Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 289/2019-T
Data da decisão: 2019-12-18  IRS  
Valor do pedido: € 42.451,13
Tema: IRS – Categoria G; Mais-Valias; Valor declarado; Valor Patrimonial Tributário; n.º 2 do artigo 44.º CIRS (2009); Inconstitucionalidade; Valor da causa.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro Alexandre Andrade, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 2 de Julho de 2019, decide no seguinte:

1. Relatório

A... (adiante designada apenas por Requerente), NIF..., com domicílio na Av. ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada apenas por Requerida).

A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral referindo o seguinte: [...] Impugnante no âmbito do processo de impugnação judicial da liquidação adicional de IRS n.º 2013..., respeitante ao exercício de 2009, importando um imposto apurado, acrescido de juros compensatórios no montante total de € 42.451,13, que corre termos na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º de processo .../14...BELRS, e tendo desistido da instância com vista ao cometimento do mesmo processo à arbitragem do CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 11.º do decreto-lei n.º 81/2018 de 15 de outubro, vem formular pedido de constituição de tribunal arbitral [...], para efeitos de impugnação daquela liquidação, o que faz nos termos e com os fundamentos constantes da petição inicial, alegações e articulado superveniente, juntando o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2017 de 02/05/2017, [...], cuja relevância material para os presentes autos decorre da circunstancia de decidir sobre factualidade semelhante e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Como refere a Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, esta pretende, por ausência de facto tributário e por violação do direito da impugnante a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, pelo seu rendimento real ou efectivo, que seja declarada nula a liquidação adicional aqui impugnada, com todas as consequências legais daí advenientes. 

No Pedido de Pronúncia Arbitral a Requerente, requer, a final, Neste termos [...] deverá ser declarada procedente a presente impugnação e em consequência: a) ser anulada a liquidação adicional de IRS impugnada; b) ordenar-se a restituição à Impugnante dos montantes por si pagos, conexos com tal liquidação adicional, acrescidos de juros indemnizatórios [...].

Na Resposta, a Requerida vem dizer o seguinte: O presente pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) vem deduzido contra a Liquidação adicional de IRS com o n.º 2013..., no valor de € 42.451,13, emitida após verificação por procedimento inspectivo interno sobre a análise das mais-valias declaradas pela Impugnante, que o valor de realização seria superior ao declarado, isto, considerando o Valor Patrimonial Tributário dos imóveis alienados pela Requerente. Em causa nos presentes autos está a alegada ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2009 supra identificada . A Requerente sustenta a sua tese na verificação de inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2  do  artigo  44.º  do código  do  IRS,  quando  interpretada  no  sentido segundo o qual na definição do valor de realização de direitos reais sobre bens imóveis prevalecerão sempre, quando superiores, os valores por que os bens houverem  sido considerados  para  efeitos de liquidação  de IMT ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida, ainda que o preço efetivamente praticado tenha sido o declarado pelo sujeito passivo, (cfr. n.º 1 do artigo 103.º, artigo 13.º e n.º 1 do artigo 104.º, da CRP, além de violar o disposto no artigo 73.º da LGT). Pede que seja “declarada procedente a presente impugnação e em consequência: a) ser anulada a liquidação adicional de IRS impugnada; e b) ordenar­se a restituição à impugnante todos os montantes por si pagos, conexos com tal liquidação adicional, incluindo coimas com ela conexas; com todas as consequências legais dai advenientes, nos termos do artigo 100.º da LGT”. A AT, por sua vez, pugna pela manutenção na ordem jurídica do acto impugnado por corresponder a uma correcta aplicação do direito à realidade material controvertida, conforme adiante se passará a explanar.

Pede, a final, a Requerida, na Resposta, o seguinte: Nestes termos, [...], deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 22 de Abril de 2019 e posteriormente notificado à Requerida.    

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11 de Junho de 2019, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 2 de Julho de 2019.

Em 3 de Julho de 2019, o Tribunal Arbitral Singular proferiu o seguinte Despacho Arbitral: Tendo sido constituído o Tribunal Arbitral, notifique-se, nos termos do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que deve ser remetido ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Em 23 de Setembro de 2019 a Requerida apresentou Resposta e juntou cópia simples do texto do Relatório de Inspeção, comprometendo-se a juntar o Processo Administrativo assim que este for devolvido pelo Tribunal Tributário de Lisboa, onde se encontra o seu original.

Em 2 de Outubro de 2019, o Tribunal Arbitral Singular proferiu o seguinte Despacho Arbitral: A Requerente apresentou o seu Pedido de Pronúncia Arbitral. A Requerente, no Pedido de Pronúncia Arbitral, não juntou a procuração forense. Notifique-se a Requerente para, no prazo de 5 (cinco) dias, juntar aos presentes Autos Arbitrais a procuração forense. A Requerida apresentou a sua Resposta. Na Resposta, a Requerida comprometeu-se a juntar o Processo Administrativo (adiante designado apenas por PA) assim que este for devolvido pelo Tribunal Tributário de Lisboa (adiante designado apenas por TTL). Notifique-se a Requerida para, no prazo de 5 (cinco) dias, informar este Tribunal Arbitral Singular sobre a data do pedido do PA ao TTL. Nenhuma das Partes requereu prova testemunhal. Para além da prova documental já junta e incorporada nos Autos, não está requerida, pelas Partes, a produção de prova adicional. Não se vê utilidade em realizar a reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), pelo que, de harmonia com os Princípios da Autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da Celeridade, da Simplificação e Informalidade Processuais (alínea c) do artigo 16.º, n.º 2 do artigo 19.º e n.º 2 do artigo 29.º, todos do RJAT), dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determina-se que o processo prossiga com alegações escritas facultativas, por um período de 10 (dez) dias, iniciando-se com a notificação do presente Despacho Arbitral o prazo para alegacões da Requerente e com a notificação da apresentação das alegacões da Requerente, ou com o final desse prazo, na falta de apresentação das mesmas, o prazo para alegações da Requerida. A Decisão Arbitral será proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT. Nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a Requerente deverá efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente, comunicando esse pagamento ao CAAD. Em nome do Princípio da Colaboração das Partes, solicita este Tribunal Arbitral Singular o envio das peças processuais em formato Word. Do presente Despacho Arbitral notifiquem-se ambas as Partes.

Em 3 de Outubro de 2019, a Requerente apresentou requerimento dizendo: [...] considerando a natureza da migração de processos, do pedido de pronúncia arbitral por si formulado fazem parte integrante um conjunto de documentos e articulados que nele devem ter-se por reproduzidos para efeitos de pronúncia arbitral – a petição inicial, o articulado superveniente e as alegações apresentadas no processo migrado para o CAAD -, documentos esses que incluem a procuração forense passada a favor do mandatário subscritor. Assim, e tendo em conta que de acordo com essa mesma natureza, as alegações escritas foram já apresentadas, remete-se para as mesmas que se encontram juntas ao pedido de constituição de tribunal arbitral, submetendo-se à justiça deste Tribunal.

Em 15 de Outubro de 2019, a Requerida apresentou requerimento dizendo: A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada do despacho de 02/10/2019 para: “no prazo de 5 (cinco) dias, informar este Tribunal Arbitral Singular sobre a data do pedido do PA ao TTL” vem dizer o seguinte: - O pedido de Devolução do PA referente ao Proc. .../14...BELRS que corria termos sob a forma de Impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa foi concretizado pelo Representante da Fazenda Pública junto da Direcção de Finanças de Lisboa, que é quem, nos termos do artigo 15.º do CPPT, tem competência para representar a Administração Tributária no processo judicial tributário. - Mais se informa que tal pedido foi apresentado no dia 09/10/2019.

A Requerida não apresentou alegações.

Em 4 de Novembro de 2019, a Requerente apresentou requerimento dizendo: [...] tendo tomado conhecimento da decisão arbitral tomada no âmbito do processo 331/2019-T/CAAD, cuja relevância material para os presentes autos resulta da circunstancia de decidir sobre factos semelhantes e sobre a mesma questão de Direito, vem requerer [...] que seja admitida a sua junção aos presentes autos.

Em 11 de Novembro de 2019, o Tribunal Arbitral Singular proferiu o seguinte Despacho Arbitral: A Requerente apresentou requerimento onde diz: [...] tendo tomado conhecimento da decisão arbitral tomada no âmbito do processo n.º 331/2019-T/CAAD, cuja relevância material para os presentes autos resulta da circunstância de decidir sobre factos semelhantes e sobre a mesma questão de Direito, vem requerer [...], que seja admitida a sua junção aos presentes autos. De harmonia com o Princípio do Contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às Partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo, e do Principio da Autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, notifique-se a Requerida para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar, querendo, dizendo o que tiver por conveniente. Do presente Despacho Arbitral notifiquem-se ambas as Partes. A Requerida nada disse.

O Tribunal Arbitral Singular é competente e foi regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

2. Matéria de Facto

2.1. Factos Provados

Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, este Tribunal Arbitral Singular considera provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os seguintes factos:

1.            A Requerente (A...) e as suas filhas –B..., C..., D... e E... – eram comproprietárias dos seguintes imóveis, sitos na ..., Freguesia e Concelho de ..., descritos na Conservatória do Registo Predial de ..., registados em comum e sem determinação de parte ou direito:

a.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º;

b.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º;

c.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º;

d.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º;

e.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º.

(conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

2.            Os imóveis identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados tiveram origem no artigo rústico ...º, o qual foi adquirido, pela Requerente e suas filhas, em compropriedade, por transmissão gratuita, originada por óbito de F... (óbito ocorrido em 01-07-1991), marido da Requerente (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

3.            Os imóveis identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados foram inscritos na matriz, como terrenos para construção (todos com origem no artigo rústico....º), em 26-01-2009 (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

4.            O artigo rústico ...º constava, no processo de imposto sucessório, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa ..., com o n.º..., com o Valor Patrimonial Tributário de € 934,33 (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

5.            A Requerente e as restantes comproprietárias (filhas da Requerente) colocarem no mercado, para venda, os imóveis identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados, tendo aguardado cerca de um ano e meio até que surgisse uma entidade suficientemente interessada para apresentar uma proposta (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

6.            No dia 9 de Março de 2009, por Escritura Pública de Compra e Venda, realizada no Cartório Notarial de ..., perante a Notária G..., a Requerente e as suas filhas, venderam pelo preço global de € 500.000,00, os seguintes imóveis, detidos em compropriedade (imóveis já referidos e identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados):

a.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º, pelo preço de € 100.000,00;

b.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º, pelo preço de € 100.000,00;

c.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º, pelo preço de € 100.000,00;

d.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º, pelo preço de € 100.000,00;

e.            Lote de terreno para construção urbana, denominado por lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º, pelo preço de € 100.000,00.

(conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

7.            Os imóveis identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados foram vendidos à sociedade comercial denominada H..., S.A., com sede no ... – ..., Rua ..., freguesia e concelho de ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva n.º ... (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

8.            A Sociedade Compradora -H..., S.A. - era uma sociedade parcialmente detida pelo Município de ..., constituída com o objetivo de ser um veículo de investimento “na criação, desenvolvimento, construção, gestão, conservação, manutenção e exploração de áreas de desenvolvimento urbano de construção prioritária, de infra-estruturas desportivas, educativas, culturais e de lazer, de áreas de localização industrial e parques de negócios e de requalificação urbana e ambiental no concelho de ...” e de permitir a construção de um “conjunto de equipamentos e infra-estruturas, que são peças estruturantes do desenvolvimento harmonioso do concelho” (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

9.            A Sociedade Compradora – H..., S.A. - era é uma sociedade com condições excecionais para adquirir, infraestruturar e desenvolver grandes projetos para os imóveis identificados em 1 do 2.1. dos Factos Provados, tendo sido a primeira entidade a mostrar-se suficientemente interessada em adquirir os imóveis e pagar o preço que a Requerente e suas filhas pretendiam (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

10.          A Autoridade Tributária e Aduaneira refere no Relatório de Inspeção:

a.            Compete esclarecer que as correções propostas não se baseiam em presunções, nem pressupõe que tenha ocorrido simulação de preço, mas sim no facto de, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, al. f) e n.º 2 do CIRS, o valor de realização na alienação de direitos reais sobre imóveis é o maior dos valores: valor da contraprestação; ou valor pelo qual houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT pelo que o alegado pelo SP em nada altera as correções propostas,

b.            No entanto, como já referido, as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS, não existindo qualquer presunção, nem é referido no relatório que o preço declarado é simulado, [...].

c.            Contrariamente ao alegado pelo SP, as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS, pelo que a prova do valor recebido em nada altera a correção proposta constante do relatório de inspeção.

(conforme documento junto com a Resposta). 

11.          O preço de € 500.000,00, declarado pela Requerente e suas filhas na Escritura Pública de Compra e Venda, realizada em 9 de Março de 2009, foi o preço efetivamente praticado (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

12.          Inicialmente, a Sociedade Compradora reservou para si o montante de € 10.000,00 para fazer face a despesas relacionadas com a operação de compra (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

13.          À Requerente e suas filhas foi efetuado o pagamento do montante total de 490.000,00 (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

14.          A parcela do preço destinada à Requerente - 62,50% - corresponde: (i) à quota parte correspondente a 50% que a mesma detinha nos imóveis (identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados) anteriormente a 1989 (estando esta parte excluída de tributação ao abrigo do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro) e (ii) à  quota parte que lhe cabia na herança do seu marido, falecido em 1 de Julho de 1991, correspondente a 12,5% (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

15.          62,5% de € 490.000,00 perfaz o montante de € 306.250,00, montante exato que a Requerente recebeu (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

16.          Na data da Escritura Pública de Compra e Venda foi também pago à Requerente a parte que lhe cabia no montante remanescente dos € 10.000,00 (valor inicialmente retido pela compradora), num total de € 9.749,60, tendo a Requerente recebido (também em 9 de Março de 2009) o valor de € 6.093,50, correspondente a 62,5% do valor dos € 9.749,60 (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

17.          Em Abril de 2009, a Requerente foi notificada da atribuição do Valor Patrimonial Tributário (VPT) aos imóveis identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados, passando os mesmos a ter os seguintes VPTs:

a.            VPT do artigo ...º: € 189.720,00;

b.            VPT do artigo ...º: € 508.590,00;

c.            VPT do artigo ...º: € 211.160,00;

d.            VPT do artigo ...º: € 416.130,00;

e.            VPT do artigo ...º: € 224.300,00.

(conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

18.          A Requerente, ao receber os ofícios contendo os Valores Patrimoniais Tributários dos imoveis identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados, não reagiu a tais avaliações, uma vez que os mesmos referiam-se a imóveis já alienados (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

19.          A Requerente apresentou a Declaração de Rendimentos – Modelo 3 de IRS – do ano de 2009, declarando ter auferidos rendimentos originados pela prestação de trabalho por conta de outrem (categoria A; Anexo A), rendimentos da categoria F (prediais) e com a alienação de direitos reais sobre imóveis (Categoria G, Anexo G), no montante global de € 64.814,55 (conforme documento junto com a Resposta).

20.          A Requerente no Anexo G declarou a alienação da sua quota parte (12,5%) nos imóveis com os seguintes artigos urbanos: ...º, ...º, ...º, ...º e ...º (imóveis identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados), todos da Freguesia e Concelho de ..., pelo valor de € 12.500,00 cada imóvel, correspondente ao valor de venda por imóvel de € 100.000,00 (conforme documento junto com a Resposta).

21.          Através das ordens de serviço n.º DI2013... e OI2013... a Autoridade Fiscal e Aduaneira procedeu à análise interna da situação tributária da Requerente, tendo o procedimento de inspeção sido desencadeado na sequência da análise das mais-valias do ano de 2009 (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

22.          O procedimento de inspeção interno foi iniciado em 04-07-2013 e teve autorização do Diretor de Finanças de Lisboa, por Despacho de 19-06-2013, para que a realização dos procedimentos inspetivos fossem realizados pela Direção de Finanças de ... (conforme documento junto com a Resposta).

23.          A Requerente disponibilizou-se a colaborar na obtenção dos demais elementos e diligências que a Administração Tributária e Aduaneira julgasse necessário, designadamente autorizando o levantamento do sigilo bancário (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

24.          Na sequência da ação inspetiva, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRS n.º 2013..., respeitante ao exercício de 2009, importando um imposto apurado, acrescido de juros compensatórios, no montante total de € 42.451,13 (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral e documento junto com a Resposta).

25.          A Requerente efetuou o pagamento parcial de IRS sem juros, no valor de € 27.153,55, em 11 de Dezembro de 2013, uma vez que, beneficiou do Regime Excecional de Regularização de Dívidas de Natureza Fiscal (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

26.          A Requerente apresentou processo de Impugnação Judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa, ao qual foi atribuído o n.º .../14...BELRS e correu termos na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Tributário de Lisboa (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

27.          A Requerente desistiu da instância no processo n.º .../14...BELRS, que correu termos na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Tributário de Lisboa, com vista ao cometimento do mesmo processo à arbitragem do CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018 de 15 de Outubro (conforme documentos juntos com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

28.          A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral em 22 de Abril de 2019 (conforme Pedido de Pronúncia Arbitral).

2.2. Factos Não Provados

                Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

2.3. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes ao presente Processo Arbitral, incluindo as peças processuais juntas ao processo n.º.../14...BELRS, que correu termos na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Tributário de Lisboa e seus documentos e a cópia simples do texto do Relatório de Inspeção.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos Autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

3. Matéria de Direito (fundamentação)

A Requerente, tal como indicado no Pedido de Pronúncia Arbitral, pretende, por ausência de facto tributário e por violação do direito da impugnante a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, pelo seu rendimento real ou efetivo, que seja declarada nula a liquidação adicional aqui impugnada, com todas as consequências legais daí advenientes, requerendo, por isso, a final, Neste termos [...] deverá ser declarada procedente a presente impugnação e em consequência: a) ser anulada a liquidação adicional de IRS impugnada; b) ordenar-se a restituição à Impugnante dos montantes por si pagos, conexos com tal liquidação adicional, acrescidos de juros indemnizatórios [...].

Sustenta a Requerente, no Pedido de Pronúncia Arbitral e na Impugnação Judicial apresentada junto do Tribunal Tributário de Lisboa, que a liquidação resultou de uma correção à sua matéria coletável no montante de € 65.624,97, feita na sequência de uma ação inspetiva que correu na Direção de Finanças de ... ao abrigo da Ordem de Serviço nº. OI2013..., relativa à venda de um imóvel, feita pela Impugnante, no exercício de 2009, defendendo no Pedido de Pronúncia Arbitral, Sucede porém que a norma em que a correção proposta se baseia estabelece a favor do Fisco uma presunção legal que a Impugnante oportunamente ilidiu, e que deveria ter produzido as necessárias consequências legais ao abrigo dos artigos 56.º e 58.º da LGT. Ao desconsiderar totalmente os factos invocados e amplamente demonstrados pela Impugnante, a Administração Tributária violou os citados normativos, mas violou também a alínea f) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 44.º do código do IRS, norma que concretiza a incidência do imposto, ao interpretá-la no sentido de que a mesma contém uma presunção jures et de jure, de carácter absoluto, o que de acordo com a mais avisada doutrina e jurisprudência pacífica, é proibido pelo ordenamento constitucional tributário português, por ferir os princípios constitucionais da justiça material e da capacidade contributiva, enquanto dimensão concretizadora do princípio da igualdade no domínio tributário (cfr. n.º 1 do artigo 103.º, artigo 13.° e n.º 1 do artigo 104.°, da CRP, n.º 1 do artigo 4.º, artigo 5.º, n.º 3 do artigo 7.º), além de violar o disposto no artigo 73.° da LGT.

Na Resposta, a Requerida vem dizer o seguinte: O presente pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) vem deduzido contra a Liquidação adicional de IRS com o n.º 2013..., no valor de € 42.451,13, emitida após verificação por procedimento inspectivo interno sobre a análise das mais-valias declaradas pela Impugnante, que o valor de realização seria superior ao declarado, isto, considerando o Valor Patrimonial Tributário dos imóveis alienados pela Requerente . Em causa nos presentes autos está a alegada ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2009 supra identificada. A Requerente sustenta a sua tese na verificação de inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2  do  artigo  44.º  do código  do  IRS,  quando  interpretada  no  sentido segundo o qual na definição do valor de realização de direitos reais sobre bens imóveis prevalecerão sempre, quando superiores, os valores por que os bens houverem  sido considerados  para  efeitos de liquidação de IMT ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida, ainda que o preço efetivamente praticado tenha sido o declarado pelo sujeito passivo  (cfr. n.º 1 do artigo 103.º, artigo 13.º e n.º 1 do artigo 104.º, da CRP, além de violar o disposto no artigo 73.º da LGT). Pede que seja “declarada procedente a presente impugnação e em consequência: a) ser anulada a liquidação adicional de IRS impugnada; e b) ordenar­ se a restituição à impugnante todos os montantes por si pagos, conexos com tal liquidação adicional, incluindo coimas com ela conexas; com todas as consequências legais dai advenientes, nos termos do artigo 100.º da LGT”. A AT, por sua vez, pugna pela manutenção na ordem jurídica do acto impugnado por corresponder a uma correcta aplicação do direito à realidade material controvertida , conforme adiante se passará a explanar.

A Requerida pede, a final, na Resposta, [...] deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

Entende este Tribunal Arbitral Singular que está em apreciação nestes Autos Arbitrais a questão de saber qual o valor de realização a considerar para efeitos de apuramento e tributação das mais-valias realizadas pela Requerente em sede de IRS (2009), na alienação onerosa de direitos reais sobre os bens imóveis – o valor da respetiva contraprestação ou o valor patrimonial tributário (VPT).

Vejamos antes de mais, o que diz a Lei, nomeadamente do Código do IRS (CIRS) e a Lei Geral Tributária (LGT).

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS , Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte [...].

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS , Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis [...].

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.° do CIRS , O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição [...].

Nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS , Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.

Nos termos do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS   , Nos casos das alíneas [...] f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.

Nos termos do artigo 73.º da LGT, As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

A Requerente, nas Alegações apresentadas junto do Processo n.º .../14...BELRS, que, como já referido, correu termos na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Tributário de Lisboa, referiu o seguinte: [...] notificada da liquidação adicional de IRS n.º 2013..., respeitante ao exercício de 2009, importando um imposto apurado, acrescido de juros compensatórios no montante total de € 42.451,13. Esta liquidação resultou de uma correção matéria coletável no montante de € 65.624,97, feita na sequência de uma ação inspetiva que correu na Direção de Finanças de ... ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2013..., relativa à venda de um imóvel, feita pela Impugnante, no exercício de 2009. Sucede porém que a norma em que a correção proposta se baseia estabelece a favor do Fisco uma presunção legal que deve ser considerada ilidida, não só porque a Impugnante oportunamente apresentou os meios de prova necessários a ilidir essa presunção, como ainda se dispôs a colaborar no levantamento do sigilo bancário caso tal se entendesse necessário à descoberta da verdade material, elementos que deveriam ter produzido as necessárias consequências legais ao abrigo dos artigos 56.º e 58.º da LGT. Ao desconsiderar totalmente os factos invocados e os meios de prova apresentados pela Impugnante, a Administração Tributária violou, além os citados normativos, os princípios da justiça, imparcialidade e verdade material, a alínea d) do artigo 9.º da CRP, assim como os artigos 13.º e n.º 1 do artigo 104.º da mesma Lei Fundamental, ao interpretar a alínea f) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 44.º do código do IRS, norma de concretização da norma incidência, no sentido de que a mesma constitui uma ficção jurídica conducente à tributação de um rendimento ficcionado e por conseguinte a uma presunção jures et de jure, de carácter absoluto. Aliás, aquele entendimento viola ainda flagrantemente o artigo 73.º da LGT o qual, de acordo com a mais avisada doutrina e jurisprudência pacífica, é imposto pelos princípios constitucionais da justiça material e da capacidade contributiva, enquanto dimensão concretizadora do princípio da igualdade no domínio tributário (cfr. além dos normativos citados, o n.º 3 do artigo 103.º da CRP).

Acrescenta a Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral o seguinte: A alínea f) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 44.º do CIRS estabelecem que “Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se o valor de realização: (...) o valor da respectiva contraprestação”, sendo que, “tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (...)”. [...]. Da conjugação das duas normas supra citadas, contidas no artigo 44.º do Código do IRS, torna-se claro que estamos perante uma forma objetiva de determinação da matéria coletável, mediante a instituição de uma presunção quanto ao valor de realização, na medida em que o faz coincidir com o Valor Patrimonial Tributário, sempre que o valor constante do contrato seja inferior. Presunção essa cujo efeito é a inversão do ónus da prova nos casos em que o valor declarado é inferior ao Valor Patrimonial Tributário dos imóveis transmitidos, que se justifica com a prevenção do abuso das formas jurídicas e a evasão fiscal. [...] A Impugnante tem o direito a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, [...]. Com efeito, o rendimento tributável deve ser sempre apurado, preferencialmente, de acordo com a declaração de cada contribuinte e segundo os critérios próprios de cada tributo destinados a apurar aquela capacidade contributiva, sem prejuízo do controlo quanto à verificação dos seus pressupostos e quantificação, feita pela Administração Fiscal [...]. Apenas apurando-se aquele rendimento de acordo com índices ou presunções sempre que tal se mostre necessário à superação empírica de dificuldades, à eficácia tributária ou ao combate à fraude e evasão fiscais, mas sempre sem eliminar por completo a possibilidade de afastar tais índices em favor da determinação da situação individual e concreta dos contribuintes, seja facultando a opção entre regimes de apuramento, seja através da abertura à possibilidade de elisão de presunções, como é o caso.

Concluindo a Requerente, no Pedido de Pronúncia Arbitral, pela inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, quando interpretada no sentido segundo o qual na definição do valor de realização de direitos reais sobre bens imóveis prevalecerão sempre, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT ou, não havendo lugar a essa liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida, ainda que o preço efetivamente praticado tenha sido declarado pelo sujeito passivo. Isto porque tal norma, quando interpretada no sentido acima descrito estabelece a favor da Administração Fiscal uma presunção jure et de jure, de caráter absoluto, expressamente proibida pelo nosso ordenamento jurídico, violadora dos princípios constitucionais da justiça material e da capacidade contributiva, enquanto dimensão concretizadora do principio da igualdade no domínio tributário (cfr. n.º 1 do artigo 103.º, artigo 13.º e n.º 1 do artigo 104.º da CRP, além de violar o disposto no artigo 73.º da LGT).

Mais diz a Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, Ao não apreciar as provas apresentadas pela Impugnante e ao não lançar mão dos poderes de descoberta da verdade material, a Administração Tributária violou os normativos constitucionais supra citados. Estando perante uma presunção aplicável sempre que o valor da contraprestação se apresentar como inferior aos valores que houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT, era exigível à Administração Tributária que apreciasse os elementos apresentados pela Impugnante no sentido de tributar-se o rendimento efetivamente por si auferido e não qualquer outro. Devendo, ainda aquela presunção considerar-se ilidida em virtude das provas produzidas pela Impugnante [...].

Na Resposta, a Requerida pugna pela manutenção na ordem jurídica do acto impugnado por corresponder a uma correcta aplicação do direito à realidade material controvertida, [...] e sobre o Direito diz o seguinte: Alega a Requerente que “a norma em que a correção proposta se baseia estabelece a favor do Fisco uma presunção legal que deve ser considerada ilidida, (…)”. Vejamos o que dispõe o artigo 44.º, n.º 1, al. f) e n.º 2, do CIRS: "Artigo 44.º Valor de realização. 1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: [...] Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação. 2 - Nos casos das alíneas [...] e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida." (negrito nosso). E o artigo 12.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), dispõe o seguinte: "Artigo 12.º Valor tributável. 1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior." (negrito nosso).

