Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 416/2017-T
Data da decisão: 2018-03-15  IRC  
Valor do pedido: € 83.680,33
Tema: IRC – Artigo 32.º do EBF; Circular 7/2004 - Correcção oficiosa - Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sofia Ricardo Borges e Fernando Manuel dos Santos Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 07 de Julho de 2017, Grupo A… SGPS, S.A., Pessoa Colectiva n.º…, com sede na Rua …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas com o n.º 2016…, de 27-07-2016, relativo ao exercício de 2013, no valor de €  83.680,33, e da decisão da reclamação graciosa n.º …2016…, que o teve como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a exigência da aplicação da metodologia prevista na Circular n° 7/2004, da DSIRC, subjacente à liquidação referida, é ilegal, pelo que padece a mesma de vício de violação de lei, uma vez que não respeita o regime instituído pelo artigo 32.º, n.º 2, do EBF e viola o princípio da legalidade, tanto em termos formais (artigos 103.º, n.º 2, da CRP e 8.º, n.º 1, da LGT), como em termos procedimentais (artigos 55.º da LGT e 266.º,  n.º 2, da CRP).

Mais alega que, em todo o caso, não utilizou qualquer financiamento para a aquisição das participações sociais que detinha no exercício em questão.

 

  1. No dia 10-07-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 01-09-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 18-09-2017.

 

  1. No dia 10-03-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Atendendo aos princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT,  tendo as partes sido notificadas para apresentação de alegações escritas facultativas, e fixado o prazo de 45 dias após apresentação das alegações da Requerida para a prolação de decisão final, prazo este que foi prorrogado até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A liquidação de IRC n.º 2016… foi efectuada na sequência das correcções levadas a cabo na acção inspectiva realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de…, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2016….
  2. Do relatório de inspecção respectivo, consta, para além do mais, o seguinte:

“No período de tributação de 2013, o resultado líquido do período apurado pelo Grupo A…- SGPS, SA foi de € 19.113.659,79.

Por sua vez, o lucro tributável declarado foi de € 113.208,43, como se demonstra no quadro seguinte:

  1. No que diz respeito aos encargos financeiros, não aceites como gasto fiscal, do relatório de inspecção tributária consta o seguinte:

“Encargos financeiros não aceites como gasto fiscal (artigo 32.o do EBF): 2013 (...)

No período de tributação de 2013, o Grupo A…– SGPS, SA não procedeu, aquando da determinação do lucro tributável, à desconsideração dos encargos financeiros não dedutíveis, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF. Refira-se que, em relação aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, o Grupo A… – SGPS, SA determinou os gastos de financiamento que não relevavam para efeitos fiscais, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF e na Circular 7/2004, de 30 de março.

Nos pontos seguintes procede-se ao apuramento dos encargos financeiros suportados pelo Grupo A…– SGPS, SA, no período de tributação de 2013, e não aceites como gasto fiscal, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.”

  1. No que concerne aos encargos financeiros suportados pela aqui Requerente, respeitantes a financiamentos obtidos, do relatório de inspecção tributária (doravante “RIT”) consta o seguinte:

“(i) Encargos financeiros suportados e passivos remunerados

O Grupo A…– SGPS, SA suportou, em 2013, encargos financeiros relativos a financiamentos obtidos no montante de € 286.593,99. Estes encargos foram reconhecidos, na contabilidade, nas seguintes contas do Sistema de Normalização Contabilística (SNC):

Estes encargos financeiros prendem-se com gastos de juros e imposto selo associados a financiamentos obtidos através da emissão de papel comercial.

Na verdade, em 20 de junho de 2010, o Grupo A… – SGPS, SA celebrou com o Banco B…, SA, NIPC … um contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial1. No âmbito deste contrato, o Grupo A…– SGPS, SA, na qualidade de emitente, lançou um Programa de Emissões de Papel Comercial, cujo montante máximo era de € 5.000.000,00. Contabilisticamente, esta emissão encontra-se reconhecida na conta SNC 25117 – Financiamentos obtidos – instituições de crédito - empréstimos bancários – Banco B…, SA. No início do exercício de 2013, esta conta apresentava um saldo (credor) de € 2.000.000,00, apresentando um saldo nulo no final desse ano.

