Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 599/2017-T
Data da decisão: 2018-04-30  IRS  
Valor do pedido: € 26.592,66
Tema: IRS – Compensação pecuniária por revogação de contrato de trabalho (artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS – Antiguidade.
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Decisão Arbitral

 

1. Relatório

1.1 A…, doravante designada por «Requerente», contribuinte n.º …, residente na Avenida …, n.º…, …, em Lisboa, requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 15 de novembro de 2017, tem por objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) n.º 2017 … e respetivos juros compensatórios, no montante de € 24 713,35, relativa ao ano de 2013, consubstanciada na nota de cobrança n.º 2017…, no montante de € 26 592,66 (vinte e seis mil, quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e seis cêntimos), face à demonstração de acerto de contas n.º 2017 … .

 

1.3 Requer ainda a condenação da Requerida no reembolso do montante pago respeitante à referida liquidação, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

1.4 A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 15 de novembro de 2017.

 

1.6 O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 Em 08 de janeiro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 30 de janeiro de 2018.

 

1.9 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral da mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.

 

1.11 Em 02 de março de 2018, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.12 Na mesma data juntou aos autos o respetivo PA.

 

1.13 Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental que a Requerente juntou ao pedido de pronúncia, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 05 de março de 2018, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo decidido ainda que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, de forma sucessiva para a Requerida.

 

1.14 Foi ainda decidido que a decisão arbitral final seria proferida no prazo de 30 dias após a apresentação das alegações pela Requerida ou do termo do respetivo prazo.

 

1.15 As Partes foram notificadas desse despacho em 06 de março de 2018, tendo a Requerente optado pela não apresentação de alegações, o que foi feito pela Requerida em 23 do mesmo mês.

 

 

2. Posição das Partes

2.1 Da Requerente

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

O litígio tem na sua base a interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz da alínea b), n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, especificamente do excerto “número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos”.

Em 01-01-1997 iniciou a sua atividade profissional no B…, SA, onde trabalhou até 31-07-1997. De 01-08-1997 a 03-02-2010 exerceu funções no C…, S.A., com a categoria profissional de Grupo I, Nível 6, nos termos definidos no Acordo Coletivo Vertical do Setor Bancário (ACT). E em 03-02-2010 iniciou funções no D…, tendo com este celebrado um acordo de revogação do contrato de trabalho, em 30-04-2013, com produção de efeitos a 14-06-2013. 

Quando celebrou o contrato de trabalho com o C…, S.A. ficou estipulado na respetiva cláusula 12.ª que a antiguidade e tempo de serviço se contaria para todos os efeitos, desde 01 de Agosto de 1997, segundo as regras integrantes no ACT do mesmo sector.

Na data da revogação do contrato de trabalho com o D…, este pagou-lhe uma compensação pecuniária no montante de € 83 340,00, pelo que a questão a decidir reporta-se ao direito laboral por estar em causa a determinação da antiguidade.

Deste modo, não prevendo a legislação fiscal nem o Código do Trabalho uma definição legal do conceito “antiguidade” deverá a mesma procurar-se no Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) do setor bancário, publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, n.º 20, de 29-05-2011, onde, na cláusula 17.ª, é referido: “Determinação da antiguidade - Para todos os efeitos previstos neste acordo, a antiguidade do trabalhador será determinada pela contagem do tempo de serviço prestado nos seguintes termos: a) Todos os anos de serviço, prestado em Portugal, nas instituições de crédito com actividade em território português (…)”, tanto mais que o ACT é uma fonte de direito laboral, como resulta dos artigos 1.º e 2.º, do Código do Trabalho.

Além do previsto na citada cláusula do ACT, mostra-se expressamente referido no n.º 2 da cláusula 15.ª do Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho celebrado entre a Requerente e o D…, que “Tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17.ª dos ACT do Sector Bancário (“ACT”) e atenta a interpretação sustentada nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Maio de 2004 (Proc. 06002/01) e, em especial, de 21 de Setembro de 2010 (Proc. 03478/10), ambos os outorgantes reconhecem o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador pela contagem do seu tempo de serviço em entidades bancárias indicadas na referida cláusula do ACT, para os efeitos do disposto na al. b) do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redação que lhe foi dada pelo art. 108.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro”.

Assim a AT deveria ter respeitado o clausulado do referido ACT que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador, e deste modo, para efeitos do disposto na alínea b), n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, ter reconhecido que a antiguidade da Requerente se reportava a 01-08-1997, como entendimento de alguma jurisprudência do CAAD e do Tribunal Central Administrativo do Sul, que cita.

Ninguém concebe que tendo a Requerente 3,36 anos de serviço no D…, este aceitasse pagar uma indemnização total de € 83 340,00, o equivalente a 20,80 vezes a remuneração média mensal da Requerente.

Se o D… não considerasse aplicável a referida cláusula 17.ª do ACT a esta situação concreta, seria o primeiro a invocar a sua inaplicabilidade para se eximir a pagar uma indemnização de antiguidade tão elevada.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação da liquidação impugnada com todas as consequências previstas na lei, nomeadamente a restituição do imposto pago, acrescido dos juros indemnizatórios previstos no n.º1 do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, face à imputabilidade à AT do erro cometido, bem como da teoria da reconstituição da situação atual hipotética.

 

 

2.2 Da Requerida

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

A antiguidade a contabilizar, para efeitos do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, é a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação do contrato de trabalho, não sendo de ponderar, na aplicação do referido preceito legal, a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e a nova entidade patronal tivessem acordado ser de considerar em eventuais futuras “indemnizações”, por contrato de trabalho ou que decorra de instrumentos de regulamentação coletiva.

O conceito de antiguidade – antiguidade per si, sem qualquer qualificativo – em sede laboral não comporta uma especial densidade científica que o afaste significativamente do sentido da linguagem corrente: traduzindo, tal como noutros contextos jurídicos, um intervalo juridicamente relevante, com efeitos diversos, entre um determinado termo inicial e um determinado termo final.

Apesar de os instrumentos de regulamentação coletiva – mas não apenas estes – aduzirem vários qualificativos à antiguidade laboral, a verdade é que o Código do Trabalho não define o que seja “antiguidade” nem apresenta uma qualificação unívoca dela, constatando-se, contudo, à saciedade, a prevalência da noção de “antiguidade na empresa”, incluindo em matéria de cessação do contrato de trabalho.

