Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 458/2017-T
Data da decisão: 2018-04-19  IRC  
Valor do pedido: € 388.891,92
Tema: IRC - Caducidade do Direito à Liquidação (art. 45.º da LGT) - Efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação (art. 24.º do RJAT)
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DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

 

A…, S.A., NIPC…, sociedade com sede na …, número …, …-… Lisboa, apresentou, em 1 de agosto de 2017, pedido de constituição de Tribunal Arbitral (“Pedido”) ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), para a apreciação da legalidade da liquidação n.º 2017…, relativa ao exercício de 2009, e da respetiva demonstração de compensação n.º 2017… na parte relativa ao montante de  € 388.891,92, objeto da compensação n.º 2017… .

 

O Pedido foi aceite, tendo o mesmo sido notificado à Autoridade Tributária (“AT”) nos termos do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação dada pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro. O Conselho Deontológico designou os signatários árbitros em tribunal coletivo e as partes foram notificadas da designação. O tribunal arbitral foi constituído em 9 de novembro de 2017.

 

Por se entender que o processo não continha necessidade de definição de trâmites específicos, por não existirem exceções a apreciar antes de se conhecer do mérito do pedido, e por estarem em causa meramente questões de direito, foi dispensada, por Despacho de 11 de fevereiro de 2018, a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as partes sido, todavia, notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, o que fizeram dentro do prazo fixado. Foi, ainda, designada a data limite de 19 de abril de 2018 para a prolação da decisão arbitral e para pagamento da taxa de justiça subsequente.

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar e decidir o objeto do processo. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

A presente ação foi interposta tempestivamente e o objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade da liquidação acima identificada em virtude de ter sido realizada para além do prazo de caducidade para proceder a liquidações de imposto, previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

II.            MATÉRIA DE FACTO

Factos provados

Com relevância para a apreciação das questões suscitadas pelas Requerentes, salientam-se os seguintes elementos sobre a matéria de facto:

 

a)            A Requerente foi notificada por parte da “Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial”, a 14 de novembro de 2011, da atribuição de um crédito fiscal para dedução à coleta do período de tributação de 2007, no montante de € 1.282.837,78.

b)           Em 30 de dezembro de 2011, apresentou uma declaração Modelo 22 de substituição referente ao exercício de 2007, com uma única alteração face à primeira declaração entregue, que foi a dedução à coleta a título de benefícios fiscais no montante de € 1.282.837,78, correspondente ao SIFIDE aprovado pela AdI.

c)            Posteriormente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2012…, relativa a IRC do exercício de 2007, em 5 de novembro de 2012, no montante de € 77.595,96, a qual não considerou os valores do SIFIDE mencionados na declaração de substituição, na importância de € 1.282.837,78.

d)           A Requerente voltou a ser notificada em 14 de julho de 2015, de nova liquidação de IRC, com um valor a reembolsar de € 764.031,69, relativamente ao exercício de 2007.

e)           Como, no entendimento da Requerente, não havia sido considerado nesta última liquidação o valor total do benefício fiscal do SIFIDE, no montante de € 1.282.837,78, apresentou reclamação graciosa relativamente ao exercício de 2007, a qual mereceu deferimento parcial porque não concedeu a dedução de € 388.915,97, que, no entendimento da AT, já tinha sido deduzido no exercício de 2009.

f)            Após esta decisão a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade desta liquidação referente ao exercício de 2007, no CAAD, que correu termos no Processo n.º 225/2006-T, no qual, por decisão de novembro de 2016, foi reconhecida a ilegalidade da liquidação impugnada, ordenando-se a anulação das correções efetuadas pela AT.

g)            No cumprimento da respetiva sentença, e no desenvolvimento das operações subsequentes em sede de execução de sentença, a AT entendeu corrigir também a liquidação de IRC de 2009, conforme liquidação adicional que foi notificada em março de 2017 à Requerente, com um valor a pagar de € 388.891,92, com o fundamento de que ao deduzir este valor no exercício de 2007, a Requerente não podia manter a dedução da mesma importância em dois exercícios.

h)           Assim, a liquidação de 2009 terá sido justificada pela AT precisamente com o fundamento de que a Requerente não poderia deduzir duas vezes o mesmo montante de benefícios SIFIDE, porque aquele valor já tinha sido considerado anteriormente na liquidação deste exercício.

 

Factos não provados

- que tenha sido instaurado pelo Serviço de Finanças Lisboa …, o processo de execução fiscal n.º …2017…, no valor de € 390.252,57, o qual se encontra legalmente suspenso em virtude da prestação de garantia bancária.

 

 

Não há outros factos, provados e/ou não provados, com relevância para a decisão arbitral.

Motivação do Tribunal relativa à matéria de facto

 No apuramento da matéria de facto, fundou-se o Tribunal nos documentos juntos por ambas as partes e no processo administrativo instrutor.

Os factos não provados resultaram da omissão da necessária prova documental da instauração e pendência da execução fiscal, bem como da prestação da garantia bancária para a suspender.

