Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 467/2017-T
Data da decisão: 2018-04-26  IRC  
Valor do pedido: € 59.333,70
Tema: IRC – RETGS - sociedade dominante não residente - competência do Tribunal Arbitral.
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Decisão Arbitral

 

          A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 9 de Novembro de 2017, acorda no seguinte:

 

I.     RELATÓRIO

 

          A sociedade A… pessoa colectiva n.º…, com sede social na …, …, …, adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição do Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação do despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de …, por delegação, datado de 2017/05/08, que indeferiu a Reclamação da Autoliquidação do IRC de 2014.

 

          Para fundamentar o seu pedido, considera a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

  1. Por referência ao período de tributação de 2014, a ora Requerente era a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado conforme o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), e composto apenas por si e pela sociedade B…, S.A., com sede em …;
  2. Assim, em Portugal, a composição do perímetro do RETGS por referência ao período de tributação de 2014 era constituído pela Requerente (A…) e pela B…;
  3. Sucede que a Requerente é diretamente detida em 99,99% do seu capital social pela E…, (E…), sociedade comercial residente para efeitos fiscais em França, a qual, por seu turno, é detida indiretamente por uma sociedade residente para efeitos fiscais em França – C… S.A., (C… SA);
  4. Por seu turno, a Sociedade C… SA detinha durante o período de tributação de 2014 (e ainda detém) indiretamente uma sociedade residente para efeitos fiscais em Portugal - a sociedade D…, Lda. (D…);
  5. Assim, a Requerente entende que por referência ao exercício de 2014, a composição do perímetro do RETGS para efeitos de apuramento do IRC, deveria integrar para além da Requerente e da B…, a empresa D…, fiscalmente, residente em Portugal, detida a 100% pela sociedade C… SA, residente em França;
  6. No entanto, a lei interna à data não permitia a integração desta sociedade (D…) no RETGS, uma vez que a sociedade dominante não era residente em território português para efeitos fiscais;
  7. Neste contexto, em 13/10/2015 a Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2014, declarando como soma algébrica dos resultados fiscais do grupo um lucro tributável no montante de € 2.480.936,15, apurando um imposto a pagar de € 210.998,71 que foi tempestivamente pago;
  8. No entanto, uma vez que no seu entendimento a referida autoliquidação não se encontra correta, a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação que foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Leiria;
  9. Assim, defende que o Despacho de Indeferimento da AT é ilegal, pois ao excluir do RETGS as sociedades residentes em Portugal cuja detenção é feita através de sociedades não residentes, embora residentes na União Europeia (UE) por aplicação do disposto no artigo 69.º n.º 3 e n.º 4 al. f), na versão à data em vigor, contraria a jurisprudência e a legislação europeia, violando o princípio da Liberdade de Estabelecimento previsto no artigo 43.º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE)    

 

 

 

          Por seu turno, a AT apresentou resposta, concordando com a factualidade e defendendo-se por exceção e por impugnação, invocando em síntese:

 

Por exceção:

 

  1. Incompetência material do Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, por a questão central nos autos se traduzir no reconhecimento de um direito.

 

A AT defende que a Requerente pretende obter o reconhecimento de um direito que, nos termos previstos na legislação em vigor no ordenamento jurídico nacional, não lhe assistia à data dos factos, traduzido na “correção da autoliquidação do IRC de 2014, de modo a que no apuramento do lucro tributável da Requerente como sociedade dominante do grupo, sejam incluídas no RETGS todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas, direta e indirectamente, pela sociedade dominante C… .

Ora, admitir-se que o Tribunal Arbitral tem competência para a apreciação deste pedido representaria, salvo o devido respeito, a substituição do presente Tribunal Arbitral nas competências próprias da AT.

Nem em sede de ação administrativa especial, meio processual no qual se prevê a condenação da administração à prática de um ato devido, (vide. arts. 66º e segs. do CPTA), se permite ao Tribunal Judicial ir tão longe, não podendo o Tribunal determinar o conteúdo da conduta a adoptar, apenas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração.

Por conseguinte, a pretensão jurídica formulada pela Requerente reconduz-se ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um ato devido, que não poderão ser obtidos por esta via.

A AT conclui que não está em causa a apreciação de um qualquer ato de liquidação, mas antes, de um pretenso e hipotético direito que é sempre prévio a tal liquidação, não sendo o Tribunal Arbitral competente para apreciar o indeferimento da reclamação graciosa que nega o reconhecimento de tal direito.

 

  1. Ilegitimidade da Requerente por falta de litisconsórcio necessário

 

A este respeito a AT alega que a Requerente pretende que lhe seja reconhecido o direito a ser tributada segundo o RETGS em que a sociedade dominante do grupo seria uma outra sociedade, de direito francês, a C… SA, a qual cumpre os requisitos para que lhe seja reconhecido o direito a ser incluída no RETGS, na qualidade de sociedade dominante. Contudo, sendo essa sociedade não residente, a Requerente não refere sequer ser sua representante para efeitos de aplicação de tal regime.  

