Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 527/2017-T
Data da decisão: 2018-04-20  Selo  
Valor do pedido: € 658.664,72
Tema: Imposto do Selo – artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS; verba 17.3.4 da TGIS. Instituições Financeiras - Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões. Comissões.
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Os árbitros Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Prof. Doutor Paulo Nogueira da Costa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – Relatório

 

1. A…, S. A., com o nº de pessoa coletiva …, com sede na …, n.º…, em Lisboa, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos tributários de liquidação de imposto de selo, por referência aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, nos montantes de € 45 234,09, € 185 486,90, € 205 554,71 e € 222 389,02, respectivamente, bem como da liquidação de juros compensatórios.

Alega, em síntese, que atos tributários resultaram da correção ao imposto de selo apurado, na sequência de uma ação inspetiva levada a efeito pela Autoridade Tributária, que teve por base o indevido enquadramento na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo das comissões de gestão cobradas aos Fundos de Pensões e não reconhecimento do regime de isenção fiscal previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo.

Defende a Requerente que, ainda que seja o sujeito passivo do imposto, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do CIS, o correspondente encargo deve ser suportado pelos Fundos de Pensões, enquanto titulares do interesse económico subjacente à operação (artigos 1.º e 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea g), do CIS), verificando-se uma situação de substituição tributária sem retenção a que se não aplica o disposto no artigo 28.º da LGT, pelo que os atos tributários impugnados violam o estabelecido nessas disposições legais.

Para além de que as comissões cobradas aos Fundos de Pensões não constituem operações financeiras para os efeitos da verba 17.3.4 da TGIS, visto que como tal devem entender-se apenas as operações que sejam realizadas por instituições de crédito e sociedades financeiras abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e que possam encontrar-se cobertas pelo âmbito subjetivo desse diploma, nos termos do seu artigo 8.º, n.º 2.

Os atos tributários impugnados põem ainda em causa a orientação genérica perfilhada pelo despacho de 17 de março de 1999, a que a Administração Tributária se encontrava vinculada nos termos do artigo 68.º-A, da Lei Geral Tributária, implicando a violação do princípio da boa fé e da proteção da confiança consagrados no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição.

Por outro lado, ainda que as comissões cobradas aos Fundos de Pensões pudessem integrar o conceito de operações financeiras para os fins previstos na verba 17.3.4 da TGIS, elas encontrar-se-iam cobertas pelo regime de isenção fiscal a que se refere o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, visto não existir nenhuma evidência de que o legislador tenha pretendido limitar o âmbito aplicativo dessa norma aos juros e comissões conexos com operações de concessão de crédito em que intervenham as instituições de crédito e financeiras, devendo entender-se que a atribuição de natureza interpretativa à norma do artigo 7.º, n.º 7, do CIS, aditada pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de março, para efeito de se tornar aplicável a factos tributários anteriores à sua entrada em vigor, é inconstitucional por violação dos princípios da irretroatividade da lei fiscal, da proteção da confiança e da segurança jurídica.

Ainda que assim se não entendesse, as comissões cobradas aos Fundos de Pensões encontrar-se-iam isentas do imposto de selo por efeito do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de fevereiro, e no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, que estabelecem benefícios fiscais para os Fundos de Investimentos Imobiliários.

Por fim, a Requerente considera que havia lugar à correção da liquidação do imposto de selo em relação à parte das comissões cobradas que são posteriormente devolvidas aos Fundos de Pensões e que se encontram refletidas no plano contabilístico como um gasto.

A Autoridade Tributária apresentou a sua resposta, alegando, em resumo, que, embora o encargo do imposto pertença aos devedores das comissões, a sociedade gestora de fundos de pensões é o sujeito passivo do imposto e o responsável pela sua liquidação e pagamento, havendo lugar à responsabilidade por substituição tributária nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 1, da LGT.

Por outro lado, as sociedades gestoras de fundos de pensões, ainda que se encontrem reguladas por legislação especial, devem entender-se como sociedades financeiras, nos termos e para os efeitos da verba 17.3. da TGIS, e as comissões cobradas aos fundos de pensões correspondem a contraprestações por serviços financeiros, que, como tal, se enquadram no âmbito de aplicação da verba 17.3.4   para efeitos de incidência do imposto de selo.

Sucede ainda que o n.º 7 do artigo 7.º do CIS, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, limitou a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 desse artigo às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, excluindo outras operações  como aquelas que são efetuadas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões, e, tendo essa norma natureza interpretativa, na medida em que se destinou a decidir uma questão de direito cuja solução era controvertida e incerta, ela integra-se na norma interpretada obstando a qualquer violação do princípio da irretroatividade da lei.

