Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 393/2017-T
Data da decisão: 2018-02-09  IRS  
Valor do pedido: € 7.104,56
Tema: IRS – Mais-valias - regime transitório da categoria G (artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro) - data de aquisição dos bens.
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DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 26 de junho de 2017, A…, NIF…, residente na …, …, …, Lisboa, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando:

- A declaração de ilegalidade e a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, que correu termos pela Direção de Finanças de Lisboa, apresentada contra o ato de liquidação de IRS n.º 2015…, respeitante ao ano de 2014;

- A declaração de ilegalidade e a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2015…, respeitante ao ano de 2014. 

O Requerente juntou seis (6) documentos, requereu a prestação de declarações de parte e a produção de prova testemunhal. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, o Requerente alegou o seguinte:

Em 31 de outubro de 1974, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda de um prédio rústico, nos termos do qual ficou estabelecido o preço de 140.000$00, o qual foi integralmente pago nos termos contratualmente estabelecidos, ou seja, 139.000$00 aquando da celebração do contrato-promessa e 1.000,00 até 31 de outubro de 1975.

Com a assinatura do aludido contrato-promessa de compra e venda, o Requerente tomou posse efetiva do mesmo, passando a atuar como seu legítimo dono e possuidor, tendo, logo em 1974, iniciado ali a construção de uma moradia.

Assim, a partir daquela altura, o Requerente passou a atuar como verdadeiro proprietário do dito prédio, usufruindo-o e modificando-o sem prestar contas a ninguém, dado que a isso não estava obrigado.

Por constrangimentos legais vários e por factos que não lhe são imputáveis, apenas em 18 de abril de 2012 o Requerente celebrou a escritura pública de compra e venda através da qual adquiriu 285/27720 avos do aludido prédio rústico.

Posteriormente, em 16 de outubro de 2014, o Requerente e o seu falecido pai alienaram o referido prédio, pelo valor de € 70.000,00.

Por referência ao ano fiscal de 2014, o Requerente submeteu, tempestivamente, a respetiva declaração de rendimentos (Modelo 3) de IRS, onde declarou a mencionada alienação do dito prédio rústico, o que fez preenchendo o Anexo G pela simples razão de que, até ao termo do prazo legal de entrega da declaração não logrou encontrar os documentos que permitem demonstrar que a referida transação não se encontra sujeita a IRS.

Na sequência da entrega da mencionada declaração de rendimentos, a AT praticou o ato de liquidação de IRS controvertido, o qual foi “pago” na justa medida em que foi apurado imposto a reembolsar.

Em ulterior momento e uma vez descobertos os documentos que permitem demonstrar a realidade dos factos, o Requerente dirigiu-se à AT, através de reclamação graciosa, no sentido de repor a legalidade; contudo, a AT desconsiderou a verdade dos factos e manteve uma tributação injusta, excessiva e ilegal. 

Não sendo controvertido que a operação em causa, se realizada ao abrigo do Código do Imposto de Mais-Valias não era sujeita a tributação, importa determinar a data de aquisição, para efeitos tributários, do prédio rústico.

Ao contrário do que parece ser o entendimento da AT, o conceito de transmissão para efeitos fiscais não se confunde com a noção civilística; a transmissão fiscal assenta, sobretudo, nos efeitos económicos decorrentes da venda.

Ora, não subsistem dúvidas de que os lotes de terreno em causa foram “fiscalmente transmitidos” para o Requerente na data da celebração do contrato-promessa de compra e venda, com tradição dos bens.

Ainda que assim não se entenda, o ato de liquidação deverá ser anulado na justa medida em que o valor de aquisição sempre deverá ser corrigido através da aplicação do respetivo coeficiente de correção monetária, por referência ao ano de 1989, data em que a vivenda entretanto construída foi inscrita na matriz.

É, pois, manifesta a ilegalidade quer do ato de liquidação de IRS controvertido, quer da decisão da reclamação graciosa, por violação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. 

O Requerente alega, ainda, que existem outros vícios determinantes da anulação da decisão da reclamação graciosa, concretamente a decisão viola o disposto nos artigos 55.º, 60.º, n.º 7 e 77.º da LGT, 69.º do CPPT e 266.º da CRP.

            O Requerente propugna que da anulação do ato de liquidação deverá resultar o reembolso do valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal.

O Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

Termos em que, e no mais de direito, se requer a admissão do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para efeitos do RJAT, devendo o mesmo ser julgado totalmente procedente porque provado e, consequentemente, declarados ilegais o acto de liquidação de imposto contestados e, bem assim, declarado ilegal o despacho da Senhora Chefe de Divisão (em substituição), sendo, quer o acto de liquidação, quer o referido despacho, anulados em conformidade e reconhecido o direito do Requerente a Juros Indemnizatórios.

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 29 de junho de 2017.

            3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 11 de agosto de 2017, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 20 de setembro de 2017.

6. No dia 26 de outubro de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

O Requerente e seu pai, adquirentes do imóvel em causa, só adquiriram para efeitos fiscais em 18 de abril de 2012, aquando da celebração da escritura pública de compra e venda e pagamento de IMT e IS.

O Requerente não alega, nem comprova que tenha pago SISA no momento da celebração do contrato-promessa de compra e venda, em 1974, uma vez que havia lugar ao seu pagamento.

Mesmo concedendo que o Requerente estava na posse do imóvel, essa posse era meramente precária e de facto a transmissão da propriedade só correu em 18 de abril de 2012, com a celebração da escritura pública de compra e venda.

Assim, o Requerente, com a celebração do contrato-promessa, não adquiriu a propriedade do imóvel, ainda que tenha pago integralmente o preço e tenha entrado na posse do imóvel, uma vez que a aquisição válida de um imóvel estava, então, dependente da celebração de escritura pública, enquanto requisito de forma do respetivo contrato.

Por essa razão, apenas se pode considerar que a aquisição da propriedade do imóvel ocorreu em 18 de abril de 2012 com a compra através de escritura pública, pelo que o Requerente não está isento de mais-valias por alienação do imóvel em apreço, ocorrida no ano de 2014; efetivamente, a mais-valia não se encontra abrangida pelo regime transitório consagrado no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, de tributação de rendimentos da categoria G, em sede de IRS, porquanto a aquisição do imóvel foi efetuada após a entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1 de janeiro de 1989.