 

 

III.          Posição das partes

 

Fundamentos invocados pela Requerente

Em defesa do pedido de anulação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2009, a Requerente alega, no essencial, a requerente:

1 - O objeto do presente pedido consiste na análise da legalidade do ato de liquidação de IRC de 2009 que deu origem ao apuramento adicional do imposto constante da demonstração de acerto de contas n.º 2017… (compensação n.º 2017…), no valor de EUR 388.891,92. No caso em apreço, parece-nos pacífico que estamos perante um ato de liquidação autónomo diretamente impugnável por consubstanciar um ato lesivo dos direitos da ora requerente, sendo este o objeto da presente petição arbitral

2 - Em concreto, a questão material controvertida consiste em avaliar a legalidade do referido ato tributário, e, em particular, (i) se a AT pode emitir atos adicionais de liquidação de um determinado exercício sem recurso a um procedimento inspetivo; e (ii) se no caso sub judice se mostra decorrido o prazo legal de caducidade.

3- “… como resulta da factualidade acima exposta, inexiste qualquer causa legal de suspensão do prazo de caducidade, uma vez que:

I)             A AT não desencadeou qualquer procedimento de inspeção ao exercício de 2009 passível de determinar a aplicação do n.º 1 do artigo 46º da LGT;

II)           A decisão arbitral proferida no processo de 2007 não determinou – nem na sua factualidade ou na parte decisória – qualquer direito de liquidação referente ao ano de 2009.

III)          Não se aplica qualquer outra das alíneas do n.º 2 do artigo 46º da LGT.

4 -Inexistindo qualquer causa legal de suspensão, é evidente que à data de emissão da liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, i.e. 22 de fevereiro de 2017, já se mostrava largamente ultrapassado o prazo para a AT liquidar adicionalmente qualquer quantia a título de IRC do exercício de 2009.

5 - Ora, a emissão do ato de liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade condiciona irremediavelmente a sua legalidade, o que determinará a procedência do presente pedido e a anulação integral da liquidação adicional de IRC de 2009 ora sindicada.

6 - Por outro lado, nos termos do artigo 45º, n.º 3 da LGT” em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”.

7 - O preceito legal acima transcrito não se aplica ao caso em apreço, uma vez que a emissão da liquidação ora sindicada se prendeu unicamente com a correção do benefício fiscal do SIFIDE, cuja dedução pode ser efetuada nos seis exercícios seguintes, em caso de insuficiência de coleta no exercício relevante – cfr. artigo 4.º, número 3 da Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto.

8 - Ora, no caso em apreço inexistiu qualquer reporte do crédito fiscal por insuficiência de coleta, sendo o mesmo integralmente deduzido nos anos de 2007 (e 2009), factualidade confirmada pelo tribunal arbitral no processo n.º 225/2016-T e pela UGC na decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa da liquidação de 2007.

9 - É assim evidente que a liquidação ora sindicada viola diretamente o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT, o que motivará a sua integral anulação.

10 - Acrescenta ainda que “… a liquidação adicional ora sindicada não consubstancia um mero ato de execução da arbitral proferida no processo n.º 225/2016-T, que correu termos junto deste Centro de Arbitragem.

11 - Mais entende que, para a obtenção de uma boa decisão é necessário ter em conta que: 1 - No processo de 2007, o que estava em causa era a legalidade da liquidação de acerto e da compensação efetuada pela UGC na sequência da decisão da reclamação graciosa proferida pela UGC sobre o referido ato tributário; 2- No processo n.º 225/2016-T não se discutiu, nem constituía o objeto ou causa de pedir qualquer apreciação sobre o exercício de 2009; 3- O crédito do SIFIDE de 2007 foi certificado pela AdI e a Requerente dispunha de coleta suficiente para a sua dedução integral; 4- A Requerente nunca foi notificada de qualquer procedimento inspetivo visando efetuar qualquer correção ao crédito fiscal do SIFIDE declarado no exercício de 2009; 5-  O tribunal decidiu pela anulação parcial da liquidação do exercício de 2007, concluindo que a AT deveria emitir a liquidação em conformidade com os dados constantes da declaração Modelo 22, i.e., considerando a totalidade do valor do benefício fiscal do SIFIDE.

12 - O objeto do processo arbitral consistia, exclusivamente, na apreciação da legalidade da liquidação de 2007, o que justificou, aliás, que o tribunal arbitral se tenha declarado incompetente para apreciar o referido pedido.

Pelo que não se compreende como pode a UGC pretender enquadrar a emissão da liquidação ora sindicada relativa ao exercício de 2009 como um ato de execução da referida decisão arbitral, que tinha por único e exclusivo objeto a análise da legalidade de uma liquidação de IRC do exercício de 2007.

13 - Para o caso em apreço, mostra-se irrelevante saber se houve efetivamente alguma dedução excessiva por parte da Requerente, pois (i) a AT não efetuou qualquer procedimento inspetivo ao exercício de 2009 de modo a corrigir o benefício fiscal declarado pela Requerente; (ii) tal correção não foi materializada em nenhum ato tributário emitido no decurso do prazo legal de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

14 - Admitir-se o procedimento adotado pela AT, implicaria admitir que a AT possa contornar as regras atinentes ao prazo de caducidade – como forma de colmatar as suas próprias ineficiências – em detrimento de qualquer segurança jurídica ou mesmo em detrimento das regras procedimentais consignadas para a prolação de atos de liquidação em desconsideração dos elementos declarados pelos contribuintes.