A Requerida contesta ainda que haja lugar à correção da liquidação do imposto, tendo em atenção que o tributo incidiu sobre as comissões de gestão e a circunstância de as partes terem acordado a atribuição de um certo valor percentual dessas comissões a título de unidades de participação constitui mera liberalidade contratual que se não caracteriza como devolução, anulação ou redução das comissões. 

 

2. Não foi requerida a produção de prova testemunhal e, no seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinada a notificação das partes para apresentarem alegações escritas facultativas.

A Requerente e a Requerida apresentaram alegações em prazo sucessivo, tendo mantido as suas anteriores posições quanto ao mérito das questões de fundo.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14 de dezembro de 2017.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação de Imposto do Selo, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes:

A) A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de pensões que exerce a atividade de administração, gestão e representação de fundos de pensões e se rege pelo disposto no Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro.

B) No âmbito da sua atividade, a Requerente cobra diretamente comissões aos participantes nos fundos de pensões no âmbito da prestação de serviços de gestão e administração desses fundos.

C) As comissões são contabilizadas pela Requerente como rendimentos na conta 7211 – comissões de gestão, 7212 – comissões de performance, 7213 – comissões de subscrição, e 7214 – comissões de resgate.

D) Nos termos do contrato de adesão coletiva celebrado com a B… e C… é aplicado um valor de 1% sobre o valor ilíquido dos fundos, e nos termos do contrato de adesão coletiva celebrado com a D…, é aplicado um valor de 1,5% sobre o valor ilíquido dos fundos, procedendo-se posteriormente à retrocessão a favor dos fundos de 0,75% e 1,25%, respectivamente, através da emissão de unidades de participação em valor correspondente.

E) A Autoridade Tributária desencadeou uma ação inspetiva em relação à Requerente (Ordens de Serviço OI2015…, OI2015…, OI2015…, OI2015… de 30.03.2015), com referência aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, com o objetivo de verificar o enquadramento fiscal das comissões de gestão de fundos de pensões em sede de imposto de selo.

F) Na sequência daquela ação inspetiva, foram efetuadas correções aritméticas em sede de imposto de selo nos valores de € 39167,88, 163994,54, 188306,69 e 211875,69, referentes aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, respetivamente, no montante global de € 603344,80.

G) Subsequentemente, a Requerente foi notificada dos atos tributários de liquidação de imposto de selo e de juros compensatórios, por referência aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, nos montantes de € 45 234,09, € 185 486,90, € 205 554,71 e € 222 389,02.

H) A Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral daquelas liquidações de imposto de selo e de juros compensatórios.

I) A Requerente deduziu reclamação graciosa contra aqueles actos tributários (autuada como processo n.º …2016…) que, após o exercício de audição prévia, foi objeto de indeferimento por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de 28 de junho de 2017, o qual foi notificado à Requerente através do ofício n.º…, de 3 de julho de 2017, remetido por correio registado.

J) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa assentou na informação da inspetora tributária, de 20 de março de 2017, que consta do processo administrativo junto aos autos, e, especialmente, nos considerandos 18. a 64., que aqui se dão como reproduzidos.

K) Em 29 de setembro de 2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].

*

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

*

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.

 

Questões de direito

 

5. A questão central em debate consiste em saber se as comissões cobradas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões se encontram sujeitas a imposto de selo em aplicação das disposições conjugadas das verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo

Em sentido negativo, a Requerente mobiliza diferentes ordens de considerações: (i) as sociedades gestoras de fundos de pensões não podem ser qualificadas como instituições de crédito ou sociedades financeiras nos termos do artigo 8.º, n.º 2, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e só as comissões cobradas por entidades dessa natureza é que podem ser incluídas na verba 17.3.4 da TGIS para efeitos da incidência do imposto; (ii) as comissões cobradas aos Fundos de Pensões encontram-se cobertas pelo regime de isenção fiscal a que se refere o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo; (iii) a norma interpretativa do artigo 7.º, n.º 7, do CIS, aditada pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de março, ao limitar o âmbito aplicativo dessa regra de isenção às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, é inconstitucional por violação dos princípios da irretroatividade da lei fiscal, da proteção da confiança e da segurança jurídica, quando aplicável a factos tributários anteriores à sua entrada em vigor.