Da mesma forma, em 15 de dezembro de 2011, esta sociedade, na qualidade de emitente, celebrou um contrato de organização, domiciliação, colocação, garantia de subscrição e agente pagador de programa de emissões de papel comercial com o Banco C…, SA, NIPC… . Nos termos deste contrato, o montante máximo do programa ascende a € 10.000.000,00 e o seu período de vigência, ou seja, o período durante o qual poderiam ser realizadas emissões termina em 15 de dezembro de 2017.

O Grupo A…– SGPS, SA reconheceu este financiamento na conta SNC 25112 – Financiamentos obtidos – instituições de crédito - empréstimos bancários – Banco C… . O seu saldo, no início do exercício de 2013, era credor em € 10.000.000,00, evidenciando em 31 de dezembro de 2013, um saldo nulo.

Não obstante estas duas contas do SNC (25117 e 25112) apresentarem, no final do período de tributação de 2013, um saldo nulo, os encargos financeiros (gastos de financiamento) suportados pelo Grupo A…– SGPS, SA nesse exercício prendem-se com estes dois programas de emissão de papel comercial.

Pela análise da contabilidade e dos respetivos documentos de suporte, verificou-se ainda a existência de um empréstimo contraído junto da Instituição bancária D… (D…), refletido na conta SNC 25114 - Financiamentos obtidos – instituições de crédito - empréstimos bancários – D… . Este empréstimo foi obtido durante o exercício de 2013 e, no final deste ano, o seu valor era de € 600.000,00.”

  1. Quanto aos empréstimos concedidos, do RIT consta o seguinte:

“(ii) Empréstimos concedidos remunerados e outros investimentos geradores de juros

No que respeita aos empréstimos concedidos, encontravam-se refletidos na contabilidade do Grupo A… – SGPS, SA empréstimos concedidos a algumas das suas participadas, no valor total, em 2013, de € 695.456,54.

 

 

No entanto, não foi reconhecida qualquer remuneração (rendimento financeiro) associada a estes empréstimos concedidos. Pelo exposto, no exercício de 2013, não existem empréstimos concedidos remunerados, bem como outros investimentos geradores de juro.”

  1. No RIT, quanto aos investimentos nas sociedades subsidiárias e associadas, consta ainda que:

“(iii) Custo de aquisição das partes de capital

Na contabilização, nas suas contas individuais, dos investimentos em subsidiárias e associadas, o Grupo A…- SGPS, SA adoptou o Método da Equivalência Patrimonial (MEP) previsto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 13 – Interesses em empreendimentos conjuntos e em investimentos em associadas e na NCRF 15 – Investimentos em subsidiárias e consolidação.

De acordo com este método, o investimento é inicialmente reconhecido pelo custo e posteriormente ajustado em função das alterações verificadas, após a aquisição, na quota-parte do investidor nos ativos líquidos da investida (NCRF 13, § 4 e NCRF 15 § 4).

No que respeita à participação financeira detida na E…, SA, NIPC…, embora a percentagem de participação seja de 10,00%, a sociedade também adoptou o MEP na mensuração deste investimento financeiro.

As participações financeiras detidas pelo Grupo A…- SGPS, SA encontram-se registadas na conta SNC 41 – Investimentos financeiros. O custo de aquisição das partes de capital detidas pela sociedade, no final do período de tributação de 2013, ascende a € 153.252.150,51, tal como se encontra refletido na sua contabilidade. No quadro seguinte, apresenta-se o respetivo custo de aquisição das participações financeiras do Grupo A… - SGPS, SA.

 

  ”

  1. No que toca aos custos de aquisição, escreveu-se no RIT que:

“(iv) Ativo ao custo de aquisição

Na determinação do ativo ao custo de aquisição deve-se atender aos valores brutos do ativo, desconsiderando, deste modo, os ajustamentos decorrentes da aplicação do método da equivalência patrimonial aos investimentos financeiros, depreciações e amortizações acumuladas e perdas por imparidade, tal como previsto na Informação n.o 880/2008 da DSIRC, de 28 de fevereiro.

No período de tributação de 2013, o ativo ao custo de aquisição ascende a € 154.052.614,51, como se evidencia no quadro seguinte:

  1. Atendendo ao exposto, os serviços de inspecção tributária levaram a cabo as seguintes correcções:

“v) Determinação dos encargos financeiros não dedutíveis: artigo 32.º n.º 2 do EBF

Tendo em consideração os montantes das diversas rubricas determinados nos pontos anteriores, no quadro seguinte apresenta-se um resumo dos cálculos efetuados relativos aos encargos financeiros não dedutíveis, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Pelo exposto, os gastos de financiamento não aceites para efeitos fiscais ascendem, em 2013, a € 285.104,84. Aquando do apuramento do lucro tributável desse exercício, o Grupo A… - SGPS, SA não procedeu ao acréscimo de quaisquer encargos financeiros não dedutíveis.

