banco C…, nos primeiros 24 meses de vigência houve carência de pagamento do capital pelo que eram apenas devidos de juros, iniciando-se a partir dessa data pagamento do capital em dívida (documento n.° 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– em 28-01-2015, foi proferida decisão a julgar extinto o apenso de verificação e graduação de créditos em virtude de ter sido aprovado e homologado o plano (documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– em 22-05-2014, foi proferida decisão de encerramento do processo (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  • Os créditos adquiridos pela Requerente são créditos comuns;
  • A Requerente considerou que era praticamente nula a possibilidade de cobrança dos créditos adquiridos, pelo que considerou os seus valores bem como os encargos do mútuo que celebrou com o Banco C… para os adquirir como um gasto adicional do seu activo constituído pelos 213 imóveis adquiridos, tendo contabilizados os créditos como componente do gasto inicial dos inventários (depoimentos das testemunhas H… e O…);
  • Em 03-03-2015 e 05-06-2015, foi emitida sem reservas a Certificação Legal de Contas da Requerente pela sociedade “Q…, SROC”, respeitante aos períodos de tributação de 2013 e 2014 respectivamente (documentos n.ºs 24 e 25 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • A Requerente notificou a cessão de créditos às respectivas devedoras;
  • Quando vendeu cada um dos imóveis, a Requerente efectuou distrate das hipotecas relativas ao mútuo contraído para aquisição dos imóveis e do mútuo contraído para aquisição dos créditos, nas permilagens correspondentes aos valores de cada fracção (depoimentos das O… e P…);
  • Nos períodos de tributação de 2013 e 2014, a Requerente teve vários clientes de origem
    chinesa, a quem vendeu os seus imóveis, no âmbito do regime designado por “Golden Visa” (depoimentos das testemunhas H… e R…);
  • Tais clientes de origem chinesa foram angariados por empresas dos seus países de origem, chegando a Portugal por intermédio destas (depoimentos das testemunhas H… e R…);
  • A Requerente contratou os serviços deste tipo de empresas, quer com sede em Hong Kong (as sociedades “G…”, doravante designada como “G…”, e a “F…”, doravante designada como “F…”), quer com sede em Macau (a sociedade “S…, Lda.”);
  • A F… foi a empresa chinesa que angariou mais clientes para a Requerente no ano de 2014 (depoimento da testemunha H…);
  • Sem a angariação de clientes pela F… a Requerente não teria conseguido vender as mais de 6 dezenas de imóveis que vendeu no ano de 2014 a clientes de origem chinesa (depoimentos das testemunhas H… e R…);
  • A F… efectuou actividades de publicidade, promoção e divulgação no território Chinês de imóveis da Requerente que levaram à aquisição dos mesmos por parte de cidadãos chineses (depoimento da testemunha H…);
  • A F… fez conferências e seminários sobre as vantagens e benefícios de se viver em Portugal, em várias cidades da China (depoimento da testemunha H… e documentos n.ºs 38 e 39 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • AF… auxiliou os cidadãos chineses na obtenção de vistos para entrada e estadia em Portugal (depoimento da testemunha H… );
  • A F… acompanhou os cidadãos chineses na deslocação a Portugal nas visitas aos imóveis (depoimento da testemunha H…);
  • A F… pagou as despesas de deslocação, alojamento e alimentação dos cidadãos chineses referidos, bem como outras despesas relacionadas com a estadia e visita aos imóveis da Requerente (depoimento da testemunha H…);
  • A F… assegurou o serviço de intérprete contratando tradutores, para acompanharem os cidadãos chineses em território português (depoimento da testemunha H…);
  • A F… contratou motoristas para fazer as deslocações dos cidadãos chineses em Portugal, nomeadamente entre o aeroporto e o hotel, serviços de estrangeiros e fronteiras, bancos e restaurantes e os principais pontos turísticos de Portugal (depoimento da testemunha H…);
  • Acompanhou os cidadãos chineses na abertura de contas bancárias em Portugal (depoimento da testemunha H…);
  • A F… prestava serviços jurídicos aos referidos cidadãos chineses, contratando advogados (depoimentos das testemunhas H… e R…);
  • A Requerente comprometeu-se a pagar à F… uma remuneração por cada imóvel vendido a comprador indicado por aquela sociedade (depoimento da testemunha H…);
  •  A Requerente efectuou 64 vendas de imóveis a cidadãos chineses angariados pela F… (depoimento da testemunha H…);
  • As vendas efectuadas pela Requerente no ano de 2013 foram no valor de € 1.544.500,00, e no ano de 2014 foram de € 25.831.412,02 (Documentos n.°s 28 e 29 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • A F… é uma empresa de grande dimensão com instalações em várias cidades da China e em vários países (página informática da empresa em en...com);
  • A F… foi distinguida pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa para o Prémio de Mérito Empresarial (documento n.º 30 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  • A Requerente efectuou à F… os pagamentos a que se havia comprometido, que eram uma percentagem do valor das vendas (depoimentos das testemunhas H… e R…);