Continua a Requerida na Resposta, Daqui retiramos que o legislador definiu que o valor na transmissão dos bens ou direitos reais sobre bens imóveis que servir de base (ou que pudesse ter servido de base) à liquidação do IMT prevalecerá quando for superior ao valor da contraprestação, ao valor atribuído no contrato, ao valor de mercado ou ao valor da indemnização. Portanto, no caso em apreço, o valor de realização na alienação de direitos reais sobre imóveis é o maior dos seguintes valores: o valor da contraprestação ou o valor por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis . Daqui decorre que as correções efetuadas não se baseiam em presunções, mas sim, no conceito de "valor de realização" que se encontra previsto no artigo 44.º do CIRS . O VPT dos cinco imóveis alienados é superior ao valor da contraprestação mencionada na escritura pública , conforme se verifica no quadro infra, pelo que foi este o valor considerado para efeitos de liquidação de IMT, nos termos do disposto no artigo 12.º do CIMT. [...]. Assim, sempre teria de ser o VPT, o valor a considerar para efeitos da determinação do valor de realização , nos termos do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS. Conforme refere Rui Duarte Morais in "Sobre o IRS", 2006, Almedina, página 113, o "valor de realização, o qual, por regra, corresponderá à contraprestação recebida pelo alienante (art. 44.º, n.º 1, al. f)). No caso de alienação de direitos reais sobre imóveis, prevalecerá o valor patrimonial do prédio relevante para efeitos de IMT, mesmo que não deva haver lugar à tributação neste imposto (art. 44.º, n.º 2)" (negrito nosso).

Por isso, para a Requerida, na Resposta, Face ao exposto, não colhe a argumentação  da ora Requerente, de que estamos perante uma presunção . Por outro lado, atente-se para o facto de a Requerente, não ter lançado mão dos meios de reação  que  lhe assistia  para  contestar  o  VPT apurado, não o tendo feito, o valor patrimonial dos prédios consolidou-se na ordem jurídica como "caso resolvido", passando a ser esse o valor a considerar para efeitos do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, uma vez que o VPT é superior ao valor da contraprestação. E foi notificada para esse efeito quando foram notificados dos resultados da avaliação dos referidos imóveis e, caso não concordassem com os respetivos VPT's dos prédios, poderia ter requerido segunda avaliação. Veja-se o mesmo entendimento expresso no acórdão do TCAS, processo n.º 04603111, de 09-11-2011: "VII) - estando em causa a liquidação do IRS, como bem se aduziu na sentença recorrida, decorre do disposto no n.º 1, do art.º 15.º, conjugado com a alínea a), do n.º1, do art. 2.º, do Oec. - Lei n.º 287/2003, de 12.11, que sendo tais prédios objecto de transmissão após 1 de Janeiro de 2004, o valor de avaliação releva, não só para efeitos do IMI e do IMT, como também e por forca do referido preceito do IRS, para efeitos de determinação do ganho resultante do valor de realização, sendo assim é forçoso concluir que, fixado em auto de avaliação o valor do prédio e não tendo o impugnante requerido 2.ª avaliação, o valor ficou definitivamente fixado, sendo vedado ao tribunal colocá-lo em causa." (sublinhado nosso). Com efeito, a Requerente podia ter lançado mão dos meios de reação  que  lhe assistia  para  contestar  o  VPT apurado, e conformou-se com esse valor, o qual  passou a ser esse o valor a considerar para efeitos do artigo 44.º ,  n.º 2, do CIRS. Vem também a Requerente invocar a violação do disposto no artigo 73.° da LGT, alegando que o artigo 44.° n.º 2 do Código do IRS é uma norma de incidência e que por isso admite prova em contrário, invocando, que o valor de realização foi inferior ao valor tomado como base para a liquidação de IMT. Cumpre referir que o artigo 44.º do IRS se insere no capítulo da "Determinação do rendimento colectável" e, por outro lado, o artigo 73.° da LGT diz respeito às presunções, estabelecendo que estas admitem sempre prova em contrário quando consagradas nas normas de incidência. A Requerente parte de um pressuposto errado: que a norma do n.º 2 do artigo 44° do Código do IRS estabelece uma presunção. No entanto, não estamos perante uma presunção do valor da transmissão, mas de um valor que resulta de um critério objetivo do valor fiscal de transmissão . Por força deste critério, em caso da não coincidência entre si do valor atribuído na compra e venda (preço) e o considerado para efeitos de liquidação de IMT prevalece o mais elevado desses valores. Para reforçar esta ideia, pode dizer-se que o Código Civil nos dá uma noção de presunção no artigo 349.°. Assim, "presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido". Ora, o n.º 2 do artigo 44.° do Código do IRS determina que, estando perante dois valores conhecidos, prevalece um deles. E no caso não se trata de uma presunção, uma vez que não se está a partir de um valor conhecido para firmar um valor desconhecido, mas sim de dois valores conhecidos que a lei estabelece e que gradua. Assim sendo, o disposto no artigo 73.° da LGT não se aplica ao caso em análise, tendo a liquidação sido efetuada de acordo com as disposições aplicáveis ao caso  (nomeadamente o n.º 2 do artigo 44.° do Código do IRS). No que se refere à alegada verificação de “inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2  do  artigo  44.º  do código  do  IRS,  por violação dos n.º 1 do artigo 103.º, artigo 13.º e n.º 1 do artigo 104.º, todos da CRP, sempre se dirá que não têm a Requerente razão, como se verá: Entende que a referida norma, sofre de inconstitucionalidade quando interpretada no sentido segundo o qual na definição do valor de realização de direitos reais sobre bens imóveis prevalecerão sempre, quando superiores, os valores por que os bens houverem  sido considerados  para  efeitos de liquidação  de IMT ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida, ainda que o preço efetivamente praticado tenha sido o declarado pelo sujeito passivo. Contudo, no caso dos autos, como se viu, o valor que prevalece, porque superior ao do contrato, é o valor usado para a liquidação de I.M.T,  ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior; Isto sucede, mesmo nos casos em que é apurado o valor de mercado nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do Código do I.M.I., que releva para efeitos de I.R.S., I.R.C. e I.M.T. O legislador, quando dá prevalência ao valor da avaliação, não está a estabelecer uma presunção, pelo que não são de aplicar as regras que permitem elidir presunções; Na determinação do valor de realização para efeitos da categoria G de I.R.S., no caso de bens imóveis, a lei desconsidera, quando inferior ao valor patrimonial, o valor declarado, ainda que tal valor possa corresponder ao valor real e efectivamente acordado pelas partes ; Acresce que, com o devido respeito, a avaliação efectuada em sede de I.M.I., e os efeitos que o seu resultado projeta no apuramento do saldo das mais-valias em sede da categoria G de I.R.S., conforme estatuição do n.º 2 do artigo 44.º do respectivo código, em nada se relaciona com o princípio da capacidade contributiva ou da tributação do rendimento real, pelo que a liquidação não padece de ilegalidade ou ofensa de quaisquer princípios constitucionais, tendo decorrido de acordo com as normas legais aplicáveis.

Concluindo a Requerida na Resposta, Deste modo, estando a Entidade Demandada vinculada ao princípio da legalidade (artigo 8.º da LGT e artigo 103.º da CRP), não poderia ter agido de outra forma; Inexiste, deste modo, qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade e inconstitucionalidade que a Requerente pretende imputar à liquidação sub judice, tendo a Requerida actuado no estrito cumprimento da lei, à qual está rigorosamente vinculada, subsumindo o facto tributário à expressa previsão normativa . Pelo exposto, a Entidade Requerida sustenta que a liquidação foi emitida no estrito cumprimento da lei, pelo que é legal, não sofrendo de qualquer inconstitucionalidade ou vício.

Vistas as posições das Partes, cumpre continuar.

E porque importante para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, este Tribunal Arbitral Singular refere, desde já, o seguinte: o Tribunal Constitucional, no Processo n.º 285/15, 3.ª Secção, com decisão no Acordão n.º 211/2017, de 2 de Maio de 2017, já se pronunciou sobre a norma do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS. A Decisão nesse Acórdão foi a seguinte: julgar inconstitucional a norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível» , por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Deste Acórdão do Tribunal Constitucional , destaca este Tribunal Arbitral Singular, porque importante para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, o seguinte: 1. Nos presentes autos, vindos do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrida A., o primeiro vem interpor recurso (obrigatório), [...], da sentença proferida por aquele Tribunal, [...], «na parte em que recusou a aplicação do estatuído no art. 44.º, n.º 2 do Código de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) com base na sua inconstitucionalidade, por violação dos art.s 103.º/2 e 165.º/1 da CRP» [...]. 3. As razões da impugnação judicial referida mostram-se assim sintetizadas na sentença do TAF de Leiria de [...]. 3.2 Do Direito: A razão do presente processo deve-se ao facto da Impugnante ter alienado, por escritura de compra e venda, um prédio urbano localizado em Leiria que tinha adquirido em 1999. Em consequência, a AF entendeu que tal transmissão proporcionou um ganho sujeito a mais-valias no montante de 99.951,50 €, o qual resulta da diferença entre os valores de realização e aquisição, tendo a AF considerado como valor da realização nos termos do n.° 2 do art. 44.º do CIRS - o valor da avaliação do IMT, uma vez que era superior ao valor da escritura . Não concordando com a referida liquidação, a Impugnante deduziu a presente acção. Alega que não concorda com o teor da correcção efectuada ao rendimento, com base na alteração do valor de realização de 150.000,00 € para 350.790,00 €. Mais refere que o valor declarado pela Impugnante foi o valor pelo qual a venda foi efectivamente efectuada . Defende também que foi dada autorização à Administração Fiscal para derrogação do sigilo bancário, porém tal autorização não foi utilizada para apuramento da verdade material . Por seu turno, a Fazenda Pública defende que no caso concreto, porque superior ao valor da contraprestação (150.000,00 €), prevalece o valor que serviu de base à liquidação de IMT (350.790,00 €) . (…)». 4. Assim decidiu o Juiz do TAF de Leiria, na sentença de 4/12/2014 [...]: «(…) Cumpre apreciar e decidir. Após publicação do Código do IRS (CIRS), a tributação das mais-valias passou a ser regulada no artigo 10.°, n.º 1, alínea a), o qual dispõe, de acordo com a redacção à data dos factos, o seguinte: «1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; (...)». Pretendeu assim o legislador do CIRS tributar as mais-valias oriundas da alienação de um determinado bem por valor superior àquele por que foi adquirido, em virtude do acréscimo patrimonial na esfera do contribuinte alienante. Por outro lado, quanto ao valor de realização para efeitos do cálculo da mais-valia, o art. 44.° do CIRS, com a redacção à data dos factos, estabelece o seguinte: «I - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: (...) f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação. 2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.(...)». E por último, e não menos importante, importa reter que o art. 73.° da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe o seguinte: «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.». Posto isto, de acordo com o art. 44.° do CIRS, quando esteja em causa a alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, considera-se como valor de aquisição, o valor da respectiva contraprestação. Na verdade, esta regra está de acordo com o princípio da tributação do rendimento real em que assenta a tributação do rendimento. Todavia, o n. ° 2 deste artigo consagra a regra que sempre que o valor da escritura seja inferior ao valor que serviu de base à liquidação do IMT, este valor prevalece sobre o valor de realização. Porém, tal disposição, deve ser interpretada no sentido de que aqui o legislador estabeleceu uma presunção sobre o valor de realização, que cede perante prova em contrário, ou seja, prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação do IMT  (No mesmo sentido, apesar de não abordar directamente esta questão, cfr. JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, pág. 446 e seguintes). Se admitirmos qualquer outra interpretação, a Administração Fiscal estaria a tributar não o rendimento real operado pela transmissão mas um rendimento normal . Por outro lado, se se tratar de uma presunção, o sujeito passivo pode provar que o valor de realização foi efectivamente inferior . Aliás, se não qualificarmos esta regra como uma presunção ilidível, estaríamos a criar uma norma de determinação da matéria colectável susceptível de violar o princípio da capacidade contributiva . Sublinhe-se, todavia, que esta técnica legislativa [a utilização de presunções], movida por legítimas preocupações de simplificação e de praticabilidade das leis fiscais, tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, pela ilegitimidade constituída das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei  (cfr. JOSÉ CASALTA DE NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, pág. 498). E foi por esta razão que o legislador da LGT vem afastar expressamente, para o campo da incidência fiscal, as presunções inilidíveis. Na verdade, à luz do art. 73.° da LGT, não se pode admitir no CIRS qualquer presunção, que não admita prova em contrário, que determine que o valor da realização de um imóvel não seja o valor efectivamente realizado. Refira-se também que o legislador do CIRC já consagrou tal princípio no art. l39.°, o qual admite que o sujeito passivo possa fazer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial. E por este motivo o Tribunal não descortina a razão para interpretar uma disposição do CIRS que permita criar um tratamento desigual entre os contribuintes sujeitos às regras do CIRS e os contribuintes sujeitos às regras do CIRC, sem uma justificação plausível. Dito isto, vejamos o caso concreto. Dos factos assentes resulta que em 16/10/2006 a Impugnante, por escritura pública, vendeu um imóvel, sito em ..., pelo preço de 150.000,00€. Também está provado que a Administração Fiscal procedeu posteriormente à avaliação do imóvel objecto dos presentes autos, tendo atribuído o valor patrimonial de 350.790,00€. E consta do probatório que a Impugnante autorizou a Administração Fiscal a aceder às suas contas bancárias. Ora, conjugando os factos dados como assentes com as disposições normativas supra referidas, podemos desde já adiantar que não tem razão a Fazenda Pública .