Acresce que é a sociedade mãe ou a sua representante que deve entregar a Mod. 22 consolidada do grupo.

Assim sendo, não figurando a C… SA no presente pedido de pronúncia arbitral como Autora ou Requerente, qualquer decisão a proferir no presente processo sempre careceria de efeito útil.

E conclui a AT referindo que “tratando-se do pedido de reconhecimento de um grupo a ser tributado de acordo com o RETGS e sendo certo que é a sociedade mãe que apresenta a declaração Mod. 22 do grupo, a lei exige a intervenção de todas para que a decisão judicial tenha efeito útil e vincule todas as partes”.

Donde por falta de litisconsórcio necessário, a Requerente é parte ilegítima o que determina a absolvição da AT da instância.

 

          A AT apresentou também defesa por impugnação invocando, em síntese, o seguinte:

 

  1. O RETGS recorta-se no modelo de integração fiscal, ou seja, de agregação dos resultados fiscais (lucro tributável ou prejuízo fiscal) apurados individualmente por cada sociedade do grupo;
  2. Sendo um regime especial é de aplicação opcional, devendo a opção ser comunicada através da submissão de declaração de alterações até ao final do 3.º mês do período de tributação em que se pretende iniciar a aplicação (nos termos da alínea a) do n.º 7 do art.º 69.º do Código do IRC e todas as sociedades constituintes devem satisfazer os requisitos enunciados nos números 3 e 4 do referido artigo 69.º);
  3. Nenhuma das sociedades formulou a opção pelo início da aplicação do RETGS, até ao final do 1.º trimestre do período de tributação de 2014;
  4. A Requerente submeteu individualmente, reclamação graciosa, referente ao exercício de 2014, sendo certo porém que inexiste qualquer erro dos serviços, na medida em que a liquidação com base na matéria coletável do grupo, depende do preenchimento de uma exigência formal traduzida no exercício de uma opção no prazo legal fixado;
  5. A Jurisprudência da União Europeia invocada pela Requerente não tem valor constitutivo, mas puramente declarativo, não tem efeito retroativo nem as situações em que foi proferida são exatamente iguais à situação sub judice;
  6. Assim, a interpretação fornecida pela jurisprudência do TJUE apenas será vinculativa no processo em que o TJUE foi solicitado a pronunciar-se;
  7. E, mesmo que assim não fosse, sempre teria que se ter em atenção que, no caso da Requerente, o acesso à aplicação do RETGS depende e dependia (em 2014) da formulação de uma opção que não foi efetivada por nenhuma das sociedades em devido tempo, nem pela Requerente, nem pela Sociedade dominante C… SA;
  8. Caso tivessem exercido tal opção desencadearia uma resposta da AT, a qual em caso de desacordo, poderia ter sido contestada judicialmente;
  9. Não é de aplicar ao caso em apreço nem a jurisprudência da União Europeia nem a jurisprudência do CAAD, uma vez que ambas versam sobre situações distintas da aqui em apreço;
  10. Devendo, assim, improceder o pedido de pronúncia arbitral, por falta de fundamento legal. 

 

          Notificada para o efeito, a Requerente apresentou em 10 de Janeiro de 2018 a sua Resposta às exceções alegadas pela AT tendo aí pugnado (i) pela competência material do Tribunal Arbitral para o pedido de pronúncia subjacente, e (ii) sustentado a legitimidade da Requerente para a apresentação do mesmo.

          Relativamente à primeira exceção, a Requerente nota, em suma, que se a AT aceitou apreciar o pedido de Reclamação Graciosa é porque de facto reconhece que o que aqui está em causa é uma questão de legalidade do ato de autoliquidação. Sem prejuízo, reitera que a Requerente não pretende, nem solicita o reconhecimento de um direito.

          O que está em causa é que a autoliquidação de IRC do exercício de 2014 é manifestamente ilegal (e consequentemente o Despacho de Indeferimento) porque foi efectuada com base numa disposição legal – entenda-se artigo 69.º do CIRC – que era ilegal por violar o Direito Comunitário.

          Assim, pretende-se aferir se o artigo 69.º do CIRC, em vigor à data dos factos, violava, ou não, o Direito Comunitário. Ora, a verificar-se que existe violação – tal como foi claramente demonstrado na petição inicial – então outra conclusão não se poderá retirar que não seja a da ilegalidade do disposto no artigo 69.º do CIRC e de todos os atos tributários que foram emitidos em cumprimento do que aí estava estipulado.

          Assim, e ao contrário do que alega a AT o que aqui está em causa é a ilegalidade do ato de autoliquidação e do Despacho de Indeferimento, já que ambos resultam da aplicação e da interpretação de uma disposição legal que é claramente violadora do Direito Comunitário.

          Relativamente à segunda exceção de ilegitimidade, refere, em suma, que a mesma nunca foi suscitada pela AT em sede de análise do pedido de revisão oficiosa, pelo que não pode a AT fazê-lo em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral.