Numa outra linha argumentativa, a Requerente sustenta que não é responsável pela liquidação e pagamento do imposto, que constitui antes encargo dos Fundos de Pensões, enquanto titulares do interesse económico subjacente à operação financeira, que os atos tributários impugnados põem ainda em causa a orientação genérica perfilhada pelo despacho de 17 de março de 1999, a que a Administração Tributária se encontrava vinculada nos termos do artigo 68.º-A, da Lei Geral Tributária, e, em todo o caso, as comissões cobradas aos Fundos de Pensões beneficiariam ainda da isenção aplicável aos fundos de investimento imobiliário, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de fevereiro, e no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

A Requerente deduz ainda um pedido subsidiário em vista à correção do valor do imposto apurado, para o caso de se entender haver lugar a tributação, por considerar que parte das comissões cobradas são posteriormente devolvidas aos Fundos de Pensões a título de unidades de participação.

 

Natureza jurídica das sociedades gestoras de fundos de pensões

 

6. A primeira questão que se coloca respeita ao âmbito de incidência da verba 17.3. 4 da TGIS, que se refere a “comissões e contraprestações por serviços financeiros” que resultem de “operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” (verba 17.3.).

Defende a Requerente que a previsão normativa pressupõe o preenchimento cumulativo de um requisito objetivo (serviços financeiros) e de um requisito subjetivo (instituições financeiras) de tal modo que só as operações financeiras legalmente reservadas às sociedades financeiras que se encontrem subordinadas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) é que poderiam encontrar-se sujeitas ao imposto de selo.

Nesse sentido apontariam as disposições do artigo 6.º, n.º 3, desse Regime, que exclui do conceito de “sociedades financeiras” as empresas de seguros e as sociedades gestoras de fundos de pensões, e do artigo 8.º, n.º 2, que define as atividades financeiras que as instituições de crédito e as sociedades financeiras se encontram autorizadas a exercer.

Não é esse, no entanto, o entendimento sufragado de modo uniforme pela jurisprudência arbitral e que não se vê agora motivo para alterar (cfr. decisões proferidas nos Processos n.ºs 348/2016, 633/2016, 667/2016, 9/2017 e  441/2017).

 A formulação utilizada na verba 17.3. da TGIS abrange não apenas as “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas”, mas também “quaisquer outras instituições financeiras”. A referência às instituições de crédito e sociedades financeiras pode entender-se como pretendendo abranger as espécies de instituições financeiras cujo processo de estabelecimento e exercício de atividade se encontra especialmente regulado no RGICSF. A menção feita a quaisquer outras instituições financeiras tem o sentido inequívoco de abranger outros tipos de instituições dessa natureza que constituam objeto de legislação especial e, por isso, se não encontrem enquadradas no regime geral do sistema financeiro.

Nesse sentido, não assume qualquer relevo a restrição constante do artigo 6.º, n.º 3, do RGICSF quando exclui do conceito de sociedades financeiras as empresas de seguros e as sociedades gestoras de fundos de pensões. Como resulta do segmento inicial do preceito, essa exclusão releva apenas para os efeitos do regime previsto nesse diploma, o que significa que as empresas de seguros e as sociedades gestoras de fundos de pensões, ainda que possam ser entendidas como sociedades financeiras, não estão sujeitas à regulamentação específica decorrente do Regime Geral aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92. Essa constitui, no entanto, uma mera opção do legislador que, como ressalta da exposição de motivos do diploma preambular, pretendeu proceder à reforma do sistema financeiro nacional, mediante a transposição de diversas diretivas comunitárias, remetendo para um regime próprio o sector dos seguros e dos fundos de pensões.

No que se refere aos fundos de pensões e às sociedades gestoras de fundos de pensões, a sua constituição e funcionamento encontra-se especialmente prevista no Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, que pretendeu transpor para o direito interno a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais.

A lei caracteriza as sociedades constituídas exclusivamente para a gestão de fundos de pensões como sociedades gestoras à quais compete a prática de todos os atos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão do fundo (artigos 32.º, 1, e 33.º) e a sua atividade é supervisionada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), que, como entidade administrativa independente, tem por missão assegurar o regular funcionamento do mercado segurador e dos fundos de pensões (artigos 36.º e 37.º do Decreto-Lei n.º 1/2015, de 6 de janeiro).

Em todo o caso, é evidente, no quadro legislativo comunitário, que as instituições de realização de planos de pensões são instituições financeiras e intervêm no mercado de serviços financeiros, havendo de considerar-se integradas no conceito amplo de sociedades financeiras (considerandos 1, 2 e 4 da Diretiva n.º 2003/41/CE).