  • Houve muitos potenciais clientes angariados pela F… que não concretizaram qualquer aquisição de imóveis, situações em que a Requerente não efectuou qualquer pagamento àquela (depoimento da testemunha H…);
  • A F…, no ano de 2013, exigia comissões de 15%, sobre o valor dos imóveis vendidos e, no ano de 2014, a comissão de 20%; (depoimentos das testemunhas H… e R..);
  • A Requerente tinha de aceitar as condições exigidas pela F…, pois havia enorme dificuldade de venda de imóveis a cidadãos nacionais nos anos de 2013 e 2014 e era a única empresa que lhe apresentava potenciais clientes em quantidade que lhe permitiam efectuar rapidamente vendas dos imóveis (depoimento da testemunha H…);
  • Inicialmente a Requerente opôs-se ao aumento das comissões, mas, após um mês sem efectuar uma única venda, compreendeu que era indispensável para efectuar vendas na quantidade e com a rapidez que pretendia pagar à F… as comissões que esta exigia (depoimento da testemunha H…);
  • A Requerente tinha urgência nas vendas dos imóveis, por estar a suportar juros dos financiamentos efectuados para aquisição dos imóveis, despesas de condomínio, impostos e de manutenção e conservação (depoimento da testemunha H…);
  • Em 2013 e 2014 o mercado imobiliário vinha de um período de muita dificuldade de vendas, sendo raras as vendas que nesses anos se faziam a cidadãos nacionais (depoimento da testemunha H…);
  • Na situação de necessidade premente de encontrar compradores para os imóveis, a Requerente não tinha qualquer possibilidade de discutir o respectivo valor das comissões exigidas pela F…, pois não existia quem prestasse o serviço e angariação de clientes que esta prestava, aos preços de venda que a Requerente pretendia obter (depoimento da testemunha H…);
  • As comissões da F… eram acrescidas pela Requerente aos preços dos imóveis pretendidos, pelo que não afectavam a sua margem de lucro (depoimento da testemunha H…);
  • Foram as vantagens decorrentes dos ditos “VISTOS GOLD" que foram publicitadas pela F… no mercado Chinês e levaram às aquisições dos imóveis vencidos pela Requerente no na de 2014, com excepção de dois (depoimento da testemunha H…);
  • A F… actua em vários países, como o Canadá, Malta, Espanha e Portugal, sendo uma empresa especializada em angariar clientes chineses para investimentos em programas do tipo dos Golden Visa (depoimentos das testemunhas H… e R…);
  • A Requerente tentou efectuar angariação de clientes directamente na China, mas não conseguiu obter nenhum, apesar de ter gasto cerca de € 300.000 para o efeito (depoimento da testemunha H…);
  • Os imóveis foram vendidos, no ano de 2014, por mais do dobro do valor patrimonial tributário (depoimento da testemunha H…);
  • A outros vendedores de imóveis a F… exigiu comissões superiores às pagas pela Requerente (depoimentos das testemunhas H… e R…);
  • Além da comissão base havia aumentos por objectivos, quando eram atingidos números de vendas determinados (depoimento da testemunha  H…);
  • A Requerente teve sempre resultados positivos (depoimentos das testemunhas H…, O… e P…);
  • A Requerente trocou grande quantidade de mensagens de correio electrónico com a F… relativas à sua actividade na angariação de clientes (documentos n.ºs 34 e 35 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • Em 31-12-2014, a Requerente contabilizou como gasto o montante de € 955.700,78, o qual inclui IVA no valor de € 178.708,28, na conta 62251-Comissões, tendo como contrapartida a Conta 272219 - Outros Credores por acréscimos de gastos), tendo como suporte um documento interno de Operações Diversas 60/120.84, com a descrição «Comissões F… 2014» (Relatório da Inspecção Tributária);
  • À data de encerramento das contas do período de tributação de 2014, a Requerente não tinha recebido da F… as facturas das comissões de intermediação na venda de imóveis que contabilizou nos termos referidos na alínea anterior (depoimentos das testemunhas H…, O… e P…;
  • As comissões indicadas reportam-se às vendas efectuadas pela F… a que se referem os documentos n.ºs 32 e 33 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  • No final de 2014, a Requerente incompatibilizou-se com a F…, existindo um litígio judicial;
  • A sociedade G…, emitiu apenas uma factura no ano de 2014, no montante de 44.160.00€, relativa à venda de uma fracção, sendo de 12% a comissão paga (Relatório da Inspecção Tributária);
  • A Requerente, já após entrada do pedido de pronúncia arbitral procedeu ao pagamento de parte do IRC em causa no âmbito do acordo de pagamento em prestações celebrado com a AT no âmbito do processo de execução fiscal referente ao IRC de 2014, identificado com o n.° …2017…, tendo ainda prestado garantia (hipoteca voluntária sobre um conjunto de fracções) para suspensão do respectivo processo de execução fiscal (documentos n.ºs 3 e 4 juntos pela Requerente com as suas alegações, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • Em 09-06-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.1. Factos não provados