Analisando o conteúdo dos acordos coletivos de trabalho do sector bancário, que contêm aquela clausula 17.ª (sob a epígrafe “Determinação da antiguidade”), importa concluir que, para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, tais instrumentos não incidem sobre as compensações/indemnizações por caducidade do contrato de trabalho, por despedimento por causas objetivas, por resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em ato ilícito do empregador ou por acordo de distrate/revogação do contrato de trabalho – matérias que, bem vistas as coisas, estão portanto arredadas dos efeitos normativos emergentes de tal cláusula 17.ª, tão simplesmente por não integrarem “todos os efeitos previstos” em tais instrumentos.

Ao regime jurídico do artigo 2.º, n.º 4, do Código do IRS subjaz uma notória vocação anti abuso, própria das cláusulas especiais preventivas da evasão fiscal – vocação que tem especial razão de ser, pois não seriam em qualquer caso aceitáveis acordos que dispusessem sobre antiguidade laboral reconhecendo antiguidades meramente artificiais e impondo tal reconhecimento para efeitos de delimitação negativa da incidência de imposto.

O problema jurídico objeto dos autos não se circunscreve a saber qual o conceito de antiguidade a atender na aplicação da alínea b), n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, à luz da estatuição do n.º 2 do artigo 11.º da LGT.

Bem pelo contrário, a questão prende-se com o facto de se saber se aquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, enquanto detentora de um sentido próprio do conceito de “antiguidade na empresa” que se comprova existir, pode ser permeável a outras qualificações de antiguidade acordadas em instrumentos jurídicos de natureza negocial, bilaterais ou coletivos, que imponham à entidade devedora da prestação pecuniária referida nessa norma uma antiguidade maior do que a correspondente à duração da relação contratual outorgada por tal entidade.

Tendo presente que “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes (…) não vincula a administração tributária” de acordo com o n.º 4, do artigo 36.º da LGT – norma que abrange, naturalmente, por maioria de razão, as qualificações das partes incidentes sobre o objecto negocial -, a questão terá de obter a sua solução na integral interpretação jurídica de todo o normativo implicado pela expressão “número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora”, contida na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.

Uma vez respeitados os limites legais imperativos quanto às compensações ou indemnizações por cessação do contrato de trabalho, não está, naturalmente, em causa a plena legitimidade de os instrumentos jurídicos negociais vincularem a entidade devedora a compensações/indemnizações pecuniárias superiores ao montante correspondente à delimitação negativa da incidência fiscal prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.

O que está em causa é saber se tais instrumentos jurídicos negociais podem impor a amplitude da própria tributação, como se de uma tributação voluntária se tratasse.

O espírito da lei reclama uma interpretação em termos literais da expressão “número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora” referenciada à “entidade devedora”, não admitindo que na “antiguidade na entidade devedora” se considerem, para além da antiguidade inerente à efetiva duração da relação contratual outorgada por essa entidade, majorações decorrentes de instrumentos jurídicos negociais.

O elemento literal da interpretação jurídica permite confirmar, numa perspetiva de correção sintática, que a antiguidade prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS é a antiguidade na “entidade devedora”, correspondente à “antiguidade na empresa” que, por força do elemento histórico-sistemático inerente à norma do atual n.º 10 do mesmo artigo, corresponde à “entidade empregadora/patronal”, com a amplitude decorrente desta norma, bem como das situações de sucessão na posição desta entidade, máxime por efeito da equiparação inerente ao artigo 285.º do Código de Trabalho de 2009.

Com efeito, a “entidade devedora” a que se refere o nº 4 do artigo 2º, tem de ser a “entidade patronal” mencionada no nº 10 do mesmo preceito legal, o que fica explícito quando no n.º 4 se condiciona a exclusão da tributação à não criação de novo vínculo profissional ou empresarial no prazo de 24 meses com a mesma “entidade”.

Certo é que o Código do Trabalho não contém uma definição do que seja “antiguidade”, depurando-se entre as inúmeras utilizações do conceito, com amplitudes e contextos distintos, uma, mais coerente e sistemática, que é a que conforma o termo “antiguidade” a “antiguidade na empresa” (cfr. art.ºs 368º, nº 1, alínea e); art. 112º, nº 6, art. 147º, nº 3, etc.), neste sentido acórdão do STJ de 01-10-2014, proferido do âmbito do processo n.º 1202/11.0TTMTS.P1S1.

A doutrina mais relevante sobre o tema, a propósito da antiguidade a considerar na aplicação do n.º 4 do artigo 2º do CIRS, entende que “Não é oponível à administração fiscal o clausulado ACTV sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando à garantia dos benefícios inerentes à antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjectiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do art. 2.º, uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual o tempo de antiguidade relevante é, tão só, o tempo de antiguidade “adquirido” na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação” (cfr. Fiscalidade 13/14, Manuel Faustino e Outros, “Sobre o sentido e alcance da nova redacção do art. 2º, nº 4 do CIRS).

Também para Cláudia Reis Duarte e Filipe Fraústo da Silva, na Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012, em anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-09-2010 (Proc.º 03748/10) relacionado com a antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS), “O conceito de antiguidade de que se servem os preceitos legais do capítulo codicístico relativo à cessação do contrato de trabalho e que estabelecem critérios de definição de indemnizações ou compensações é o de antiguidade na empresa e que, por conseguinte, não são atendíveis, nessa definição ou cômputo indemnizatório, períodos adicionais de duração do vínculo que possam ter sido reconhecidos pelo empregador por mero efeito de consenso contratual ou, até, por admissão unilateral, ou seja, que não resultem directamente da aplicação de normas legais ou convencionais colectivas que tenham por consequência essa extensão, como por exemplo sucede nos casos já aludidos de cessão de posição contratual, transmissão de titularidade ou exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, fusão, cisão, etc. A estes casos, as convenções colectivas podem acrescentar vários outros”.