Pelo facto, propõe-se uma correção meramente aritmética ao lucro tributável declarado pela sociedade, em 2013, no montante de € 285.104,84. Neste sentido, o lucro tributável corrigido é de € 398.313,27.

  1. A Requerente procedeu ao pagamento voluntário da liquidação objecto da presente acção arbitral, no dia 26-09-2016.
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa, autuada sob o n.º …2017…, que foi objecto de despacho de indeferimento proferido pela Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária, da Unidade dos Grandes Contribuintes, no exercício de competência subdelegada, de 10/04/2017, no procedimento de Reclamação Graciosa.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Conforme se referiu atrás, está em causa nos presentes autos a apreciação da legalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e acrescido com o n.º 2016…, de 27-07-2016, relativo ao exercício de 2013, no valor de €  83.680,33, e da decisão da reclamação graciosa n.º …2016…, que o teve como objecto, relativamente à correcção, operada na liquidação referida, respeitante a “encargos financeiros não dedutíveis relativos a partes de capital”, em que foi aplicado o disposto na circular nº 7/2004, de 30 de Março, a qual consubstancia a interpretação da AT do disposto no artigo 32º nº 2 do EBF.

Cumpre, então, apreciar.

 

*

            O artigo 32.º/2 do EBF, na redacção aplicável, dispõe, para além do mais, que “os encargos financeiros suportados com a (...) aquisição [de participações sociais detidas por período não inferior a um ano] não concorrem para a formação do lucro tributável” das SGPS, SCR e ICR.

            Por sua vez o artigo 120.º do CIRC aplicável, impõe aos contribuintes de IRC que apresentem a sua declaração periódica de rendimentos, nos termos da lei, sendo essa declaração, por regra, a base da liquidação de imposto, conforme dispõe o artigo 90.º/1/a) do mesmo CIRC, sendo certo que o modelo de declaração disponibilizado contém campo próprio para fazer constar o valor referente à supra-referida previsão do artigo 32.º/2 do EBF, designadamente o Quadro 07, de resto, e no caso, preenchido pela Requerente.

            Assim, os contribuintes de IRC a quem a previsão do artigo em causa do EBF seja aplicável têm a obrigação de fazer constar da respectiva declaração periódica de IRC o valor dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais detidas por período não inferior a um ano, não podendo eximir-se de tal obrigação, alegando, por exemplo, que não lhes é possível estabelecer qualquer alocação directa dos encargos financeiros suportados às participações sociais detidas.

Com efeito, não só o princípio da legalidade não impõe que seja aceite um gasto por força da dificuldade ou impossibilidade subjectiva de demonstração dos pressupostos dos quais a lei faz depender a sua dedutibilidade (no caso, não terem sido suportados com a aquisição de participações sociais detidas por período não inferior a um ano), como, em concreto, tal dificuldade será – exclusivamente e em primeira linha – sempre objectivamente imputável ao contribuinte que, por ser quem contrai os gastos com encargos financeiros e quem lhes dá destino, é quem poderá demonstrar, melhor que ninguém, se, e quais de tais gastos tiveram por finalidade a aquisição de partes de capital detidas por período não inferior a um ano.

Assim, independentemente da maior ou menor dificuldade – ou mesmo da impossibilidade – subjectiva em determinar o valor relevante para efeitos do artigo 32.º/2 do EBF, estarão os contribuintes abrangidos pela respectiva previsão, obrigados a fazer constar da respectiva declaração de imposto um valor para o efeito – ainda que seja zero – não se podendo eximir a tal obrigação sob pretexto de que é difícil, ou impossível, concretizar tal valor.

O valor declarado, gozará, desde que verificados os respectivos pressupostos[1], da presunção de veracidade consagrada no artigo 75.º/1 da LGT, pelo que, declarado o valor que, no critério do contribuinte, é o adequado, competirá à AT, se dele discordar, produzir prova de que tal valor não é o correcto, seja demonstrando uma alocação directa dos encargos financeiros suportados à aquisição das participações sociais, seja utilizando um critério directo – avaliação directa - seja lançando mão dos métodos de tributação indirecta, nos termos gerais da LGT, desde que verificados os respectivos pressupostos, onde se inclui a “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” (artigo 87.º/1/b) da LGT).