 

Não se fez prova sobre as razões pelas quais a Requerente entrou em litígio com a F… .

Foi referido pelas testemunhas H…, O… e P… a existência desse litígio, que estará pendente em Tribunal, mas nenhuma esclareceu o que está em causa.

Não se provou que existissem quaisquer relações entre a F… e a Requerente ou entre esta e o Banco C…, para além das operações referidas.

 

 

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos que constam do processo administrativo e nos que foram juntos com o pedido de pronúncia arbitral e também com base nos depoimentos prestados na audiência, por H…, R…, O… e P… .

            Todas as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.

            No que concerne à imposição pelo Banco C… da aquisição dos créditos de empresas declaradas insolventes como condição para efectuar o financiamento relativo à aquisição dos prédios, faz-se-lhe referência nas actas da reunião do Conselho de Administração e da Assembleia Geral da Requerente e foi confirmada pelas testemunhas H… e O… .

            De resto, não sendo aventado que existissem quaisquer relações especiais entre a Requerente e o Banco C…, é essa imposição a única razão plausível que de descortina nos autos para a aceitação pela Requerente da aquisição pelos valores nominais de créditos comuns de empresas já declaradas insolventes, que, em termos de normalidade, têm um valor muito mais reduzido ou nulo.

            O facto de os contratos de mútuo para aquisição dos imóveis e de mútuo para aquisição dos créditos terem sido efectuados na mesma data corrobora a afirmação da Requerente de que se tratava de contratos que para o Banco C… eram indissociáveis.

            Por outro lado, os lucros obtidos pela Requerente com a venda dos imóveis, confirmam a afirmação da Requerente de que o negócio de aquisição e venda dos imóveis era rentável, mesmo suportando o ónus da aquisição dos créditos que não esperava receber.

 

 

           

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão da dedução dos encargos com a aquisição dos créditos

 

 

 

            A Requerente adquiriu ao Banco C… dois créditos que este detinha sobre empresas já declaradas insolventes, por tal lhe ter sido imposto como condição para a concessão do financiamento (mútuo com hipoteca) de que necessitava para a aquisição dos imóveis que pretendia comercializar, adquirindo os créditos com base num contrato de mútuo com hipoteca sobre os imóveis que celebrou também com aquele Banco.

            A Requerente considerou o montante de 5.530.1177,55€ relativo ao contrato de cessão de créditos como despesas de compra e contabilizou-o na rubrica inventários e imputou esse montante aos 213 imóveis adquiridos, proporcionalmente ao custo de aquisição de cada imóvel. Posteriormente, a Requerente considerou a permilagem atribuída a cada um dos prédios como custo da venda do respectivo imóvel, no momento do reconhecimento do rédito originado pela respectiva alienação.

            A Requerente apresentou como justificação para este tratamento contabilístico ter sido uma imposição do Banco C…a aquisição dos créditos «sem os quais não poderia realizar-se a aquisição dos imóveis e que desde o início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis, tratando-se por isso de um custo adicional do negócio principal que era a aquisição dos imóveis», invocando em apoio da sua tese o n.º 2 do artº 26º do Código do IRC e do parágrafo 10 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 18, que permitem que sejam, incluídos no custo de aquisição outros gastos que lhes sejam diretamente atribuíveis e estabelecem que o custo, dos inventários deve incluir todos os custos incorridos.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a aquisição dos créditos não podia ser considerada um custo de compra, porque, em suma:

 

- não foi apresentada qualquer prova de que houve imposição do Banco C… para aquisição dos créditos;

- não foi demonstrado que no início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis, nem é conhecido na data atual, dado que os planos de insolvência se encontram em curso;

- a contabilização na rubrica inventários não está enquadrada no artº 26º nº 2 do CIRC na redação em vigor à data da contabilização.

- um ativo financeiro só deve ser desreconhecido, quando os direitos contratuais aos recebimentos dele resultantes se realizam, expiram ou são transferidos para outra entidade.

 

            Pelo que se referiu ao fundamentar a decisão da matéria de facto, deve considerar-se provado que a aquisição dos créditos foi imposta à Requerente com condição para efectuar o financiamento de que aquela necessitava para a aquisição dos imóveis.

            Mas, à face da prova produzida, é de concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao entender que «não foi demonstrado que no início era conhecido o desenlace final dos créditos, que eles nunca seriam realizáveis, nem é conhecido na data atual, dado que os planos de insolvência se encontram em curso».           

            Com efeito, tendo sido aprovados, em 2014, planos de insolvência nos processos de insolvência em causa, não se pode deixar de concluir que, em 2013, a Requerente não podia estar certa de que não viria a receber alguma parte dos créditos.

            Na verdade, no processo n.º …/12…TYLSB, foi aprovada a liquidação controlada do activo e, em 2016, o processo ainda se encontrava em fase de liquidação (documentos n.ºs 14 e 15 do pedido de pronúncia arbitral).

            Por outro lado, no processo n.º …/12… TYLSB, foi aprovado e homologado o plano de insolvência, em 23-01-2014, em que se prevê, relativamente aos créditos do Banco C…, que «as prestações relativas ao Parque de Estacionamento serão constantes. Anuais, postcipadas e recalculadas tendo em vista o seu pagamento durante doze anos após data de Trânsito em Julgado da Sentença de Homologação do presente Plano de Recuperação, ou seja, 4 anos para lá do final do plano. Prevê-se carência de amortização de capital durante os primeiros 24 meses de vigência do plano. Durante os quais as prestações anuais serão apenas de juros. O valor residual será no valor de 10% do valor do financiamento.» (página 18 do «Plano de Recuperação» que consta do documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

            As actas das reuniões do Conselho de Administração e da Assembleia Geral da Requerente que constam da parte 6 do processo administrativo confirmam que, mesmo da perspectiva da Requerente, os créditos não eram considerados incobráveis, mas apenas com «riscos inerentes à cobrança» e «de difícil cobrança».