15 - Por outro lado, como reforço para a sua argumentação, a Requerente entende que não se pode seguir a tese de que a liquidação impugnada será uma liquidação corretiva da liquidação original de IRC relativa ao exercício de 2009, mas  sim  de uma liquidação autónoma.

16 - Com efeito, “analisando o ato aqui sindicado, podemos concluir, desde logo, que o mesmo não resulta de qualquer reclamação / decisão relativa ao exercício de 2009, sendo também desprovido de qualquer suporte legal enquadrar este ano de liquidação adicional como estritamente decorrente de uma decisão arbitral relativa a um exercício distinto”.

17 - “Estamos, pois, perante um ato tributário autónomo, com novo prazo de pagamento e decorrente de correções autónomas efetuadas pela AT e baseado em factos diversos dos que sustentaram as anteriores liquidações do mesmo exercício, sem qualquer ligação a um qualquer procedimento gracioso ou judicial prévio relativo ao exercício de 2009, o que se invoca para os devidos efeitos legais”.

Para além de tudo o acima exposto, admitir-se o procedimento adotado pela AT – i.e. pretender incorporar o ato ora sindicado como mero ato de execução da decisão arbitral do exercício de 2007 - configuraria ainda uma claríssima violação do denominado “princípio da especialização dos exercícios” previsto nos artigos 17.º e 18.º do CIRC.

18 - Por outro lado, sempre importará referir que, considerando os princípios da indisponibilidade da relação tributária, da legalidade e da justiça parece inequívoco que a AT não goza de qualquer discricionariedade na definição da situação tributária dos sujeitos passivos, sendo-lhe, pois, vedada a alocação de créditos ou a realização de compensações oficiosas fora das situações expressamente previstas na lei.

19 - O procedimento adotado pela AT viola ostensivamente os mais elementares princípios de um Estado de direito, uma vez que:

(i)           Alocou uma dedução fiscal a um exercício distinto, afetando o resultado fiscal de 2007 sem qualquer base legal – tal como já confirmado por decisão transitada em julgado no processo n.º 225/2016-T do CAAD;

(ii)          Procede a uma compensação de um crédito de um contribuinte sobre uma alegada dívida não liquidada em tempo e cujo exercício fiscal se mostra caducado;

(iii)         A AT corrige o resultado fiscal de 2009 sem qualquer procedimento inspetivo ou decisão comunicada nos termos legais à Requerente, pretendendo legitimar o procedimento através da sua incorporação como ato de execução de uma decisão arbitral relativa à liquidação do exercício de 2007;

(iv)         Por último, confrontada com a ilegalidade do procedimento seguido, efetua uma liquidação adicional de IRC de 2009 passados mais de 8 anos sobre os factos tributários…

20 - A AT “Em violação dos prazos de caducidade, das regras de funcionamento do SIFIDE, do próprio princípio da especialização dos exercícios e da anualidade do imposto e das regras relativas à realização de correções na esfera dos contribuintes, (i) incorporou correções à matéria coletável do exercício de 2009 num ato de liquidação adicional relativo ao exercício de 2007 cuja ilegalidade já foi declarada por decisão arbitral no processo n.º 225/2016-T e (ii) confrontada com a ilegalidade de tal liquidação emite, em alegada execução desta decisão, um novo ato de liquidação adicional de 2009 em incumprimento do prazo de caducidade.

21 - Na verdade, se a AT pretendia efetuar correções à declaração Modelo 22 do exercício de 2009 e, em concreto, ao valor do benefício fiscal do SIFIDE relativo a este período, devê-lo-ia ter feito através dos procedimentos normais para o efeito, i.e.:(i) A abertura de uma ação de inspeção ao exercício de 2009; (ii) A emissão de um projeto de correções, com possibilidade de exercício do direito de audição prévia por parte da Requerente; (iii) A emissão de um relatório final de inspeção que incorporasse a correção final ao valor do benefício fiscal; (iv) A emissão de um documento de liquidação adicional relativo a IRC do exercício de 2009 no decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT.

22 - Face a tudo o acima exposto na presente petição, deve ser julgado procedente o presente pedido e ordenada a anulação da liquidação n.º 2017 … relativa ao exercício de 2009 e da respetiva demonstração de compensação, no valor de EUR 388.891,92, o que motivará a extinção do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da referida quantia e o reconhecimento do direito da Requerente ao pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia nos termos do artigo 53.º da LGT, tudo com as devidas consequências legais.

 

Posição da Requerida

 

Notificada da ação, veio a AT responder defendendo o indeferimento do pedido, alegando, no essencial e em síntese:

1.            A Requerida entende que a execução da decisão arbitral tomada no Procº225/2016-T, do CAAD, é uma liquidação meramente corretiva, a qual foi efetuada pela AT ao abrigo do disposto no artigo 24.º do RAJT e do artigo 100.º da LGT, com vista a concretizar a decisão proferida no âmbito daquele processo.