Este Tribunal Arbitral Singular acompanha este entendimento.

Cumpre a este Tribunal Arbitral Singular, aqui, dizer o seguinte: resultou provado no âmbito do presente Processo Arbitral que a Requerente e as suas filhas, venderam, em 9 de Março de 2009, através de Escritura Pública de Compra e Venda, pelo preço global de € 500.000,00, os cinco imóveis identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados. Também ficou provado que a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu posteriormente à avaliação dos referidos imóveis, tendo atribuído um valor superior. Resultou também provado que Autoridade Tributária e Aduaneira afirmou no Relatório de Inspeção: Compete esclarecer que as correções propostas não se baseiam em presunções, nem pressupõe que tenha ocorrido simulação de preço , mas sim no facto de, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, al. f) e n.º 2 do CIRS, o valor de realização na alienação de direitos reais sobre imóveis é o maior dos valores: valor da contraprestação; ou valor pelo qual houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT pelo que o alegado pelo SP em nada altera as correções propostas e No entanto, como já referido, as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS, não existindo qualquer presunção, nem é referido no relatório que o preço declarado é simulado , [...] e que a Requerente se disponibilizou a colaborar na obtenção dos demais elementos e diligências que a Administração Tributária e Aduaneira julgasse necessário, designadamente autorizando o levantamento do sigilo bancário.

Continuemos no Acórdão do Tribunal Constitucional , Na verdade, como já vimos, a imputação da matéria colectável estabelecia no n.° 2 do art. 44.º, há-de se reconduzir, ainda assim, a uma presunção legal que, face ao disposto no art. 73.º da LGT deve ter-se por ilidível (embora o ónus de tal ilisão caba ao contribuinte). Mas no caso dos autos, nem importará apurar se a Impugnante logrou ilidi-la, porque simplesmente a interpretação que a Administração Fiscal faz do n.º 2 do art. 44.º torna aquela presunção inilidível o que não é de todo aceitável. Repare-se, também, que a AF não impugna sequer o valor da transacção, aceitando que o valor declarado pelo sujeito passivo é o valor real .

É o que acontece, também, neste Autos Arbitrais, a Administração Fiscal e Aduaneira não coloca em causa o valor da transação, aceitando que o valor declarado pela Requerente é o valor real, o valor efetivo. Veja-se o que resulta do Relatório de Inspeção: refere a Autoridade Fiscal e Aduaneira que Compete esclarecer que as correções propostas não se baseiam em presunções, nem pressupõe que tenha ocorrido simulação de preço , mas sim no facto de, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, al. f) e n.º 2 do CIRS, o valor de realização na alienação de direitos reais sobre imóveis é o maior dos valores: valor da contraprestação; ou valor pelo qual houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT pelo que o alegado pelo SP em nada altera as correções propostas e No entanto, como já referido, as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS, não existindo qualquer presunção, nem é referido no relatório que o preço declarado é simulado . Mais, Contrariamente ao alegado pelo SP, as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS, pelo que a prova do valor recebido em nada altera a correção proposta  constante do relatório de inspeção.  

O Acórdão do Tribunal Constitucional , refere mais, Desta feita, tal interpretação fere de forma grosseira o princípio da capacidade contributiva, o qual é um corolário do princípio da igualdade, porque aqui estamos perante um poder discricionário do legislador ao estabelecer à Impugnante um rendimento presumido para efeitos de tributação, mesmo violando a sua capacidade contributiva .

Por outro lado, continua o Acórdão do Tribunal Constitucional , note-se que de acordo com o probatório a Impugnante autorizou a AF a derrogar o sigilo bancário. Também neste ponto a Requerente o fez. Veja-se o que diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório de Inspeção: O SP, no último paragrafo da sua exposição, por entender que a correção proposta resulta de uma presunção, apresenta um conjunto de elementos comprovativos do recebimento do valor declarado de venda e disponibiliza-se a autorizar o levantamento do sigilo bancário  [...]. E se assim foi, refere o Acórdão do Tribunal Constitucional , a AF deveria ter admitido a possibilidade de corrigir o valor da realização, independentemente do valor da avaliação para efeitos de IMT ser superior ao valor real da transacção. Perante a existência da autorização de derrogação do sigilo bancário que a AF não utilizou, e com base no principio do inquisitório que norteia todo o procedimento tributário, a AF deveria ter aceite a ilisão da referida presunção resultante da imputação à Impugnante, nos termos do n.° 2 do art. 44.º do CIRS, da quantia de 350.790,00 € como sendo o valor para efeitos de realização da mais-valia. Refira-se também que nesta parte não vale o argumento segundo o qual a Impugnante deveria ter requerido uma segunda avaliação do prédio em questão . O facto do CIMI ter este mecanismo que os contribuintes podem lançar mão, não invalida que a interpretação que AF faz do n.° 2 do art. 44.° do CIRS seja ilegal. Porque em bom rigor, o valor patrimonial do imóvel até pode estar bem calculado . Quer isso dizer que a legalidade do procedimento de avaliação do imóvel não impede que o preço da venda seja inferior ao preço do valor patrimonial  (e [...], tal situação é cada vez mais frequente). Por outro lado, também não se pode aceitar que a única forma de "ilidir" uma presunção na liquidação do IRS, seja obrigar o contribuinte, num momento que pode não coincidir com a liquidação, em reagir contra o valor da avaliação do imóvel que já não é da sua propriedade. Basta pensar que no caso concreto, a 2.ª avaliação efectuada pela Administração Fiscal foi realizada após a alienação do imóvel.

Continua o citado Acordão do Tribunal Constitucional , Retomando o caso dos autos, verificamos que a Impugnante acabou por ser tributada em sede de IRS por um rendimento que nunca auferiu . E aqui, voltamos a relembrar a essência do CIRS. A noção de rendimento para efeitos do CIRS é essencialmente económica e das várias teorias, o legislador adoptou para o IRS a teoria do rendimento-acréscimo . Esta noção de rendimento-acréscimo forma, pois, a base do conceito do rendimento do CIRS. E sendo assim, a regra geral é que havendo um acréscimo patrimonial na esfera jurídica do sujeito alienante, em virtude da venda dum determinado bem por um valor superior àquele pelo qual fui adquirido, tributa-se este acréscimo na esteira do princípio da capacidade contributiva no qual o nosso sistema fiscal assenta. Porém, de acordo com este princípio, se a Impugnante apenas consegue alienar o imóvel por um valor inferior ao valor patrimonial, não há o acréscimo patrimonial que a AF entende que tenha ocorrido, e consequentemente o valor para efeitos de tributação em sede de IRS é inferior, ainda que da avaliação para efeitos do IMT resulte um valor superior . Chegados aqui, importa recordar que o art. 277.° da Lei Fundamental dispõe que são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Construção ou os princípios nela consignados . E no que respeita às leis fiscais, concretamente às normas de liquidação e de determinação da matéria colectável, apesar de não figurarem no n.° 2 do art. 103.° da CRP quanto à garantia substantiva de reserva de lei, têm de se haver inequivocamente como nela abrangidas. Sendo assim, qualquer presunção inilidível consagrada no CIRS, especialmente em sede de determinação da matéria colectável, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, e das presunções jure et de jure das normas de incidência tributária . Com efeito, a existência de uma presunção inilidível pode resultar na tributação de um sujeito passivo sem capacidade contributiva, criando-se uma desigualdade injustificada entre os contribuintes tributados ao seu abrigo e os restantes contribuintes. Ou seja, defender no caso dos autos que o n.° 2 do art. 44.° do CIRS consagra uma presunção absoluta, viola o princípio da capacidade contributiva, porque a Impugnante deve ter sempre a possibilidade, em sede de impugnação da liquidação do IRS, de contrariar um facto presumido . O n.° 2 do art. 44.° do CIRS só pode ser interpretado no sentido de que aqui o legislador estabeleceu uma presunção sobre o valor de realização do imóvel, que cede perante prova em contrário . Pelo exposto, decide-se, nos termos do disposto no art. 204.° da Constituição da Republica Portuguesa, recusar a aplicação do n. ° 2 do art. 44.° do CIRS no caso dos autos, com fundamento na sua inconstitucionalidade material por violação dos arts. 103.º, n.º 2, 165.º, n.º l, alínea i) da CRP . E tendo o acto de liquidação impugnado apoio nesta norma legal, o mesmo tem de ser anulado com fundamento em violação de lei constitucional, [...]. IV - Dispositivo: Em face do exposto, e nos termos das disposições legais supra mencionadas, decide-se: Recusar a aplicação do n.° 2 do art. 44.° do CIRS, com fundamento na sua INCONSTITUCIONALIDADE , e em consequência, condeno a Fazenda Pública no pedido de anulação da liquidação de IRS impugnada. Este Tribunal Arbitral Singular acompanha este entendimento.

Indicada que foi no Acordão do Tribunal Constitucional  a decisão do TAF de Leiria, o referido Acórdão do Tribunal Constitucional  continua, 5. É desta sentença que se recorre nos presentes autos, conforme requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade [...] «(…) O Ministério Público, neste TAF de Leiria, vem, aos autos [...] interpor Recurso Obrigatório para o Tribunal Constitucional [...] na parte em que recusou a aplicação do estatuído no art. 44.º, n.º 2 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas Singulares (CIRS) com base na sua inconstitucionalidade, por violação dos art.s 103.º/2 e 165.º/1 da CRP, [...]. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação. A) Do objeto do recurso. 8. A questão de constitucionalidade colocada a este Tribunal no presente recurso respeita à recusa de aplicação, pelo Tribunal a quo, da norma constante do n.º 2 do artigo 44.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, [...]. Assim dispõe o artigo 44.º do CIRS (na redação resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro e anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, que aditou os números 5 a 7 e republicou o CIRS): «Artigo 44.º. Valor de realização. 1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: [...] f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação. 2 - Nos casos das alíneas [...] e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. [...]. Sublinhe-se que à data dos factos o n.º 2 do artigo 44.º tinha a redação resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, com o teor seguinte: «2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.». A referida Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, substituiu, no n.º 2 do preceito em causa, a referência à liquidação de sisa pela referência à liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis  – na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) – [...]. Assim, não obstante o teor literal do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS à data dos factos, já se encontrava então em vigor o CIMT. [...]. A norma questionada nos autos – artigo 44.º, n.º 2, do CIRS – estabelece que, para efeitos da determinação das mais-valias sujeitas a imposto, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão (sobre o valor da contraprestação), quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos liquidação de sisa – leia-se liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), já em vigor à data dos factos – ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. Da leitura da sentença recorrida, retira-se que considera o Juiz que «tal disposição deve ser interpretada no sentido de que aqui o legislador estabeleceu uma presunção sobre o valor de realização, que cede perante prova em contrário, ou seja, prova de que o valor de realização foi efetivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação do IMT»  [...]. Isto, quer no plano constitucional, quer no plano infraconstitucional. No plano da análise constitucional, pondera o Juiz que, «aliás, se não qualificarmos esta regra como uma presunção ilidível, estaríamos a criar uma norma de determinação da matéria colectável susceptível de violar o princípio da capacidade contributiva»  [...]. E, no plano infraconstitucional, por apelo a elementos do sistema, chama o Juiz à colação o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária, a cuja luz não se pode admitir no CIRS qualquer presunção sobre o rendimento sujeito a tributação que não admita prova em contrário . Assim, conclui que, «[n]a verdade, como já vimos, a imputação da matéria colectável estabelecida no n.º 2 do artigo 44.º, há-de se reconduzir, ainda assim, a uma presunção legal que, face ao disposto no artigo 73.º da LGT, deve ter-se por ilidível (embora o ónus de tal ilisão caiba ao contribuinte)» [...]. Contudo, pondera o Juiz o entendimento (contrário) defendido pela Administração fiscal, que expressamente não perfilha, ou seja, a dimensão normativa retirada do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, com o sentido de que, para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a IRS (in casu para determinação de mais-valias), ali se estabelece uma presunção inilidível nos termos da qual, tratando-se de direitos reais sobre imóveis, se faz prevalecer sobre o valor da transação, quando superiores, os valores por que os bens houvessem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT (imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis) ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. Sobre esse entendimento, assim se pronuncia o Juiz: «simplesmente a interpretação que a Administração fiscal faz do n.º 2 do art. 44º torna aquela presunção inilidível o que não é de todo aceitável»  [...]. Isto, já que segundo o Juiz, «tal interpretação fere de forma grosseira o princípio da capacidade contributiva, o qual é um corolário do princípio da igualdade» [...]. Recorda o Juiz que «no que respeita às leis fiscais, concretamente às normas de liquidação e de determinação da matéria colectável, apesar de não figurarem no n.° 2 do art. 103.° da CRP quanto à garantia substantiva de reserva de lei, têm de se haver inequivocamente como nela abrangidas» para concluir que «qualquer presunção inilidível consagrada no CIRS, especialmente em sede de determinação da matéria colectável, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, e das presunções jure et de jure das normas de incidência tributária» (cfr. idem, fls. 102). Nesta sequência, decide o Juiz, na sentença ora recorrida, «recusar a aplicação do n.º 2 do art. 44º do CIRS no caso dos autos, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por violação dos arts. 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP»  [...]. 10. Ora, não obstante na referida parte decisória da sentença, o Juiz do Tribunal a quo se limitar a «recusar a aplicação do n.º 2 do art. 44º do CIRS», aí não enunciando formalmente uma dimensão interpretativa extraída da norma em causa, não pode deixar de levar-se em conta, no confronto do pedido com a decisão recorrida, que decorre da fundamentação da mesma uma dimensão interpretativa do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS desaplicada. Tal dimensão interpretativa do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, desaplicada pelo juiz a quo e formulada a partir da interpretação daquela norma imputada à Administração Fiscal, é aquela segundo a qual (para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis) – ali se estabelece uma «presunção inilidível» ou uma «presunção absoluta» [...]. 12. Por último, e ainda quanto à delimitação do objeto do recurso – e tendo presente que este é fixado pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso –, não se afigura relevante a ampliação formal do objeto do recurso – que poderia decorrer do teor das alegações de recurso proferidas pelo recorrente Ministério Público [...] – no sentido de o mesmo abranger, também, para além do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS (na dimensão normativa em causa), a sua conjugação com o n.º 1, alínea f), do mesmo preceito. Com efeito, dispondo esta norma que, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização – no caso, decorrente de contrato de compra e venda – «o valor da respetiva contraprestação», a mesma não foi, enquanto tal, objeto de recusa de aplicação pela decisão proferida pelo Tribunal a quo. A sua invocação no caso serve tão só a função de esclarecimento do sentido interpretativo do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, do qual se retira a consideração de outro valor – o valor fixado para efeitos de liquidação do IMT) –, que prevalece, quando superior, ao valor tomado por referência na alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo para determinar o valor da realização, ou seja, ao valor da contraprestação. A invocação deste preceito legal contribui, assim, para uma melhor compreensão do objeto normativo do presente recurso, já que apenas está em causa a eventual contraposição entre o valor da contraprestação devida pela compra do bem imóvel (mencionado na alínea f) do n.º 1, do artigo 44.º, e não o valor da indemnização ou o valor de mercado mencionados nas alíneas a) e b) desse n.º 1, pois correspondentes a situações diversas da ali prevista) e o valor de referência adotado no n.º 2 (o VPT do imóvel). Assim sendo, mesmo com a expressa referência, pelo recorrente Ministério Público, à conjugação das normas previstas no n.º 1, alínea f) e n.º 2, do artigo 44.º, do CIRS, não ocorre qualquer ampliação ou modificação do objeto normativo do presente recurso de constitucionalidade em sede de alegações de recurso.