          Entende ser contraditório que a AT considere que a Requerente tem legitimidade para apresentar a Reclamação da Autoliquidação, mas a mesma AT entenda que a Requerente não tem legitimidade para deduzir o pedido de pronúncia arbitral do Despacho que indeferiu essa mesma Reclamação da Autoliquidação.

          Sem prejuízo salienta também que o formalismo legal da “sociedade dominada designada” só passou estar previsto, e como tal só poderia ser cumprido, após a entrada em vigor do disposto no artigo 69.º- A do CIRC. Antes dessa data não era possível, formalmente, que C… SA entregasse uma Modelo 22 em Portugal (como em bom rigor ainda não é possível), ou que a Requerente pudesse entregar uma Modelo 22, como sociedade designada, pois se fosse possível a Requerente não teria deduzido o presente pedido de pronúncia arbitral.

          Ademais salienta ser titular de um interesse legalmente protegido já que a sua esfera jurídica pode ser diretamente afectada pelo que se decidir no presente processo, alterando-se significativamente o seu enquadramento jurídico-tributário, cenário em que a legitimidade é amplamente assegurada pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, bem como pelo n.º 1 do artigo 9.º do CPTA.

          A Requerente defende que é o sujeito passivo do imposto aqui em causa, e é a única destinatária dos efeitos da decisão do indeferimento da revisão oficiosa. Estes atos lesaram a sua esfera jurídica, pois ser-lhe-ia favorável a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, nos termos requeridos.

          Ora, nos termos do disposto no artigo 30.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, «o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar», que se exprime «pela utilidade derivada da procedência da ação». Por outro lado defende que sendo os pedidos a apreciar apenas o da correção da autoliquidação e da decisão da revisão oficiosa, afigura-se que a Requerente terá legitimidade, pois a validade ou não destes atos ficará definitivamente decidida.

          Considera também que é parte legítima por aplicação do disposto no artigo 9.º, nº 2 do CPPT, no qual se prevê a legitimidade dos responsáveis solidários, que é o caso das sociedades sujeitas ao RETGS.

 

          A 22 de Janeiro de 2018 atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e não havendo oposição das partes, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c), 19.º e 29.º n.º 2 do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

          Foram apresentadas alegações escritas pela Requerente, seguidas das alegações da Requerida.

          Nas alegações apresentadas as partes reiteraram no essencial as posições defendidas nos respetivos articulados.

         

          O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (arts. 5.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

          As demais matérias atinentes a pressupostos processuais, por contenderem com as exceções invocadas pela Requerida, serão apreciadas, de seguida, de modo específico e autónomo, sem prejuízo, de a solução conferida a certa matéria poder prejudicar a apreciação das restantes questões suscitadas pelas partes (cfr. art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil - CPC).

 

 

II. QUESTÕES A DECIDIR

 

Em face das alegações constantes do Pedido de Pronúncia Arbitral e das exceções deduzidas pela Requerida na sua resposta, as questões sujeitas, no quadro do litígio formulado, à cognição do Tribunal Arbitral, as quais são definidas pelos factos alegados e pelas pretensões processualmente formuladas que exijam decisão específica, incluindo as matérias atinentes aos pressupostos processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso, são as seguintes (sempre sem prejuízo de a decisão de certa questão poder prejudicar a apreciação de outras):

 

  • Da incompetência material do tribunal arbitral;
  • Da ilegitimidade da Requerente por falta de litisconsórcio necessário;
  • Da anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2014, por violação dos princípios da Liberdade de Estabelecimento e do Primado do Direito da União Europeia face ao direito interno, e em consequência, da necessidade de aplicação do normativo constante da alínea f) do n.º 4, do artigo 69.º do Código do IRC, (antes da alteração introduzida pela Lei n.º 82-C/2014 de 31 de Dezembro) de modo compatível com a orientação decorrente da jurisprudência do TJUE;
  • Da correção da autoliquidação do IRC do exercício de 2014, por força do reconhecimento da aplicação à Requerente, como sociedade dominante, do RETGS, ao abrigo do disposto no artigo 69.º- A do Código do IRC, devendo ser incluídas, no apuramento do lucro tributável daquela, todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal, detidas, direta e indiretamente, pela sociedade dominante C… SA, a saber as sociedades:
    • B…, S.A., e,
    • D…, Lda..
  • Determinação, em consequência, que a AT reembolse à Requerente o montante total de €59.333,70, a título de IRC e Tributação Autónoma, por efeito das correções supra referidas.