Por todo o exposto, e face à amplitude da norma de incidência fiscal, não tem cabimento afirmar que estão apenas abrangidas pela verba 17.3.4 as comissões cobradas por serviços financeiros prestados pelas entidades às quais se aplique o RGICSF. A norma abrange os serviços financeiros de quaisquer instituições financeiras, independentemente do regime legal que regula o exercício da respectiva atividade, pelo que não pode deixar de ser aplicada às comissões que remuneram os serviços das sociedades gestoras de fundos de pensões.

 

Isenção fiscal prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo

 

7. Num outro plano, a Requerente sustenta que as comissões cobradas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões, ainda que pudessem integrar o conceito de operações financeiras para os fins previstos na verba 17.3.4 da TGIS, estariam ainda assim abrangidas pelo regime de isenção fiscal a que se refere o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que isenta de imposto “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”

A Autoridade Tributária contrapõe que essa norma apenas se refere aos juros e comissões conexos com operações de concessão de crédito em que intervenham as instituições de crédito e financeiras e que essa clarificação veio a ser efetuada pelo n.º 7 do artigo 7.º, aditado pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de março, a que foi atribuída natureza de norma interpretativa (artigo 154.º).

É essa a questão que interessa agora dilucidar e que justifica preliminarmente um breve relance pela evolução legislativa do preceito.

 Na sua redação originária, o Código de Imposto de Selo, no seu artigo 6.º, previa a isenção de imposto para a concessão de crédito e a cobrança de comissões por instituições de crédito, nos seguintes termos:

1 - Ficam também isentos do imposto:

(...)

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;

(…)

            A Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, tendo mantido no essencial o regime de isenção previsto nessas disposições, introduziu um n.º 2 em que estipulava que “[o] disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas”, assim restringindo o âmbito objetivo da isenção referida na alínea f), que passou a aplicar-se apenas às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito.

 

Esse n.º 2 veio entretanto a ser eliminado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que reformulou ainda a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º de modo a incluir nesse único dispositivo as isenções anteriormente previstas nas alíneas e) e f), e passou a ter a seguinte redação:

e) Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

            Com o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o regime daquela alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º, passou a constar da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º e a Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, alterou a redação dessa alínea, estendendo o âmbito aplicativo da isenção às “garantias prestadas”.

O preceito manteve-se inalterado desde então, ostentando atualmente a seguinte redação:

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.

Entretanto, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, no seu artigo 152.º, veio aditar um n.º 7 ao artigo 7.º do CIS, em que se prescreve: “[o] disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”. Por outro lado, o artigo 154.º dessa Lei atribuiu a este n.º 7 natureza de norma interpretativa.

 

8. A evolução histórica do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS evidencia que só na sua versão originária, que reportava a isenção à concessão de crédito e à cobrança de comissões pelas instituições de crédito e, posteriormente, com o aditamento de um n.º 2 a esse artigo pela Lei n.º 30-C/2000, que restringia o âmbito da isenção às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, é que o âmbito aplicativo da isenção ficou circunscrito às operações de crédito (incidência objetiva) e às instituições de crédito (incidência subjetiva).

Com a consolidação da fórmula verbal “juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras”, resultante da nova redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, e a concomitante eliminação do n.º 2, ficou  claro que a norma visa duas distintas finalidades: de um lado, a cobrança de juros e comissões, e de outro, a concessão de crédito.

E é nesse sentido que aponta também o elemento histórico de interpretação. Não pode deixar de fazer-se notar que até à reformulação operada pela Lei n.º 32-B/2002, a lei contemplava distintamente os juros cobrados e a utilização de crédito (alínea e) e as comissões cobradas por instituições de crédito (alínea f). A assimilação desses dois tipos de operações financeiras num único dispositivo legal não pode ter o efeito de descaracterizar o âmbito de incidência da isenção, passando a associar os juros e as comissões à própria concessão de crédito.

Neste contexto, a norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, aditada pela Lei n.º 7-A/2016, na medida em que restringe o âmbito da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições e sociedades financeiras e outras instituições financeiras, reveste-se de natureza inovadora, passando a delimitar o âmbito material da isenção prevista na falada norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), em termos que não correspondiam ao sentido literal e às circunstâncias históricas em que a norma foi elaborada.

 

Norma interpretativa e o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal

 

9. Na revisão de 1997, a Constituição passou a estatuir, no seu artigo 103.º, n.º 3, que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa, consagrando um princípio da proibição da retroatividade dos impostos que constituía já uma decorrência do princípio da proteção da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º).

 Consequentemente, como tem sido sublinhado pela jurisprudência constitucional, o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação dos factos relevantes à luz do direito anteriormente aplicável (Acórdão n.º 644/2017).

A mencionada proibição constitucional tem implicações relativamente às leis interpretativas no domínio fiscal.

