Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 767/2019-T
Data da decisão: 2020-11-03  IRC  
Valor do pedido: € 123.323,57
Tema: IRC – Liquidação que repete autoliquidação; Ato não lesivo; Exceção dilatória de inimpugnablilidade.
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SUMÁRIO:

1.            Repetindo-se, na liquidação objeto do processo, a mesma matéria coletável e coleta de IRC, do ano de 2013, constantes de autoliquidação anterior referente ao mesmo período tributário e não resultando daquele ato tributário qualquer imposto a pagar pelo contribuinte, estamos em presença de ato não inovador e não lesivo.

2.            O ato tributário lesivo e impugnável foi a autoliquidação a que a Requerente procedeu, pelo que, considerando que tal ato enfermava de erro, era este que a Requerente tinha o ónus de impugnar.

3.            Não sendo a liquidação objeto do processo lesiva para a Requerente, é a mesma inimpugnável, o que constitui exceção dilatória e implica a absolvição da Requerida da Instância.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – Relatório

 

1. No dia 14.11.2019,  a Requerente, A..., LDA, contribuinte fiscal número..., com sede na ..., nº..., Sacavém, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  da liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas com o número 2018..., de 22.02.2018, referente ao exercício de 2013, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquele ato tributário.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 5 de fevereiro de 2020.

 

3. No pedido de pronuncia arbitral a Requerente, alegou, designadamente o seguinte:

 

a.            Na sequência de um procedimento inspetivo levado a cabo pela Requerida em sede de IVA e IRC, relativamente ao exercício de 2013, a matéria coletável foi alterada, por referência ao referido exercício, totalizando as correções o montante de € 97.216,74, correspondente a gastos que deveriam ter sido aceites e que   foram indevidamente  desconsiderados.

b.            Em face da referida inspeção e da correção realizada a Requerente foi notificada da liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício de 2013 e respetivos juros compensatórios, com o número 2018..., cujos registos de compensação originaram a nota de acerto de contas nº 2018... e a demonstração de acerto de contas nº 2018..., com reembolso a favor da Requerente no valor de € 16,93.

c.            A Requerente, não se conformando   com as situações identificadas pela Autoridade Tributária no relatório de inspeção tributária em sede de IRC e que justificaram a correção identificada, apresentou a respetiva reclamação graciosa, tendo a mesma sido indeferida.

d.            Do montante de gastos desconsiderados deveriam ter sido aceites 10.149,14 € correspondente ao ponto III.3.3. do RIT e 5.000 € correspondente ao ponto III.3.5. (de um total de 12.330,42 €).

e.            Para além destes, deveria o RIT ter considerado outros gastos no valor total de 105.177,43 € correspondentes a gastos efetivamente suportados mas omitidos na contabilidade, devido a erros contabilísticos 

f.             Tratam-se, nuns casos,  de registos a crédito em rubricas contabilísticas de gastos, os quais reduziram, por esta via, os gastos fiscalmente dedutíveis e, consequentemente, o lucro tributável e imposto apurado no exercício e, noutros casos, de faturas de fornecedores devidamente registadas nas rubricas contabilísticas de fornecedores e nos extratos de fornecedores e que, por lapso, não foram transpostas para as respetivas rubricas contabilísticas de gastos, para efeitos de apuramento da matéria coletável.

g.            Os elementos constantes da contabilidade da Requerente permitiam à Autoridade Tributária proceder em sede de procedimento inspetivo às correções identificadas a favor da Requerente, pois dispunha de informação quanto aos fornecedores da Requerente pelo que poderia ter validado junto dos mesmos quais os valores efetivamente faturados à  Requerente no exercício de 2013 bem como, relativamente às notas de crédito, deveria ter contactado os fornecedores em causa para validar se foram emitidas quaisquer notas de crédito que suportassem os valores erradamente creditados na rubrica contabilística 62.

h.            Do exposto fica demonstrado que os elementos constante da contabilidade da Requerente permitiam à Autoridade Tributária proceder, em sede de procedimento inspetivo, às correções ora identificadas, uma vez que, conforme informado pela Requerente em sede de inspeção, apesar dos lapsos do Técnico Oficial de Contas na execução da contabilidade, a Requerente conseguiu identificar os mesmos e dispunha de todos os meios de prova necessários para demonstrar os gastos que foram considerados no apuramento da matéria coletável.

i.             De onde resulta que estas faturas, correspondentes a montantes efetivamente suportados pela Requerente no âmbito da sua atividade e para  geração de proveitos tributáveis, deverão ser fiscalmente aceites como gastos do exercício de 2013 e considerados para efeitos de apuramento da matéria coletável.

j.             Em conformidade, deve ser revista a liquidação de IRC em referência e, consequentemente anulada a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2013, não subsistindo qualquer base legal ou fundamentação válida para que a mesma se mantenha.