 

III. DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

                

Factos dados como provados

 

          Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos no âmbito do processo administrativo, no pedido de pronúncia arbitral, na resposta apresentada pela AT, atendendo ainda às alegações apresentadas pelas partes, nos termos seguidamente indicados:

 

  1. Por referência ao período de tributação de 2014 a Requerente era a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado conforme o RETGS e composto apenas por si e pela sociedade B…, S.A. com sede em …;
  2. Por referência ao período de tributação de 2014, a composição do perímetro do RETGS apresentava-se nos seguintes termos:

  1. A Requerente é diretamente detida em 99,99% do seu capital pela E… (E…), sociedade comercial residente para efeitos fiscais em França;
  2. A E… era por referência a 2014 – e ainda o é – detida indiretamente pela C… SA, sociedade residente para efeitos fiscais em França;
  3. A C… SA detinha durante o período de tributação de 2014 – e ainda detém, indiretamente, mais uma empresa residente para efeitos fiscais em Portugal, a saber a sociedade D…, Lda.;
  4. A 31/12/2014, a estrutura societária da Requerente seria passível de reproduzir conforme o seguinte organograma:

 

 

 

 

  1. Em 13/10/2015 a Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2014, declarando como soma algébrica dos resultados fiscais do grupo um lucro tributável no montante de € 2.480.936,15, apurando um imposto a pagar de € 210.998,71 que foi tempestivamente pago;
  2. Em 24/11/2016 a Requerente deduziu junto da Direção de Finanças de…, reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC, do exercício de 2014, no valor de € 210.998,71.
  3. A liquidação de IRC reclamada teve origem em autoliquidação cuja respetiva declaração de rendimentos foi entregue em 26-01-2017 através de declaração de substituição, apurando-se um lucro tributável do grupo no valor de € 2.480.936,15;
  4. Por entender que, por força da orientação do TJUE, seria possível alargar o perímetro do grupo sujeito a RETGS, com efeitos retroativos ao exercício de 2014, a Requerente sujeitou a autoliquidação de IRC a um pedido de Reclamação Graciosa instaurada sob o n.º …2016…;
  5. A Reclamação, que aqui se dá por integralmente reproduzida, teve por objecto o pedido de apuramento do lucro tributável, como sociedade do grupo designada para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbiam à sociedade dominante, por inclusão no RETGS, de todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas indiretamente pela sociedade dominante C… SA a saber as sociedades B…, SA e D…, Lda.;
  6. Em 08/05/2017 a Reclamação Graciosa foi indeferida por Despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de …, por delegação, nos seguintes termos:

20.A reclamante pretende, com base nos acórdãos da TJUE, a aplicação retroativa do artigo 69.º-A do CIRC.

21. No entanto, como já foi referido isso não é possível, a Lei n.º 82-C/2014, de 31.12.2014, prevê no artigo 5.º (produção de efeitos) a sua aplicação apenas para períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de Janeiro de 2015.

22. A AT está vinculada ao princípio da legalidade, logo terá que aplicar a lei fiscal vigente à data do facto tributário, a qual não permite o alargamento do RETGS a sociedades residentes em Portugal, mas participadas por empresas não residentes (RETGS horizontal).

23.E repete-se, a legislação em matéria de impostos directos é competência exclusiva de cada estado Membro, não é directamente regulamentada pela legislação comunitária”.

  1. A Requerente ou a Sociedade dominante C… SA não formularam ou requereram, por qualquer modo, a opção pelo início da aplicação do RETGS, até ao final do 1.º trimestre do período de tributação de 2014;  
  2. Em 4 de Agosto de 2017, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. requerimento electrónico ao CAAD).

2.    Factos não provados

 

       Não se constataram factos com relevo para a apreciação da matéria que não se tenham provado.

 

 

3.    Motivação

           

       Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

       Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

       Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental, as afirmações da Requerente que não foram questionadas pela AT e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4.    MATÉRIA DE DIREITO 

 

4.1. Da incompetência material do Tribunal Arbitral

 

       Segundo a diretriz consolidada constante do artigo 608.º, n.º 1 do CPC, as questões processuais que sejam susceptíveis de determinar a absolvição da instância devem ser conhecidas segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

       Resulta daqui a necessidade de apreciar, em primeiro lugar, a matéria da competência do Tribunal Arbitral, cujo conhecimento precede o de qualquer outra questão (cfr. os artigos 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 278.º, n.º 1, al. a) do CPC aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º n.º 1. alínea c), do RJAT), já que, com ressalva precisamente da sua própria competência, o tribunal que seja incompetente está impedido, não apenas de apreciar o mérito da causa, mas todos os demais pressupostos processuais.

      

       Nestes termos, cabe, de modo preliminar, proceder à apreciação desta matéria.