Quanto a esta particular questão, aventa a Requerida nos presentes autos arbitrais que “quer em sede de procedimento quer em sede do presente processo arbitral, salvo melhor entendimento, a Requerente não logra comprovar especificadamente o destino dos financiamentos obtidos e os correspondentes encargos financeiros associados (...) Prova essa que sempre lhe competiria.”, e que “O que de facto se verifica é o incumprimento do seu ónus da prova”.

Não lhe assiste, todavia, qualquer razão nessa matéria. Com efeito, e desde logo, como se afirma no Acórdão proferido no processo 258/2015T, do CAAD, citado pela própria Requerida, “em relação às despesas devidamente documentadas (em relação às quais se presume a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC) compete à Administração Tributária alegar a existência de elementos susceptíveis de pôr em causa essa veracidade, designadamente pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais.”.

Por outro lado, não está em causa nos autos, enquanto fundamento das correcções operadas pela AT, ao qual o Tribunal está vinculado a ater-se[2], a aplicação do artigo 23.º do CIRC, mas, como se viu, a aplicação do artigo 32.º do EBF, interpretado pela circular nº 7/2004, de 30 de Março. Foi aquela norma do EBF que foi aplicada pelo acto tributário ora sindicado, e é da estatuição dessa mesma norma, na parte que veda a consideração dos gastos aí previstos para o cômputo do lucro tributável, que a AT se pretende prevalecer, para sustentar a correcção que operou, pelo que, não se tem dúvidas, à luz do disposto no artigo 74.º/1 da LGT, que é sobre aquela Autoridade que recai o ónus da prova dos pressupostos contidos na previsão da referida norma.

Como se escreveu no Acórdão do TCA-Norte de 25-05-2016, proferido no processo 00264/10.1BECBR[3]:

“IV. Por força do artigo 74.º n.º 1 LGT, compete à Administração Fiscal o ónus de suscitar e comprovar a dispensabilidade do custo visado, em ordem a exercer o seu direito de corrigir as pretendidas deduções dos montantes respetivos a título de custos fiscais.

V. É sobre a Administração Fiscal que incide o ónus de provar a existência de todos os pressupostos que a determinaram a efetuar correções ao declarado pelo contribuinte, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.

VI. Assim, é à Administração Fiscal que cabe o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua atuação, isto é, o ónus de provar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso aos métodos indiretos se tornou a única forma de calcular o imposto a liquidar.”.

Conclui-se assim que estando em causa uma actuação correctiva da AT, assiste-lhe o ónus da prova de que se verificam os pressupostos legais da sua actuação, nos termos do artigo 74.º/1 da LGT[4] e que estando em causa uma correcção meramente aritmética ao valor a considerar para efeitos do artigo 32.º/2 do EBF, que o ónus da prova que lhe assiste consiste em demonstrar qual o valor correcto para efeitos da referida norma, e não, meramente, que não lhe é possível indicar um valor, ou “a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica[5].

            Ora, no caso, a referida demonstração não está, confessadamente e por qualquer modo feita, pelo que a liquidação objecto do presente processo arbitral, e a reclamação graciosa que a manteve na ordem jurídica, enfermam, desde logo, de erro nos respectivos pressupostos de facto.

            Efectivamente, nenhuma prova existe de que o valor suportado com encargos financeiros com a aquisição de participações sociais relevantes para efeitos da norma do artigo 32.º /2 do EBF em causa, seja, não o declarado pela Requerente, mas o considerado pela liquidação em crise.

            Com efeito, o que a AT diz é que não consegue determinar um valor para o efeito. Ora, assim sendo, como a Requerida confessadamente reconhece, gera-se uma situação senão de insuficiência de prova, pelo menos, de fundada dúvida, que sempre teria de ser resolvida contra a parte onerada com o ónus da prova.

            Ou seja, e em suma: declarado, nos termos da lei, um valor pelo contribuinte, a liquidação far-se-á com base na declaração efectuada, como impõe o artigo 90.º/1/a) do CIRC, na redacção aplicável. Tal liquidação apenas poderá ser anulada, por erro de facto ou de direito, desde que a parte que pretende tal anulação, seja ela a AT ou o contribuinte, cumpra o ónus probatório que lhe assiste,  o que, no caso, passa pela demonstração efectiva (para lá de qualquer dúvida razoável) do valor de imposto a liquidar, e não – como ocorre no caso com a Requerida – com a demonstração de uma dificuldade ou mesmo impossibilidade em indicar o valor correcto, e subsequente aplicação de um critério discricionariamente determinado, sem qualquer suporte legal para o efeito.