            Como nota a Autoridade Tributária e Aduaneira, a própria Requerente no pedido de pronúncia arbitral admite a possibilidade de cobrança dos créditos ao dizer que a «possibilidade de recuperação dos créditos adquiridos pela Requerente afigura-se reduzida» (artigo 32.º) e que a «recuperabilidade destes créditos mantém-se residual» (artigo 68.º).

            Sendo assim, os créditos deveriam ser reconhecidos como activo até se confirmar ou não a sua recuperabilidade, devendo a Requerente perante as evidências objectivas de imparidade dos créditos que resultavam da declaração de insolvência das devedoras e da sua qualidade de créditos comuns reconhecer um gasto com perda por imparidade, na quantia correspondente ao valor não recuperável estimado.

            Assim, em termos contabilísticos (como se refere no parecer junto pela pela Requerente como documento n.º 26), esse reconhecimento como activo não obstará ao «reconhecimento do encargo que lhe está subjacente, e que deve ser tratado como um gasto por perda por imparidade, incorpora um efectivo gasto inerente ao processo de aquisição dos inventários e que, como tal, deve incorporar o seu custo inicial e, consequentemente, o custo das vendas, por forma a garantir um correcto balanceamento entre os rendimentos provenientes da alienação dos imóveis e a totalidade dos gastos que lhe estão associados”.

            Com efeito, de acordo com os §§ 10 e 11 da NCRF 18, «o custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra» e «os custos de compra de inventários incluem o preço de compra (...) e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens», o que é o caso das perdas por imparidade dos créditos adquiridos, uma vez que foi necessário suportá-las para obter o financiamento necessário para adquirir os imóveis.

            Assim, contabilisticamente, não havia obstáculo a que a Requerente considerasse a os gastos correspondentes às perdas por imparidade dos créditos adquiridos incluídos nos custos de aquisição dos imóveis, na proporção correspondente ao valor de cada uma deles.

            No entanto, por força das partes finais do n.º 1 e da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do CIRC, as normas deste Código prevalecem sobre as normas contabilísticas, pelo que é à face das normas do CIRC que há que aferir se é atribuída relevância fiscal à referida inclusão desses gastos no custo de aquisição dos imóveis.

            Como defende a Administração Tributária e Aduaneira, para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, o n.º 2 do artigo 26.º do CIRC, na redacção vigente quando ocorreu a aquisição dos imóveis, no ano de 2013, apenas permitia a inclusão no custo de aquisição dos custos dos empréstimos, «no caso de os inventários requererem um período superior a um ano para atingirem a sua condição de uso ou venda», o que não sucedia no caso em apreço, pois os imóveis encontravam-se em condições de uso e venda, como se infere do facto de vários terem sido vendidos logo no ano de 2013 e muitos outros antes de se ter completado um ano sobre a data da aquisição (21-11-2013).

            Assim, por força das partes finais do n.º 1 e da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º do CIRC, os n.ºs 1 e 2 do artigo 26.º do CIRC, na redacção vigente em 2013, afastavam a possibilidade de dar relevância fiscal à inclusão dos custos acessórios em causa no custo inicial de aquisição dos imóveis, que a Requerente efectuou.

            Mas, se era assim relativamente ao ano de 2013, o mesmo não sucede em relação ao ano de 2014, que está em apreço no presente processo.

            Na verdade, a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, alterou aquele artigo 26.º, n.º 2, do CIRC, que passou a estabelecer que «podem ser incluídos no custo de aquisição ou de produção os custos de empréstimos obtidos, bem como outros gastos que lhes sejam diretamente atribuíveis de acordo com a normalização contabilística especificamente aplicável».

            Nos termos do seu artigo 14.º, aquela Lei «aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014», pelo que aquele novo regime é aplicável aos factos tributários (vendas de imóveis) ocorridos em 2014.

            Por isso, sendo correcta contabilisticamente a inclusão no custo de aquisição dos imóveis dos encargos que constituíam as perdas por imparidade dos créditos adquiridos, não havia, relativamente às vendas efectuadas no ano de 2014, o obstáculo que o artigo 26.º, n.º 2, do CIRC na redacção anterior constituía à relevância fiscal desses gastos, pois passou a ser admitida a inclusão no custo de aquisição de todos os gastos que lhes sejam diretamente atribuíveis de acordo com a normalização contabilística especificamente aplicável.

            Sendo assim, à face da fundamentação em que a Administração Tributária e Aduaneira se baseou no Relatório da Inspecção Tributária para efectuar a correcção relativamente à dedução de encargos com a aquisição dos créditos ( [1] ), não se justifica que seja afastada a relevância fiscal dos gastos referidos relativamente às vendas de imóveis ocorridos em 2014.

            Pelo exposto, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei no que concerne à correcção no valor de 2.281.586,41 € efectuada, relativamente ao ano de 2014, com base na indedutibilidade dos valores proporcionais dos créditos, incluídos pela Requerente no custo de aquisição dos imóveis que justifica a sua anulação, artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

 

3.2. Questão da dedutibilidade dos gastos relativos aos pagamentos à F…

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade dos gastos da Requerente relativos a pagamentos à F…, com fundamento nos artigos 65.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente em 2013) e 23.º-A do mesmo Código, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (vigente em 2014).

            A sociedade F…, emitiu apenas uma factura no ano de 2014, no montante de 44.160.00€, relativa à venda de uma fracção, sendo de 12% a comissão paga.