Sobre o mérito, com relevância para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, o citado Acórdão do Tribunal Constitucional  diz o seguinte: B) Do mérito. 13. Uma vez clarificado o objeto do recurso, nos termos supra expostos em A), cumpre apreciar a questão de constitucionalidade colocada a este Tribunal nos presentes autos de recurso e relativa à dimensão interpretativa do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, segundo a qual ali se contém uma «presunção inilidível» . 14. Para o efeito, cumpre começar pelo enquadramento legal, ainda que sucinto, da situação dos autos. 14.1 A norma cuja dimensão interpretativa está em causa enquadra-se no regime tributário das mais-valias, o qual se mostra essencialmente regulado no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares  [...]. Deste quadro legal  (desde logo da conjugação do artigo 1.º, n.º 1, com o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do CIRS) resulta que estão sujeitas a tributação as mais-valias, incluídas pelo legislador na designada «categoria G» de rendimentos  («incrementos patrimoniais»). Isto, na medida em que, na construção do conceito de rendimento tributário, o CIRS adota a conceção de rendimento-acréscimo , segundo a qual a base de incidência do imposto pessoal sobre o rendimento abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, sejam receitas ou ganhos periódicos e regulares, como os rendimentos do trabalho, sejam ganhos ou receitas fortuitos ou irregulares, aqui se incluindo as mais-valias (enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma atividade produtiva). 14.2 O regime tributário das mais-valias é configurado no CIRS a partir do seu artigo 9.º, em especial, no n.º 1, que veio considerar a sua tributação enquanto incrementos patrimoniais, dispondo: «Artigo 9.º. Rendimentos da categoria G. 1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte; (…)». Por seu turno, o artigo 10.º, na parte que releva para os presentes autos, define as mais-valias nos seguintes termos: «Artigo 10.º. Mais-valias. 1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis [...]. 3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: (…) 4 - O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1; (…) [...]. 14.3 O CIRS expressamente estabelece que constituem mais-valias os ganhos (desde que não considerados como rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais) obtidos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (artigo 10.º, n.º 1, alínea a)) e que tais ganhos se consideram obtidos no momento da alienação (artigo 10.º, números 3 e 4). O ganho é apurado no momento da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo. O ganho sujeito a IRS é medido pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem (imóvel) transmitido (artigo 10.º, n.º 4, alínea a)), líquido da parte qualificada como rendimentos de capitais, sendo caso disso. O Código estabelece ainda que, para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor da realização o valor da respetiva contraprestação (artigo 44.º, n.º 1, alínea f)), ou seja, o valor do preço da compra e venda . Contudo , tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, como sucede in casu, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida (artigo 44.º, n.º 2) . 14.4 Por força do dispositivo legal citado no parágrafo anterior, no caso dos autos sub judicie, o valor da realização do imóvel objeto de alienação onerosa foi fixado pela Administração fiscal em € 350.790,00 por ser este o valor que veio a ser posteriormente considerado para efeitos de liquidação do IMT (calculado nos termos do Código do IMI) e não o valor de € 150.000,00, correspondente ao valor da contraprestação devida pela compra [recebida pela venda] do mesmo imóvel, constante da escritura de compra e venda  [...]. O mesmo se passou no caso do presente Processo Arbitral.

Continua o referido Acórdão do Tribunal Constitucional , 15. De seguida, sem prejuízo do que ficou dito supra quanto à delimitação do objeto do presente recurso [...], atentemos brevemente na qualificação da norma em causa pelo Juiz a quo – qualificação da norma desaplicada como uma norma que consagra uma presunção inilidível ou absoluta na determinação da matéria sujeita a imposto. As presunções legais (como releva para o caso) são normas criadas pelo legislador que estabelecem uma relação entre um facto conhecido (provado) e um facto desconhecido ou incerto, inferindo este último a partir daquele (isto, tendo presente a noção legal de presunção contida no artigo 349.º do Código Civil: presunções são as ilações que a lei (…) tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido), ou seja, a presunção assenta numa relação lógica estabelecida pelo legislador entre o facto-base ou facto indiciário e o facto presumido . A presunção legal opera uma inversão do ónus da prova, desonerando da mesma aqueles que a têm a seu favor  (artigo 350.º, n.º 1, também do CC). Assim também quanto às presunções em matéria fiscal  (cfr. Acórdão n.º 753/2014): «(…) As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Tratando-se de uma presunção legal, quem tem a seu favor a presunção escusa de provar o facto a que ela conduz, implicando a inversão do ónus da prova (artigos 349.º e 350.º do Código Civil). A presunção é por isso um meio de prova, cabendo à parte fazer a prova do facto conhecido (base da presunção) para dele permitir inferir o facto desconhecido (facto presumido). O reconhecimento do facto que se extrai da inferência só pode ser posto em causa através da prova em contrário, se a lei a admitir. As presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, quando são reveladas pelo uso da expressão «presume-se» ou de expressão de idêntico significado , mas podem também resultar implicitamente do enunciado linguístico da norma, o que sucede quando se considera como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis no pressuposto de que são esses valores que correspondem à realidade, prescindindo-se do apuramento do valor real ou do valor que tiver sido declarado pelo sujeito passivo . É o que ocorre com a disposição do artigo 58.º, n.º 1, do CIRC, que, no âmbito das operações comerciais ou financeiras efetuadas entre um sujeito passivo e outra entidade com quem mantenha relações especiais, admite a dedução de custos por referência aos preços que seriam praticados, em operações comparáveis, entre entidades independentes. Ou ainda com a norma do artigo 21.º, n.º 2, que em matéria de variações patrimoniais positivas, considera como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado (cfr. Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, Lisboa, págs. 651-652).». Por regra, as presunções legais estabelecem uma verdade presumida (não provada) que poderá vir a ser infirmada mediante prova em contrário – presunções ilidíveis ou presunções iuris tantum . Já as presunções iuris et de iure não admitem prova em contrário, sendo assim também chamadas de presunções inilidíveis ou absolutas, e tidas como a exceção àquela regra (artigo 350.º, n.º 2, CC).