2.            E mais, “… resulta claríssimo dos artigos 27.º, 29.º, 60.º, 65.º e 66.º do pedido arbitral, bem como dos artigos 77.º a 86.º, onde a Requerente sustenta que a decisão de compensação do crédito fiscal de 2007 com uma dedução em excesso no exercício de 2009, é ilegal por violação do regime jurídico do SIFIDE”.

3.            A Requerente invocou naquela ação arbitral, tal como invoca no presente processo, que nunca foi notificada de qualquer correção fiscal ao crédito fiscal aprovado pela Comissão Certificadora no montante de € 1.282.837,78, bem como que a AT não fundamentou o procedimento e violou seu direito de audição prévia ao «pegar» no crédito fiscal do exercício de 2007 e ao considerá-lo para compensar uma alegada dedução excessiva do exercício de 2009, sem que, contudo, tal alegada correcção ao crédito fiscal, no exercício de 2009, estivesse titulada por algum procedimento tributário ou acto de liquidação.

4.            E invocou, também (cfr. artigos 87.º a 118.º), tal como na presente ação arbitral, a violação dos princípios da anualidade do imposto, da especialização de exercícios e da indisponibilidade da relação jurídica tributária, argumentação julgada totalmente improcedente pelo Tribunal arbitral.

5.            Ora, no seguimento dos pedidos formulados e da causa de pedir invocada, decidiu o Tribunal arbitral julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e da liquidação n.º 2014…, considerando procedentes os vícios de falta de fundamentação e de preterição de formalidade legal de audição prévia.

6.            Consignando, na alínea O) do ponto 2. Matéria de facto, os factos constantes da decisão da reclamação graciosa que sustentam o entendimento, considerado ilegal pelo Tribunal arbitral, de imputar o montante de € 1.282.837,78, não só ao período de 2007 mas também a períodos de tributação seguintes, designadamente ao período de tributação de 2009.

7.            Nestes termos, entendeu o Tribunal arbitral que o benefício SIFIDE atribuído pela Comissão Certificadora, de €1.282.837,78, deveria ter sido totalmente imputado e deduzido no exercício de 2007, na medida em que a Requerente dispunha de coleta para o efeito, determinando a ilegalidade da liquidação impugnada, e por consequência da decisão da reclamação graciosa.

8.            Desta forma, e ao contrário do que a Requerente pretende fazer crer, a execução da decisão arbitral que determina a dedução integral do benefício fiscal no exercício de 2007, no montante de € 1.282.837,78, com a consequente restituição do montante de € 388.915,37, implica, necessariamente, que se promova o acerto do excesso da dedução à coleta efetuada no exercício de 2009, nesse mesmo montante.

9.            Com efeito, tal acerto do excesso da dedução à coleta no exercício de 2009 constituiu, como demostrado, objeto da ação arbitral, encontrando-se abrangido pelo pedido e causa de pedir formulados pela Requerente;

10.          Pelo que, a execução da decisão arbitral tem necessariamente de incluir a concretização de atos que evitem a restituição em duplicado do montante resultante do acerto e que impeçam a Requerente de aproveitar, de forma ilegal, do mesmo benefício fiscal em dois períodos de tributação distintos.

11.          O que consubstanciaria uma situação de enriquecimento sem causa, à custa do erário público e em violação dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça na tributação, do princípio da prossecução do interesse público e do princípio da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa

12.          Desta forma, a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se o ao tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado (cfr. artigo 24.º do RJAT e 100.º da LGT) só ocorre eliminando o efeito da dedução do benefício fiscal considerado e refletido pela AT no exercício de 2009, mediante a emissão, dentro do prazo de execução espontânea, de um ato de liquidação para esse período de tributação no mesmo montante objeto de restituição, sob pena de o benefício fiscal ser dupla e indevidamente usufruído pela Requerente nos exercícios de 2007 e 2009.

13.          Nestes termos, os tribunais arbitrais decidem de acordo com os poderes fixados no RJAT - poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade - carecendo o Tribunal Arbitral, no âmbito do processo n.º 225/2016-T, de competência para determinar, impor ou pronunciar-se sobre a forma como deveria ser concretizada a decisão arbitral que determinou a anulação dos atos impugnados.

14.          Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

15.          Assim, de acordo com o entendimento do douto Acórdão arbitral referido, a AT está obrigada a reconstituir a situação que existiria se o benefício fiscal tivesse sido ab initio reconhecido, com todas as consequências que desse reconhecimento derivam, designadamente a eliminação do efeito da dedução excessiva no exercício de 2009, porquanto tal dedução nunca teria sido autorizada no exercício de 2009 caso o benefício fiscal tivesse sido reconhecimento integralmente no exercício de 2007.

16.          Pelo que, se impunha que a AT retirasse todas as consequências jurídicas da decisão judicial anulatória, realizando as operações necessárias ao reconhecimento da situação anteriormente existente, designadamente, que promovesse a liquidação que determina o reembolso do montante de € 388.915,37, no exercício de 2007, e a liquidação que desconsidera a dedução à coleta, no mesmo montante, no exercício de 2009.

17.          Desta forma, à luz da jurisprudência do douto Acórdão (CAAD sob o n.º 494/2016-T), é manifesta a improcedência do entendimento da Requerente quando sustenta a obrigatoriedade de instauração de procedimento inspetivo ou de qualquer novo procedimento de liquidação, «pois o poder/dever que exerce ao efetuar nova liquidação em execução espontânea de julgado é-lhe concedido pela decisão jurisdicional exequenda.».