E “(…) a doutrina decorrente do aresto sob anotação nos merece as críticas antes enunciadas, e tendemos por isso a considerar antes, quanto à questão específica da antiguidade, que da própria literalidade do preceito normativo resulta que esta corresponde ao número de anos ou fracção de antiguidade na entidade empregadora com a qual cessa o contrato na origem das importâncias pagas (com a ressalva da antiguidade verificada em outras entidades em relação de domínio ou de grupo com aquela por força da extensão do conceito operada pelo n.º 10 do art. 2.º do CIRS). Acresce que — e ainda que houvesse que fazer recurso, no preenchimento do conceito em causa (o que entendemos não ser o caso na medida em que o legislador fiscal foi claro e consagrou em letra de lei que a antiguidade é a verificada na entidade devedora), ao direito laboral — a solução seria ainda idêntica, uma vez que no Código do Trabalho não encontramos uma definição de antiguidade e, se alguma tivermos que daí extrair, essa será a antiguidade na empresa, e não a antiguidade que resulta de uma cláusula de qualquer convenção colectiva de trabalho ou de acordo estabelecido entre as partes”.

Invoca ainda a AT a decisão proferida no processo arbitral n.º 323/2017-T, ao referir que “(…) para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, os ACT do sector bancário não regulam a matéria referente a compensações pagas ao trabalhador por cessação do contrato de trabalho.”

“(...)  Resulta, portanto, do texto da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º CIRS que o legislador fiscal se refere expressamente, para efeito da sua aplicação, à antiguidade na entidade devedora, não se descortinando razão para indagar o sentido que o conceito de antiguidade assume no direito laboral.

Assim, no caso sub judice, no cálculo da indemnização por cessação do contrato de trabalho do Requerente marido, apenas deve ser considerada a antiguidade na entidade devedora – D… .

Refira-se que chegaríamos à mesma conclusão se aplicássemos o conceito de antiguidade que vigora no direito do trabalho.

Ou seja, ainda que seguíssemos o caminho interpretativo trilhado pela jurisprudência do TCAS citada supra, chegaríamos a um resultado oposto ao afirmado em tal jurisprudência…”.

Termina pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo do vício de violação de lei.

 

 

3. Saneamento

3.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

3.2 O processo não enferma de quaisquer nulidades.

 

3.3 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

3.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

4. Fundamentação

4.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

4.1.1 Em 01-01-1997 a Requerente foi admitida ao serviço do B…, SA, no qual exerceu funções até 31-07-1997, cfr. doc. n.º 8 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

 

4.1.2 Em 01-08-1997 a Requerente foi admitida ao serviço do C…, S.A., NIPC: …, com a categoria profissional de Grupo I, Nível 6, nos termos definidos no Acordo Colectivo Vertical do Sector Bancário, no qual exerceu funções de forma ininterrupta até 03-02-2010, cfr. doc.s n.ºs 9 e 10.

 

4.1.3 A Requerente esteve inscrita no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, com o n.º…, desde 22-12-1997 a 03-02-2010, cfr. doc. n.º 11.

4.1.4 A cláusula 12.ª do respetivo contrato de trabalho, celebrado em 29-06-1998,  previa, expressamente, que “A antiguidade e tempo de serviço do segundo outorgante (a Requerente) conta-se, para todos os efeitos, desde 01 de Agosto de 1997 e segundo as regras integrantes no ACTV do mesmo sector”, cfr. doc. n.º 9.

 

4.1.5 Em 03-02-2010 a Requerente foi admitida ao serviço do D…, NIPC:…, com a categoria profissional de Gerente, a fim de exercer funções de director de agência, cfr. artigo 26.º da p.i..

 

4.1.6 Em 30-04-2013, a Requerente e o referido D… celebraram um acordo de revogação do contrato de trabalho, com produção de efeitos em 14-06-2013, cfr. doc. n.º 12.

 

4.1.7 A cláusula segunda do referido acordo previa expressamente: “1. A título de compensação pecuniária global pela revogação do Contrato de Trabalho – na qual, com excepção dos créditos identificados no número seguinte, se incluem todos os demais vencidos à Data Final ou exigíveis em virtude da cessação do Contrato de Trabalho – o Colaborador receberá do D… a quantia ilíquida de € 83 340,00 (oitenta e três mil trezentos e quarenta euros) que será paga (…)”.

 

4.1.8 O n.º 2 da cláusula décima quinta do mesmo acordo referia expressamente: “Tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17.ª dos ACT do Sector Bancário (“ACT”) e atenta a interpretação sustentada nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Maio de 2004 (Proc. 06002/01) e, em especial, de 21 de Setembro de 2010 (Proc. 03478/10), ambos os outorgantes reconhecem o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador pela contagem do seu tempo de serviço em entidades bancárias indicadas na referida cláusula do ACT, para os efeitos do disposto na al. b) do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redação que lhe foi dada pelo art. 108.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro”.

 

4.1.9 A Requerente trabalhou para o D… entre 03-02-2010 e 14-06-2013, ou seja, 3 anos, quatro meses e 13 dias, cfr. doc. n.º 13.

 

4.1.10 Para os bancos antes referidos a Requerente trabalhou, de forma ininterrupta, de 01-01-1997 a 14-06-2013, ou seja, 16 anos, cinco meses e 14 dias.

 

4.1.11 À relação laboral antes referida aplicava-se o Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (ACT), celebrado entre diversas instituições de crédito, nomeadamente o D…, Sucursal, outras sociedades financeiras e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e outro, alterado em 05-05-2011 e publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, n.º 20, de 29-05-2011, cfr. artigos 29.º e 30.º da p.i.

 

4.1.12 A Requerente esteve inscrita no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários entre 01-03-2010 e 02-07-2013, cfr. doc. n.º 14.

 

4.1.13 Nos termos do n.º 1 da Cláusula 2.ª do ACT, este aplicava-se a todo o território nacional e obrigava todas as instituições de crédito que o subscrevessem, bem como todos os trabalhadores ao seu serviço representados pelas associações sindicais outorgantes. 

 

4.1.14 Como contrapartida da revogação do contrato de trabalho referido em 4.1.5, o D… pagou à Requerente a quantia de € 83 340,00, a título de compensação por cessação por mútuo acordo, cfr. doc. n.º 15.

 

4.1.15 Em 16-04-2014 a Requerente entregou a sua declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2013. No quadro 4 do respetivo anexo A, respeitante aos rendimentos do trabalho dependente e pensões, foi inscrito o montante de € 47 133,95 pago pela entidade com o NIPC: … (D…), além de outros rendimentos pagos por outras entidades, cfr. doc. n.º 16.