Em matéria de incidência tributária, o citado Acordão do Tribunal Constitucional , recorda a regra (sem exceção) estabelecida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária : «Artigo 73.º (Presunções). As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário .». No caso vertente, entendeu a sentença recorrida que a norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS consubstancia uma presunção inilidível. No domínio da fiscalidade das mais-valias entendeu o legislador tributar o rendimento derivado da transação onerosa de bens imóveis, considerando os ganhos obtidos pela diferença (mais-valia) entre o valor de aquisição do imóvel e o valor da realização da sua venda. Sendo que este valor corresponderá ao valor da contraprestação (artigo 44.º, n.º 1, alínea f), CIRS) – ou seja, o valor do preço estabelecido para a venda do bem – vem o artigo 44.º, n.º 2, do CIRS considerar que, sempre que o valor daquele preço se mostre inferior ao valor de avaliação do imóvel para o efeito de determinação do IMT (ou seja, o valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI), será este o valor de referência para determinação do ganho sujeito a tributação. O Juiz a quo qualificou a normação em causa como uma presunção inilidível ou absoluta, na medida em que, em face do apuramento da matéria sujeita a tributação com base no VPT do imóvel (porque superior ao valor da contraprestação), não seria facultado ao contribuinte uma forma de demonstrar que o valor de realização da transação onerosa do imóvel era efetivamente o valor da contraprestação (preço) constante da escritura pública (ou documento similar) de compra e venda . Ora, ao ser afastada a possibilidade de prova em contrário, as presunções inilidíveis aproximam-se da figura das ficções legais, através das quais o facto ficcionado é definitivamente fixado sem que se considere sequer a possibilidade de demonstração de uma realidade diversa . [...]. No caso vertente, da formulação da norma em causa retira-se tão só que o valor de referência para efeitos de apuramento dos ganhos obtidos com a realização da venda corresponde ao valor de avaliação do imóvel para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas (IMT), ou seja ao valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI, sempre que este seja superior ao valor da contraprestação constante da escritura (ou outro documento) da compra e venda. Entenda-se a técnica usada pelo legislador como uma verdadeira e própria presunção (a lei presume o valor do rendimento obtido por referência ao VPT, enquanto valor-padrão ou rendimento normal ou seja, como rendimento provável) ou como uma ficção (a lei ficciona ter sido auferido com a venda um valor idêntico ao do VPT do imóvel) na determinação do ganho obtido com a transação onerosa do imóvel para efeito de apuramento das mais-valias – admitindo-se assim a distinção entre os dois conceitos –, certo é que o resultado da sua aplicação não difere quanto ao apuramento da matéria coletável, na medida em que, num caso como noutro, o VPT do imóvel prevalece na determinação da base tributária (não se admitindo, mesmo na hipótese de se tratar de um rendimento presumido, prova do contrário), desconsiderando-se, assim, o rendimento efetivamente auferido pelo contribuinte quando inferior ao decorrente do valor de referência estabelecido . [...]. 16. Entendeu a sentença recorrida que a norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, na medida em que faz prevalecer o valor de avaliação do imóvel para efeitos de liquidação do IMT sobre o valor declarado como o valor da contraprestação pela venda do imóvel, para o efeito de apuramento das mais-valias, consubstancia o recurso a um método presuntivo na fixação da matéria coletável, o qual, sendo insuscetível de ilisão pelo contribuinte, infringe os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva. Para o efeito, ponderou o Juiz que «a existência de uma presunção inilidível pode resultar na tributação de um sujeito passivo sem capacidade contributiva, criando-se uma desigualdade injustificada entre os contribuintes tributados ao seu abrigo e os restantes contribuintes» . Considera ainda a sentença ora recorrida que qualquer presunção inilidível consagrada no CIRS, especialmente em matéria de determinação da matéria coletável, desrespeita a «garantia substantiva de reserva de lei» . A sentença ora recorrida procede, pois, à desaplicação da norma do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, na dimensão normativa em causa, por inconstitucionalidade, fundada esta na violação do princípio da reserva de lei fiscal e dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, ancorando-se, para o efeito, nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição . 17. Em atenção ao juízo de inconstitucionalidade que determinou o sentido da decisão judicial ora recorrida, cumpre começar por identificar os princípios e normas constitucionais que se mostraram determinantes na formulação daquele juízo , assim clarificando o(s) parâmetro(s) constitucional(is) relevante(s) para a apreciação do problema de constitucionalidade colocado a este Tribunal. 17.1 Quanto à invocação do princípio da reserva de lei fiscal, importa saber se o mesmo deve ser apreciado à luz do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) ou do artigo 103.º, n.º 2, ambos da CRP. A CRP consagra, em matéria fiscal, o princípio da legalidade, o qual integra, por um lado, a reserva de lei formal e, por outro, a reserva de lei material . A reserva de lei formal exige que a normação das matérias fiscais abrangidas pela mesma (como é o caso da incidência dos impostos) deve constar de lei da Assembleia da República (de acordo com o princípio da reserva legislativa parlamentar em matéria fiscal) ou de decreto-lei do Governo, se emitido na sequência e de acordo com a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República (cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), e n.º 2, CRP). Já a reserva de lei fiscal em sentido material corresponde ao princípio da tipicidade, o qual exige que a lei defina, relativamente a cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (cfr. o artigo 103.º, n.º 2, CRP). Ora, a questão dos presentes autos apenas parece derivar da invocação da violação do princípio da reserva de lei fiscal em sentido material  (artigo 103.º, n.º 2, CRP). Com efeito, mesmo não sendo desenvolvida, na sentença ora recorrida, uma argumentação especificamente centrada no invocado confronto com o princípio da legalidade tributária, certo é que, não sendo questionada a intervenção da Assembleia da República na produção da norma legal em causa, seja diretamente, seja através de uma autorização legislativa, nem questionada a intervenção do Governo no âmbito daquela autorização, do que se trata é de um juízo de inconstitucionalidade material, dirigido ao conteúdo da lei (numa determinada interpretação normativa), que o juiz conclui afastar-se das exigências da «garantia substancial» da reserva de lei . Ora, esta vertente (substancial ou conteudística) do princípio da legalidade em matéria fiscal é usualmente concretizada pelo princípio (ou subprincípio) da tipicidade (vd. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 142) – associado este à exigência de determinação ou determinabilidade da norma tributária. Sobre o mesmo escreveu ANA PAULA DOURADO: «a tipicidade, enquanto princípio-garantia, caracteriza-se pela previsão legal dos elementos essenciais do imposto de modo suficientemente determinado, cabendo sempre ao Parlamento a orientação política sobre os mesmos. A determinação é o elemento quantitativo da tipicidade» (Cfr. O Princípio da Legalidade Fiscal – Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Almedina, Coimbra, 2007, p. 328). Como se entendeu no Acórdão n.º 695/2014: «O princípio de legalidade fiscal, que se extrai do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição, traduz a regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nela abrangendo não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª edição, Coimbra, págs. 1090-1091). Como também tem sido afirmado, a reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, mesmo nos aspetos favoráveis aos contribuintes, justifica-se em nome dos princípios da igualdade, da justiça e da transparência fiscal. Pretende-se que o imposto, quanto aos seus principais elementos, seja desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar, nem para a discricionariedade administrativa (ibidem). Uma tal determinação constitucional funciona assim como uma garantia dos contribuintes, no ponto em que procura criar um quadro legal rigoroso, colocando os sujeitos passivos do imposto a coberto de uma interpretação administrativa variável e porventura menos publicitada. É nesse sentido de determinabilidade, que corresponde a uma aceção material ou substantiva do princípio da legalidade fiscal, assente na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, que poderá falar-se na tipicidade legal no plano fiscal.» Do princípio da tipicidade legal no plano fiscal decorre, assim, uma exigência de determinação (ou determinabilidade) das normas que definem os elementos essenciais dos impostos (incidência subjetiva e objetiva, definição da matéria tributável), as quais deverão fornecer, com clareza e segurança, os elementos e critérios necessários à sua aplicação. Trata-se, no fundo, de limitar a margem de conformação do legislador pelas exigências de determinação, mensurabilidade, previsibilidade e calculabilidade dos impostos (na esteira dos tópicos eleitos pela jurisprudência constitucional alemã na densificação daquela exigência, a que se refere ANA PAULA DOURADO, O Princípio da Legalidade Fiscal – Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, cit., p. 288). Assim, também, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004: «6.3. O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu art.º 103.º, n.º 2. Segundo este, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». O princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do povo (princípio da auto-tributação): uma traduzida na regra constitucional de reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos impostos, constante actualmente do art.º 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra, consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objectiva e subjectiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes . É esta segunda dimensão que densifica os fundamentos axiológicos da nossa Constituição Fiscal e que se materializa nos princípios da universalidade, da igualdade tributária e da capacidade contributiva . Ora, a prossecução de um tal desiderato ético-político demanda que a função de definição dos elementos de cuja operacionalidade jurídica emerge a obrigação tributária esteja reservada à lei. Deste modo, o princípio da legalidade tributária, na sua acepção material ou substancial, postula a sujeição ao sub-princípio da tipicidade legal dos elementos de cujo concurso resulte a modelação dos tipos tributários ou dos impostos ou, dito de outro modo, dos elementos essenciais dos impostos, e que são, segundo os próprios termos adquiridos da ciência fiscal pela nossa Lei Fundamental, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Cingindo-nos ao plano da incidência dos impostos - já que a questão de inconstitucionalidade se centra nesse domínio - importa notar que caberá ao legislador (a Assembleia da República ou o Governo, agindo com autorização daquela) a tarefa de eleger, dentro dos factos que revelem a existência de capacidade contributiva, aqueles que devem ser erigidos à categoria de  factos tributários ou de factos jurígenos da obrigação de imposto (incidência objectiva). Mas, porque se trata de factos jurídicos, com necessário relevo económico/financeiro, e porque a capacidade contributiva que se pretende afectar é susceptível de diversas gradações, compete também ao legislador definir os critérios quantitativos de afectação ao imposto do valor desses factos. Fala-se, então, na dimensão quantitativa do facto tributário denominada por matéria colectável. Por outro lado, cabe igualmente à lei a função de definir os termos ou elementos que permitem o estabelecimento do vínculo jurídico de conexão ou de adstrição dos factos tributários objectivos a certo sujeito, convertendo-o em sujeito da obrigação de imposto. Por natureza, atenta a sua função constitucionalmente definida, o legislador tributário goza, em princípio, de discricionariedade normativo-constitutiva quanto à eleição dos factos reveladores de capacidade contributiva que podem ser elevados à categoria de factos tributários, bem como à definição dos elementos que concorrem para se definir a matéria colectável . Mas, como não poderá deixar de ser, com obediência aos parâmetros constitucionais, já acima apontados . Um destes parâmetros, que é postulado pelos princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica que lhe é inerente, é o princípio da determinabilidade . Ao hipotisar os pressupostos de facto/jurídicos da tributação – ao desenhar o tipo ou o Tatbestand tributário - depara-se, na verdade, o legislador com o problema da previsibilidade dos efeitos jurídicos amputadores da riqueza ou do rendimento dos contribuintes.» Isto, mesmo compaginando esta exigência de determinabilidade com outros valores e princípios relevantes (ainda o Acórdão n.º 127/2004): «É neste terreno que se põe, então, a questão da amplitude constitucionalmente admissível dos conceitos usados na definição dos elementos essenciais dos impostos, confrontando-se aqui duas pretensões de sentido oposto. De um lado, a exigência de que a previsão dos factos tributários seja feita de forma «suficientemente pormenorizada», de modo que os contribuintes possam ter algumas certezas quanto à extensão da sua riqueza ou rendimento que sairá afectada pela tributação (cfr. J. M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2ª edição, Coimbra, 1972, pp. 309 e segs.) ou que a lei «leve a disciplina dos referidos elementos essenciais, ou seja, a disciplina essencial de cada imposto, tão longe quanto lhe seja possível» (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra, 2003, pp. 138), de modo que a obrigação de imposto seja o mais certa possível por parte dos contribuintes. É a solução que é reclamada pelo princípio da segurança jurídica dos contribuintes. Segundo esta perspectiva, a incidência (como os demais elementos essenciais) deve ser definida por conceitos cujo sentido seja o mais unívoco possível. Mas, do outro lado, o princípio da igualdade tributária reclama que os conceitos tenham a abertura ou plasticidade semântica suficiente para poder abarcar as realidades que expressam a capacidade tributária elegida, os níveis de riqueza ou de rendimento tributando, e que esse objectivo possa ser realizado não só no plano abstracto da previsão dos tipos tributários, mas também no plano da sua aplicação concreta, em que se situam o combate à evasão fiscal e a praticabilidade do sistema. Na verdade, sem uma estruturação conceitual apta a colher todas as virtualidades que o facto tributário é susceptível de assumir; sem uma eleição de conceitos que permitam surpreender a existência da riqueza e dos rendimentos e, por fim, sem a construção de um sistema exequível sob o ponto de vista da praticabilidade, não pode haver um efectivo cumprimento do princípio da igualdade tributária. São estes, essencialmente, os aspectos que, segundo a doutrina, justificam o uso dos conceitos jurídicos indeterminados, de “certas cláusulas gerais”, de “conceitos tipológicos” (Typusbegriffe), de “tipos discricionários” (Ermessentatbestände) e de certos conceitos que atribuem à administração uma margem de valoração, os designados “preceitos de poder” (Kann-Vorschrift) (cfr. J. L. Saldanha Sanches, “A segurança jurídica no Estado social de direito”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.os 310/312, pp. 299 e segs.; J. Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998, pp. 373 e segs.). Mediante o uso de tais figuras o sistema ganha operacionalidade e aptidão, quer para dar resposta às circunstâncias que o legislador hipotisou, quer para abarcar as novas realidades reveladoras de idêntica capacidade contributiva. Mas, como é evidente, não pode deixar de existir um limite ao uso de tais modos de expressão dos elementos do imposto, sob pena de sair frustrado o objectivo constitucional de cometer aos representantes do povo a definição dos tipos tributários.» 17.2 Já quanto à invocada desconformidade da norma com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, tenha-se presente que, não obstante apenas o primeiro destes princípios merecer consagração formal (genérica) na Constituição (artigo 13.º, CRP), pode entender-se derivar o segundo princípio, em grande medida, do primeiro. Com efeito, sublinham a doutrina e a jurisprudência retirar-se do princípio constitucional da igualdade tributária ou fiscal (entendido este como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade, cfr. Acórdão n.º 590/2015, II. Fundamentação, 12) – compaginado com outros princípios (também) estruturantes do sistema fiscal (como os contidos nos artigos 103.º e 104.º, CRP) – o princípio da capacidade contributiva. Nas palavras de JOSÉ CASALTA NABAIS, «[c]onfigurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é, pois, o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e não qualquer outro» (Direito Fiscal, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 153). Por seu turno, a jurisprudência constitucional converge, pelo menos desde o Acórdão n.º 84/2003, nesse entendimento. Como então se escreveu (cfr. Acórdão n.º 84/2003, 10.): «10 – O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação. Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar”  (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A justiça na tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar”) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício) . A actual Constituição da República não consagra expressamente este princípio com longa tradição no direito constitucional português - a Carta Constitucional de 1826 expressa-o na fórmula de tributação “conforme os haveres” dos cidadãos e, na Constituição de 33, o artigo 28º consigna-o na obrigação imposta a todos os cidadãos de contribuir para os encargos públicos “conforme os seus haveres”). Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP  (cfr. Casalta Nabais “O dever fundamental de pagar impostos”, págs. 445 e segs., onde, no entanto, se defende que, embora o princípio não careça – para ter suporte constitucional – de preceito específico e directo, não é de todo inútil ou indiferente a sua consagração expressa).» E, a este propósito, escreveu-se, mais recentemente, no Acórdão n.º 197/2016 (cfr. II – Fundamentação, 3): «(…) Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que “a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto”. E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um  (cfr. o acórdão n.º 187/2013 e a jurisprudência aí citada).»

Dito isto,

Continua o citado Acordão do Tribunal Constitucional , Vejamos, assim, da aplicação destes princípios ao caso vertente. 18. A «norma» posta em crise faz prevalecer o valor patrimonial tributário do imóvel transacionado sobre o valor consagrado na escritura pública (ou ato equivalente) de compra e venda (quando aquele for superior) para o efeito da determinação da matéria sujeita a tributação como mais-valias em sede de IRS . Ora, ao definir o valor relevante para a determinação da matéria coletável, o artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, incide, seguramente, sobre um dos elementos essenciais do imposto a cobrar . [...]. Cumpre, pois, passar a analisar a questão de constitucionalidade colocada nos autos por apelo aos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva , [...]. 19. Tivemos oportunidade de enquadrar constitucionalmente o princípio da capacidade contributiva (cfr. supra, 17.2), enquanto concretização do princípio da igualdade (fiscal) e expressão de outros valores fundantes da Constituição fiscal (plasmados nos artigos 103.º e 104.º, CRP), não alheios à ideia de realização da justiça fiscal, pese embora o princípio não encontre formulação expressa na Constituição portuguesa. É neste princípio que a sentença recorrida funda a sua decisão de não aplicação da norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS  – interpretada no sentido de estabelecer uma presunção inilidível ou absoluta em matéria de apuramento das mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis (tomando por referência o VPT do imóvel quando superior ao valor da contraprestação devida pela compra) – por inconstitucionalidade. Ocorrendo a transação onerosa (no caso, uma compra e venda) de um bem imóvel, a mais-valia sujeita a tributação (seja na totalidade, seja numa determinada percentagem) corresponde à diferença entre o valor da aquisição do imóvel e o valor de realização da venda do mesmo, ou seja o ganho obtido pela diferença dos dois valores . Assim, quanto à definição do valor de realização de uma transação onerosa de bens imóveis, dispõe o artigo 44.º, n.º 1, alínea f), do CIRS que corresponderá o mesmo ao valor da contraprestação, ou seja, ao preço, sendo que – e segundo o n.º 2 do mesmo artigo - «tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.»  . O valor patrimonial tributário  (os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis) a que se refere o artigo 44.º, n.º 2, do IRS, constitui, deste modo, um valor padrão escolhido como referência pelo legislador , a ser tido em conta desde que superior ao valor declarado na transação do imóvel em causa, sendo assim, por um lado, o pressuposto legal para a aplicação de um método de apuramento da matéria coletável não baseado na declaração do contribuinte e assumindo também, por outro lado, a finalidade de passar a ser considerado como o valor sobre o qual incide a tributação (no apuramento dos ganhos), definindo a medida da matéria coletável, pelo que constitui, do mesmo passo, uma norma de incidência tributária. O Juiz a quo qualificou a normação em causa como uma presunção inilidível ou absoluta, na medida em que, em face do apuramento da matéria sujeita a tributação com base no VPT do imóvel (porque superior ao valor da contraprestação), não seria facultado ao contribuinte uma forma de demonstrar que o valor de realização da transação onerosa do imóvel era efetivamente o valor da contraprestação (preço) constante da escritura pública (ou documento similar) de compra e venda . Temos, assim, que o legislador, em sede de tributação de rendimentos pessoais (IRS), para a determinação da matéria sujeita a tributação como mais-valias decorrentes da alienação onerosa de um bem imóvel, consagrou um regime de fixação presuntiva de rendimentos : perante a alienação onerosa de um imóvel, em face de qualquer disparidade entre o valor declarado (como o valor da contraprestação devida pela aquisição do bem) e o valor patrimonial tributário do imóvel (VPT) que se traduza na inferioridade daquele valor quando confrontado com este, a lei presume que o valor de realização do negócio é o valor patrimonial do imóvel , segundo avaliação feita nos moldes e para os efeitos da tributação do património (IMI e IMT). Isto, sem que possa o contribuinte ilidir a presunção estabelecida. Nestes termos – e assim interpretada  a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS – entende a sentença recorrida ocorrer a infração do princípio da capacidade contributiva .