18.          Ora, in casu, como plenamente demostrado, a liquidação impugnada consubstancia um ato de natureza executória da decisão arbitral proferida no processo n.º 225/2016-TCAAD, que foi notificada à AT em 28-11-2016 e transitou em julgado no dia 10-01-2017.

19.          Pelo que, o prazo que a AT dispunha para a prática dos atos de execução espontânea da decisão arbitral só terminou no dia 18-05-2017.

20.          Como a nova liquidação foi emitida em 22-02-2017 e notificada para pagamento até ao dia 11-05-2017, não ocorreu esgotamento do prazo durante o qual a Administração Tributária podia praticar o ato de liquidação aqui em apreciação.

21.          Quanto à alegada ausência de fundamentação e de audição prévia, a Requerente tem perfeito conhecimento das razões que determinaram a emissão da liquidação controvertida e que se prendem com a concretização da decisão arbitral proferida no processo n.º 225/2016-T, como expressamente refere a notificação da liquidação.

22.          Com efeito, a Requerente bem sabe que recebeu o reembolso do montante de € 388.915,37, em consequência da anulação da decisão da reclamação graciosa respeitante ao exercício de 2007, e também sabe que esse montante foi objeto de dedução no exercício de 2009.

23.          Sendo que a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre as diligências de execução a promover pela AT ao abrigo do artigo 100.º da LGT, tendo a UGC informado da intenção de promover o acerto da dedução no exercício de 2009, por forma a evitar o aproveitamento indevido do mesmo benefício (€ 388.915,37) em dois períodos de tributação distintos.

24.          A Requerente exerceu o direito de audição invocando que já tinha sido notificada da liquidação n.º 2017… que materializa a «(i) anulação da correção nos termos determinados pelo tribunal arbitral, bem  como (ii) a restituição do valor devido a titulo de IRC do exercício de 2007 – EUR 388.915,37.», referindo ainda que o tribunal arbitral se declarou incompetente para conhecer do acerto no exercício de 2009, «estando assim esta matéria fora do âmbito da execução do julgado e do preceituado no artigo 100.º da LGT».

25.          Com efeito, como é consabido, a exigência de fundamentação dos actos tributários decorre, nomeadamente, dos artigos 268.º, n.º 3, da LGT, 77.º da LGT e 124.º e 125.º do CPA.

26.          É incontroverso, atenta a jurisprudência unânime, que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra. 

27.          Ora, no caso em apreço, a liquidação controvertida é meramente corretiva e a sua origem reporta-se à concretização das diligências de execução da decisão arbitral, sobre as quais a Requerente se pronunciou, em sede de direito de audição.

28.          Efetivamente, a exigência do dever de fundamentação resulta de diversas razões «que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o ato, até à garantia de transparência e da ponderação da atuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto» (cfr. Diogo Leite de Campos, Lei Geral Tributária – comentada e anotada, 3.ª Edição, Vislis, página 382).

29.          ssim, é de concluir que o ato de liquidação se encontra devidamente fundamentado, inexistindo qualquer contradição ou obscuridade que não tenha permitido à Requerente sopesar se deveria conformar-se com a liquidação, ou, ao invés, se deveria impugná-la como efetivamente aconteceu.

30.          Aliás, o que viola princípios constitucionais, mormente o princípio da igualdade e da justiça na tributação, bem como o princípio da prossecução do interesse público e o princípio da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa é o entendimento da Requerente sobre a liquidação controvertida, porquanto, a admitir-se, por mera hipótese e sem conceder, que o Tribunal arbitral determinasse a anulação da liquidação do exercício de 2009, ocorreria uma situação de enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473.º do Código Civil.

31.          Assim, caso a liquidação do exercício de 2009 seja anulada, o que impedirá que se promova o acerto do excesso da dedução à coleta efetuada nesse exercício, a Requerente usufruirá da dedução integral do benefício fiscal SIFIDE no exercício de 2007, no montante a que tem direito de € 1.282.837,78, bem como usufruirá de uma indevida dedução à coleta no montante de € 388.915,37, que já lhe foi reembolsado, como a mesma aliás confessa.

32.          Pelo que, a Requerente locupletar-se-á injustamente e à custa do erário público no montante de € 388.915,37, beneficiando de uma dedução à coleta, no exercício de 2009, de um benefício fiscal que não tem direito a usufruir, situação absolutamente desconforme com a sua real capacidade contributiva.

 

Termina a sua Resposta pedindo que, caso o Tribunal venha a acolher a pretensão da Requerente e determine a anulação da liquidação, se proceda à notificação ao Ministério Público da decisão arbitral, a fim de que este promova uma ação de indemnização com fundamento em enriquecimento sem causa, ao abrigo do artigo 473.º do Código Civil (“CC”), do artigo 3.º da Lei n.º 47/86, de 15 de outubro (“Estatuto do Ministério Público”), e do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

 

IV.          Tramitação subsequente do processo

Apesar de dispensada, por Despacho de 11 fevereiro de 2018, a Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, nos termos do mesmo foram as partes convidadas a apresentar, querendo, alegações escritas.