      

       Conforme já referido, a Requerida, na sua resposta (arts. 9.º a 39.º), invocou a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir os pedidos formulados pela Requerente, fundando-se, resumidamente, nos seguintes motivos:

  • A competência dos tribunais arbitrais encontra-se circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT, pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição.
  • A Requerente pretende obter o reconhecimento de um direito que, nos termos previstos na legislação em vigor no ordenamento jurídico nacional, não lhe assistia à data dos factos, traduzido na “correção da autoliquidação do IRC de 2014, de modo a que no apuramento do lucro tributável da Requerente como sociedade dominante do grupo, sejam incluídas no RETGS todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas, direta e indirectamente, pela sociedade dominante C… .
  • Ora, admitir-se que o Tribunal Arbitral tem competência para a apreciação deste pedido representaria, salvo o devido respeito, a substituição do presente Tribunal Arbitral nas competências próprias da AT.
  • Nem em sede de ação administrativa especial, meio processual no qual se prevê a condenação da administração à prática de um ato devido, (vide. arts. 66º e segs. do CPTA), se permite ao Tribunal Judicial ir tão longe, não podendo o Tribunal determinar o conteúdo da conduta a adoptar, apenas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração.
  • Não está em causa a apreciação de um qualquer ato de liquidação, mas antes, de um pretenso e hipotético direito que é sempre prévio a tal liquidação, não sendo o Tribunal Arbitral competente para apreciar o indeferimento da reclamação graciosa que nega o reconhecimento de tal direito.

 

       Na resposta às exceções apresentada pela Requerente sustenta esta, no que respeita à questão da incompetência material, o seguinte:

  • O que aqui está em causa é a de saber se o artigo 69.º do CIRC, em vigor à data dos factos, violava, ou não, o Direito Comunitário. Naturalmente, se se verificar que existe violação, então outra conclusão não se poderá retirar que não seja a da ilegalidade do referido normativo e de todos os atos tributários que foram emitidos em cumprimento do que aí estava estipulado.
  • Assim, e ao contrário do que alega a AT, o que aqui está em causa é a ilegalidade do ato de autoliquidação e do Despacho de Indeferimento, já que ambos resultam da aplicação e da interpretação de uma disposição legal que é claramente violadora do Direito Comunitário.
  • A Requerente não pretende a substituição do presente Tribunal Arbitral nas competências própria da AT. A AT, em sede de análise da Reclamação da Autoliquidação já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a legalidade do ato tributário, tendo a mesma decidido que o mesmo não padecia de qualquer ilegalidade, conquanto o artigo 69.º do CIRC à data em vigor apenas permitir a inclusão do RETGS de sociedades residentes em Portugal.
  • Ora, o que a Requerente pretende é que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre a legalidade do entendimento da AT constante no Despacho de Indeferimento, e consequente, sobre a legalidade do ato de autoliquidação.

 

       Cabe, então, apreciar esta questão prévia da competência em razão da matéria deste Tribunal Arbitral, questão, aliás, que é de conhecimento oficioso, sendo que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT).

       Ora, a competência do tribunal deve ser aferida, em geral, em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos ou causa de pedir, que o suportam, tendo em conta o modo como surgem formulados na petição inicial, independentemente de qualquer indagação sobre a respectiva procedência. A competência apura-se, portanto, de acordo com o quid disputatum ou quid decidendum (por oposição ao que virá a ser o quid decisum), tal como o mesmo é configurado pelo autor.

       Atentando nos termos como a Requerente estruturou a presente causa no seu PPA e exprimiu em sede arbitral as suas pretensões, mediante o binómio pedidos/causa de pedir, verifica-se que se procedeu a uma cumulação de pedidos, os quais, surgem formulados para alcançar os seguintes propósitos:

 

  1. Da anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2014, em consequência do reconhecimento expresso por parte do TJUE do carácter ilegal do disposto no artigo 69.º do Código do IRC, antes da alteração introduzida pela Lei n.º 82-C/2014 de 31 de Dezembro;
  2. Da correção da autoliquidação do IRC do exercício de 2014, por força do reconhecimento da aplicação à Requerente, como sociedade dominante, do RETGS, ao abrigo do disposto no artigo 69.º- A do Código do IRC, devendo ser incluídas, no apuramento do lucro tributável daquela, todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal, detidas, direta e indiretamente, pela sociedade dominante C… SA, a saber as sociedades:
  • B…, S.A., e,
  • D…, Lda..

 

  1. Determinação, em consequência, que a AT reembolse à Requerente o montante total de €59.333,70, a título de IRC e Tributação Autónoma, por efeito das correções supra referidas.

 

       Esta cumulação de pedidos, no que concerne à sua estrutura, constitui uma cumulação simples, porquanto a Requerente pretende a procedência de todos os pedidos formulados e a produção de todos os seus efeitos[2].

       Sobre a cumulação de pedidos em sede de processo arbitral tributário dispõe-se no artigo 3.°, n.º 1 do RJAT o seguinte: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

       Atendendo simplesmente a este dispositivo, a cumulação de pedidos exige uma certa “conexão objectiva” – justamente, a apreciação dos mesmos factos ou a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito no exame da respetiva procedência. Todavia, para além deste requisito material, é ainda indispensável (cfr. o n.º 3 do art. 5.º do CPTA) uma “compatibilidade processual entre os pedidos”, pela qual “o tribunal tem que ser materialmente competente para todos os pedidos cumulados”, pelo que se “restringe a admissibilidade da sua cumulação em função da competência do tribunal para a apreciação de cada um deles[3].