O próprio Acordão do Tribunal Constitucional  aqui em destaque, refere: [...]: O Tribunal Constitucional pronunciou-se diversas vezes sobre a conformidade constitucional do recurso a presunções como forma de determinação da matéria coletável, face ao princípio da capacidade contributiva , tomando por elemento determinante do juízo de não inconstitucionalidade a possibilidade conferida ao sujeito passivo de ilidir a presunção  [...]. [...] Esse entendimento tem sido também sufragado pela doutrina, considerando-se que essa técnica legislativa, movida por legítimas preocupações de simplificação e de praticabilidade das leis fiscais e de combate à evasão e fraude fiscais, «tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respetiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto»  (Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, pág. 498).» [...] 21. A norma contida no artigo 44.º, n.º 2 do CIRS, ao tomar por referência o VPT do imóvel, tem, como já se disse, a dupla finalidade de servir de pressuposto à sua aplicação e de determinar – com base naquele mesmo valor – a matéria sujeita a tributação como mais-valias. Recorde-se que a referência ou pressuposto relevante para o apuramento dos rendimentos (presumidos) obtidos com a alienação do imóvel parte da verificação de uma disparidade entre os valores da transação (a contraprestação) e da avaliação do imóvel para fixação do seu valor patrimonial tributário – esta feita de acordo com o regime fixado no Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis (CIMI, em especial, o artigo 38.º), servindo também o efeito de determinar a base coletável do Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas (IMT). Com efeito, em matéria de impostos sobre o património – estáticos (IMI) ou dinâmicos (IMT) –, a base coletável é (ou pode ser) determinada a partir da avaliação do imóvel para efeitos de determinação do seu valor patrimonial tributável (VPT), uma técnica de «acertamento» que procura responder às exigências de procedimentos tributários de massas, fazendo prevalecer critérios unitários previamente fixados pelo legislador, cujo resultado pode não coincidir com o valor de mercado do bem avaliado. A virtualidade da referência tomada pelo legislador no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, parte do pressuposto de que aquele VPT é tendencialmente inferior ao valor de mercado dos bens imóveis, sendo, assim, também tendencialmente inferior ao valor pelo qual o bem é transacionado. Deste modo, sugere que qualquer transação onerosa de bens imóveis terá por valor mínimo o VPT do imóvel. Ora, tal pressuposto não se verifica sempre ou não se verifica necessariamente, tendo em conta quer as variações dos preços de compra e venda praticados no mercado imobiliário (sendo este fortemente condicionado pela conjuntura económica, seja em períodos de crise, seja em períodos de expansão, a que acresce a sujeição a distorções várias decorrentes de outros fatores relevantes, designadamente, financeiros e fiscais), quer a variação do próprio regime de avaliação patrimonial dos imóveis para efeitos fiscais e da sua aplicação (seja pela atualização dos VPT, seja pela alteração dos critérios legalmente definidos para a fixação do VPT, seja ainda pelos processos generalizados de avaliação ou reavaliação de imóveis, como é exemplo a determinação, pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, da avaliação geral e imediata dos prédios que ainda não tinham sido avaliados com base nos critérios do CIMI, entretanto levada a cabo pela Administração Fiscal). Contudo, não cabendo nesta sede ajuizar da bondade do critério (ou pressuposto) escolhido pelo legislador, certo é que, servindo o mesmo de norma de incidência tributária, determinando e quantificando a matéria tributável de forma diversa da que resultaria da declaração do contribuinte, cumpre ajuizar da técnica utilizada para o apuramento do rendimento sujeito a tributação, tendo em conta a interpretação feita pelo Juiz da causa do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS no sentido de que, na determinação da matéria sujeita ao imposto sobre o rendimento, estabelece uma presunção inilidível ou absoluta, fazendo prevalecer o VPT do imóvel sobre o valor correspondente à contraprestação devida pela compra do imóvel (quando inferior àquele). 22. Ora, assim interpretada, é de registar que norma não encontra paralelo no direito infraconstitucional. Isto, mesmo no confronto com disposições legais cujo teor se afigura semelhante ao da norma posta em crise. Com efeito, se, no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), encontramos uma disposição muito similar à ora analisada – a constante do seu artigo 64.º (em especial, n.º 2), em que se determina que «1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto. 2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável», certo é que o artigo 139.º do mesmo Código vem habilitar o contribuinte a fazer prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, ao estipular que «o disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis» (n.º 1), designadamente, por demonstração que os custos de construção foram inferiores aos fixados em sede regulamentar (n.º 2), regulando o respetivo procedimento (números 3 a 5) e prevendo, especificamente que, «em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização» (n.º 6). Também não se mostra determinante o teor do artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMT. Aí se prevê, na determinação do valor tributável, que «o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior». Contudo, esta norma não consagra rendimentos presumidos. O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre imóveis e das figuras parcelares desse direito e é devido pelo adquirente do imóvel (cfr. artigo 4.º, n.º 1, do CIMT), configurando-se como um imposto (dinâmico) sobre o património e não como um imposto sobre o rendimento. Por último, porque, tratando-se de apuramento de um rendimento presumido, a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, com a interpretação desaplicada nos autos, afasta-se da regra estabelecida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), a qual não admite o estabelecimento de presunções absolutas nas normas de incidência tributária. Não derivando deste comando um juízo de invalidade das demais normas legais – a LGT não assume no ordenamento jurídico português o estatuto de lei de valor reforçado (artigo 112.º, CRP) –, cumpre assinalar que o regime consagrado no artigo 73.º da LGT corresponde, na sua finalidade, a uma concretização dos valores jurídico-constitucionais relevantes em matéria fiscal, especificamente quanto à incidência do imposto. E, admite-se, terão sido esses valores que determinaram as alterações ao artigo 44.º do CIRS introduzidas pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, em especial o aditamento dos novos n.ºs 5 e 6, com o seguinte teor: «5 - O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto. 6 - A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.» . 23. E são aqueles valores jurídico-constitucionais em presença que se mostram postergados pela norma (ou dimensão normativa) em análise. O princípio da capacidade contributiva, enquanto «princípio geral da imposição segundo a capacidade contributiva de cada um» (Acórdão n.º 211/2003), exige que o legislador fiscal configure as obrigações dos contribuintes a partir de factos tributários que fundem a capacidade de suportar o encargo correspondente. Afirmou o Acórdão n.º 348/97 que «a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto». O primeiro fundamento deste princípio é encontrado no princípio da igualdade (artigo 13.º, CRP), de modo a que a distribuição dos encargos tributários seja feita de acordo com a capacidade de cada um, isto é, exigindo-se um critério idêntico para todos os cidadãos na repartição de impostos e sendo esse critério o da capacidade contributiva (assim, no citado Acórdão n.º 348/97 e, mais recentemente, nos Acórdãos n.ºs 695/2014 e 590/2015). A capacidade contributiva é, assim, a medida da diferença. E, a partir da sua articulação com os demais princípios materiais da Constituição fiscal – em particular o artigo 103.º da CRP – podemos retirar do princípio da capacidade contributiva, ao pressupor uma repartição justa dos encargos de acordo com a capacidade de cada um, a resposta à demanda constitucional de «uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» (artigo 103.º, n.º 1), a que não deixa de se referir o Acórdão n.º 211/2003 – e, bem assim, vê-lo concretizado no princípio de a tributação dever incidir sobre o «rendimento real» dos contribuintes  (artigo 104.º, n.º 2), caso se admitisse que a disposição constitucional em causa tem um leque de destinatários mais vasto que o da sua letra e tomando-se por seguro, como faz JOSÉ CASALTA NABAIS, que este preceito constitucional «mais não é do que uma concretização, uma explicitação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal» (Direito Fiscal, cit., p. 171). O princípio da capacidade contributiva constitui, pois , como escreve SÉRGIO VASQUES, «o pressuposto, o limite e o critério da tributação»  (cfr. Manual de Direito Fiscal, reimpressão, Edições Almedina, S.A., Coimbra, 2015, p. 296). Ora, estas exigências constitucionais não podem deixar de ser observadas nas normas de incidência tributária, configurando-se como princípios-garantia dos contribuintes . É que, na definição da incidência do imposto, a determinação da matéria coletável constitui um elemento essencial da relação jurídico-fiscal, quantificando a obrigação tributária e, assim, a medida do imposto devido. Deste modo, o legislador não pode fixar a medida do imposto sem atender à capacidade revelada pelo seu devedor . Aqui se revelam as virtualidades do princípio da capacidade contributiva: «constituindo a ratio ou a causa da tributação, este princípio afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que (…) erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto. Daqui decorre (…) a ilegitimidade constitucional das presunções absolutas de tributação» (JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, cit., pp. 154-155). É certo que, na determinação da matéria coletável, socorre-se muitas vezes o legislador de técnicas presuntivas, justificadas por razões de praticabilidade e simplificação do sistema fiscal. Sirva o expediente constante do artigo 44.º, n.º 2 do CIRS objetivos de praticabilidade, simplificação e eficiência na arrecadação de receitas fiscais (ao fazer prevalecer, sem mais, o VPT sobre o valor do preço declarado), sirva também objetivos de combate à fraude e evasão fiscal, desconsiderando o valor declarado pelos outorgantes da escritura e presumindo que é outro – superior – o valor da transmissão onerosa do imóvel, não se pode perder de vista que a consagração de uma presunção absoluta na determinação dos rendimentos sujeitos a tributação torna a ’verdade’ tão só presumida numa ‘verdade’ definitiva, mesmo que esta não encontre correspondência com a veracidade do rendimento real. E, vedando a prova do contrário, prescinde em definitivo da consideração do rendimento real auferido pelo contribuinte, desvirtuando-se, assim, a ratio e o critério da tributação: a capacidade contributiva . Considerou o Acórdão n.º 452/2003: «(…) certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela; é o que ainda Casalta Nabais (O dever fundamental..., págs. 497/498 e 501/502) considera, quando se refere a “soluções tradicionais do direito dos impostos” com suporte no “interesse fiscal”, em particular as “presunções”, considerando esta técnica legislativa “movida por legítimas preocupações de simplificação de praticabilidade das leis fiscais”, mas que “tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto”». No caso vertente, a fixação da matéria coletável através do recurso a métodos presuntivos, sem possibilidade de ilisão, pelo contribuinte, da presunção estabelecida na lei, terá como consequência possível (e plausível) a tributação de ganhos (mais-valias) não efetivamente auferidos pelo contribuinte . Ora, tal resultado, a final, afronta o próprio desiderato da tributação das mais-valias, se, para mais, a tributação destes rendimentos corresponder ainda à observância do princípio da capacidade contributiva. Segundo SÉRGIO VASQUES, é o próprio princípio da capacidade contributiva que «exige a oneração do rendimento global, qualquer que seja a sua origem, natureza ou destino e daqui resulta necessariamente a exclusão da velha teoria do rendimento-fonte (Quellentheorie, source-income theory), pela qual se integravam no rendimento tributável apenas os fluxos periódicos e regulares de riqueza percebidos pelo contribuinte, uma teoria que serviu de apoio aos impostos cedulares que no passado se abatiam exclusivamente sobre os rendimentos do trabalho, lucros do comércio e da indústria, rendas ou juros. Em vez disso, o princípio exige que se alargue o rendimento tributável a todo o acréscimo patrimonial verificado na esfera do contribuinte em dado período de tempo, tal como ensina a teoria do rendimento-acréscimo (Reinvermögenszugangstheorie, accretion theory), tributando-se também ganhos fortuitos, como as mais-valias, rendimentos do jogo ou doações» (Cfr. Manual de Direito Fiscal, cit., p. 297). Ora, se o ganho fortuito não existir ou, existindo, ficar muito aquém do estimado, a tributação não será devida . Pelo menos, à luz do princípio da capacidade contributiva ínsito na Constituição portuguesa. Com efeito, as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis correspondem ao ganho obtido com essa transmissão em face do valor da aquisição anterior do mesmo bem .

Conclui o citado Acordão do Tribunal Constitucional  que Ao determinar o rendimento tributável por referência a um ganho presuntivo, sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar a inexistência da capacidade contributiva que se pretende tributar, incorre a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS - na interpretação desaplicada nos autos - em inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da capacidade contributiva acima enunciado . 24. Pelo que fica exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível» .

O mesmo ocorreu no caso dos presentes Autos Arbitrais. A Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, sem possibilidade de ilisão, pela Requerente, da presunção estabelecida na lei.

Tal como esclareceu a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório de Inspeção, as correções propostas não se baseiam em presunções, nem pressupõe que tenha ocorrido simulação de preço, mas sim no facto de, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, al. f) e n.º 2 do CIRS, o valor de realização na alienação de direitos reais sobre imóveis é o maior dos valores : valor da contraprestação; ou valor pelo qual houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT pelo que o alegado pelo SP em nada altera as correções propostas. Disse também, as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS , não existindo qualquer presunção, nem é referido no relatório que o preço declarado é simulado.

Mas a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório de Inspeção disse mais, Contrariamente ao alegado pelo SP, as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS, pelo que a prova do valor recebido em nada altera a correção  proposta constante do relatório de inspeção.

Este Tribunal Arbitral Singular acompanha o entendimento do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria na sentença que foi objeto de recurso para o Tribunal Constitucional e que foi objeto de Decisão , Ou seja, defender no caso dos autos que o n.° 2 do art. 44.° do CIRS consagra uma presunção absoluta, viola o princípio da capacidade contributiva, porque a Impugnante deve ter sempre a possibilidade, em sede de impugnação da liquidação do IRS, de contrariar um facto presumido . O n.° 2 do art. 44.° do CIRS só pode ser interpretado no sentido de que aqui o legislador estabeleceu uma presunção sobre o valor de realização do imóvel, que cede perante prova em contrário . Pelo exposto, decide-se, nos termos do disposto no art. 204.° da Constituição da Republica Portuguesa, recusar a aplicação do n. ° 2 do art. 44.° do CIRS no caso dos autos, com fundamento na sua inconstitucionalidade material por violação dos arts. 103.º, n.º 2, 165.º, n.º l, alínea i) da CRP . E tendo o acto de liquidação impugnado apoio nesta norma legal, o mesmo tem de ser anulado com fundamento em violação de lei constitucional .