As partes apresentaram alegações nas quais reiteraram, no essencial, os argumentos que já haviam desenvolvido no Pedido e na Resposta, sem prejuízo de se destacar a referência de que a Requerente entende que “…. nunca poderá ser acusada de enriquecimento sem causa, pois que se limitou a exercer os seus direitos procedimentais em tempo, sendo que se reitera que a AT nunca efetuou qualquer correção ao exercício de 2009!!!!

E sendo um Estado de direito, ainda prevalece a presunção de veracidade das declarações, a necessidade de fundamentação, a prolação de atos administrativos em forma legal ou o direito de contraditório e contraprova em caso de procedimentos administrativos com efeitos desfavoráveis para os contribuintes!!!”.

 

Assim, nada mais há a assinalar nem quanto à matéria de facto nem quanto à matéria de direito, pelo que cumpre decidir.

V.           THEMA DECIDENDUM

De acordo com a matéria anteriormente expendida, cumpre decidir três questões:

(A)                Se a liquidação de IRC n.º 2017…, relativamente ao exercício de 2009, no montante de € 388.891,92, é ilegal em virtude de ter sido realizada para além do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT;

(B)          Se a Requerente tem direito a indemnização por prestação indevida de garantia nos termos do artigo 53.º da LGT, tudo com as devidas consequências legais; e

(C)          Caso a liquidação de IRC n.º 2017…, relativamente ao exercício de 2009, no montante de € 388.891,92, seja considerada ilegal, se o presente Tribunal deve proceder à notificação do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 473.º do CC - enriquecimento sem causa -, do artigo 3.º do Estatuto do Ministério Público e do artigo 219.º da CRP.

 

(A)         Da caducidade do direito à liquidação

 

1.            Começa-se esta análise por salientar os dois potenciais princípios em tensão na presente decisão. O primeiro será, porventura, a redução das receitas fiscais eventualmente cobradas pelo Estado, caso o mesmo benefício fiscal tenha, efetivamente, sido deduzido pela Requerente em dois exercícios diferentes: 2007 e 2009. Esta questão, contudo, encontra-se fora do escopo da presente decisão. Com efeito, o facto de a liquidação ter sido feita para além do prazo para a estabilização do ordenamento jurídico-tributário, i.e., para além do prazo de caducidade, faz com que a substância da liquidação não possa ser discutida. É este, com efeito, o segundo princípio em tensão, a segurança jurídica e a expectativa de estabilização da situação jurídico-tributária que obsta à liquidação de tributos (ainda que estes, de um ponto de vista substancial, fossem efetivamente devidos).

2.            Com efeito, a caducidade é uma causa extintiva da obrigação tributária, que opera pelo decurso do tempo, tendo em vista, nomeadamente, a garantia de princípios de segurança jurídica e previsibilidade económica.

3.            O artigo 45.º, n.º 1 da LGT, relativo à caducidade do direito à liquidação (na redação em vigor à data dos factos e que ainda se mantém atual), determina que o “direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

4.            A liquidação de IRC n.º 2017…, relativamente ao exercício de 2009, foi notificada à Requerente em março de 2017.

5.            De acordo com o artigo 45.º, n.º 4 da LGT (na redação em vigor à data dos factos e que ainda se mantém atual), o “prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.

6.            Uma vez que a Requerente adotou um período de tributação distinto do ano civil, tendo o exercício de 2009 decorrido entre 1 de abril de 2009 e 31 de março de 2010, e tratando-se de IRC, i.e., de um imposto periódico, o prazo de caducidade terminou em 31 de março de 2014.

7.            Só assim não seria se: (a) fosse de aplicar um prazo especial; (b) tivesse ocorrido um facto suspensivo ou interruptivo do prazo de caducidade; ou se (c) a liquidação de IRC que ora se discute fosse um mero ato de execução da decisão do Proc.º 225/2006-T, impactando na forma como a caducidade é equacionada e/ou se a liquidação efetuada fosse meramente corretiva.

8.            No que respeita à aplicação de um prazo especial, no caso concreto, apenas seria plausível considerar a aplicação do prazo previsto no artigo 45.º, n.º 3 da LGT, que faz coincidir - em caso de dedução ou crédito - o prazo de caducidade com o prazo de exercício do respetivo direito.

9.            Contudo, consideramos o preceito inaplicável no caso concreto. Com efeito o artigo 45.º, n.º 3 da LGT pretende estender o prazo de caducidade apenas nos casos em que também o exercício do direito é prolongado no tempo, prorrogando, por essa razão, a estabilização que tende a ocorrer na ordem jurídica após a verificação do facto tributário. Nestes casos, o termo inicial do prazo de caducidade é transferido para o momento da integral utilização do crédito, momento em que o facto tributário relativo a um dado exercício e respetivos efeitos se têm por tendencialmente estabilizados.

10.          Em todo o caso, na situação em apreço, o exercício do benefício não foi reportado, mas integralmente deduzido nos anos de 2007 (e 2009).

11.          No que respeita à verificação de um facto suspensivo ou interruptivo, importa, essencialmente, analisar – nos termos do artigo 46.º, n.º 2, alínea d) da LGT – se o direito à liquidação resulta de reclamação ou impugnação.