 

4.1.16 Do referido montante, € 19 260,00 correspondia a compensação pela cessação por mútuo acordo e € 27 873,95 a outros rendimentos da categoria “A”, sendo que aquele montante foi calculado nos termos do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS, tendo em conta todo o tempo durante o qual a Requerente trabalhou para os referidos bancos, ou seja, 16 anos:

 

Valor da indemnização, na parte isenta de tributação, calculada pelo D…

Indemnização paga (a)

Anos de serviço (b)

Remuneração média mensal (c)

Indemnização isenta (d = b x c)

Indemnização tributada (e = a - d)

€ 83 340,00

16

€ 4 005,00

€ 64 080,00

€ 19 260,00

 

4.1.17 Esta declaração foi liquidada em 08-05-2014 (liquidação n.º 2014 …) tendo sido apurado o montante de € 1 879,31, a reembolsar, cfr. doc. n.º 17.

 

4.1.18 Pelo ofício n.º … dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, de 26-02-2016, registado com o código de registo postal RD…PT, foi a Requerente notificada nos seguintes termos:  


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Assim, nos termos do n.º 4 do artigo 57.º do Código do IRS fica notificado para, no prazo de 15 (quinze) dias, substituir a declaração de rendimentos supra referida, acrescendo a parte da indemnização que não foi declarada, no montante de € 50 616,62”, cfr. doc. n.º 18.

 

4.1.19 Pelo ofício n.º … dos mesmos serviços de inspeção, de 22-08-2016, registado com o código de registo postal RD…PT, foi a Requerente notificada, na pessoa do seu mandatário, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), do projeto de Relatório da Inspeção Tributária, elaborado no âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2016…, de 03-03-2016, cfr. doc. n.º 19.

 

4.1.20 Pelo ofício n.º… dos mesmos serviços de inspeção, de 14-08-2017, registado com o código de registo postal RD…PT, foi a Requerente notificada, na pessoa do seu mandatário, nos termos do artigo 62.º do RCPITA, das conclusões do procedimento inspetivo e da alteração ao rendimento líquido, efetuada em 26-07-2017, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS, cfr. doc. n.º 22.

 

4.1.21 A pág. 12 das referidas conclusões do procedimento inspetivo, que integra o PA, vem referido:

 

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4.1.22 O rendimento omitido, no montante de € 50 616,62, foi determinado pela AT, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS, tendo em conta o tempo durante o qual a Requerente trabalhou, apenas, para o D… (de 03-02-2010 a 14-06-2013), ou seja, 3,36 anos, cfr. loc. cit.

 

Indemnização paga (a)

Data de Entrada no D… (f)

Data de saída do D… (g)

Tempo de serviço (h=g-f)

Indemnização isenta (l=hxc*)

Indemnização a tributar (j=a-i)

Indemnização por tributar (k=j-e**)

€ 83 340,00

03-02-2010

14-06-2013

3,36 anos

€ 13 463,38

€ 69 876,62

€ 50 616,62

Tendo em conta que:

* = € 4 005,00 (Remuneração média mensal)

** = € 19 260,00 (indemnização tributada)

 

4.1.23 Em 25-08-2017, a Requerida/AT, com base no rendimento alterado, procedeu à liquidação adicional n.º 2017 …, no montante de € 24 713,35, correspondendo € 19 252,33 a IRS, € 2 851,97 à taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.º-A do CIRS e € 2 609,05 a juros compensatórios, cfr. doc. n.º 1.

 

4.1.24 Em 04-09-2017 a Requerente foi notificada da demonstração de acerto de contas, consubstanciada na nota de cobrança n.º 2017…, no montante de € 26 592,66, com data limite de pagamento de 04-10-2017, cfr. doc. n.º 5.

 

4.1.25 O pagamento da referida nota de cobrança foi efetuado em 27-09-2017, cfr. doc. n.º 7.

   

4.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

4.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

  

4.4 Matéria de Direito (fundamentação)

     Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se a contagem da antiguidade da Requerente, para efeitos de incidência de IRS, no caso de indemnização por revogação do contrato de trabalho, deve fazer-se tendo em conta o tempo de serviço prestado no setor bancário (incluindo, portanto, o tempo de serviço anteriormente prestado noutras instituições bancárias) ou se, pelo contrário, apenas deve ser considerado o tempo de trabalho prestado na entidade com a qual a Requerente revogou o contrato de trabalho e que motivou o direito à compensação pecuniária, ou seja, o D… .

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada; e

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Da (i)legalidade da liquidação impugnada -

É a seguinte a redação, ao tempo dos factos (2013), do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS, norma convocada para dirimir a questão decidenda:

4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa colectiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade” (sublinhado nosso).

 

São duas as questões a resolver:

Primeiro, a de saber qual o exato sentido daquela norma, mais concretamente quanto ao inciso “número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora”.

Depois, se os acordos coletivos de trabalho e os contratos de trabalho bem como os acordos de revogação destes últimos vinculam a administração tributária.

 

Quanto à primeira questão, uma interpretação à luz dos princípios gerais para que remete o artigo 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), e que se encontram vazados no artigo 9.º do Código Civil, parece claramente indicar que o legislador se refere à antiguidade e ao exercício de funções na entidade devedora, a qual, in casu, foi o D… . Para tal interpretação concorreram os diversos elementos próprios da hermenêutica jurídica: gramatical, racional ou teleológico, sistemático e histórico.

Com efeito, nos termos do artigo 9.º do Código Civil, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei fiscal, devendo reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Como resulta do Acórdão do STA, de 05-09-2012, proferido no processo n.º 314/12, “Interpretar em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (neste sentido, cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, 6ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1965, Vol. I., p. 145)”.

Assim, acompanhamos o seguinte segmento da decisão proferida no processo arbitral n.º 505/2017-T, de 16-03-2018, do CAAD: “A expressão «número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora», utilizada na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, revela com clareza que quanto ao «número de anos ou fracção ... de exercício de funções», apenas releva o que se reporta ao exercício «na entidade devedora».

Quanto à «antiguidade» não existe a mesma clareza, pois a referência final à «entidade devedora» pode reportar-se, gramaticalmente, apenas ao «exercício de funções».

No entanto, gramaticalmente, a referência final à «entidade devedora» também poderá, sem esforço apreciável, reportar-se à «antiguidade» («antiguidade ... na entidade devedora»), sendo esta uma forma textualmente adequada para expressar uma intenção legislativa no sentido de a antiguidade relevante ser também, como sucede quanto ao «exercício de funções», a referente à entidade devedora.