Repete-se, porque importante para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, Dito isto, vejamos o caso concreto. Dos factos assentes resulta que em 16/10/2006 a Impugnante, por escritura pública, vendeu um imóvel, sito em Leiria, pelo preço de 150.000,00€. Também está provado que a Administração Fiscal procedeu posteriormente à avaliação do imóvel objecto dos presentes autos, tendo atribuído o valor patrimonial de 350.790,00€. E consta do probatório que a Impugnante autorizou a Administração Fiscal a aceder às suas contas bancárias. Ora, conjugando os factos dados como assentes com as disposições normativas supra referidas, podemos desde já adiantar que não tem razão a Fazenda Pública   . Igualmente, repete-se o que este Tribunal Arbitral Singular já acima disse, a propósito desta parte: resultou provado no âmbito do presente Processo Arbitral que a Requerente e as suas filhas, venderam, em 9 de Março de 2009, através de Escritura Pública de Compra e Venda, pelo preço global de € 500.000,00, os cinco imóveis identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados. Também ficou provado que a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu posteriormente à avaliação dos referidos imóveis, tendo atribuído um valor superior. Resultou também provado que Autoridade Tributária e Aduaneira afirmou no Relatório de Inspeção: Compete esclarecer que as correções propostas não se baseiam em presunções, nem pressupõe que tenha ocorrido simulação de preço , mas sim no facto de, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, al. f) e n.º 2 do CIRS, o valor de realização na alienação de direitos reais sobre imóveis é o maior dos valores: valor da contraprestação; ou valor pelo qual houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT pelo que o alegado pelo SP em nada altera as correções propostas e No entanto, como já referido, as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS, não existindo qualquer presunção, nem é referido no relatório que o preço declarado é simulado , [...] e que a Requerente se disponibilizou a colaborar na obtenção dos demais elementos e diligências que a Administração Tributária e Aduaneira julgasse necessário, designadamente autorizando o levantamento do sigilo bancário.

Continuemos,

No mesmo sentido do já referido Acórdão do Tribunal Constitucional , o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 01108/14, 2.ª Secção, de 8 de Novembro de 2017. Neste Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo , no Sumário, é referido o seguinte: I - O valor a ter em consideração para efeitos do apuramento das mais valias sujeitas a IRS é nos termos do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS o valor da realização. II - Considerando os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva bem como o da tributação real dos rendimento, o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS ao preceituar que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS no caso de transmissões onerosas de bens imóveis prevalecerão quando superiores os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos da liquidação de IMI consagra não uma presunção juris et de jure mas antes uma presunção juris tantum . III - Não tendo o legislador antes da entrada em vigor da lei n.º 82-E/2014 de 31-12-2014, que introduziu os n.ºs 5 a 7 ao artigo 44.º do CIRS previsto forma de permitir ao contribuinte provar que o valor da realização fosse inferior ao VPT, a norma de incidência constante do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS aplicada sem tal possibilidade deve ter-se por inconstitucional por violação dos artigos 13.º e 18.º da CRP e 5.º n.º 2 e 73.º da LGT .

Mais,

A Requerente juntou aos presentes Autos Arbitrais a Decisão Arbitral (CAAD) no Processo n.º 331/2019-T, datada de 21 de Outubro de 2019, dizendo, cuja relevância material para os presentes autos resulta da circunstância de decidir sobre factos semelhantes e sobre a mesma questão de Direito [...].

É Requerente nesse Processo Arbitral n.º 331/2019-T uma das filhas (C...) da aqui Requerente. Tal como é referido na citada Decisão Arbitral (Processo n.º 331/2019-T), 18. A liquidação resultou de uma correção no montante de € 49.218,76 à matéria coletável do ano em causa, feita na sequência de uma ação inspetiva que correu na Direção de Finanças de ... ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2013..., relativa à venda de um imóvel, no exercício de 2009. 19. A Requerente em 09/03/2009 alienou a sua quota-parte de 9,375%, que detinha nos imóveis, [...].

Porque importante para a fundamentação da presente Decisão Arbitral, este Tribunal Arbitral Singular invoca a Decisão Arbitral no Processo n.º 331/2019-T, datada de 21 de Outubro de 2019, na parte em que esta Decisão Arbitral diz o seguinte: 43. Posto o que, seguindo a jurisprudência anteriormente expressa, temos que quando esteja em causa a alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, considera-se como valor de aquisição, o valor da respectiva contraprestação nos termos do disposto no artigo 44.º do CIRS. 44. Deste modo, voltando à presente situação, temos que a presunção do artigo 44.º n.º 2 pode ser afastada mediante prova . 45. No caso vertente, a Requerente demonstrou, através da junção da escritura pública do contrato de compra e venda, o preço de alienação por si declarado, mais juntou o Parecer n.º 191/2018 do Ministério Público, emitido em 12/04/2018, conforme já identificado e transcrito o seu teor na fundamentação de facto, relembrando que “Quanto ao valor da realização obtida, afigura-se-nos que, nesta parte, não assiste razão à demandada : Na escritura celebrada foi declarado o preço global de 500.000,00 € (100.000 €, por cada um), pelo que, salvo melhor opinião, é esse o valor de realização a ter em conta para efeitos de tributação de mais-valias em sede de IRS e não o do VPT à data da realização, mesmo sendo superior, como ocorre nos caso dos autos”.

Individualiza este Tribunal Arbitral Singular da Decisão Arbitral no Processo n.º 331/2019-T o seguinte: 46. Face ao exposto , e tendo em conta o disposto no 44.º n.º 2 do CIRS, a presunção prevista no artigo 73.º da LGT, dos factos dados como provados, o valor a considerar para efeitos do cálculo das mais valias, é o valor da alienação, ou seja, é o valor da realização a ter em conta para efeitos de mais valias em sede de IRS e não o valor do VPT à data da realização, concluindo-se, deste modo pela ilegalidade da liquidação ora impugnada, e como procedente o pedido de pronúncia arbitral . Este Tribunal Arbitral Singular acompanha este entendimento.

O cálculo da liquidação adicional de IRS n.º 2013..., no valor de € 42.451,13, notificada à Requerente, teve por base valores de realização obtidos exclusivamente com referência aos valores patrimoniais tributários posteriormente atribuídos aos imóveis (os identificados em 1. do 2.1. dos Factos Provados) alienados pela Requerente e suas filhas.

Ora, entende este Tribunal Arbitral Singular que, no caso aqui em análise, a Requerente demonstrou, através, nomeadamente, da junção da Escritura Pública de Compra e Venda e dos cheques, o preço de alienação por si declarado. Mais, o Relatório de Inspeção da Autoridade Tributária e Aduaneira não colocou esse preço em causa, dizendo mesmo que compete esclarecer que as correções propostas não se baseiam em presunções, nem pressupõe que tenha ocorrido simulação de preço , mas sim no facto de, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, al. f) e n.º 2 do CIRS, o valor de realização na alienação de direitos reais sobre imóveis é o maior dos valores: valor da contraprestação; ou valor pelo qual houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT [...] e as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS, não existindo qualquer presunção, nem é referido no relatório que o preço declarado é simulado . Ou seja, para a Autoridade Tributária e Aduaneira o preço de alienação (de realização) são mesmo os € 500.000,00 (valor constante da Escritura Pública de Compra e Venda).

A Autoridade Tributária e Aduaneira apenas não considera o preço dos € 500.000,00, porque aplica o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS. Veja-se, outra vez o que a Autoridade Fiscal e Aduaneira refere no Relatório de Inspeção: [...] as correções propostas são de caráter técnico e resultam diretamente da norma consagrada no art.º 44.º, n.º 1.º, al. f) e n.º 2 do CIRS, pelo que a prova do valor recebido em nada altera a correção proposta constante do relatório de inspeção .

Entende este Tribunal Arbitral Singular que o valor a considerar para efeitos do cálculo das mais-valias realizadas pela Requerente no caso destes Autos Arbitrais é o valor da alienação, i.e., o valor de realização é o valor constante da Escritura Pública de Compra e Venda junta a estes Autos Arbitrais, ou seja, os € 500.000,00, e não o valor do VPT, concluindo-se, por isso, pela ilegalidade da liquidação IRS com o n.º 2013..., no valor de € 42.451,13.

Pelo exposto, entende este Tribunal Arbitral Singular que o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2013..., no valor de € 42.451,13, notificado à Requerente, é anulável, por vício de violação de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável por remissão da alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Assim,

Este Tribunal Arbitral Singular julga procedente, por provado, o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente, anulando, em consequência, a liquidação de IRS n.º 2013..., no valor de € 42.451,13, impugnada pela Requerente no âmbito do presente Processo Arbitral, determinando o reembolso à Requerente dos valores por esta pagos.

Nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, este Tribunal Arbitral Singular não está obrigado a apreciar todos os argumentos das Partes, quando a decisão esteja prejudicada pela solução dada, o que no presente processo se traduz na decisão proferida de ilegalidade das liquidações, ficando, assim, prejudicado o conhecimento de outras questões carreadas para estes Autos Arbitrais.

Nos termos do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: a) Praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral; b) Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito; c) Rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente; d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.

4. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

A Requerente formula pedido de restituição da quantia arrecadada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Sendo de julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, concluiu-se pela existência de pagamento indevido e, consequentemente, justifica-se a restituição da quantia paga em excesso pela Requerente, no montante de € 27.153,55 e o pagamento de juros indemnizatórios, sobre esse montante de € 27.153,55, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

Assim, nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a Requerente tem direito aos juros indemnizatórios, juros estes que devem ser contabilizados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (n.º 4 e 5 do artigo 61.º do CPPT), à taxa referida no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.

5. Decisão Arbitral

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular no seguinte:

a)            Julgar procedente, por provado, o Pedido de Pronúncia Arbitral, declarando ilegal a liquidação adicional de IRS n.º 2013..., datada de 29 de Novembro de 2013, respeitante ao exercício de 2009, no valor de € 42.451,13.

b)           Em consequência, anular a liquidação adicional de IRS n.º 2013..., datada de 29 de Novembro de 2013, respeitante ao exercício de 2009, no valor de € 42.451,13.

c)            Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor de € 27.153,55, acrescido de juros indemnizatórios.

d)           Condenar a Requerida a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário impugnado e objeto desta Decisão Arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito.

e)           Condenar a Requerida nas custas do processo, conforme ponto 7 (Custas) da presente Decisão Arbitral.

6. Valor do processo

A Requerida, na Resposta, sobre o valor da ação diz, Desde já impugna o valor atribuído à ação pela Requerente. Na verdade, o valor efetivamente pago pela Requerente foi o valor de € 27.153,55. [...] Ou seja, a Requerente apenas pretende a anulação correspondente ao valor do imposto, que em seu entender foi erradamente liquidado. Pelo que a anulação de liquidação apenas pode conduzir à restituição de € 27.153,55 (valor efetivamente pago), e não pode incluir o valor dos juros compensatórios, cujo pagamento ficou dispensado de pagar. Assim, o valor da ação de € 42.451,13, indicado pela Requerente, apesar de ser o valor da liquidação em causa nos autos, não pode ser aceite por não corresponder ao montante da efetiva utilidade económica do pedido, que, no caso, é o valor do imposto efetivamente pago pela Requerente de € 27.153,55.

Apesar de a Requerente ter efetuado apenas o pagamento de € 27.153,55 (a Requerente beneficiou do Regime Excecional de Regularização de Dívidas de Natureza Fiscal), a Requerente indicou como valor do processo o valor total da liquidação, i.e., indicou o valor de € 42.451,13.

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação , o da importância cuja anulação  se pretende [...].

Ensina Jorge Lopes de Sousa in Guia da Arbitragem Tributária, Coordenação: Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, 3.ª Edição, Almedina, 2017, O valor da causa deve ser indicado pelo sujeito passivo no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, correspondendo à utilidade económica do pedido [alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT], quando for determinável. Assim, quando são impugnados atos de liquidação , [...], o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende , que corresponde à utilidade económica do pedido [artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por remissão do artigo 6.º, alínea a) do RCPAT].

Ensinam Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade in Contencioso Tributário, Volume II, 2017, Almedina, Assim, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, quando seja impugnado um ato de liquidação, o valor da causa corresponderá ao da importância cuja anulação se pretende . Isto significa que caso se pretenda a anulação total do ato, o valor da causa corresponderá ao valor da própria liquidação  e se, pelo contrário, se pretender apenas a anulação parcial, corresponderá ao valor para parte impugnada.

A Requerente pretende, tal como indica no Pedido de Pronúncia Arbitral, por ausência de facto tributário e por violação do direito da impugnante a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, pelo seu rendimento real ou efectivo, deve ser declarada nula a liquidação adicional aqui impugnada, com todas as consequências legais daí advenientes.

Apesar do pagamento parcial de IRS sem juros, por ter beneficiado de um regime excecional, a Requerente pretende que este Tribunal Arbitral Singular declare ilegal a totalidade da liquidação de IRS. É essa a sua pretensão e foi sobre essa pretensão que este Tribunal Arbitral Singular se pronunciou. Além dessa pretensão, a Requerente quer a restituição do valor pago, aí, sim, os € 27.153,55 (acrescidos dos respectivos juros compensatórios).  

Pelo exposto, entende este Tribunal Arbitral Singular, nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar o valor do processo em € 42.451,13.

7. Custas

Entende este Tribunal Arbitral Singular que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, i.e., o valor de € 42.451,13, correspondente à importância cuja anulação a Requerente pretende.

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

O montante das custas fixado em € 2.142,00, fica a cargo da Requerida.

Notifique-se.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2019

Tribunal Arbitral Singular

O Árbitro,

(Alexandre Andrade)