Relativamente ao alegado vício de falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, desde logo, resulta demonstrado que o Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance da liquidação e da decisão da reclamação graciosa sobre as quais recai o presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que fica demonstrado que a fundamentação é clara, suficiente, congruente e percetível.

Acresce que o Requerente não alega quais os factos novos que carreou em sede de direito de audição e que se tivessem sido analisados conduziriam a uma decisão necessariamente diferente; logo, não fica demonstrado nem que o Requerente carreou novos factos para o procedimento, nem que a decisão final deixou de analisar algum elemento que tivesse que ter analisado.  

Ademais, a decisão impugnada também está devidamente fundamentada no respeitante ao indeferimento da audição da testemunha arrolada pelo Requerente, sendo que não se reputa a prova testemunhal essencial, uma vez que, neste caso, não se constata uma verdadeira divergência entre Requerente e Requerida acerca da grande maioria dos factos em presença, estando sim em causa um juízo de Direito acerca dos mesmos.  

Efetivamente, a questão essencial a dirimir prende-se com o momento da aquisição da propriedade e essa questão é relevante para determinar o momento em que juridicamente e fiscalmente se transmitiu a propriedade do referido imóvel, para efeitos de tributação em IRS das mais-valias obtidas, mas não pode ser comprovado por prova testemunhal.

Em face do exposto, deve ser considerada improcedente a pretensão do Requerente, não lhe assistindo o direito ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.

A Requerida remata assim o seu articulado:

“Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

6.2. Na mesma data, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

7. No dia 19 de dezembro de 2017, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por reproduzida, cumprindo destacar a fixação do dia 20 de março de 2018, como data limite para a prolação da decisão arbitral.

8. Posteriormente, na sequência de requerimento apresentado pelo Requerente na predita reunião, o qual foi deferido, ao abrigo do disposto no artigo 421.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, foi junto aos autos um ficheiro áudio contendo os depoimentos prestados pelo aqui Requerente e pela testemunha por ele arrolada, E…, no âmbito do processo n.º 391/2017-T do CAAD.

9. Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.      

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Não há exceções ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO                      

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a) No dia 31 de outubro de 1974, foi celebrado um Contrato-Promessa de Compra e Venda entre C… (promitente vendedor) e B… (promitente comprador e pai do Requerente), tendo aquele prometido vender e este prometido comprar «2 (duas) parcelas de terreno não aprovadas, sitas na …, com as áreas de 280 m2 (duzentos e oitenta metros quadrados) e 290 m2 (duzentos e noventa metros quadrados), totalizando 570 m2 (quinhentos e setenta metros quadrados) e designadas pelos números 21 (vinte e um) e 22 (vinte e dois) duma planta particular levantada a esta propriedade». [cf. documento n.º 3 anexo à P. I.]

b) O mesmo Contrato-Promessa de Compra e Venda contém, ainda e entre outras, as seguintes cláusulas [cf. documento n.º 3 anexo à P. I.]:

«SEGUNDA – O preço de lotes acima referido é de Esc. 140.000$00 (cento e quarenta mil escudos), por conta do qual o promitente vendedor recebeu, neste acto, do(s) promitente(s) comprador(es), como sinal e principio de pagamento, a quantia de Esc. 139.000$00 (cento e trinta e nove mil escudos).

TERCEIRA – O pagamento do complemento do preço, Esc. 1.000$00 (mil escudos), será feito pelas seguintes letras: 1 (uma) letra de 1.000$00 (mil escudos) com vencimento em 31 de Outubro de 1975.

(…)

SEXTA – A escritura definitiva de compra e venda será celebrada quando o preço estiver completamente satisfeito e esteja em ordem a respectiva documentação.»    

c) Aquando da celebração daquele Contrato-Promessa de Compra e Venda, houve a tradição das parcelas de terreno prometidas vender para o respetivo promitente comprador (pai do Requerente).

d) O preço estipulado naquele Contrato-Promessa de Compra e Venda ficou integralmente pago em 31 de outubro de 1975. 

e) A celebração do referido Contrato-Promessa de Compra e Venda, com tradição das parcelas de terreno prometidas vender, não deu lugar à liquidação e pagamento de imposto de SISA.

f) O promitente comprador (pai do Requerente), após a celebração do aludido Contrato-Promessa de Compra e Venda, iniciou a construção de uma moradia nas parcelas de terreno prometidas vender.

g) Em 24 de agosto de 1989, B…, pai do Requerente, apresentou uma “Declaração para Inscrição ou Alteração de Inscrição de Prédios Urbanos na Matriz” (Modelo n.º 129) referente a um prédio de rés-do-chão, 1.º andar, anexo e logradouro, com a área coberta de 175,42 m2 e com a área descoberta de 437,08 m2, totalizando a área de 612,50 m2, localizado no …, Lote…, freguesia de …, concelho de …, indicando que se tratava de um prédio novo e inscrevendo o dia 31/07/1989 como a data de conclusão das obras. [cf. documento n.º 5 anexo à P. I.]   

h) No dia 18 de abril de 2012, foi celebrada uma escritura pública de compra e venda, pela qual o Requerente e seu pai adquiriram, pelo preço de € 698,32 (seiscentos e noventa e oito euros e trinta e dois cêntimos), 570/27720 avos indivisos do prédio rústico com a área de 27.720,00 m2, denominado …, sito em …, freguesia de …, concelho de …, descrito na … Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … da indicada freguesia e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … da Secção A. [cf. documento n.º 6 anexo à P. I.]