            Não relevará, assim, qual a motivação subjectiva para a indicação de um valor corrigido ou qual o método de cálculo utilizado para lá chegar. Em ordem a proceder à correcção de um valor declarado, em termos que impliquem a sua substituição por outro, por meio de uma correcção meramente aritmética[6] torna-se necessário demonstrar, para lá de qualquer dúvida razoável, que o novo valor a considerar é, efectivamente, o correcto.

            Ora, no caso, a AT não o faz; não demonstra, nem sequer alega, que o novo valor que considerou para efeitos da liquidação de imposto, na matéria que nos autos releva (encargos relevantes para a segunda parte do artigo 32.º/2 do EBF), que justificaria a correcção parcial da autoliquidação da Requerente, é o correcto.

            Aquilo que a AT fez no caso foi, efectiva e confessadamente, a aplicação de um método indirecto de determinação da matéria colectável, sem demonstrar a verificação dos pressupostos que permitem o recurso ao mesmo, nem seguir os procedimentos legalmente impostos para o efeito.

            Com efeito, como se escreveu no Acórdão do STA de 08/03/2017, proferido no processo 0227/16[7], “O ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal.”.

            Ora, como se tinha escrito já no Acórdão do TCA-Norte de 15-01-2015, proferido no processo 00946/09.0BEPRT[8]:

“1. Na vigência do n.º 2 do art. 31 do EBF na redação introduzida pela Lei n.º pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, as mais valias e as menos valias realizadas pelas SGPS mediante transmissão onerosa de partes de capital, desde que detidas por período não inferior a um ano e bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável das sociedades.

2. O método de apuramento de quais os encargos financeiros suportados com a aquisição daquelas partes sociais, deve visar um critério de imputação directa e real e não o critério indirecto ou presumido previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.”.

            Deste modo, para além de enfermar de erro nos pressupostos de facto, na medida em que procedeu à aplicação de correcções meramente técnicas, enferma a liquidação objecto da presente acção arbitral, na parte ora em apreço, de vício de procedimento e erro nos pressupostos de direito, ao aplicar um método indirecto de determinação da matéria colectável, sem seguir os procedimentos legalmente prescritos para tal, e com base nos pressupostos de avaliação directa.

            Face a todo o exposto, deverá o pedido arbitral proceder.

 

***

A Requerente pede ainda que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até o termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Já o n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que refere que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, tendo sido declarada a ilegalidade do acto de liquidação, por motivo imputável à AT, que o praticou em violação da , há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que o Requerente pagou indevidamente.

Tais juros serão de considerar devidos desde a data do pagamento indevido até ao momento do respectivo reembolso.

 

***

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas com o n.º 2016…, de 27-07-2016, relativo ao exercício de 2013, no valor de € 83.680,33, e da decisão da reclamação graciosa n.º …2016…, que o teve como objecto;
  2. Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 83.680,33, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributáriaa pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa 15 de Março de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

O Árbitro Vogal

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Fernando Manuel dos Santos Cardoso)



[1] Que incluem a devida documentação e observâncias das regras comerciais e contabilísticas aplicáveis (cfr. artigo 75.º/1 da LGT), bem como o devido cumprimento de deveres de colaboração (cfr. artigo 75.º/2/b) da LGT).

[2] Cfr. Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 0134/11, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler que “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”.

[3]Disponível em www.dgsi.pt.

[4] Neste sentido, cfr, p. ex., Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03, disponível em www.dgsi.pt.

[5] Cfr. ponto n.º 7 da Circular 7/2004.

[6] Sendo que, para a aplicação de um método indirecto, que é outra alternativa à disposição da AT e que não implica a demonstração da efectiva correspondência com a realidade do valor resultante da aplicação de tal método, têm, naturalmente, de ser observados os pressupostos, seguidos os procedimentos e cumprida a correspondente distribuição do ónus da prova conforme legalmente previsto para o efeito.

[7] Disponível em www.dgsi.pt; V. também Acórdão do STA de 31/05/2017, proferido no processo 1229/15

[8] Idem.