Esta última leitura afigura-se ser a mais consistente, pois a alternativa que aí se refere, entre a «antiguidade» e o «exercício de funções», justifica-se por o conceito de antiguidade ser adequado a referenciar o tempo de serviço prestado no âmbito de um contrato de trabalho, mas não ao serviço prestado no âmbito de outras funções a que se aplica este regime, referidas no corpo do referido n.º 4, como é manifestamente o caso do exercício de funções de gestor público (como flui do respectivo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março [[1]]), mas também das funções de administração em pessoas colectivas. Isso mesmo se confirma pela alínea a) do mesmo n.º 4 do artigo 2.º em que se refere expressamente o «exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente».

Não havendo qualquer delimitação negativa de incidência quanto à parte da indemnização que corresponda a este exercício de funções de gestão e representação [como veio a ser explicitado pela redacção dada àquela alínea a) pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, a que o seu artigo 14.º atribuiu natureza interpretativa], a referência na alínea b) a existência de delimitação negativa nos casos de «exercício de funções na entidade devedora» visará os casos em que os trabalhadores não exerceram apenas aquelas funções na entidade devedora, cumulando-as com trabalho a que é aplicável o conceito de antiguidade. Isto é, tratar-se-á, nomeadamente, das situações, que serão frequentes, de trabalhadores vinculados por contrato de trabalho que passam a exercer funções de gestão: nestes casos, a parte da indemnização que corresponde ao exercício de funções de gestão é tributável na totalidade, mas à parte da indemnização que corresponde a trabalho de outro tipo aplica-se a delimitação negativa de incidência considerando-se para determinar a sua amplitude quer a antiguidade quer o período de exercício das funções de gestão.

Assim, no contexto em que a referida expressão é utilizada, afigura-se adequado interpretar esta norma como aludindo à «antiguidade ... na entidade devedora» e ao «exercício de funções na entidade devedora»”.

Neste sentido, Filipe Fraústo da Silva e Cláudia Reis Duarte[2] “Quanto à primeira questão (refere-se à interpretação e ao sentido e alcance que o Tribunal extrai do excerto normativo “multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora”), não pode deixar de admitir-se que o legislador haja pretendido reportar a locução “…na entidade devedora…” às duas realidades que literalmente a antecedem — as situações de cessação do contrato e as situações de cessação do exercício de funções. Entendemos poder extrair-se da letra escrita do CIRS que o número de anos ou fracção a considerar como critério multiplicador na aplicação da fórmula para chegar ao recorte do valor delimitado negativamente (e excluído de tributação em IRS), quer nas situações de cessação dos contratos, quer na cessação do exercício de funções, é o número de anos ou fracção verificado “…na entidade devedora…”.

Não vemos, aliás, motivo para o legislador fiscal ter pretendido que o conceito a seguir na primeira situação fosse injustificadamente mais amplo que na segunda, criando uma situação de desigualdade que, em última análise, poderia até bulir com o princípio constitucional([3]).

 

Entendemos, pois, que o segmento normativo “…na entidade devedora…” (que é, e não pode deixar de ser, segundo julgamos, a entidade que se obriga a pagar as importâncias cujo tratamento fiscal a norma estabelece) se reporta às duas situações que o antecedem, e deverá atender-se, em ambas as situações, ao número de anos ou fracção de antiguidade na entidade devedora ou ao número de anos ou fracção de exercício de funções na entidade devedora”.

 

Quanto à segunda questão, ou seja, se os acordos coletivos de trabalho e os contratos de trabalho bem como os acordos de revogação destes últimos vinculam a administração tributária, diga-se, desde já, que não.

Com efeito a cláusula 17.ª, alínea a) do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário (ACT), celebrado entre diversas instituições de crédito, nomeadamente o D…, Sucursal, outras sociedades financeiras e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e outro, alterado em 05-05-2011 e publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, n.º 20, de 29-05-2011, refere expressamente: “Determinação da antiguidade - Para todos os efeitos previstos neste acordo, a antiguidade do trabalhador será determinada pela contagem do tempo de serviço prestado nos seguintes termos: a) Todos os anos de serviço, prestado em Portugal, nas instituições de crédito com actividade em território português”.

Por outro lado o n.º 2 da cláusula décima quinta do acordo de revogação do contrato de trabalho celebrado, em 30-04-2013, entre a Requerente e o D…, com produção de efeitos em 14-06-2013, refere expressamente: “Tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17.ª dos ACT do Sector Bancário (“ACT”) e atenta a interpretação sustentada nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Maio de 2004 (Proc. 06002/01) e, em especial, de 21 de Setembro de 2010 (Proc. 03478/10), ambos os outorgantes reconhecem o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador pela contagem do seu tempo de serviço em entidades bancárias indicadas na referida cláusula do ACT, para os efeitos do disposto na al. b) do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redação que lhe foi dada pelo art. 108.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro”.

 

Porém, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º da LGT, a qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária

Como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez respeitados os limites legais imperativos quanto às compensações ou indemnizações por cessação do contrato de trabalho, não está, naturalmente, em causa a plena legitimidade de os instrumentos jurídicos negociais vincularem a entidade devedora a compensações/indemnizações pecuniárias superiores ao montante correspondente à delimitação negativa da incidência fiscal prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.

O que está em causa é saber se tais instrumentos jurídicos negociais podem impor a amplitude da própria tributação, como se de uma tributação voluntária se tratasse.

Uma interpretação deste tipo implicaria a inconstitucionalidade formal daquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, pois reconduzir-se-ia a reconhecer a relevância de atos de natureza não legislativa para integrar um conceito que, por força da alínea i), n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), está subordinado à reserva de lei formal ou, nos termos da alínea b), n.º 1 do artigo 198.º, a decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa da Assembleia da República.

Acompanhamos ainda a referida decisão arbitral, quando refere: “Na verdade, aquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, constitui uma delimitação negativa de incidência de IRS e as normas que definem a incidência dos impostos só são constitucionalmente válidas se forem inseridas em lei formal ou decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa da Assembleia da República, como resulta do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1 alínea b), da CRP.

E, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

Por isso, a alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRC, será inconstitucional se interpretada como atribuindo a actos contratos individuais ou a actos de normativos de natureza não legislativa (como são os acordos colectivos de trabalho e as portarias de extensão) o poder de definirem a amplitude da delimitação da incidência do IRS.