i) No dia 16 de outubro de 2014, foi celebrada uma escritura pública de compra e venda, pela qual o Requerente e seu pai venderam, pelo preço de € 70.000,00 (setenta mil euros), 570/27720 avos indivisos do prédio rústico composto de cultura arvense e oliveiras, com a área de 27.720,00 m2, sito em …, …, concelho de …, descrito na … Conservatória do Registo Predial de …  sob o n.º … da referida freguesia e inscrito na matriz predial da União das Freguesias de …, … e … sob o artigo … da Secção A. [cf. PA junto aos autos]

j) Em 27 de maio de 2015, o Requerente e sua mulher, D…, apresentaram a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, atinente ao ano de 2014 (identificada com o n.º …-2014-…-…), tendo declarado no respetivo Anexo G (Mais-valias e outros Incrementos Patrimoniais) a sua quota-parte (50%) na alienação onerosa mencionada no facto provado anterior, inscrevendo o montante de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) como valor de realização em 2014/10 e o montante de € 349,16 (trezentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos) como valor de aquisição em 2012/04. [cf. PA junto aos autos]

k) Em 26 de junho de 2015, foi efetuada a liquidação de IRS n.º 2015…, referente ao ano de 2014 e respeitante ao Requerente e sua mulher, da qual resultou o valor a reembolsar de € 4.774,39 (quatro mil setecentos e setenta e quatro euros e trinta e nove cêntimos), a qual lhes foi devidamente notificada e que aqui se dá por inteiramente reproduzida. [cf. documento n.º 2 anexo à P. I. e PA junto aos autos] 

l) No dia 18 de setembro de 2015, faleceu B…, pai do Requerente, tendo-lhe sucedido, como único herdeiro, o próprio Requerente. [cf. PA junto aos autos]

            m) Em 28 de dezembro de 2015, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da referida liquidação de IRS, o qual foi autuado, sob o processo n.º …2015…, no Serviço de Finanças de Lisboa-…, dando-se aqui por inteiramente reproduzido o respetivo requerimento inicial que o Requerente remata peticionando o seguinte [cf. PA junto aos autos]:

            «Pelo exposto, requer-se:

1 – Seja declarada a isenção de tributação das mais-valias decorrentes da venda do prédio em questão.

2 – A assim se não entender, a revisão oficiosa nos termos do art. 78.º da LGT, por injustiça grave e notória, e por haver uma tributação desfasada, já que no caso o Coeficiente de Desvalorização Monetária foi de 34,41 sobre os 140.000$00 (cento e quarenta mil escudos), o que dá um valor de aquisição de 24.029,00 € (vinte e quatro mil e 29 euros), e situando-se a mais valia na diferença entre este valor e os 70.000,00 € (setenta mil euros), incidindo o imposto a pagar, quer pelo falecido B…, quer pelo requerente, sobre a metade do resultado da operação atrás referida.

3 – A correcção, em conformidade, da declaração de IRS em causa respeitante quer a B…, quer ao requerente, A… .»

n) Em 25 de julho de 2016, por despacho da Chefe de Divisão (em substituição) da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, o mencionado pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS de 2014 foi convolado em reclamação graciosa. [cf. PA junto aos autos]   

o) Sequentemente, foi a reclamação graciosa autuada, sob o processo n.º …2016…, no Serviço de Finanças de Lisboa-…, remetida à Direção de Finanças de Lisboa e, uma vez realizada a instrução do processo, foi elaborado o respetivo Projeto de Decisão, o qual foi notificado ao Requerente – através do ofício n.º…, datado de 17 de janeiro de 2017, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada (registo dos CTT RD … PT) – com a finalidade de exercer, querendo, o direito de participação na modalidade de audição prévia. [cf. PA junto aos autos]    

p) O Requerente exerceu o direito de audição, em 31 de janeiro de 2017, nos termos constantes do respetivo requerimento constante do PA junto aos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzido. [cf. PA junto aos autos]

q) Por despacho de 20 de março de 2017, da Chefe de Divisão (em substituição) da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, a sobredita reclamação graciosa foi indeferida, nos termos e com os fundamentos propostos na Informação datada de 2017.02.20, a qual consta do documento n.º 1 anexo à P. I. e do PA junto aos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, importando destacar os seguintes segmentos que se transcrevem:

 

 

(…)

 

 

  • “(…) O ora reclamante declarou a mais-valia nos termos em que o fez pela simples razão de que nesse momento não possuía os meios de prova necessários para que pudesse declarar de acordo com a realidade dos factos.”
  • A inquirição da testemunha é elemento essencial para a descoberta da verdade material;
  • O bem imóvel em questão foi adquirido em 1974 e não em 2012, no entanto, “não foi possível celebrar a respetiva escritura, por constrangimentos legais e políticos”, tendo pago nessa data a totalidade do preço e tendo-lhe sido transmitida a posse do imóvel como verdadeiro proprietário, não se confundindo transmissão fiscal com transmissão civilística.

Após análise da referida exposição, verifica-se que o ora reclamante não alega fundamentos de facto e de direito suscetíveis de alterar o sentido da decisão, e que a questão da data relevante já se encontra sobejamente apreciada, tendo em conta os fundamentos legais invocados e a Jurisprudência e Doutrina acima referidas.

Assim, conforme escritura pública junta pelo ora reclamante, afere-se que a data de aquisição, neste caso, é a data da celebração do contrato definitivo de compra e venda.

Saliente-se ainda que, ainda que assim não se entendesse, também não se afere do contrato promessa de compra e venda junto a fls. 24 dos autos do procedimento de revisão oficiosa, que tenha havido posse/tradição do bem imóvel em causa nessa data, nem o ora reclamante juntou aos autos quaisquer documentos comprovativos de ter havido a posse/tradição do bem com a celebração do contrato promessa de compra e venda, designadamente, eventuais despesas e encargos referentes a esse imóvel por si suportados.

Realce-se que da prova testemunhal por si só não se pode aferir que tivesse sido outra a data de aquisição, encontrando-se comprovada, essa data, por escritura pública de compra e venda.»

q) O Requerente foi notificado, através do ofício n.º…, datado de 23 de março de 2017, da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada (registo dos CTT RD … PT), da decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa. [cf. documento n.º 1 anexo à P. I. e PA junto aos autos]         

r) Em 26 de junho de 2017, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes (designadamente pelo Requerente), cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no respetivo processo administrativo juntos aos autos e, ainda, nos depoimentos prestados pelo Requerente e pela testemunha por ele arrolada, E…– que reputamos claros, objetivos e isentos quanto aos factos sobre os quais recaíram, revelando inequívoco conhecimento direto dos mesmos, pelo que nos mereceram total credibilidade –, que corroboraram a factologia já comprovada por acordo e documentalmente, nada tendo aportado de substancialmente novo.