12.          Ora, a este respeito, salienta-se que – tanto quanto é do conhecimento deste Tribunal – apenas se discutiu a legalidade do ato de liquidação relativo ao exercício de 2007 e não relativamente ao exercício de 2009.

13.          Com efeito, conforme decorre do ponto 3.1. do Acórdão proferido no Processo n.º 225/2016-T:

“A questão essencial a decidir equaciona-se nos seguintes termos:

(…)

– no presente processo, a Requerente pretende que se declare a ilegalidade da liquidação n.º 2014…, complementada pela demonstração de acerto de contas n.º 2015…, na parte em que nela não foi considerado o referido valor de € 388.915,37, que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu ter sido deduzido em excesso na declaração relativa ao exercício de 2009.”

14.          Assim, não se verifica a aplicação de qualquer facto suspensivo.

15.          Finalmente, importa analisar se a liquidação de IRC que ora se discute é um mero ato de execução da decisão do Proc.º 225/2006-T.

16.          Ora, também a este respeito, temos de nos pronunciar de forma negativa. Com efeito, no Processo n.º 225/2006-T estava, repete-se, em causa a legalidade da liquidação de IRC de 2007, na medida em que a mesma não considerava o valor total do benefício fiscal do SIFIDE, e não o exercício de 2009.

17.          O referido processo não aprofundou a origem de uma potencial liquidação relativa ao exercício de 2009, limitando-se a declarar ilegal a liquidação de IRC do exercício de 2007, com o consequente reconhecimento do direito ao reembolso da quantia adicional de € 388.915,37, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios.

18.          Aliás, é o próprio Tribunal que, na decisão do Processo n.º 225/2006-T, refere que “[s]em decidir esta questão da admissibilidade de acerto quanto ao exercício de 2009, o Tribunal Arbitral não pode decidir se deve haver lugar ao reembolso e aos juros indemnizatórios pedidos pela Requerente”.

19.          Em suma, o Tribunal Arbitral decidiu pela anulação parcial da liquidação do exercício de 2007, concluindo que a AT deveria emitir a liquidação em conformidade com os dados constantes da declaração Modelo 22, i.e., considerando a totalidade do valor do benefício fiscal do SIFIDE.

20.          Ora, a legalidade da liquidação do exercício de 2009 – a “dedução em excesso” - não esteve em discussão no referido processo.

21.          Acresce que a Requerente nunca foi notificada de qualquer procedimento inspetivo relativo ao crédito fiscal do SIFIDE declarado no exercício de 2009.

22.          Nunca teve a Requerente a oportunidade de discutir se a liquidação relativa ao exercício de 2009, no montante de € 388.915,37, é, ou não, legal, do ponto de vista substancial.

23.          Por outro lado, a liquidação que ora se discute não foi meramente corretiva. Com efeito, não houve uma mera “amputação” de uma parcela do ato de liquidação anterior. Houve, efetivamente, um novo ato de liquidação. Um ato autónomo.

24.          A consequência da anulação da liquidação de 2007 não é a liquidação de imposto em 2009.

25.          Com efeito, o cenário em apreço não é comparável a uma situação em que, por exemplo, se tenha anulado um benefício fiscal levando a AT à liquidação do imposto não pago como consequência da reconstituição da situação que existiria se o benefício não tivesse sido reconhecido ab initio, ou vice-versa. A anulação parcial da liquidação de 2007 é independente da liquidação de 2009.

26.          Nunca foi discutida a relação entre o reconhecimento do benefício fiscal e a eliminação do efeito da dedução excessiva no exercício de 2009. Nunca tendo sido analisada esta relação, não está demonstrado que exista uma relação causal.

27.          Nos termos do artigo 24.º do RJAT “[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

a) praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral;

b) restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito;

c) rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;

d) liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.

2 – Sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os atos objeto desses pedidos ou sobre os consequentes atos de liquidação.

3 – Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.

4 – A decisão arbitral preclude o direito de a administração tributária praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário e período de tributação, salvo nos casos em que este se fundamente em factos novos diferentes dos que motivaram a decisão arbitral.

5 – É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

28.          Analisemos, então, com um pouco mais de detalhe os efeitos que poderão ter surgido da decisão proferida no Processo n.º 225/2006-T:

a.            Nos termos do artigo 24.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, a AT poderá proceder à prática do “ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral”. No caso concreto, isso implica a emissão de nova liquidação relativa a 2007 (uma liquidação corretiva). Nenhum efeito deverá decorrer relativamente ao exercício de 2009, já que este não foi “objeto da decisão arbitral”;

b.            Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, a AT pode “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

c.            A norma pretende, em termos sumários, restaurar a situação inicial. A situação existente antes da prática do ato tributário. Também a este respeito, nos parece que a anulação parcial relativa ao exercício de 2007 não implica uma liquidação adicional em 2009. Num exemplo da aplicação desta norma, dado por Carla Castelo Trindade, e que nos parece certeiro, a AT deverá “praticar o acto de extinção, total ou parcial, do processo de execução fiscal, anulando toda ou parte da garantia bancária (…)”. (Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Coimbra: Almedina, 2016, p.453);

d.            Mais controversa poderá gerar a situação prevista no artigo 24.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, que prevê a revisão “dos atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;”.