            No caso em apreço, estão em causa vendas efectuadas em 2014, pelo que há que atender ao referido artigo 23.º-A, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

 

Artigo 23.º-A

 

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

 

            1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(...)

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

 

            Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou, pelas mesmas razões, a correspondente tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 8, do CIRC, em que se estabelece o seguinte, na redacção vigente em 2014:

 

8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.          

 

            O território de Hong Kong estava incluído, em 2014, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

            Na sequência de notificação para esse efeito, a Requerente apresentou vários documentos para prova das operações realizadas pela F… e da operação realizada pela G…, o que foi corroborado pela prova testemunhal.

 

            3.2.1. Prova da realização das operações

           

            Resultou da prova produzida que foi realizada pela F… uma actividade global de angariação de cidadãos chineses para compra de imóveis da Requerente, nos anos de 2013 e 2014.

            Essa actividade de angariação incluiu acções de publicidade e divulgação na China sobre as vantagens e benefícios da aquisição de imóveis em Portugal, pagamento das despesas de deslocação, alojamento e alimentação, bem como outras despesas relacionadas coma sua estadia e visita aos imóveis da Requerente, auxílio aos cidadãos chineses na obtenção de vistos para entrada e estadia em Portugal e seu acompanhamento nas visitas aos imóveis, contratação de motoristas para fazer as deslocações dos cidadãos chineses em Portugal, nomeadamente entre o aeroporto e o hotel, serviços de estrangeiros e fronteiras, bancos e restaurantes e os principais pontos turísticos de Portugal.

            No âmbito dessa actividade de angariação, a F… assegurou o serviço de intérprete contratando tradutores, para acompanharem os cidadãos chineses em território português, acompanhou os cidadãos chineses na abertura de contas bancárias em Portugal e prestava serviços jurídicos aos referidos cidadãos chineses, contratando advogados.

            Não se justificam dúvidas sobre a realização desta actividade, não só porque foi junta documentação comercial e correspondência trocada entre a Requerente e a F… relativa a essas actividades, mas também porque foi nesse sentido a prova produzida em audiência, por quem teve em Portugal contacto directo com essas actividades.

            Aliás, o facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses é uma prova indirecta, mas convincente, de que houve uma eficiente actividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda. Por outro lado, o facto de que a remuneração da F… só era paga precisamente se tivesse como resultado a concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente actividade de angariação.

            Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos à F… correspondem a operações efectivamente realizadas.

            Relativamente à sociedade G…, que emitiu apenas uma factura no ano de 2014, no montante de 44.160.00€, relativa à venda de uma fracção, não há razão para duvidar que a operação foi realizada, por razões idênticas.

            Assim, é de considerar provado que os pagamentos correspondem a operações efectivamente realizadas.

 

           

            3.2.2. Prova da não anormalidade e não exagero

 

            No concerne à normalidade de pagamentos pela prestação de serviços de angariação de clientes para a aquisição de imóveis afigura-se evidente, pois trata-se de uma actividade de prestação de serviços regulamentada, precisamente no que concerne a imóveis (Decreto-Lei n.º 69/2011, de 15 de Junho) e, como qualquer actividade de natureza profissional, é remunerada. O que consubstanciaria anormalidade, seria a prestação de serviços gratuitos à Requerente, suportando a F… as despesas da actividade.

            Quanto ao montante das comissões, tem a ver com o requisito do «não exagero» e não com o de «não anormalidade» para efeitos daquele artigo 23.º-A do CIRC.

            Para decidir se há ou não exagero não pode tomar-se como termo de comparação as percentagens das comissões cobradas habitualmente pelas empresas de intermediação imobiliária nacionais, pois a desenvolvida pela F… não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária, que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas pela F… (pagamento de viagens, alojamento, alimentação, transportes, intérpretes, etc.).

            Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços.

            Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o mesmo serviço por quantia inferior.

            Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o mais rapidamente possível os imóveis, pois estava a suportar encargos com juros do empréstimo para aquisição dos imóveis e com juros do empréstimo para aquisição dos créditos que foi condição daquele financiamento, bem como despesas de condomínio, manutenção dos imóveis e suporte da sua própria estrutura empresarial.

            A prova produzida é também no sentido de que a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes com pagamento de comissões inferiores, quer à F…, que não as aceitava, nem a outros prestadores de serviços de angariação, pois nenhum lhe proporcionava clientes em quantidade suficiente para a venda rápida da grande quantidade de imóveis que detinha para venda.

            Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior, para serviços com a mesma qualidade e quantidade.

            A razoabilidade dos pagamentos efectuados à F… é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à F… acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.

            No que concerne à comissão paga à sociedade G…, relativa à venda de uma fracção, na percentagem de 12%, é de concluir, por maioria de razão, que não se tratou de pagamento anormal ou exagerado.

Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efectuados à F… e à G… não foram anormais nem exagerados.

 

 

3.2.3. Anulação da liquidação de IRC na parte respectiva e anulação da liquidação de tributação autónoma

 

Assim, conclui-se que o acto de liquidação relativo ao exercício de 2014 enferma de vício de violação do artigo 23.º, n.º 1, alínea r), do CIRC, na parte respeitante à não dedutibilidade dos pagamentos efectuados à F… e à G…, no ano de 2014, no valor total de € 3.508.997,76.