Se se entender que o artigo 11.º, n.º 2, da LGT assegura a possibilidade que fazer apelo a normas de natureza não legislativa para definir o âmbito da incidência de IRS, nessa interpretação, será materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com o artigo 112.º n.º 5 da CRP. A referência a «nenhuma lei» que consta desta norma constitucional, abrange a LGT.

Consequentemente, a interpretação constitucionalmente admissível desta norma é a que lhe atribui um alcance preciso, não modificável por actos normativos ou acordos individuais, que é o de se reportar à antiguidade na «entidade devedora», à semelhança do que sucede com o «exercício de funções».

Aliás, é também esta a interpretação mais congruente e que assegura o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP), pois a este nível de tributação em IRS de indemnizações devidas por cessação de actividade numa empresa, não se vêem razões que justifiquem que sejam aplicados regimes diferentes em função da natureza do serviço prestado.

Com efeito, em qualquer dos casos valem as razões que podem justificar esta delimitação negativa de incidência que são «atender ao facto de que o montante indemnizatório será necessário ao trabalhador para assegurar a sua subsistência durante o período de desemprego que, na maioria dos casos, se seguirá» e ter «em conta que o recebimento de tal soma, em geral relativamente avultada, terá um efeito disparador sobre a taxa do imposto: o rendimento obtido nesse ano será excepcionalmente elevado, pelo que resultará tributado a taxas elevadas dada a progressividade do tributo» ([[4]]).

Por outro lado, ainda na perspectiva do princípio da igualdade, não se vê razão que justifique distinguir, para efeitos de tributação em IRS de trabalhadores que recebem indemnizações por cessão de contratos de trabalho, entre aqueles que estão sindicalizados em sindicatos que celebraram convenções colectivas de trabalho e aqueles que não estão sindicalizados ou que estão sindicalizados em sindicatos que não celebraram essas convenções”.

A doutrina mais relevante sobre o tema, a propósito da antiguidade a considerar na aplicação do n.º 4 do artigo 2º do CIRS, cfr. Manuel Faustino e Outros[5], entende que “Não é oponível à administração fiscal o clausulado ACTV sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando à garantia dos benefícios inerentes à antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjectiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do art. 2.º, uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual o tempo de antiguidade relevante é, tão só, o tempo de antiguidade “adquirido” na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação” (sublinhado nosso).

 

Também para Filipe Fraústo da Silva e Cláudia Reis Duarte[6], “ (…) Aqui chegados, importa atentar na segunda reserva antes referida, relacionada com o conteúdo do conceito de antiguidade que, naqueles arestos, se acolhe, referindo-se em tais decisões que esse conceito é preenchido socorrendo-se dos quadros do direito laboral (ramo do direito de que o conceito em causa é originário), mas em ambos os casos adoptando o conceito de antiguidade que foi utilizado no momento da cessação do contrato de trabalho (que no caso do acórdão de 2004 resulta de uma cláusula contratual individual em que se reconhece antiguidade medida em anterior empregador e que, no caso do acórdão sob anotação, resulta de uma cláusula do ACT para o Sector Bancário).

Ora, a admitir-se esta posição, e numa interpretação coerente com a que é perfilhada naquelas decisões, o Tribunal ver-se-ia obrigado a admitir que, se em determinado acordo revogatório de contrato de trabalho, se fizer constar uma cláusula em que se acorda no reconhecimento de uma antiguidade ficta, ou se imediatamente antes desse acordo revogatório se aditar o contrato de trabalho, passando a fazer dele constar uma cláusula do mesmo teor, essa é a antiguidade atendível para efeitos laborais, e por isso a antiguidade a considerar como critério multiplicador no recorte de delimitação negativa da incidência fiscal em IRS.

Como facilmente se adivinha, não podemos acolher esta interpretação. Mesmo admitindo que a norma fiscal se referia apenas a antiguidade (no que não se concede, na medida em que se considera antes que a locução normativa “…na entidade devedora…” se reporta também à antiguidade e não apenas ao exercício de funções), o preenchimento deste conceito por recurso ao direito laboral não é necessariamente reportado à antiguidade considerada, quer no momento da celebração do contrato, quer no momento e para efeitos da cessação do contrato ou situação equiparada.

Como acima se detalhou, o Código do Trabalho não contém uma definição do que seja antiguidade, mas se houvesse que eleger um conteúdo deste conceito como o mais corrente ou mais frequentemente utilizado naquele acervo normativo, diríamos que a expressão se reconduz à vulgarmente designada antiguidade na empresa. Naturalmente, para determinados efeitos específicos e particulares a mesma expressão adopta um perímetro mais estrito ou mais amplo, e um exemplo de tais situações específicas é precisamente a medida da antiguidade que, muitas vezes, é tomada por empregador e trabalhador para efeitos de determinação da compensação pecuniária global a pagar em contrapartida da cessação, por mútuo acordo, do contrato de trabalho e — com estribo em decisões como a que agora se anota —, para estabelecer o ponto até ao qual tal compensação não está sujeita a imposto.

Se é claro que não existe constrangimento legal a que o montante desta compensação seja determinado nos termos em que as partes entenderem fazê-lo, não é menos certo que é prática comum e corrente que tal compensação pecuniária seja determinada tendo por referência, como igualmente deixámos escrito acima, a remuneração base (ou outra, de diferente amplitude) multiplicada pelo número de anos de antiguidade (contando ou não a fracção de ano por inteiro) e, eventual mas frequentemente, por um factor de majoração.

Naturalmente que o número de anos de antiguidade a considerar como multiplicador para estes efeitos pode ser o que as partes entenderem, precisamente porque o montante ilíquido negocial da compensação a pagar ao trabalhador no caso de distrate não sofre quaisquer constrangimentos legais.

É, pois, cristalinamente claro que, ao tomar como referência para preenchimento da norma fiscal o conceito de antiguidade adoptado para efeitos laborais no momento da cessação do contrato e para efeitos de cálculo da compensação a atribuir ao trabalhador, estaria encontrada a via para que o limite da exclusão de tributação fosse livremente manipulável pelas partes, o que, conviremos, não foi certamente — não pode ter sido — a intenção do legislador fiscal.