Recorrendo, uma vez mais, aos exemplos dados por Carla Castelo Trindade, ao abrigo da referida norma, a AT poderá rever o lucro tributável do exercício n+1 caso, na sequência de uma decisão arbitral, se tenha chegado à conclusão que a sociedade teve prejuízos e não lucros no exercício n. Noutro exemplo, caso uma mesma correção tenha dado origem a liquidações em vários impostos, a declaração de ilegalidade da correção impactará, naturalmente, em todos os impostos que possam ter gerado liquidações (Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Coimbra: Almedina, 2016, p.453).

Não nos parece, contudo, que exista uma relação de prejudicialidade ou dependência entre a liquidação de 2007 e a de 2009. Embora se compreenda a relação e ligação entre ambas as liquidações, não existe prejudicialidade ou dependência já que a declaração de ilegalidade da liquidação de 2007 não resultou de uma análise da razão de ser subjacente à liquidação. Não foi discutido em que momento a liquidação do imposto que ora se discute deveria ser efetuada (exercício de 2007/2008/2009), por exemplo. Não se discutiu o fundo da questão. Apenas se disse que a liquidação, nos termos em que foi efetuada em 2007, seria parcialmente ilegal. Esta decisão permite à AT voltar a liquidar o imposto que, na sua opinião, é devido, mas não em virtude da execução da decisão, mas como ato autónomo de liquidação, o que implica o respeito pelos prazos de caducidade;

e.            Finalmente, não será igualmente aplicável o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, que permite à AT “liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar” já que o Processo n.º 225/2006-T não dá qualquer orientação quanto à liquidação de imposto.

 

(B)          Do direito a indemnização por prestação indevida de garantia

 

29.          Nos termos do artigo 171.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, “[a] indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.”, acrescentando o número 2 do mesmo artigo que a “indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”.

30.          O artigo 53.º da LGT, relativo à garantia em caso de prestação indevida, determina que “[o] devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.” (sublinhados nossos).”. Acrescenta o número 2 do mesmo artigo, contudo, que “[o] prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.

31.          Importa, assim, verificar se o presente Tribunal poderá decidir favoravelmente a atribuição de uma indemnização por garantia indevida à Requerente.

32.          Ora, na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010), proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

33.          O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

34.          Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões de legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

35.          O legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais as questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

36.          Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT.

37.          Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária e Aduaneira a pagar juros indemnizatórios e indemnização por garantia indevida.

38.          É inequívoco que nos processos de impugnação judicial é possível apreciar pedidos de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, já que o artigo 171.º do CPPT estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

39.          Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

40.          Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de indemnização por garantia indevida.

41.          O pedido de constituição do tribunal arbitral tem, aliás, como corolário passar a ser a via onde será discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, o pedido de indemnização por garantia indevida pode igualmente ser discutido no âmbito do presente processo arbitral.

42.          Desta feita, dentro dos limites fixados, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os pedidos indemnização por garantia indevida.

43.          Nos termos acima descritos, a Requerente terá direito à garantia se: (i) a garantia tiver sido mantida por período superior a três anos ou (ii) se se verificar que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

44.          Constatando-se, todavia, que não ficou provada a existência da garantia bancária nem a pendência de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida emergente da liquidação ora impugnada, o pedido de indemnização por prestação de garantia bancária indevida terá de improceder.

 

(C)          Da notificação ao Ministério Público para propositura de ação por enriquecimento sem causa a pedido da AT

45.          Sem prejuízo de o presente Tribunal considerar que não se encontra obrigado a fazer qualquer notificação ao Ministério Público, poderá o CAAD, desde que verificados os requisitos, nos termos do artigo 2.º do Protocolo de Cooperação Institucional Entre o Centro de Arbitragem Administrativa e a Procuradoria-Geral da República, celebrado em 1 de março de 2018, proceder à comunicação do conteúdo da presente decisão.

VI.          Decisão

Em consequência do exposto, acordam os árbitros que constituem este Tribunal Arbitral Coletivo, em:

- Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2017…, relativamente ao exercício de 2009, no montante de € 388.891,92, em virtude de ter sido realizada para além do prazo de caducidade;

 - Julgar improcedente o pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia;

- Condenar a Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem; e

- Não determinar a notificação desta decisão ao Ministério Público, conforme requerido pela AT na Resposta,  por falta de base legal para o efeito, sem prejuízo de comunicação da mesma pelo CAAD à luz do  Protocolo de Cooperação Institucional entre o Centro de Arbitragem Administrativa e a Procuradoria-Geral da República, celebrado em 1 de março de 2018.

 

VII.         Valor do Processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 e no artigo 297.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 388.891,92.

 

VIII.       Custas

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4 e 12.º, n.º 2 do RJAT, nos artigos 2.º, 3.º, n.º 1 e 4.º, n.ºs 1 a 4 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas € 6.426,00.

 

 

Lisboa, 19 de abril de 2018.

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

 

Leonardo Marques dos Santos

(árbitro adjunto)

 

 

 

José Ramos Alexandre

(árbitro adjunto)