Pelas mesmas razões, enferma de ilegalidade a liquidação de tributação autónoma com base no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, no montante de € 1.228.149,22.

            Pelo exposto, justifica-se a anulação da liquidação, no que concerne ao IRC na parte correspondente a esta correcção, bem como a tributação autónoma, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

           

 

 

3.3. Questão das comissões contabilizadas sem suporte documental

 

Em 31-12-2014, a Requerente contabilizou e reconheceu como gastos na conta 62251-Comissões Mercado Nacional, o documento interno de Operações Diversas 60/… no montante de 955.700,78€, o qual inclui IVA no montante de 178.708,28€, com a descrição "Comissões F… 2014" .

Tendo aquele gasto como suporte documental um documento interno, a Requerente foi notificada para apresentar os documentos que suportam aquele registo, tendo explicado que, no exercício de 2014, foi vendido um conjunto de imóveis com intermediação dos respetivos promotores e que até à data do encerramento de contas do exercício de 2014, não tinham sido recepcionadas as facturas das comissões de intermediação, relativamente à F… .

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu efectuar correcção quer quanto ao valor estimado das comissões de 776.992,50 €, quer quanto ao valor do correspondente IVA também estimado de 178.708,28 €, no total de 955.700,78 €, por não estarem devidamente, comprovados documentalmente, pelo que não são dedutíveis para efeitos fiscais nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 23º-A do CIRC.

Em apreciação do alegado pela Requerente no exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira acrescentou o seguinte:

Nos termos do nº 6 do artº 23º quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 do mesmo artigo deve obrigatoriamente assumir essa forma.

O suporte documental que titula o gasto em análise, sendo um documento interno de operações diversas, não cumpre os requisitos do artº 23º-A nº 1 al. c) do CIRC atrás descritos, nem cumpre o estabelecido no nº 6 do artº 23º do CIRC.

Por outro lado, o montante de 776.992,50€ não foi pago ao credor referenciado, a sociedade F…, nem foi entregue nos cofres do Estado o correspondente IVA estimado no montante de 178.708,28€, dada a inexistência de fatura.

 

Os n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC estabelecem o seguinte:

 

           3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

           4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

 

            6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

 

 

            A Requerente defende, em suma, que em matéria de IRC não se exige a posse da factura como é exigível em sede de IVA, para exercer o direito à dedução, que não existe no caso em apreço, e que a contabilização das comissões relativas a serviços prestados pela F… respeitantes a vendas efectuadas em 2014 devem ser contabilizadas neste exercício, em consonância com o n.° 1 do artigo 18.° do Código do IRC que estabelece que “os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com 0 regime de periodização económica”.

            Esta posição da Requerente não tem suporte legal à face da redacção do CIRC resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pois a nova redacção dos n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 23.º exigem a comprovação das aquisições dos serviços através de documentos com o conteúdo aí indicado, que não foram apresentados nem durante a acção inspectiva nem posteriormente.

            Na falta desses documentos, impunha-se a correcção efectuada, pelos fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois não se pode considerar provado que os encargos referidos tenham sido suportados nem que o venham a ser.

            Assim, improcede o pedido de pronúncia arbitral nesta parte.

 

           

           

 

 

3.4. Vícios comuns a todas as correcções imputados pela Requerente

 

A Requerente imputa à liquidação impugnada vícios «comuns a todas as correcções».

No que concerne às correcções relativas à dedução dos encargos com a aquisição dos créditos e comissões pagas à F… comprovadas, o pedido de pronúncia arbitral procede com fundamento nos vícios de violação de lei que se indicaram, pelo que fica prejudicado, por ser inútil a apreciação dos «vícios comuns» imputados pela Requerente.

Por isso, apenas se justifica que sejam apreciados estes vícios relativamente à correcção relativa a falta de documentos comprovativos das comissões contabilizadas pela Requerente como sendo devidas à F… .

 

3.4.1. Dedutibilidade dos gastos

 

No que concerne a esta correcção, a Requerente invoca os artigos 17.º e 23.º do CIRC e o artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

O artigo 17.º do CIRC estabelece as regras básicas da determinação do lucro tributável de IRC, designadamente a sua correspondência ao resultado líquido determinado com base na contabilidade, corrigido pelas normas fiscais.

Foi precisamente isso que se fez ao apreciar a correcção relativa a despesas não devidamente documentadas, pois está-se perante situação em que o artigo 23.º do CIRC exige comprovação de despesas contabilizadas seus n.ºs 3, 4 e 6.

No que concerne ao artigo 104.º, n.º 2, da CRP estabelece que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», o que não contende com as exigências de prova desses rendimentos, designadamente das despesas contabilizadas que não estão devidamente comprovadas.

O rendimento real a que se reporta esta norma constitucional é o que seja comprovado, com ponderação dos gastos provados e não os meramente invocados pelos sujeitos passivos.

            Por isso, a correcção relativa às despesas não devidamente comprovadas, não viola qualquer destas normas.

 

3.4.2. Do incumprimento do ónus da prova que recai sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira

 

No que concerne à correcção por falta de documentos comprovativos das despesas contabilizadas, não se está perante situação em que incumba o ónus da prova à Autoridade Tributária e Aduaneira.

A regra básica do ónus da prova em matéria tributária é a que consta do artigo 74.º, n.º 1, da LGT que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

A regra de ónus da prova tem aplicação em situações em que se fica perante uma situação de dúvida sobre a matéria de facto.