Na ratio do preceito jus-fiscal estará, segundo cremos, a intenção de conceder uma espécie de benefício, excluindo de tributação e premiando com essa exclusão proporcionalmente mais quem há mais anos se mantém na entidade em que cessa o contrato ou o exercício de funções. A ser assim, não estaria certamente no espírito do legislador conceder uma maior exclusão de tributação a quem, não cumprindo este requisito, simplesmente acorde com a entidade empregadora (ou se prevaleça de uma convenção colectiva que assim o estabeleça) uma antiguidade (no sentido de antiguidade na empresa) que na realidade não tem e que excede a que efectivamente tem, ou seja, negociando sobre uma “medida” como se de um bem jurídico disponível se tratasse.

Como se referiu, uma tal interpretação permitiria uma manipulação por simples acordo das partes que, segundo acreditamos, não cabe na letra nem no espírito da norma tributária.

Cremos, por isso, que mesmo adoptando a interpretação segundo a qual a norma fiscal se refere apenas a antiguidade e havendo que recorrer ao direito laboral ([7]) para preencher esse conceito, o conceito de antiguidade a perfilhar deve ser o mais estrito, conceito “medida”, de antiguidade na empresa, o que conduz a solução idêntica àquela que temos por mais correcta e que entendemos resultar do próprio elemento literal, que é a de que o legislador fiscal pretendeu referir-se à “antiguidade… na entidade devedora”.

Mal se compreenderia que, na cessação de um contrato individual de trabalho, pudesse ser considerada uma antiguidade resultante de uma cláusula do próprio contrato ou ulterior instrumento modificativo desse contrato, ou de uma convenção colectiva (como se faz nas decisões do Tribunal Central Administrativo Sul e Norte a que vimos fazendo referência) e utilizada essa antiguidade como factor numérico para elevar o limite da exclusão de tributação em IRS das importâncias recebidas pelo trabalhador; e que a solução fosse outra se a mesma cláusula constasse de acordo subjacente à nomeação de um administrador societário, por exemplo.

O tratamento diferenciado, para efeitos fiscais, de situações fácticas em tudo semelhantes não encontraria qualquer justificação legal, nem tão pouco um sentido lógico atendível, sendo certo que o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ([8]).

Acresce que o facto de a antiguidade ser, frequentemente, critério ou factor de determinação da compensação no âmbito do acordo celebrado para efeitos laborais não leva nem, segundo entendemos, deve levar, a que o conceito de antiguidade a atender para efeitos de determinação do limite de exclusão previsto na norma fiscal deva ser coincidente com aquele (como parecem apontar os acórdãos antes mencionados.

Aliás, é igualmente comum que, para efeitos laborais e no âmbito da cessação, a remuneração base seja um critério utilizado no cálculo da compensação pecuniária global a atribuir ao trabalhador, sendo certo que para efeitos fiscais e com relevância para a determinação do montante excluído de tributação o que releva é “o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses”, o que notoriamente pode não coincidir (nem tem que coincidir) com o valor base da remuneração mensal (sem sequer entrar na discussão, que também excede o âmbito da presente anotação, sobre o conceito de retribuição aqui utilizado, porquanto existem prestações do empregador ao trabalhador que, sendo embora sujeitas a tributação em IRS, podem não ter natureza retributiva em termos juslaborais estritos, como será o caso de prémios atribuídos pelo empregador com animus donandi ou de complementos de natureza puramente compensatória, ou ainda do pagamento, durante a execução do contrato de trabalho, de fracções de compensação por não-concorrência pós-contratual, que a jurisprudência e doutrina admitem ser admissível.

Parece-nos, pois, notório que o legislador fiscal não quis nem acolheu essa coincidência — nem poderia, aliás, na medida em que o valor das importâncias pagas ao trabalhador pode ser determinado com base em quaisquer critérios que as partes entendam acordar e só por mero acaso, e pela prática que, reconhecemos, é reiterada nesta matéria, o factor antiguidade é usado.

Mas mais do que não querer essa coincidência, consideramos que a própria letra da lei é muito clara ao estabelecer que a delimitação negativa de incidência tributária em IRS se estabelece usando como factor multiplicador a antiguidade na entidade devedora dos rendimentos em causa, o que se afasta da antiguidade utilizada como factor de determinação da compensação para efeitos laborais sempre que esta seja diferente (seja por existência de cláusula nesse sentido no próprio contrato de trabalho, em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho ou mesmo no acordo de cessação).

Temos, assim, para nós, que a solução mais consentânea com a letra expressa da lei, assim como a interpretação mais correcta mesmo que se não retirasse já da letra escrita e houvesse que recorrer-se ao direito laboral, é a que considera, como factor multiplicador para efeitos de determinação da delimitação negativa de incidência, a antiguidade na empresa ou na entidade devedora, pelo que não acompanhamos a solução perfilhada pelo acórdão em anotação nesta matéria.

Também a doutrina mais relevante sobre o tema perfilhou já posição idêntica à que aqui defendemos (e diversa da acolhida na decisão sob anotação), e em 2003, a propósito do factor antiguidade a considerar na aplicação desta norma, escrevia MANUEL FAUSTINO (MANUEL FAUSTINO, “Sobre o sentido e alcance…” cit., p. 10.): “Não é oponível à administração fiscal a cláusula do ACTV sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando à garantia dos benefícios inerentes à antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjectiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do art. 2.º, uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual o tempo de antiguidade relevante é, tão só, o tempo de antiguidade “adquirido” na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação” (sublinhado nosso).

Não ignoramos a solução de injustiça que poderia criar-se nas situações em que um trabalhador tem sucessivamente contratos com diversas empresas de um mesmo grupo económico, em que, para efeitos da interpretação que aqui defendemos como a mais correcta, veria as quantias pagas por cessação do vínculo excluídas apenas na medida da antiguidade na empresa pagadora de tais importâncias.

Contudo, e para estes efeitos, estamos em crer que a própria norma fiscal dá solução no sentido de considerar como antiguidade para estes efeitos a totalidade do período temporal (número de anos ou fracção) em que a pessoa em causa permaneceu no mesmo grupo de empresas, ainda que em entidades distintas. É que o n.º 10 do mesmo art. 2.º do CIRS estabelece que “[p]ara efeitos deste imposto, considera-se entidade patronal toda aquela que pague ou coloque à disposição remunerações que constituam rendimentos de trabalho dependente nos termos deste artigo, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, independentemente da respectiva localização geográfica”.