       Deste modo, por força da delimitação de competências dos tribunais arbitrais tributários, não podem ser objecto de apreciação, em cumulação de pedidos, a pluralidade das pretensões jurídicas que possuam conexão objectiva se o tribunal não tiver competência para todas elas. Ou seja, só podem ser cumuladas no processo arbitral tributário as pretensões materialmente conexas para as quais o tribunal seja competente.

       Em suma, a cumulação de pedidos admitida pelo art. 3.º, n.º 1 do RJAT só é viável e legal se todos os pedidos cumulados se enquadrarem no âmbito das competências legalmente atribuídas aos tribunais arbitrários.

 

       O âmbito da jurisdição arbitral tributária afere-se, antes de mais nada, pelos critérios de determinação material da competência que se mostram estabelecidos pelo art. 2.º, n.º 1 do RJAT, segundo o qual:

 

“A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

 

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

       Seguidamente, de acordo com o disposto no n.º 1 artigo 4.º do RJAT (nos termos do qual: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”) importa atender ao disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que, relativamente à apreciação das pretensões, relativas a impostos cuja administração esteja cometida a serviços e organismos da AT, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, excepciona, no que aqui mais releva, “Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” e “Pretensões relativas a atos de determinação da matéria colectável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.

 

       Considerando o preceituado nestes dispositivos, cabe entender, em termos do critério delimitativo básico, que a competência dos tribunais arbitrais restringe-se a pretensões de impugnação de atos atinentes à liquidação de tributos ou à fixação da matéria tributável, que visam a declaração da sua nulidade ou anulação (sem prejuízo dos elementos não estritamente anulatórios associados ao processo impugnatório, como sucede com a condenação em juros indemnizatórios ou em indemnização por garantia prestada).

       Assim, quando se confronta o art. 2.º, n.º 1 do RJAT com o art. 97.º, n.º 1 do CPPT (vd. igualmente art. 101.º da LGT) facilmente se conclui que as pretensões que não respeitem à impugnação de atos de liquidação, mas ao reconhecimento de um direito ou interesse em matéria tributária (al. h) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT; cfr. igualmente art. 145.º do CPPT), não se encontram compreendidas na competência dos tribunais arbitrais tributários.  

       Em consequência, pedidos que não sejam atinentes à validade do ato tributário em si mesmo considerado, mas que se destinem antes ao reconhecimento de um direito resultante da relação jurídica tributária ou à obtenção da condenação da entidade competente à prática de um ato que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado, escapam à jurisdição dos tribunais tributários.[4]

      

       De acordo com os pedidos tal como formulados pela Requerente atinentes à “anulação do despacho de indeferimento” bem como “na condenação da AT à correção da autoliquidação do IRC de 2014, de modo a que no apuramento do lucro tributável da Requerente como sociedade dominante do grupo, sejam incluídas no RETGS todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas, direta e indiretamente, pela sociedade dominante C…, a saber as sociedades B… S.A. (...) e D… Lda.(...)” e “determinando em consequência que a AT reembolse a Requerente do montante total de € 59.333,70, a título de IRC e tributação autónoma por efeito das correcções supra referidas” a Requerente pretende que lhe seja globalmente reconhecido o direito à tributação pelo RETGS, cuja aplicação depende de opção a ser realizada pela sociedade dominante e da satisfação de requisitos de carácter material e formal legalmente impostos (cfr. arts. 69.º e 69.º-A do CIRC), respeitantes a matéria autónoma e prévia às liquidações de IRC, matéria essa que tem de ser objeto de declaração formal da sociedade dominante e está sujeita a apreciação específica pela AT (cfr., designadamente, n.ºs 1, 2, 3, 7 e 12 do art. 69.º do IRC).

 

       Impõe-se, mesmo, notar que, diferentemente do que a Requerente refere na sua resposta às exceções, é esta pretensão de aplicação do RETGS ao exercício de 2014 que surge como o conteúdo essencial e primário do objeto processual definido pela Requerente.

       Repare-se, com efeito, que, muito embora afirmando que os pedidos em causa no presente processo respeitam à ilegalidade dos atos de autoliquidação de IRC, e ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente refere expressamente que: “Como aqui fica provado e demonstrado, a composição do perímetro do RETGS para efeitos de apuramento do IRC do exercício de 2014, não deveria apenas incluir as empresas referidas no ponto 6 supra, mas também a outra empresa fiscalmente residente em Portugal e que é detidas a 100% pela C… .” E acrescenta: “(...) a questão não é a de saber se a filial não residente deve beneficiar do regime de tributação dos grupos, mas sim se uma sociedade residente, detida por uma sociedade não residente, pode beneficiar do regime fiscal do seu estado de residência.” E, embora argumente que com a presente demanda não pretende a aplicação retroativa do disposto no artigo 69.º-A do Código do IRC, consigna expressamente no respetivo PPA[5] que “(...) perante o acima exposto, deverá ser considerada a inclusão no RETGS liderado pela A…, relativamente ao período de tributação de 2014, da C… como sociedade dominante e de todas as participações detidas directa e indirectamente pelo menos em 90 % há mais de um ano pela sociedade dominante C… nas sociedades residentes em Portugal, a saber a sociedade D… .”