No caso em apreço, relativamente a esta correcção relativa a despesas não comprovadas não se fica perante uma situação de dúvida, pois é seguro que a Requerente não apresentou os documentos que são legalmente exigidos para ser atribuída relevância fiscal às despesas invocadas.

            A Requerente faz referência também ao princípio da legalidade, a que aludem os artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, mas não se vislumbra a sua violação no caso em apreço, já que a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou rigorosamente a lei, designadamente os n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC.

Por isso, não ocorre violação das regras do ónus da prova nem do princípio da legalidade quanto a esta correcção relativa a despesas não comprovadas devidamente.

 

3.4.3. Falta de fundamentação

 

O artigo 77.º, n.º 6, da LGT, em sintonia com o n.º 3 do artigo 268.º da CRP, impõe a fundamentação dos actos administrativos lesivos.

O STA tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [2] )

No caso em apreço, não se vislumbra qualquer dificuldade em perceber a fundamentação de facto e de direito da correcção relativa a despesas não comprovadas devidamente.

Por isso, não ocorre este vício, relativamente a esta correcção.

 

 

3.5. Vícios imputados à liquidação de juros compensatórios e moratórios

 

A liquidação de juros compensatórios e moratórios tem por pressuposto a liquidação de IRC, pelo que na parte em que assentam nas correcções aqui consideradas ilegais, a liquidação de juros compensatórios e moratórios enferma dos mesmos vícios que enferma a liquidação de IRC, justificando-se a sua anulação nas partes correspondentes à anulação da liquidação de IRC.

Por isso, apenas há utilidade em apreciar os vícios imputados pela Requerente relativamente à parte da liquidação de juros compensatórios e moratórios que tem como pressuposto a liquidação na parte em que assenta na correcção efectuada por falta de documentação comprovativa de despesas.

 

 

 

3.5.1. Falta de fundamentação

 

A Requerente defende que a liquidação de juros compensatórios e juros de mora enferma de vício de falta de fundamentação.

O n.º 9 do artigo 35.º da LGT estabelece que «a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas».

Esta norma deve ser aplicada, por evidente analogia, à liquidação de juros de mora.

 No caso em apreço, a liquidação de juros compensatórios indica a norma em que se baseia (artigo 102.º do CIRC), o montante sobre que incidem, a taxa e os períodos relativamente aos quais foram calculados:

(i) vencidos sobre o valor base de € 4.105.759,96, à taxa de 4%, relativamente ao período decorrido entre 01.06.2015 e 02.07.2015, no valor de € 14.398,28;

(ii) vencidos sobre o valor base de € 3.164.133,90, à taxa de 4%, relativamente ao período decorrido entre 03.07.2015 e 29.12.2016, no valor de € 189.327,90.

           

            De facto, pela liquidação não é perceptível claramente a razão por que se distinguem dois períodos de contagem de juros compensatórios sobre valores diversos.

            O mesmo sucede com a liquidação de juros de mora em que se refere que são liquidados nos termos do artigo 109.º do Código do IRC e 44.° da LGT,

(i) vencidos sobre o valor base de € 3.302,12, à taxa de 5,476%, relativamente ao período de 03.07.2015 a 24.07.2015, no valor total de € 10,90.

 

            A explicação é dada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos artigos 242.º a 246.º da sua Resposta:

 

242.º
 

Efetivamente, porque se trata de ato próprio da Requerente, não pode a mesma desconhecer que apresentou a autoliquidação referente ao período de 2014, cujo termo legal de entrega é 2015-05-31, apenas em 2015-07-02.

 

243.º

Também não pode a Requerente invocar que desconhece que o imposto apurado resultante da declaração por si entregue foi de € 941.626,06.

 

244.º

 

Assim, tendo presente este montante e, o apurado na sequência da ação inspetiva
(€ 3.164.133,90, que resulta da liquidação notificada), é fácil de concluir que o montante total devido pela Requerente, desde o termo legal para entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, ascende de € 4.105.759,96.

 

245.º

Sendo que, após a entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, onde é apurado pela Requerente, o montante de € 941.626,06, naturalmente apenas passa a ser devida a sua diferença, ou seja, € 3.164.133,90.

 

246.º

Deste modo e tendo presente as normas legais constantes do ato de liquidação notificado foram apurados, como aí consta, juros compensatórios no montante total de € 203.426,18:

  • 4% sobre o valor total de 4.105.759,96 €, entre o período de 2015-06-01 e 2015-07-02 = € 14.398,28 e,
  •  4% sobre o valor resultante da liquidação adicional de € 3.164,133,90, entre o período de 2015/07/03 e 2016/12/29 = 189.327,90 €


 

247.º


No que respeita ao cálculo dos juros de mora, no montante de € 10,90, e relevando a norma legal constante da liquidação efetuada temos que:

  • pela dilação de 32 dias na entrega da declaração Mod. 22, por parte da Requerente, foram calculados juros compensatórios de € 3.302,12 (€ 941.626,04 X32 X 4%/365 = € 3.302,12);
  •  pelo atraso de 22 dias, calculado entre 2015-07-03 e a data liquidação dos juros
    compensatórios de 2015-07-24, foram calculados juros de mora de € 10,90 (€ 3.302,12 X 22 X 5,476% /365 = € 10,90)


 

Afigura-se que se está perante uma situação em que a liquidação de juros compensatórios e de juros de mora apresenta considerável complexidade, pelo que eram necessárias explicações adicionais, designadamente sobre a relevância no alegado atraso na apresentação da declaração, para serem perceptíveis para um destinatário normal as razões por que foi efectuada cada uma das operações.