Considerando o elemento sistemático, entendemos não poder deixar de considerar-se que a “entidade devedora” a que se refere o n.º 4 do art. 2.º é a “entidade patronal” mencionada no n.º 10 do mesmo normativo, o que aliás fica claro quando no primeiro (o n.º 4) se condiciona a exclusão de tributação à não criação de novo vínculo empresarial ou profissional no prazo de 24 meses com a mesma “entidade”.

Entendemos, pois, que decorre do elemento literal e sistemático que o conceito relevante de antiguidade na entidade devedora se reporta ao número de anos ou fracção de antiguidade na entidade com a qual cessa o contrato ou, por efeito do dispositivo legal, com qualquer outra que com esta esteja em relação de domínio ou de grupo.

Também aqui acompanhamos na íntegra MANUEL FAUSTINO, que no final da mesma nota antes citada, acrescenta: “Salvaguardamos, como já sublinhámos, face à extensão objectiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do art. 2.º, as situações que se verifiquem entre entidades patronais em relação de domínio ou de grupo, independentemente da sua localização”.

Entendimento paralelo foi já veiculado pela Administração Fiscal, que no despacho proferido no Processo n.º 1818/10, em 10 de Outubro de 2010, afirma que não é de ponderar, na aplicação do n.º 4 do art. 2.º do CIRS, a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e a nova entidade patronal tenham acordado ser de considera-la em eventuais futuras “indemnizações”, apenas não sendo assim quando estejam em causa a entidade pagadora dos rendimentos e qualquer outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo e ocorra “transferência” de uma para outra ou quando, por efeito da lei ou pelo critério da substância económica, esteja em causa uma situação enquadrada no art. 285.º do Código do Trabalho de 2009.

Em conclusão, diremos que a doutrina decorrente do aresto sob anotação nos merece as críticas antes enunciadas, e tendemos por isso a considerar antes, quanto à questão específica da antiguidade, que da própria literalidade do preceito normativo resulta que esta corresponde ao número de anos ou fracção de antiguidade na entidade empregadora com a qual cessa o contrato na origem das importâncias pagas (com a ressalva da antiguidade verificada em outras entidades em relação de domínio ou de grupo com aquela por força da extensão do conceito operada pelo n.º 10 do art. 2.º do CIRS). Acresce que — e ainda que houvesse que fazer recurso, no preenchimento do conceito em causa (o que entendemos não ser o caso na medida em que o legislador fiscal foi claro e consagrou em letra de lei que a antiguidade é a verificada na entidade devedora), ao direito laboral — a solução seria ainda idêntica, uma vez que no Código do Trabalho não encontramos uma definição de antiguidade e, se alguma tivermos que daí extrair, essa será a antiguidade na empresa, e não a antiguidade que resulta de uma cláusula de qualquer convenção colectiva de trabalho ou de acordo estabelecido entre as partes”.

 

Por isso, aquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS seria materialmente inconstitucional, por violação do artigo 13.º da CRP, se interpretada como fazendo depender a delimitação negativa de incidência do IRS aí prevista, da aplicabilidade ao trabalhador de regras previstas em acordos coletivos de trabalho ou em contratos individuais.

Mas ainda que, por mera hipótese, a aplicação destes instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho relevassem na referida delimitação negativa de incidência do IRS, mesmo assim não lograria a Requerente os efeitos que pretende fazer valer com o ACT do sector bancário, uma vez que, para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, o mesmo não regula a matéria referente a compensações pagas ao trabalhador por cessação do contrato de trabalho.

 

Pelo exposto conclui-se que a interpretação da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS compaginável com a Constituição é a que foi feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira e está subjacente à liquidação impugnada, de que, para todos os trabalhadores, a antiguidade a atender é a antiguidade na entidade devedora da indemnização, à semelhança do que sucede com os gestores.

 

Deste modo, considerando que a Requerente trabalhou para o D… no período de 03-02-2010 a 14-06-2013, ou seja, 3,36 anos, e que a remuneração média mensal pela mesma auferida nos últimos 12 meses foi de € 4 005,00, da compensação recebida pela cessação do contrato por mútuo acordo, no montante de € 83 340,00, apenas ficará não sujeito a IRS, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS, o montante de € 13 463,36, sendo, consequentemente, devido imposto sobre a parte restante (€ 69 876,62). Pelo que tendo a Requerente declarado o rendimento de € 19 260,00, mostra-se correta a liquidação adicional efetuada no montante de € 50 616,62.

Conclui-se, assim, que a liquidação impugnada não enferma da ilegalidade que a Requerente lhe imputa.

 

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Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios

Resta, por fim, apreciar o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

Ora, tendo em conta que, nos termos acima expostos, o ato tributário de liquidação adicional de IRS não padece dos vícios de violação de lei que lhe são imputados no pedido de pronúncia arbitral, improcedendo, assim, o pedido de declaração da respetiva ilegalidade, necessariamente improcede o pedido de juros indemnizatórios que é suscitado como consequência das ilegalidades invocadas.

 

 

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5. Decisão

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter a liquidação de IRS n.º 2017…, a liquidação de juros compensatórios n.ºs 2017 … e 2017…, bem como o acerto de contas n.º 2017…, do ano 2013.
  2. Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao reembolso do montante de € 26 592,66 (vinte e seis mil, quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e seis cêntimos);  
  3. Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios; e
  4. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo arbitral, cfr. n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

6. Valor do Processo

De harmonia com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 26 592,66.

 

 

7. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 530,00, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de abril de 2018.

 

O Árbitro,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 



[1] Alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 8/2012, de 18 de Janeiro, e pelo decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de Julho

[2] Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012, pág. 462/463, em anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-09-2010 (Proc.º 03748/10) relacionado com a antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS)

[3] O princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da Constituição.

[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-07-2017, processo n.º 0801/16, na esteira de RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, 3ª ed. Almedina, páginas 54/55.

[5]Sobre o sentido e alcance da nova redacção do art. 2º, nº 4 do CIRS”, Fiscalidade 13/14, ed. Instituto Superior de Gestão, Janeiro/Abril 2003, nota n.º 12, pp. 10/11.

[6] Op. cit., pp. 463/470

[7] Por imposição, como acima referido, das regras sobre interpretação de normas fiscais impostas pelo art. 11.º da LGT.

[8] Cf. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil.