Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 453/2017-T
Data da decisão: 2018-04-05  IMI  
Valor do pedido: € 10.350,10
Tema: IMI - Litispendência - Preterição de formalidade legal - Artigo 44º, nº 1 n) do EBF.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular, o signatário, notificando as partes dessa designação. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 19 de outubro de 2017.

 

I – RELATÓRIO

1- No 28.07.2017, A..., LDA. com o NIPC ... e sede na ..., ... , ...-... PORTO, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2- Contesta o acto de liquidação de IMI relativo ao ano de 2016, pedindo a  sua declaração de nulidade/anulação e consequente condenação na restituição do imposto pago bem como a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

Argui, a Requerente:

O procedimento de liquidação de IMI, com referência ao ano de 2016, enferma de vários vícios que implicam a sua nulidade/anulabilidade: i) preterição de formalidade essencial [art. 60.º/7 da Lei Geral Tributária (LGT)], ii) errónea qualificação dos factos tributários, violação de lei [arts. 44.º/1, alínea n) e 5, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)], e iii) violação dos princípios da justiça, da coerência do sistema, da igualdade, e da proporcionalidade [arts. 2.º, 13.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 55.º da LGT].

A Requerente, no exercício daquele direito (de audição), suscitou novos elementos no plano do Direito, de modo a refutar a “extravagante” interpretação feita pela AT da norma do art. 44.º/1 alínea n), do EBF, que é, além do mais, “contra legem” .

Quando o legislador estabelece, no artigo 60.º/7 da LGT, que a AT deve ter em conta os elementos novos refere-se quer a elementos de facto, quer a elementos de direito, que a AT deveria ter apreciado na fundamentação do indeferimento – o que, in casu, não sucedeu.

Com efeito, «A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados,

 

sendo que «A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados, constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento

O “cumprimento” meramente formal do direito de audição, desvirtuando-lhe o objectivo de fazer o contribuinte participar da decisão, consubstancia violação do direito de participação (art. 60.º, n.º 7 da LGT), o que constitui preterição de formalidade essencial e é fundamento de impugnação judicial, nos termos do art. 99.º, alínea d), do CPPT, determinando a anulação do acto.

A interpretação da AT do art. 44.º, n.º 1, al. n) do EBF, que não concede a isenção de IMI à Requerente, além de manifestamente injusta, por tratar de forma diferente aquilo que é igual, não respeita a exigência da proporcionalidade em sentido estrito, conduzindo a um desequilíbrio inaceitável da prestação a que fica sujeito o proprietário dos prédios classificados como “imóveis de interesse público”, consubstanciado num excesso injustificável nos encargos de conservação e numa limitação abusiva na livre disposição do imóvel, com manifesta violação, como fica explicado, dos princípios da coerência do sistema, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade (arts. 55.º da LGT e arts. 13.º, 18.º/2 e 266.º/2 da CRP).

Como tal, a liquidação de IMI sob discussão é ilegal, e inconstitucional, por violação de lei ordinária (art. 44.º/1, al. n), do EBF) e constitucional (arts. 55.º da LGT e arts. 13.º, 18.º/2 e 266.º/2 da CRP).

 

3- Por seu turno, a AT…

Vem, liminarmente, salientar que a liquidação colocada em crise é o resultado da decisão de indeferimento do pedido de isenção IMI, proferida a 2013-11-16 pelo Chefe de Finanças do Porto …  e referente aos prédios urbanos em causa á qual a Requerente reagiu mediante a dedução de Ação Administrativa Especial.

Verifica-se, pois, no entender da AT uma questão de prejudicialidade na decisão que deve ser tida em conta, devendo suspender-se o presente pedido arbitral até que seja definitivamente decidida a questão suscitada no TAF Porto.

Em alegações, vem, a mesma AT, invocando semelhantes argumentos, alegar a exceção de Litispendência, que, porque de conhecimento oficioso, também deverá ser apreciada com as legais consequências em caso de procedência.

No que concerne á invocada a violação do direito de participação no âmbito do procedimento de isenção de IMI, vem a AT, apontar a Incompetência deste Tribunal porquanto, tal questão, não pode ser apreciada no âmbito do pedido de pronúncia arbitral”.

Quanto ao mérito, entende a AT… que as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos não padecendo de vício de violação de lei, ou outro, devendo, em consequência, ser declarada a total improcedência do pedido, mantendo-se o ato nos exatos termos em que foi praticado.

Reconhece que há uma forte tendência da jurisprudência do CAAD e Tribunais superiores no sentido da declaração da isenção de IMI, no caso de imóveis classificados património mundial pela UNESCO, alertando, contudo, que tal jurisprudência, não tem qualquer relação com o caso presente, já que os prédios em causa não fazem parte do denominado “Centro Histórico do Porto”, estando, portanto, fora da classificação daquela Instituição.

 

II- Factos

1- A Requerente é proprietária dos prédios que são, no seu conjunto, conhecidos como “...”:

Prédio sito na Rua ..., n.º..., correspondente ao artigo ... da matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto;

Prédio sito na Rua ..., n.ºs ... e ..., correspondente ao artigo ... da matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto;

Prédio sito na ..., n.º..., correspondente ao artigo ... da matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto;

Prédio sito na ..., n.º..., correspondente ao artigo ... da matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto;

Prédio sito na ..., n.º ... a ..., correspondente artigo ... da matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto;

Prédio sito na ..., n.º..., correspondente ao artigo .... da matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto;

Prédio sito na ..., n.º..., correspondente ao artigo ... da matriz urbana da União de Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto;

Prédio sito na Rua ..., n.º..., correspondente ao artigo ... da da matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto;

Prédio sito na ..., n.º..., correspondente ao artigo ... da matriz urbana da União de Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e..., do concelho do Porto;

Prédio sito na ..., n.º..., correspondente ao artigo ... da matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto;

Prédio sito na ..., n.ºs ... a ... e na Rua de ..., correspondente ao artigo ... da matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto .

 

2- Os identificados prédios são parte integrante da denominada “Zona Histórica do Porto”, cujo conjunto foi classificado como imóvel de interesse público pelo Decreto-Lei n.º 67/97, de 31 de Dezembro e cuja delimitação foi explicitada graficamente pela Portaria n.º 975/2006 (2.ª série), de 19 de Maio de 2006.

 

3- Em 2003, a Requerente solicitou a isenção de Contribuição Autárquica/IMI dos prédios inscritos na matriz urbana da freguesia de..., sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... [na actual União de Freguesias de ...,  ..., ..., ..., ... e  ... (Porto), agora sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...], que constituem o predito ..., o que fez nos termos da legislação vigente à data.

 

4- Em 24-05-2005, foi proferido despacho de concordância da autoria do Gestor Tributário da Direcção de Serviços da Contribuição Autárquica/IMI, deferindo aqueles pedidos de isenção de IMI, com efeitos a produzirem-se a partir do ano de 2004, inclusive .

 

5- Em 01-11-2013- pelo ofício n.º..., de 28-10-2013  do Chefe do Serviço de Finanças do Porto –..., foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de liquidação a incidir sobre o IMI dos referidos prédios inscritos na matriz urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... (Porto) sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e... , com referência aos anos de 2009 a 2012.

 

6- A Requerente exerceu, em 15-11-2013, o seu direito de audição nos termos do doc. nº 15, junto com o RI.

7- Em 02-12-2013, a Requerente foi notificada pelo ofício n.º .../... -10, de 25-11-2013, de despacho da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças do Porto - ..., por delegação de competências, que manteve o projecto de decisão de cessação das isenções de IMI sobre os identificados prédios, nos termos do doc. nº 16, junto com o RI.

8- O Director de Serviços dos Bens Culturais, da Direcção Regional da Cultura do Norte, pelo ofício S-.../..., de 10-02-2014, veio pronunciar-se sobre um requerimento apresentado pela Requerente, nos termos do documento junto como doc. n.º 18, ao RI, referindo que o conjunto de predios referidos não foi objeto de classificação indidual, salientando, contudo, que fazem parte da “Zona Histórica do Porto”, classificada imóvel de interesse publico.

9- Os prédios identificados não fazem parte do denominado “Centro Histórico do Porto”, classificado património mundial pela Unesco, mas da denominada “Zona Histórica do Porto”, não abrangida por nesta classificação.

10- Em 03-03-2014, a Requerente apresentou acção administrativa especial, nos termos constantes do doc. junto com a Resposta da AT, contra o despacho da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças do Porto - ..., que, por delegação de competências, manteve o projecto de decisão de cessação da isenção de IMI, a qual continua pendente no TCANorte.

 

Factos dados como provados

Todos os referidos.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III- DO DIREITO

As questões centrais controvertidas no presente processo que impõem

apreciação, para decisão, são as seguintes:

- A questão da exceção/Litispendência

- A questão de suspensão/ Prejudicialidade

- A questão da (in)competência deste Tribunal arbitral para apreciar o alegado vício de preterição de formalidade legal consubstanciada no “irregular” exercício do direito de audiência prévia e quanto às consequências da sua verificação. Sendo de ponderar o princípio do aproveitamento do acto e a sua aplicabilidade ao caso concreto.

- A questão de fundo que se coloca, reconduz-se, por fim, a saber os termos e condições em que os prédios inseridos em lugares classificados beneficiam de isenção de IMI, ao abrigo do disposto no artigo 44º, nº 1, alínea n) do EBF.

 

Vejamos,

a- EXCEÇÃO/LITISPENDÊNCIA

A Requerida, nas suas alegações, argui que existe uma forte similitude entre o presente processo arbitral e o processo que está pendente no TCANorte, sob o n.º 530/14.7BEPRT, consubstanciado numa ação administrativa especial, no qual, segundo a Requerida, os Requerentes submetem à apreciação judicial a mesma questão de fundo que está em causa nestes autos.

Sendo de conhecimento oficioso, procede-se, antes de mais, a apreciação da apontada exceção de Litispendência.

Conforme o alegado pela Requerida, os pedidos de um e outro processo são, na questão de fundo, iguais, a fundamentação de facto e de direito, num e noutro processo é exactamente a mesma e as relações jurídicas controvertidas de que procedem uma e outra acção são as mesmas. Pelo que é inequívoca a repetição da causa, uma vez que é a mesma a causa de pedir, é o mesmo o pedido e são os mesmos os sujeitos.

Consequentemente, visto que o presente processo arbitral foi instaurado em segundo lugar, a exceção dilatória da litispendência entre este processo e aquele processo judicial, imporia a absolvição da instância da AT.

Ora, conforme se refere na decisão citada pela AT: O artigo 580.º do CPC postula que a exceção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso (n.º 1), tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (n.º 2).

Os requisitos da litispendência são enunciados no artigo 581.º do CPC, no qual se estatui que se repete uma causa “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (n.º 1), sendo que há “identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (n.º 2), há “identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” (n.º 3) e há “identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico” (n.º 4).

Importa, pois, verificar se in casu ocorre ou não a tríplice identidade exigida pelo n.º 1 do art. 581.º do CPC entre este processo arbitral e o aludido processo judicial.

Aparentemente, inexiste identidade entre os pedidos formulados naquela ação administrativa especial e no presente processo arbitral. Efetivamente, naquela ação o que se pede é a anulação do despacho proferido pelo contra o despacho da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças do Porto - ..., que, por delegação de competências, manteve o projecto de decisão de cessação da isenção de IMI. Já neste processo arbitral o que se peticiona é a anulação do ato tributário de IMI, referente ao ano de 2016.

Também aparentemente estamos perante causas de pedir diversas: um ato administrativo em matéria tributária, quanto ao processo judicial, e um ato de liquidação (atos tributários stricto sensu), neste processo arbitral.

Acontece que, efetivamente, assim é apenas na aparência, pois, na essência, estamos perante causas de pedir e pedidos idênticos, o que logramos percecionar com meridiana clareza se atentarmos no âmbito/extensão da impugnação da dita liquidação de IMI que é feita através deste processo arbitral.

Resulta pois inequívoco que a aqui Requerente peticionou ao TAF do Porto e a este Tribunal Arbitral que apreciassem a mesma questão, embora sob perspetivas distintas, mas totalmente confluentes, a saber: isenção de IMI, ano de 2016, relativamente aos prédios em causa.

Com efeito, a Litispendência tem lugar quando exista repetição da causa, isto é, quando é proposta uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, encontrando-se a primeira ainda em curso e na apreciação dessa excepção «deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artigo art. 581.º do CPC, mas também à directriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 580.º,  onde se afirma que a excepção de litispendência (tal como a de caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou repetir uma decisão anterior (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, a pags. 302).

Ensina Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, a pgs. 138 e 139, que a excepção em causa «destina-se a evitar que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica) e a (...) a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), intervindo ainda, num plano secundário, «a preocupação de salvaguardar o prestígio dos tribunais».

 

Tais razões conduzem a que, no caso dos autos, atento o teor das petições/requerimentos de apresentadas pela Recorrente, poderia concluir-se pela verificação da excepção de litispendência, absolvendo da instância a Fazenda Pública.

CONTUDO,

Revisitando e confrontando o teor de tais petições/Requerimentos iniciais apresentadas pela Recorrente num e noutro processo, constata-se que no pedido arbitral é assacado um vício autónomo dirigido ao "procedimento" que deu origem ao acto tributário de liquidação de IMI em causa, que não fazendo parte da Pi do processo a correr nos TAfs, por si só, pode impor a anulação do ato tributário nos termos em que é requerida.