Para além disso, como também defende a Requerente e tem vindo a entender o Supremo Tribunal Administrativo, a exigência de juros compensatórios depende da imputabilidade do atraso na liquidação ao contribuinte a título de dolo ou negligência ( [3] ) e, neste caso era necessário uma explicação pelo menos a nível da liquidação referente à correcção relativa às despesas  com as comissões pagas à F…, já que se está perante uma situação em que a liquidação assenta num juízo sobre a insuficiência de prova das operações e sua não anormalidade e exagero que é formulado pela Autoridade Tributária e Aduaneira a posteriori.

Por isso, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que já se citou, é de concluir que a liquidação de juros compensatórios e de juros de mora enferma de vício de falta de fundamentação, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 Sendo de anular a liquidação de juros compensatórios e de juros de mora, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados.

 

4. Juros indemnizatórios e indemnização por garantia indevida

 

A Requerente pede juros indemnizatórios e pagamento de indemnização por garantia indevida.

Na pendência do processo a Requerente pagou parte das quantias liquidadas e prestou garantia, através de hipotecas, para suspender o processo de execução fiscal instaurado para sua cobrança coerciva.

 

4.1. Juros indemnizatórios

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação e sua anulação parcial há lugar a pagamento de juros indemnizatórios, na medida do pagamento indevido, pois a liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 24.º, n.º 5, do RJAT, 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a determinar pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução do presente acórdão.

 

4.2. Indemnização por garantia indevida

 

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

 

   1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

   2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Como resulta do teor expresso do n.º 1 deste artigo 53.º, apenas de prevê indemnização, com este regime simplificado a que alude o artigo 171.º do CPPT, nos casos de prestação de garantia bancária ou equivalente e não nos de prestação de garantia da dívida por outros meios, designadamente hipotecas. ( [4] )

            Assim, improcede o pedido de indemnização por garantia indevida, sem prejuízo de o eventual direito a indemnização poder ser exercido em processo autónomo. ( [5] )

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à parte da liquidação de IRC n.º 2017 … que tem como pressuposto as correcções relativas à dedução dos encargos com a aquisição dos créditos (2.281.586,41€) e à dedutibilidade dos gastos relativos aos pagamentos à F… e à  G… (3.508.997,76€) e anular a liquidação de IRC na parte respectiva;

– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à parte da liquidação de IRC n.º 2017 … que tem como pressuposto a correcção no valor de 955.700,78€, relativa às comissões contabilizadas sem suporte documental e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido;

– anular a liquidação de IRC n.º 2017 … na parte relativa à tributação autónoma  no montante de 1.228.149,22€;

– anular as liquidações de juros compensatórios e moratórios n.ºs 2017 … e  2017 …;

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente os que forem determinados em execução do presente acórdão;

– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de indemnização por garantia indevida e absolver do mesmo a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

          6. Valor do processo

 

A Requerente indicou 3.367.870,98 € como valor do processo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu que o valor da causa deve ser o de € 3.364.557,96, indicado como «valor a pagar» na «demonstração de acerto de contas» e não o indicado pela Requerente que é o «valor a pagar» indicado na liquidação.

Quando é impugnada a liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, como resulta do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Por isso, sendo impugnada a globalidade da liquidação, o valor da causa é o de 3.367.870,98 €, que se fixa, de harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

7. Custas

 

O valor da liquidação é valor total de 3.367.870,98€, sendo 1.228.149,22€ de imposto de tributação autónoma, 203.726,18 € de juros compensatórios e juros de mora, pelo que o restante, no montante de 1.935.995,58€, é de IRC determinado com base nas correcções à matéria tributável no valor total de 6.746.284,95€ (2.281.586,41€ + 3.508.997,76€ + 955.700,78€).

Quanto a estas correcções à matéria tributável, no valor de 6.746.284,95€, a Autoridade Tributária e Aduaneira decai na percentagem de 85,83% (2.281.586,41€ + 3.508.997,76€) e a Requerente decai na percentagem de 14,17% (955.700,78€).

Por isso, quanto àquele valor de IRC de 1.935.995,58€, a Autoridade Tributária e Aduaneira decai quanto a 1.661.665,01€ (85,83%) e a Requerente decai quanto a 274.330,57€ (14,17%).

Pelo exposto, quanto ao valor total da liquidação de 3.367.870,98€, a Requerente decai quanto ao valor de 274.330,57€, que corresponde a 8,15%, pelo que é esta a percentagem do valor das custas cuja responsabilidade cabe à Requerente, sendo a Autoridade Tributária e Aduaneira responsável pela parte restante de 91,85%.

Assim, nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 42.840,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Requerente nas percentagens de 91,85% e 8,15% respectivamente.

 

 

Lisboa, 12-02-2018

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Ricardo Jorge Rodrigues Pereira)

 

 

 

 

(Cristiana Maria Leitão Campos)

 

 



[1]              O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.

[2]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

[3]              Neste sentido pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-09-1998, processo n.º 022612.

[4]              Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2012, processo n.º 0528/12.

[5]              Como também entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão citado.