       No que toca aos requisitos legais impostos por tal regime para efeitos de aplicação à Requerente refere-se o seguinte “AT indefere o pedido da Requerente, única e simplesmente porque entende que a extensão do RETGS às sociedades residentes que sejam detidas directas ou indirectamente por sociedades não residentes, só é aplicável aos períodos de tributação iniciados em, ou após, 1 de Janeiro de 2015. (...) Alegando para o efeito, a impossibilidade da constituição retroactiva do grupo, já que a Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, menciona no nº 1 do artigo 5º quanto à produção de efeitos que “O disposto na subalínea 2), da alínea a) do nº 4 do artigo 6º do artigo 28º-A, nos artigos 82º C e 59º-A e do nº 3 do artigo 88º do CIRC, com a redacção dada pela presente lei, aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01 de Janeiro de 2015”, e no que respeita aos requisitos formais indica-se nas alegações da Requerente que “ A Requerente não fez esse pedido porque pura e simplesmente o artigo 69.º do Código do IRC não permitia que esse pedido fosse efetuado nos termos expostos”.

 

       Por conseguinte, é na decorrência do reconhecimento antecedente pelo Tribunal da aplicação do RETGS que a Requerente se reporta aos atos de liquidação de IRC e ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa – veja-se o que se afirma nos artigos 71.º e 72.º do PPA, em que se pede a condenação da AT à correção da declaração Modelo 22 relativa ao ano de 2014, inserindo-se no articulado do PPA uma declaração modelo 22 após o alargamento do perímetro do grupo para efeitos do RETGS, com o apuramento do IRC a reembolsar, concluindo-se do seguinte modo: “Assim, outra conclusão não poderá extrair-se que não o direito, desde logo no mais estreito cumprimento com os normativos comunitários, de no RETGS liderado pela A… serem também consideradas elencadas (as sociedades) acima. Assim, a nova declaração de rendimentos deste RETGS, será a que a seguir se apresenta:”

 

       Nestes termos, o presente litígio incide diretamente sobre a pretensão da Requerente a que lhe seja reconhecido pelo Tribunal o direito (sublinhado nosso) ao alargamento do perímetro do grupo ao abrigo do RETGS para o exercício de 2014, e ainda o suprimento de requisitos formais para aplicação daquele regime atinentes ao exercício do direito de opção, o que, porém, diga-se, conforme acima enunciado no ponto 13 do probatório, independentemente do seu cabimento à face da legislação interna e do Direito Europeu, não foi objeto de qualquer declaração de opção ou requerimento anteriormente a 2015 por parte da Requerente.

       Ora, conforme tem sido defendido noutros Acórdãos deste Tribunal, “os Tribunais Arbitrais não possuem competências para determinar a ilegalidade de um ato tributário de autoliquidação fundado em vício por falta de entrega de uma declaração por parte do sujeito passivo necessária para usufruir de determinado regime”.[6]  

       Na sequência do acima exposto, na medida em que se peticiona neste processo o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, impõe-se declarar que tal pedido não possui enquadramento na competência material atribuída pela lei aos tribunais arbitrais tributários, porquanto os poderes de cognição que lhes cabem correspondem, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, ao conhecimento da legalidade de atos de liquidação de tributos, de acordo com o esquema típico da impugnação judicial, excluindo-se, pois, os pedidos para cuja apreciação corresponde a forma processual da ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária.

 

       A este respeito seguem-se de perto as conclusões alcançadas noutros Acórdãos do CAAD, cujas contribuições e argumentos empregues julgamos totalmente transponíveis para o caso em apreço.[7] Assim, pode ler-se no acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral deste CAAD no processo arbitral tributário n.º 693/2014-T: “o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) apenas incluiu no âmbito da arbitragem tributária competências para a apreciação da legalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, n.º 1, próprias dos processos de impugnação judicial.

Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm poderes de cognição limitados aos que os tribunais tributários podem exercer no processo de impugnação judicial (que se tem entendido que abrangem a declaração de ilegalidade de atos e fixação de juros indemnizatórios e indemnizações por garantia indevida), mas não se incluem as que nos tribunais tributários podem ser exercidas em processos de execução de julgados e em ação para reconhecimento de direito ou interesse legítimo”.

       Assim, as concretas pretensões de tutela solicitadas pela Requerente a este Tribunal atinentes ao reconhecimento da aplicação do RETGS no exercício de 2014 e à constituição nesse período de um grupo fiscal entre a Requerente e todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas direta e indiretamente pela sociedade dominante C… SA, por pertencerem ao campo de aplicação da ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, não se ajustam ao círculo da competência estabelecida pela lei para os tribunais arbitrais tributários, pelo que não podem ser conhecidas por este Tribunal.