 

Assim, sem prejuízo do supra referido, o pedido de anulação do ato tributário com fundamento no vicio de preterição de formalidades legais, não pode deixar de ser apreciado, já que pode, em caso de procedência, impor a anulação do ato de liquidação, por ser fundamento bastante para tal, sendo certo que não foi requerido no primeiro processo instaurado, e não é de conhecimento oficioso no Tribunal onde pende o processo.

 

b- Outrossim, merece, com as respetivas adaptações, a mesma apreciação e decisão o que concerne á questão de Prejudicialidade evocada na Resposta da AT.

 

c- Exceção de Incompetência em razão da matéria

Estatui o artigo 54º do CPPT: “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

É pois, na “contestação” ao ato tributário de liquidação, que o contribuinte, enquanto sujeito passivo do imposto, deve colocar em crise, qualquer ato do procedimento tributário que o antecedeu.

No que especificamente diz respeito aos benefícios fiscais, confira-se Nuno Cerdeira Ribeiro (O Controlo Jurisdicional dos Atos da Administração Tributária: reflexões acerca da articulação com o processo administrativo, Coimbra, Almedina, 2014, p. 213) “os benefícios automáticos são considerados num procedimento mais lato de liquidação, que desemboca na emanação de um ato tributário stricto sensu.”

 Nesse caso, uma vez que “o benefício fiscal se insere no procedimento de liquidação, o ato aqui impugnável será este último, através do processo de impugnação judicial, e é nessa sede que o contribuinte pode atacar a legalidade da liquidação tendo por base a desconsideração ou a errada consideração do benefício em causa, o que vicia o ato final”.

Temos que, no caso em análise, se trata, pois, de atos subjacentes ao ato tributário de liquidação de IMI que se contesta.

Sendo certo que, nos termos do artigo Artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária:

“1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) …  

Nestes termos declara-se competente o presente Tribunal para a apreciação da matéria em causa, o que passa a efetuar-se.

 

C.1- Conforme, poderemos constatar no processo nº 67872 de 17-05-2012 do STA[1]:

O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no art. 60° n°1, da LGT, constitui direito constitucional aplicado ao procedimento tributário, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (art.267º, n°5, da CRP).


E, segundo o disposto no nº 7 do art. 60º da LGT, “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

Em anotação a este preceito, DIOGO LEITE CAMPOS/BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA (Cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª ed., encontro da escrita, editora, 2012), ponderam que “A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados”, sendo que “a falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação das decisão do procedimento”.

 

Acontece que estando em causa vícios procedimentais geradores de mera anulabilidade, como é o caso da violação do art. 60º da LGT, admite-se, por força do princípio geral de direito administrativo do aproveitamento do acto, que, por razões de segurança jurídica e, sobretudo, de economia processual, o acto administrativo, apesar de inválido, não deve ser anulado quando, designadamente, o seu conteúdo “não possa ser outro e não haja interesse relevante na anulação” ou “quando se comprove sem margem para dúvidas que o vício formal não teve qualquer influência na decisão” (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE; Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Coimbra, 2011, p. 179.)

 
No mesmo sentido, o STA tem firmado uma sólida jurisprudência no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitem, e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada a satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las (Cfr. entre outros, o Acórdão do STA de 30/3/2011, proc nº 877/09, com vasta jurisprudência referenciada.) e que designadamente a omissão do dever de audiência prévia não será invalidante da decisão final nos casos em que, através de um juízo de prognose póstuma, o tribunal possa concluir, sem margem para dúvidas, que a decisão tomada era a única concretamente possível (Cfr. entre outros, o Acórdão do STA de 30/3/2011, proc nº 877/2011, e os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 9/2/1999, recurso nº 39.379 e de 12/12/2001, recurso nº 34981.).

 

Em face do exposto, importa considerar se no caso em apreço estavam reunidos os pressupostos para a aplicação do princípio do aproveitamento do acto.

Vejamos. 
Recorde-se que o ora recorrente, na resposta ao direito de audição, invocou substanciais e importantes argumentos em força do seu entendimento no sentido da isenção do IMI, relativamente aos prédios situados naquela Zona classificada.

 

Ora, a preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas será admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for, de modo decisivo e inequívoco, insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente (Cfr. Acórdão do STA de 15/2/2007, proc nº 1071/06.) ou se trate de actividade administrativa vinculada. E, mesmo aqui, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que “(…) pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela. Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.” (cfr. o Acórdão de 14/5/2003, recurso nº 317/03).


Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 30/3/2011, proc nº 877/09, referindo-se à aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, “(…) apenas nas situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto pode ser efectuada aplicação daquele princípio”.

 

Como habitualmente é referido, “ O interesse prosseguido pela figura em causa é, ainda e nuclearmente, o da descoberta da verdade material e da defesa antecipada dos interesses do contribuinte. Se a legalidade da liquidação depende do correcto apuramento da capacidade contributiva do contribuinte, compreende-se o interesse objectivo em que este colabore com a Administração fiscal a fim de prevenir futuros litígios.

 Por outro lado, do ponto de vista do contribuinte, este tem interesse em esclarecer as eventuais incertezas probatórias da Administração fiscal antes que as mesmas sejam resolvidas num sentido contrário aos seus interesses, evitando, desse modo, a necessidade de impugnar o de recorrer da liquidação.”, aqui se atestando a prossecução daquela referida dupla função – defensiva e preventiva.

 

Concluindo, era, com efeito, necessária e obrigatória audição da contribuinte antes da liquidação.

 

E, destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito (cfr. art. 267.º, n.º 5, da CRP), contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão (cfr. art. 163.º, n.º 1, do CPA), a menos que seja manifesto que esta só podia, em abstrato, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso se impunha, o seu aproveitamento pela aplicação do princípio geral do aproveitamento do acto administrativo.

[Transcreveu-se parte do sumário do recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo: 095/16 de 18-10-2017, que, com a devida vénia, continuaremos a seguir de perto]

 

A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir, num juízo de prognose póstuma, se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente.

 

Ou seja, continuando no sentido do Acórdão que vimos citando… a preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final.

 

Ora, no caso, não é completamente inequívoco o sentido final da discussão pois é, pelo menos em abstrato, discutível, se os prédios em causa cairiam na isenção de IMI. Trata-se, no caso, até de uma discussão complexa como aliás, se pode ver na jurisprudência citada.

 

Com efeito, a análise deve atender ás circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir, num juízo de prognose póstuma, independentemente do posterior facto de resultado dessa discussão, ou seja, independentemente da procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação/contestação.

 

A pedra-de-toque para a aplicação do referido princípio é, pois, a insusceptibilidade de a participação do interessado influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos.

 

Reitera-se, “a aplicação do princípio do aproveitamento do acto implica necessariamente um juízo a posteriori, «este deve ser um juízo de prognose póstuma, pelo que não pode nem deve ser influenciado pela improcedência dos demais vícios (para além da preterição do direito de audiência) invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do direito de participação e de impossibilidade prática deste instituto.

(Cfr. No mesmo sentido o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13.).

 

PELO QUE PROCEDE o pedido de pronúncia arbitral já que a liquidação contestada enferma de vício formal consubstanciado na deficiência, (o que equivale a falta) de audiência prévia nos termos estatuídos no nº7 artº 60º da LGT, impondo-se anular o ato tributário respetivo.

 

d- Quanto ao pedido de juros indemnizatórios

Constitui jurisprudência consolidada, nomeadamente no STA, o entendimento que, quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no art. 43.º da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios.

 

A referida norma exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido.

E a existência desse erro não se considera verificado no caso em apreciação.

 

Conclui-se, efetivamente, que, nos casos, como o presente, em que a anulação da liquidação tenha por fundamento a preterição de formalidade por violação do direito de participação ou omissão do dever de audição prévia, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT.


 

e- Face á procedência do vício apontado, fica prejudicada, nos termos referidos, a apreciação dos outros alegados fundamentos de anulação.

Na verdade, em obediência á ordem de conhecimento de vícios, previsto no artigo 124.º do CPPT, não teria prioridade a apreciação o vicio de preterição de formalidade essencial [art. 60.º/7 da Lei Geral Tributária (LGT), porquanto, em caso de procedência, não obstará à renovação do acto impugnado. Contudo face ao referido a propósito da apreciação da exceção de Litispendência, não poderiam os outros vícios ser aqui apreciados.

 

IV-DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  a- Declarar a anulação do ato tributário de liquidação de IMI impugnado, por vicio de forma;

b- Determinar o reembolso da importância indevidamente paga;

c- Não condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios;

d- Condenar a Requerente e Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 10.350,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas Requerida e Requerente, na proporção de 90/10, respetivamente, uma vez que o pedido foi considerado parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 05 de Abril 2018

 

O Árbitro,

 

(Fernando Miranda Ferreira)



[1] Cfr, no mesmo sentido, entre outros, o proc. nº 0575/13 de 08-05-2013 do STA.