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III.2. DE DIREITO

Nos presentes autos está em causa (imediatamente) a impugnação da decisão de indeferimento da aludida reclamação graciosa e (mediatamente) a impugnação da liquidação de IRS controvertida.

O Requerente imputa ao dito ato decisório quer vícios formais, radicados na sua insuficiente fundamentação, na falta de ponderação dos argumentos aduzidos na audição prévia e na não produção da requerida prova testemunhal, quer vícios substanciais, emergentes da violação do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro e do artigo 50.º do Código do IRS.

No tangente ao ato de liquidação de IRS impugnado, o Requerente assaca-lhe os mencionados vícios de substância assestados contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa que o teve por objeto.

            Isto posto.

O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui o seguinte:

Artigo 124.º

Ordem do conhecimento dos vícios da sentença

  1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
  2. Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
  1. No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
  2. No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

Este preceito legal estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

Importando, contudo, ter presente que “apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação) – cfr., entre outros, o acórdão da 1.ª Secção do STA, proferido em 23.04.97, no processo n.º 35.367 –, tal regra não é, porém, absoluta, pois que pode acontecer que só a fundamentação possa revelar vícios de fundo mediante a clarificação do enquadramento factual e jurídico em que assentou o acto impugnado. Isto é, pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do acto se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de substância. Razão por que se tem reconhecido que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do acto possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito), por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o acto e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos pela 1.ª Secção do STA de 08.07.1993, no processo n.º 31.138, em 22.09.1994, no processo n.º 32.702, e em 20.05.1997, no processo n.º 40.433.” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17.11.2010, no processo n.º 01051/09, disponível em www.dgsi.pt).

No caso concreto, afigura-se inequívoco que nenhum dos vícios invocados pelo Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade dos atos controvertidos à luz dos critérios legais que os caracterizam, nem tão pouco o Requerente estabeleceu uma ordem de prioridade para esse conhecimento, pelo que a máxima eficácia na tutela dos seus interesses imporia, em princípio, o conhecimento prioritário dos alegados vícios de violação de lei em relação aos indicados vícios formais.

No entanto, seguindo o aresto supra citado, optamos pelo conhecimento prioritário dos apontados vícios de forma, desde logo, da deficiente fundamentação do ato de indeferimento da reclamação graciosa, pois alegando o Requerente, essencialmente, que o entendimento da AT enferma de erro nos respetivos pressupostos de facto e de direito quanto ao enquadramento da situação concreta em sede de IRS, o qual não pode proceder, pois tal consubstancia, desde logo, uma violação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, é mister concluir que o conhecimento deste vício substancial depende da prévia determinação da base fundamentadora do ato impugnado. Porquanto, a apreciação e eventual procedência dos invocados vícios de violação de lei depende do teor do discurso fundamentador do ato decisório da reclamação graciosa que é objeto (imediato) de impugnação, pois só ele pode fornecer a razão ou base legal que sustenta o ato, pelo que o conhecimento daqueles vícios resultaria coartado sem essa prévia revelação e clarificação do enquadramento em que o ato assentou.

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§1. DOS VÍCIOS FORMAIS DO ATO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

 

  1. DA (INSUFICIENTE) FUNDAMENTAÇÃO DO ATO

A este propósito, o Recorrente alega que “a decisão [da reclamação graciosa] não se encontra fundamentada em termos adequados e legalmente exigidos.”

A fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição, desde logo, constitucional (cf. artigo 268.º, n.º 3, da CRP), mas também legal (cf. artigo 77.º da LGT).

Contudo, como referem Paulo Marques e Carlos Costa (A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 68), ao contrário do que acontece no “texto constitucional (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição), em que se exige a fundamentação dos actos «quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos», em sede de procedimento tributário (artigo 77.º da LGT), não se entendeu restringir a exigência da fundamentação da decisão apenas aos actos desfavoráveis ao contribuinte, embora deva existir maior densidade da fundamentação nestes últimos casos.”

Como nos dão conta Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, pp. 675-676), no âmbito tributário, “o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no artigo 77.º da LGT.

Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que lavaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.

No presente artigo 77.º [da LGT] estende-se o dever de fundamentação a todas as decisões de procedimentos tributários, pelo que ela é obrigatória mesmo nas decisões favoráveis aos sujeitos passivos dos tributos.

Esta exigência compreende-se em face da pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto.”

Ainda segundo estes autores (ob. cit., p. 676), deve a fundamentação “consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”

Como preconiza Joaquim Freitas da Rocha (Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 113-114), a fundamentação – “que, em geral, abrange quer o dever de motivação (i. é, a exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, nomeadamente quando existirem espaços discricionários) quer o dever de justificação (ou seja, a referência ordenada aos pressupostos de facto e de direito que suportam essa mesma decisão)” – deve ser feita de forma oficiosa, completa, clara, atual e expressa, tendo em vista “permitir a um “destinatário normal” a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido prelo autor do acto para proferir a decisão. A falta destes requisitos – fundamentações incompletas, obscuras, abstractamente remissivas – bem assim como a falta da própria fundamentação, constitui ilegalidade, susceptível de conduzir à anulação do acto em causa, mediante meios graciosos ou contenciosos.”

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstrata e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um ato tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.

A este propósito, os nossos tribunais superiores têm vindo a decidir reiteradamente da forma que encontramos vertida no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 04.12.2012 no processo n.º 06134/12, disponível em www.dgsi.pt:

  “A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.

Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr. ac. S.T.J. 26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág. 57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág. 687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág. 139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr. por todos, ac. S.T.A-1.ª Secção, 6/2/90, A.D., nº. 351, pág. 339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr. art. 125.º do C.P. Administrativo).

Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr. ac. S.T.A.-2.ª Secção, 13/7/2011, rec. 656/11; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).

Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).”

Como um exemplo mais recente desta mesma corrente jurisprudencial, temos o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 28.09.2017 no processo n.º 578/13.9BEALM, disponível em www.dgsi.pt:

“Importa não perder de vista, como a jurisprudência reiteradamente tem afirmado, que a elevação à categoria de garantia do contribuinte do dever de fundamentação facilmente se percebe quando atentamos nos objectivos deste instituto, quer se trate do propósito de pacificação das relações entre a Administração e o administrado, quer na perspectiva da defesa do contribuinte, quer, ainda, tendo em vista o próprio autocontrole da Administração.

Na verdade, um contribuinte conhecedor dos motivos do acto praticado pode convencer-se da sua justeza e aceitá-lo ou, conhecendo os motivos e deles discordando, pode atacar o acto pondo em crise os seus fundamentos e, ainda, tal dever funcionará como forma de a própria Administração se autofiscalizar em resultado da reflexão e ponderação sobre os motivos que estão na origem do acto (entre muitos arestos, veja-se o acórdão do TCAN de 17/05/12, proc. n.º 137/02-Porto).

É certo que, em muitos casos, a garantia de fundamentação fica cumprida ainda que seja efectuada de forma sumária, através de uma declaração de concordância com anteriores informações, pareceres ou propostas. Contudo, e em matéria tributária, tal dever de fundamentação (embora nem sempre com o mesmo grau de exigência) deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.

Efectivamente, a fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser clara (as razões de facto e de direito não podem ser confusas ou ambíguas, sob pena de não se dar a conhecer o que determinou o agente a praticar o acto ou a escolher o seu conteúdo), congruente (o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados) suficiente (por forma a tornar claros os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto) e tem que ser expressa (sob pena de pôr em causa a funcionalidade e objectivos do próprio instituto) - entre muitos outros, vejam-se os acórdãos de 12/03/13, processo n.º 01674/13, do STA e o acórdão do TCAS de 26/06/14, processo n.º 5778/12.”

No especificamente concernente à fundamentação de direito, o Supremo Tribunal Administrativo “tem decidido que, para que a mesma se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível – entre tantos outros, os acórdãos proferidos pela 1ª Secção do STA em 27/02/1997, em 17/05/1998, e em 28/02/2002, nos processos n.º 36.197, 32.694 e 48071, respectivamente.”[1]

Volvendo ao caso dos autos e uma vez compulsado o teor da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em apreço, resulta meridianamente evidente que a mesma se encontra devidamente fundamentada quer de facto, quer de direito, pois descreve detalhadamente toda a factualidade em análise e procede à respetiva subsunção ao quadro normativo que reputa aplicável, o qual é expressamente enunciado (cf. facto provado p)), não se descortinando pois qualquer ambiguidade, imprecisão ou insuficiência nessa fundamentação. Se o fez bem, ou mal, é já questão que ultrapassa o cumprimento do dever formal de fundamentação.

Com efeito, resulta claro que, com razão ou sem ela, a AT explicitou o percurso argumentativo – de facto e de direito – que a levou a concluir nos termos em que o fez, ou seja, pugnando pela sujeição a IRS dos ganhos obtidos pelo Requerente com a alienação do mencionado imóvel.

Naturalmente que pode o Requerente não concordar com o entendimento em que aquela decisão se baseia – e isso resulta claro quer da reclamação graciosa previamente apresentada, quer do alegado no pedido de pronúncia arbitral –, mas é a sua invocação da sua interpretação do bloco normativo aplicável in casu que nos demonstra que o Requerente percebeu bem a decisão e os respetivos fundamentos que levaram à sua prolação, fundamentos com os quais, repete-se, não concorda.

Destarte, a decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa não padece do apontado vício formal, mostrando-se devida e suficientemente fundamentada.

 

  1. DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 60.º, N.º 7, DA LGT

Esta é uma questão que entronca na anterior[2], alegando o Requerente que no exercício do direito de audição, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, “referenciou aspectos novo e cuja análise é determinante para a boa decisão do caso concreto”, tendo “invocado abundante jurisprudência administrativa, por si só determinante de decisão em sentido distinto”, sem que a AT haja promovido “qualquer análise crítica do direito de audição exercido, limitando-se a afirmar que não foram carreados elementos novos para o procedimento”.  

O artigo 60.º, n.º 7, da LGT, determina que [o]s elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

Como afirmam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita Editora, Lisboa 2012, p. 513), em anotação ao citado preceito legal: “… se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão.

A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (…).

A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados.

A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento.”

Como observam Saldanha Sanches e João Taborda da Gama (“Audição-Participação-Fundamentação: A co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária”, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 295, apud Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 77 e 78), tendo como pano de fundo a citada norma legal, “há uma fundamentação dialógica num duplo sentido: mediante os factos novos alegados pelo sujeito passivo, a Administração fiscal realiza um processo cognitivo que vai enriquecer a sua posição (quais são as razões do sujeito passivo?; corresponderão as razões alegadas às razões verdadeiras?; são, ou não, os interesses por si alegados dignos de tutela jurídica?); por outro lado, o registo do diálogo entre a Administração e o sujeito passivo permite uma clarificação reforçada das razões de agir da Administração, o que tem como efeito impedir que esta possa ocultar os reais fundamentos (ou a ausência de fundamentos) da sua actuação.”

No plano jurisprudencial, encontramos, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 23.01.2016 no processo n.º 039/16, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu o seguinte: “Porque a actividade da AT no âmbito do concreto procedimento tributário é estritamente vinculada, estando sujeita ao princípio da legalidade tributária consagrado no artigo 8º da LGT, não podendo, por isso, reger-se por regras de oportunidade ou conveniência, nem sequer de discricionariedade técnica, antes se impondo que toda a actuação se processe de acordo com as concretas regras e princípios fiscais aplicáveis ao caso concreto, surge-nos o vício de forma, falta de audição prévia, como um vício secundário, ao qual não deve ser reconhecido relevo invalidante caso se conclua pela conformidade legal da actuação da AT. E mesmo que se conclua por tal desconformidade, quer total, quer parcial, também não assume tal vício procedimental aquela característica uma vez que o mesmo não se sobrepõe à força própria dos vícios de substancia, por serem estes os determinantes para conformar a actividade da administração ao direito constituído.”; e, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 17.10.2013, no processo n.º 05354/12, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que [n]a fundamentação do acto tributário a Administração está obrigada a ponderar os novos argumentos que eventualmente tenham sido aduzidos pelo contribuinte na audiência prévia e a explicitar as razões pelas quais entende não lhe conceder relevância, sob pena do acto se converter numa manifestação de abuso e arbitrariedade. Não está assim fundamentado um acto que se limita a referir, quanto às novas questões e argumentos invocados pelo contribuinte em sede de audiência prévia, que “face aos elementos enviados e após análise é de manter as correcções efectuadas”.”

Volvendo ao caso concreto, cotejando as pertinentes peças integrantes do procedimento de reclamação graciosa – requerimento inicial, projeto de decisão, requerimento do ora Requerente, apresentado no exercício do direito de audição, e decisão final –, concluímos, salvo o devido respeito, quer que o Requerente nada aportou, efetivamente, de substancialmente novo (quer de facto, quer de direito) a exigir uma especial análise e particular pronúncia por parte da AT, quer que a AT teve em consideração, de forma que julgamos adequada e suficiente, o expendido pelo ora Requerente naquele seu articulado procedimental (cf. facto provado p)).

 Nessa medida, tendo a AT exteriorizado convenientemente a sua posição concreta, o seu raciocínio, em suma, o caminho lógico percorrido e que esteve na base da decisão de desconsiderar os argumentos do ora Requerente, não pode deixar de (também aqui) entender-se que o ato decisório em apreço está fundamentado, tendo, (como já se disse) o Requerente manifestamente compreendido as razões da decisão.

Assim, também neste conspecto, soçobra a alegada/imputada deficiente fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo sido pois observado o disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT.

 

  1. DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 69.º, ALÍNEA F), DO CPPT

O Requerente insurge-se contra a não inquirição, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, da testemunha por ele arrolada, alegando que tal não se compreende em virtude de o respetivo depoimento ser “essencial para a descoberta da verdade material, dado que a escritura apenas titula uma realidade jurídica e não necessariamente a realidade dos factos – como sucede no caso em apreço”, pelo que se impunha “a inquirição da testemunha arrolada cujo conhecimento, directo, dos factos é essencial à descoberta da verdade material e correcta aplicação do direito.”

            A análise desta questão convoca o artigo 69.º do CPPT, cuja alínea f) estatui, como uma das regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa, a [l]imitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material”.

            Em anotação a esta disposição legal, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (ob. cit., p. 636) explanam o seguinte entendimento: “A limitação dos meios de prova à documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham não obsta à realização das diligências complementares que o órgão instrutor ordenar, o que está em sintonia com o princípio do inquisitório que vigora na generalidade dos procedimentos tributários, e que obriga à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, sem subordinação à iniciativa do requerente (art. 58.º da LGT). (…)

Por isso, a omissão da realização das diligências que forem indispensáveis para a descoberta da verdade, constituirá vício procedimental que, repercutindo-se no acto de decisão da reclamação graciosa, acarreta a sua anulabilidade.

Neste contexto, existindo o referido dever, não há qualquer obstáculo a que o próprio reclamante requeira ou sugira a realização das diligências que considere indispensáveis para a descoberta da verdade, o que imporá à Administração Tributária o dever de se pronunciar expressamente sobre a alegada indispensabilidade da sua realização, se não antes, pelo menos na decisão final (…).”

             Neste enquadramento, temos que a falta de diligências reputadas necessárias para a construção da base fática da decisão afetará esta quer na hipótese de serem obrigatórias (por violação do princípio da legalidade), quer se a materialidade dos factos considerados não estiver comprovada ou se faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a AT deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto).

            No caso sub judice, constatamos que quer em sede de reclamação graciosa, quer no âmbito deste processo arbitral, inexiste qualquer dissenso entre as Partes quanto à factualidade em apreço, uma vez que a AT não questiona, nem tão pouco impugna nenhum dos aspetos fáticos – designadamente, os essenciais (celebração do contrato-promessa de compra e venda com tradição do imóvel e respetiva data, pagamento do preço e respetivas datas, construção de uma moradia no terreno, celebração da escritura de aquisição e respetiva data, celebração da escritura de alienação e respetiva data e as diversas declarações fiscais que foram apresentadas pelo Requerente e seu pai) – que são alegados pelo Requerente e que permitem quer reconstruir, procedimental e processualmente, a situação concreta, quer fazer a sua subsunção ao bloco normativo aplicável, os quais estão, aliás, suportados documentalmente.

            Ademais, o Requerente não explicita, em momento algum e de forma circunstanciada, qual a razão pela qual sustenta que a produção de tal prova testemunhal consubstancia uma diligência complementar manifestamente indispensável à descoberta da verdade material, designadamente apontando factos que reputa controvertidos ou que considera que não resultam devida e cabalmente explicitados/comprovados pela profusa documentação junta aos autos. 

            O que opõe verdadeiramente as Partes, constituindo o epicentro do seu dissenso, é pois uma pura questão de direito, consubstanciada na diferente interpretação que Requerente e Requerida fazem das normas legais aplicáveis e sequente aplicação ao caso concreto.

Assim sendo, não é defensável que a inquirição da dita testemunha se afigurava, em sede de reclamação graciosa, uma diligência complementar manifestamente indispensável à descoberta da verdade material inerente ao caso concreto, pois, para além de a AT não questionar a factologia ali alegada pelo Requerente, então (como agora) o que importava descortinar era, tão só, se este se enquadra, ou não, na norma do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.        

Por isso, tem necessariamente de improceder este vício procedimental que é assacado à decisão da reclamação graciosa.  

*

§2. DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5.º, N.º 1, DO DECRETO-LEI N.º 442-A/88, DE 30 DE NOVEMBRO

            Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias.