       Deve-se ainda acrescentar que, no que respeita especificamente ao pedido de  “condenação à correção da autoliquidação do IRC de 2014, de modo que no apuramento do lucro tributável da Requerente como sociedade dominante do grupo sejam incluídas no RETGS todas as sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal detidas, direta e indiretacmente pela Sociedade dominante C…” (vd. supra n.º 5), em cuja decorrência se submete à cognição do Tribunal nova declaração de rendimentos Modelo 22 após o alargamento do RETGS com apuramento do IRC a reembolsar, a Requerente pede ao Tribunal a condenação da AT na prática de atos tributários cuja emissão pressupõe valorações e apreciações reservadas por lei ao exercício da função administrativo-tributária, o que está inteiramente fora da jurisdição dos tribunais em razão do princípio da separação dos poderes, não podendo o Tribunal, sob pena de violação daquele princípio, substituir-se nas competências da AT (cfr. n.º 1 do art. 3.º do CPTA).

       Com efeito, encontra-se fora das competências do Tribunal Arbitral definir quais os termos em que deverão ou não ser praticados novos atos tributários por parte da AT, designadamente nos moldes pretendidos pela Requerente. 

       Em consequência do exposto, relativamente aos pedidos formulados no PPA, de “Anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e de apreciação da legalidade dos atos de autoliquidação”, entende-se, igualmente, ser de concluir pela incompetência deste Tribunal para a sua apreciação, seguindo-se de perto as razões invocadas no Acórdão do CAAD proc. n.º 113/2017 de 16 de Outubro que seguidamente se transcrevem:

 

       “Preliminarmente, impõe-se notar que estes pedidos se encontram em clara relação de prejudicialidade com a pretensão, acima considerada, de aplicação do RETGS às Requerentes, sendo o conhecimento desta indispensável e prévio à decisão daqueles, para cuja procedência constitui uma premissa imprescindível. Na verdade, sem o reconhecimento do direito à opção pelo RETGS nos exercícios em causa e a condenação da Requerida na respectiva aplicação, falece a alegação deduzida sobre a ilegalidade dos atos de liquidação e dos indeferimentos dos pedidos de revisão oficiosa. Poder-se-á mesmo entender, no que concerne à impugnação de cada uma das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa respeitantes a cada uma das liquidações sindicadas atinentes aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 e à pretensão de aplicação do RETGS que se dá uma cumulação aparente de pedidos porquanto os vários pedidos referem-se a um mesmo bem em sentido económico e assim “a parte formula vários pedidos, mas ela não aufere benefícios distintos pela procedência de cada um desses pedidos” (TEIXEIRA DE SOUSA, loc. cit., p. 37). Nesta medida, a inviabilidade de apreciação dos pedidos atinentes à aplicação do RETGS implicaria a consequente improcedência dos pedidos de anulação dos indeferimentos dos pedidos de revisão oficiosa e das liquidações subjacentes.”

 

       Entende-se, porém, que, como este Tribunal não pode conhecer, por não possuir para tal competência, dos pedidos atinentes à aplicação do RETGS à Requerente no exercício de 2014, nos termos do artigo 69.º-A do Código do IRC, com a inclusão das sociedades pretendidas, o qual, como se viu, é prévio e prejudicial à própria apreciação da pretendida declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e ato de autoliquidação subjacente aqui sindicados, se deve considerar prejudicado, em razão da indicada incompetência do Tribunal Arbitral, o conhecimento de tais pedidos.

 

       Por todos estes motivos, nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e o art. 16.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do art. 29.º do RJAT, verifica-se a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral, o que implica uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento dos demais pressupostos processuais e do mérito da causa, o que determina a absolvição da instância da Requerida, conforme disposto nos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

       Termos em que se julga procedente a invocada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral e se determina a absolvição da Requerida desta instância arbitral.

      

IV. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 59.333,70, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

V. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 26 de Abril de 2018

 

 

 

A Árbitro

 

 

 

(Filipa Barros)

 

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Vide, neste sentido,  Teixeira de Sousa, “Cumulação de pedidos e cumulação aparente no contencioso administrativo” in CJA, n.º 34, p. 35; Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa. Lições, 16.ª ed, 2017, p. 277.

[3] Teixeira de Sousa, loc. cit., p. 36; no mesmo sentido, vd. Cecília Anacoreta Correia, “O princípio da cumulação de pedidos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos em especial em sede executiva” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. IV, 2012, p. 223.

[4] Vide neste sentido Acórdão do CAAD Processo n.º 693/2014-T de 01-04-2015.

[5] Vide ponto 70 do PPA.

[6] Vide Acórdão do CAAD, Proc. n.º 279/14, de 27/11/2014.

[7] Vide Acórdãos do CAAD processo n.º 279/2014 de 27/11/2014 e processo n.º 113/2017 de 16/10/2017.