Como resulta do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, a lei interpretativa considera-se integrada na lei interpretada, o que significa que retroage os seus efeitos à data da entrada em vigor da lei antiga, tudo se passando como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada.

A lei interpretativa passa a ter, nesses termos, um efeito de retroatividade formal: há retroatividade porque a lei se torna aplicável a factos e situações anteriores, e a retroatividade é meramente formal na medida em que a lei se limita a consagrar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar, e que não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior, será substancial ou materialmente retroativa (cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, págs. 246-247).

Como se explanou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, “na ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, releva que a lei interpretativa formalmente retroativa apenas declara o direito preexistente; ao passo que a lei interpretativa substancialmente retroativa, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo. É o que sucede quando o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Uma lei que modifique o direito preexistente – o mesmo é dizer, que constitua direito novo – sob a capa de “lei interpretativa” violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas válida para o seu âmbito de aplicação material”.

É a situação do caso.

Na proposta de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos tributários de liquidação de imposto de selo, os serviços da administração tributária invocaram o carácter interpretativo da disposição do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, para excluir a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 desse artigo em relação a operações financeiras não diretamente destinadas à concessão de crédito e essa fundamentação veio a ser acolhida pelo despacho de indeferimento da reclamação.

Essa solução normativa, resultante da conjugação dos n.ºs 1, alínea e), e 7 do artigo 7.º do CIS, em consequência do aditamento desse n.º 7 pelo artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, é inovadora e agrava a posição jurídica do sujeito passivo que fica assim impedido de beneficiar do regime de isenção de imposto. E, tendo sido aplicada aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, e, portanto, a anos fiscais anteriores à entrada em vigor da Lei, essa solução torna-se substancialmente retroativa e, nessa medida, incompatível com a proibição da imposição de impostos retroativos.

Entende-se, nestes termos, que é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a interpretação normativa das disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 1, alínea e), e n.º 7 do Código de Imposto do Selo e 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, segundo a qual a isenção prevista nessa alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades que aí são referidas. 

 Esse mesmo juízo de inconstitucionalidade foi confirmado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 644/2017, em reclamação de decisão sumária, e adotado, em situação similar, pelas decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 348/2016, 303/2017, 352/2017 e 441/2017.

Em necessária decorrência da recusa de aplicação da interpretação normativa tida como inconstitucional, são ilegais os atos tributários de liquidação de imposto de selo, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa de 9 de maio de 2017, e as liquidações de juros compensatórios (que têm como pressuposto as liquidações de imposto de selo controvertidas) a que se refere o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Questões de conhecimento prejudicado

 

11. Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei, que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicada a apreciação das restantes questões colocadas, que, por razões de precedência lógica, surgem em relação de subsidiariedade com a questão central do âmbito aplicativo da isenção fiscal prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

Juros indemnizatórios

 

12. A Requerente, tendo procedido ao pagamento voluntário do imposto de selo liquidado, vem requerer o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, em aplicação do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

As referidas disposições preveem a liquidação de juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária, desde a data do pagamento até à emissão da nota de crédito, quando a exigência da prestação seja imputável a erro dos serviços.

No caso vertente, teve relevo, para a decisão que veio a ser adotada pela Administração, o aditamento da norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, a que foi atribuída natureza interpretativa.

A Administração encontra-se subordinada ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), não podendo deixar o cumprir o disposto na lei a pretexto da sua inconstitucionalidade, tarefa que, em termos difusos, e conforme o disposto no artigo 213.º, se encontra apenas conferida aos tribunais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, pág. 800).

Fundando-se a decisão arbitral na recusa de aplicação de norma por inconstitucionalidade, não se verifica o pressuposto de que depende a condenação em juros indemnizatórios.

 

III – Decisão

Termos em que acordam em tribunal arbitral:

   a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

   b) Anular as liquidações de Imposto do Selo n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, e n.º 2015…, referentes aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, bem como as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, referentes ao ano de 2011; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015 …, 2015…, 2015…, 2015…, referentes ao ano de 2012; 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, referentes ao ano de 2013, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, referentes ao ano de 2014;

c) Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…;

d) Absolver a Requerida do pagamento de juros indemnizatórios;

e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

Valor da causa

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 658.664,72 que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 9.792,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notificação ao Ministério Público

Atenta a recusa de aplicação de norma constante de ato legislativo, notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20 de abril de 2018.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

(Árbitro Presidente)

 

 

 

Ricardo Rodrigues Pereira

(Árbitro Vogal)

 

 

 

Paulo Jorge Nogueira da Costa

(Árbitro Vogal)