E estas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, são constituídas pelos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

Por sua vez, o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, diploma que aprovou o Código do IRS, estabelece, no seu n.º 1, um regime transitório, nos termos do qual os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-Valias (IMV), criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efetuado depois da entrada em vigor do Código do IRS; nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do Código do IRS.

Ora, o artigo 1.º do revogado Código do IMV dispunha que o imposto incidia sobre os ganhos realizados através de, entre outros atos, transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valias previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2 030, de 22 de junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de maio de 1958, e que não tivessem a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.

Já nos termos do § 2.º deste mesmo artigo 1.º do Código do IMV, eram havidos como terrenos para construção “os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo”.

A este propósito, foi afirmado o seguinte no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 9 de novembro de 2005 no processo n.º 0733/05, disponível em www.dgsi.pt: “O art. 1º do CIMV determinava a incidência do imposto de mais-valias sobre os ganhos realizados pela transmissão onerosa de terrenos para construção, considerando como tal os situados em zonas urbanizadas ou abrangidas por planos de urbanização já aprovados, bem como os assim declarados no título aquisitivo. O que se pretendia tributar com tal imposto, no dizer do preâmbulo do código, eram só “as valorizações ocasionais”, os “ganhos trazidos pelo vento”, isto é, os anormais ganhos que a transmissão dos terrenos para construção traziam para o beneficiário e que eram exteriores à sua actividade. Como referia Galhardo Simões, citado no acórdão nº 21702 deste Supremo Tribunal Administrativo, este tipo de imposto elege, como capacidade contributiva economicamente relevante, os ganhos de capital realizados através dos factos taxativamente eleitos no artigo, deixando de fora outros casos de ganhos de capital. O que o legislador pretendeu tributar foram os ganhos resultantes da construção urbana que, pela sua grande expansão, subiam consideravelmente e com grande rapidez. Por isso se tem entendido em variados acórdãos que o termo “construção” sobre que o imposto incide só abrange as destinadas a fins habitacionais, comerciais ou industriais.”

No mesmo sentido, ficou dito no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, prolatado em 6 de junho de 2007 no processo n.º 0179/07 (disponível em www.dgsi.pt), que a não tributação em IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que à data da entrada em vigor do Código do IRS eram qualificados como terrenos agrícolas (citado artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88) compreende-se “pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.

Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103.º, n.º 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/90, de 20-6-1990, processo n.º 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 207), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias”.

Destarte, por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, os ganhos que não eram sujeitos ao IMV só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efetuado após a entrada em vigor do Código do IRS, em 1 de Janeiro de 1989; ou seja, caso um bem tenha sido adquirido antes de 1 de janeiro de 1989 e alienado já na vigência do Código do IRS, o mesmo não estará sujeito a tributação pela categoria G, caso o não estivesse face ao Código do IMV.

Isto posto e volvendo à situação sub judice, deparamo-nos com uma questão que, além de complexa, se afigura crucial para efeitos de interpretação do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro: a determinação do momento em que, para efeitos fiscais, se pode considerar que o Requerente adquiriu o direito de propriedade sobre o imóvel supra referido no probatório, ou seja, importa concretamente apurar se aquele imóvel se pode considerar, ou não, adquirido pelo Requerente antes da entrada em vigor do Código do IRS.

A controvérsia subjacente a este processo arbitral reside, precisamente, na resposta a dar a essa questão: enquanto o Requerente propugna que o referencial quanto ao momento de aquisição do imóvel deve ser a celebração do mencionado contrato-promessa de compra e venda, com a respetiva tradição do imóvel, em 31 de outubro de 1974, a Requerida entende que a aquisição do imóvel apenas ocorre com a celebração da aludida escritura pública de compra e venda, em 18 de abril de 2012.

O citado artigo 5.º não dá uma resposta direta àquela questão, sendo que, consoante já se referiu, a ratio legis daquela norma legal foi evitar que o novo regime de tributação de ganhos obtidos com a valorização de prédios rústicos tivesse efeitos retroativos. Com o novo Código do IRS, todas as transmissões onerosas de imóveis passaram a ser tributadas como rendimentos da categoria G (incrementos patrimoniais), incluindo alienações que até aí não estavam abrangidas pelo revogado Código do IMV. Para evitar a retroatividade do novo regime, estabeleceu-se que para serem tributadas tais transmissões era necessário que os bens abrangidos fossem adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com exceção daqueles que já eram antes tributados por força do Código do IMV, ou seja, os terrenos para construção, os quais passariam agora a ser tributados nos termos do Código do IRS.

A data da aquisição dos bens ou direitos é, portanto, o que releva para efeitos do regime transitório consagrado no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Nessa perspetiva, importa então dilucidar o que pretende o legislador significar com a referência à aquisição dos bens.

Adiantamos, desde já, que constitui nosso entendimento que quando o legislador alude à aquisição dos bens está a referir-se à aquisição da propriedade dos bens e não à posse[3] que é, como estatui o artigo 1251.º do Código Civil, o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

Relativamente ao momento da aquisição do direito de propriedade, em regra, aquela dá-se por mero efeito do contrato, como decorre das disposições conjugadas dos artigos 1317.º, alínea a) e 408.º, n.º 1, ambos do Código Civil.

No entanto, no caso dos contratos de compra e venda de imóveis, o artigo 875.º do Código Civil, na redação à data dos factos, estipulava uma exceção, fazendo depender a validade desses contratos da celebração de escritura pública, pelo que, ao contrário do invocado pelo Requerente, a propriedade do imóvel não lhe foi transferida em 1974. Porquanto, a aquisição de um bem imóvel por contrato de compra e venda só era então válida se fosse celebrada por escritura pública, pelo que o Requerente nada adquiriu com a celebração do aludido contrato-promessa de compra e venda, ainda que tenha pago integralmente o preço e tenha entrado na posse do imóvel, pois a aquisição válida de um imóvel estava, naquela época, dependente de um requisito de forma do contrato: a celebração de escritura pública.

Assim sendo, apenas com a outorga da escritura pública de compra e venda, no dia 18 de abril de 2012, é que o Requerente adquiriu validamente o imóvel em questão.

Acresce que a norma transitória em apreço é ponto de referência para um outro recorte: não estão sujeitos ao IRS os ganhos das alienações de prédios rústicos que não seriam sujeitas ao IMV se tivessem sido efetuadas antes da entrada em vigor do Código do IRS.

Ora, se em 1 de janeiro de 1989 o alienante não podia transmitir validamente o prédio, também não poderiam existir ganhos que, pela proibição constitucional da retroatividade, tivessem que ficar subtraídos ao novo imposto. Daí que a expressão normativa “aquisição de bens e direitos” tenha que ser interpretada no sentido de aquisição que legitime ao titular poder dispor validamente do bem ou direito adquirido, assim se compreendendo a exigência de que a aquisição do bem ou do direito alienado tenha ocorrido antes de 1 de janeiro de 1989. Com efeito, só nessa situação é que se impõe assegurar a confiança e expetativa jurídica do contribuinte em dispor do prédio sem que os ganhos obtidos estejam sujeito a imposto. 

Destarte, se a alienação não pode ser realizada antes de 1 de janeiro de 1989, também não se coloca a questão da aplicabilidade do citado artigo 5.º que, conforme se disse, só tem razão de ser para as alienações que, se fossem efetuadas antes daquela data, não estariam sujeitas a mais-valias. 

No caso dos autos – tendo presente que, entre nós, não vale a regra “posse vale título” e, por outro lado, que o facto tributável não é a aquisição, mas os ganhos obtidos com a transmissão onerosa do dito imóvel –, era necessário que o Requerente, em 1 de janeiro de 1989, tivesse legitimidade para transferir validamente o direito de propriedade sobre o prédio possuído. Ora, face à factualidade que resultou provada e atento o acima dito, não se pode admitir que naquela data o Requerente estivesse munido de um título idóneo para transmitir o direito de propriedade sobre o mencionado prédio. E, por isso, também não poderiam existir quaisquer ganhos que, em razão da data de aquisição, tivessem que ficar excluídos de tributação. 

Atento o supra exposto, podemos, pois, concluir que, para efeitos do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, a aquisição a que se refere aquele preceito legal e que legitima o Requerente a dispor validamente do imóvel adquirido verifica-se com a outorga da escritura pública de compra e venda em 18 de abril de 2012.

Consequentemente, o ganho em causa nos autos não se encontra abrangido por aquele regime transitório de tributação de rendimentos da categoria G em sede de IRS, pois estamos perante uma aquisição efetuada após entrada em vigor do Código do IRS (1 de Janeiro de 1989).

Improcede, assim, o apontado vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, pelo que os ganhos em causa nestes autos, resultantes da alienação do sobredito imóvel, estão sujeitos a tributação em IRS (categoria G).

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            §3. DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 50.º DO CÓDIGO DO IRS

O Requerente alega, ainda, que o “acto de liquidação deverá ser anulado na justa medida em que o valor de aquisição sempre deverá ser corrigido através da aplicação do respectivo quociente de correcção monetária, por referência ao ano de 1989, data em que a vivenda entretanto construída foi inscrita na matriz.”

O artigo 50.º do Código do IRS, na redação à data dos factos, estatuía o seguinte:

Artigo 50.º

Correção monetária

  1. O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados mediante portaria do Ministro das Finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação.
  2. A data de aquisição de aquisição é a que constar do título aquisitivo, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
  1. Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 46.º, é a data relevante para efeitos de inscrição na matriz;
  2. No caso previsto no artigo 47.º, é a data da transferência.”

Os coeficientes de desvalorização da moeda a aplicar aos bens e direitos alienados durante o ano de 2014, cujo valor deva ser atualizado nos termos do artigo 50.º do Código do IRS, para efeitos de determinação da respetiva matéria coletável, são os constantes do quadro anexo à Portaria n.º 281/2014, de 30 de dezembro, importando aqui destacar que, para aquisições efetuadas no ano de 1989, foi determinado um coeficiente de 2,49 e, para aquisições efetuadas no ano de 2012, foi previsto um coeficiente de 1,00.

   Ora, resultou provado que foi tido em conta na liquidação de imposto controvertida e, portanto, no cálculo do imposto a pagar, o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,00 (cf. facto provado q)), tendo por base o ano de 2012 como data de aquisição, o que se afigura correto, por ser esta a data em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda, referenciada no facto provado h), que constitui o título aquisitivo a ter em consideração. Com efeito, resulta do confronto dos factos provados h) e i) que o que foi alienado pelo Requerente e seu pai, em 2014, foi exatamente o mesmo imóvel que foi por eles adquirido em 2012: 570/27720 avos indivisos do prédio rústico com a área de 27.720,00 m2, denominado …, sito em …, freguesia de …, concelho de …, descrito na … Conservatória do Registo Predial  … sob o n.º … da indicada freguesia e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … da Secção A”; ou seja, nenhuma menção é feita a qualquer construção edificada sobre aquele terreno, designadamente a dita moradia construída pelo pai do Requerente, pelo que não importa aqui convocar as normas do artigo 46.º, n.º 3 e 50.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRS, na redação à data dos factos, a fim de ter em consideração, como ano de aquisição, o ano de 1989.

Nesta conformidade, também este vício de violação de lei é julgado improcedente.

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Atenta a improcedência de todos os vícios alegados pelo Requerente e, portanto, a improcedência das peticionadas declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do ato de liquidação de IRS controvertidos, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos peticionados reembolso de imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios. 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido; 
  2. Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de 7.104,56 (sete mil cento e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

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Lisboa, 9 de fevereiro de 2018.

 

O Árbitro,

 

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 



[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17 de novembro de 2010, no processo n.º 01051/09, disponível em www.dgsi.pt.

[2] Aliás, poderia até ter sido tratada no ponto anterior; porém, por uma questão metodológica e em benefício da clareza da decisão, optámos por tratá-la autonomamente.

[3] Tal como decidido nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 30.01.2013 no processo n.º 01072/12 e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 24.09.2015 no processo n.º 06704/13 (disponíveis em www.dgsi.pt), arestos de que nos louvamos e que seguiremos de perto.