 

4. A Requerida, na sua resposta, para além de afirmar a improcedência dos argumentos e da pretensão da Requerente, refere, ainda, o seguinte:

 

a.            A liquidação impugnada foi efetuada na sequência do procedimento inspetivo efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2017..., e foram objeto de pedido de reclamação graciosa, ao qual coube o n.º ...2018... não tendo o lucro tributável constante na declaração de rendimentos Modelo 22 de 13/12/2014, sido alterado.

b.            A Requerente ainda em sede de procedimento inspetivo, ao exercer o direito de audição, limita-se a questionar as correções em sede de IVA, pois em sede de IRC verifica que “… o lucro tributável constante da declaração Mod. 22 de 13/12/2014 não é alterado” e “… não resultou qualquer correcção de imposto ao lucro tributável em sede de IRC…” (parágrafo 3.º e 4.º do direito de audição previsão).

c.            A pretensão da Requerente de ver revista a liquidação de IRC em referência não tem qualquer fundamento legal.

 

5. Por despacho arbitral de 18.06.2020, foi designado o dia 15 de Setembro de 2020, às 14h30, para a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada a produção de prova testemunhal e declarações de parte, indicadas pela Requerente.

 

6. Por despacho arbitral de 30 de julho de 2020 foi determinada a prorrogação do prazo para a decisão, por dois meses, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

 

7. No dia 15.09.2020, pelas 14.30 horas, teve lugar a reunião arbitral supra referida, realizada através de videoconferência, tendo a depoente e as testemunhas prestado os seus depoimentos nas instalações do CAAD, na Avenida Duque de Loulé, nº 72ª, em Lisboa.

 

8. No dia 18.09.2020 foi proferido despacho arbitral, do qual consta, além do mais, o seguinte:

 

“A Requerente veio apresentar pedido de pronúncia  arbitral  sobre o indeferimento da reclamação graciosa e a legalidade da liquidação de IRC referente ao exercício de 2013, com o número 2018..., peticionado a anulação de tais atos.

 

É o seguinte o teor da liquidação em causa  notificada à Requerente:

Emerge do teor desta liquidação que não há correção da matéria coletável relativamente à liquidação anterior (199.108,06 € linha 1), nem à coleta total (49.777,01 €, linha 9).

 

Por sua vez é o seguinte o teor da respetiva  demonstração de acerto de contas:

 

Na pag. 4 do Relatório de inspeção tributária, junto pela Requerente como  documento nº 3 consta o seguinte:

 

Na página 6 do mesmo documento consta o valor zero de correções à matéria tributável de IRC, nos termos do segmento de quadro que se segue:

 

Na página 7 do documento consta:

 

Na página 9 do mesmo documento consta o quadro que se segue, referente às declarações modelo 22 e IES apresentadas pela Requerente, aí constando a declaração modelo 22 apresentada em 13.12.2014 e que resultou em liquidação o RT de 199.108,06 €, exatamente o mesmo que consta da liquidação objeto do presente processo.

 

Na página 14 do mesmo documento consta também o seguinte:

 

Por último, na página 18 do documento em causa, consta, ainda que:

 

Consta-se, assim, que em sede de IRC, do RIT e da subsequente liquidação objeto do processo, não resulta qualquer correção à matéria coletável e à coleta da anterior liquidação.

 

Ao invés, emerge dos autos que, em substância, a Requerente discorda do RIT por este não ter promovido alterações à matéria coletável fixada na liquidação anterior, que a Requerente considera que eram devidas.

Afigura-se a este tribunal, perfunctoriamente, que era contra a liquidação anterior resultante da sua declaração modelo 22 de 13.12.2014 que a Requerente deveria ter reagido, pois foi esta que definiu a matéria coletável e a coleta, que o Relatório de inspeção e a “liquidação” em causa se limitaram a confirmar.

Embora formalmente tanha sido efetuada nova “liquidação” e “demonstração de liquidação” com “estorno”, “acerto”, juros compensatórios, juros moratórios e regularização parcial de doc. anterior, favorável em 16,93 € à Requerente, em termos de matéria coletável e de coleta, é seguro afirmar que não existe qualquer ato desfavorável ao sujeito passivo.

O que existirá é a ausência de alteração da liquidação anterior que, pelo que se depreende do teor do PPA, a Requerente pretendia que resultasse do procedimento inspetivo.

Afigura-se, todavia que, como já se referiu, era contra a liquidação anterior que a Requerente, dela discordando, deveria ter reagido.

Inexistindo na liquidação ajuizada ato tributário lesivo dos interesses   da Requerente, não pode a mesma ser impugnada por não estarmos em presença duma liquidação inovadora e lesiva mas apenas, materialmente, na confirmação de liquidação anterior e presumivelmente efetuada pelas razões procedimentais referidas.

 

Afigura-se, assim, possível que o tribunal venha a decretar a ocorrência de exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado, de conhecimento oficioso que, o que implicará a absolvição da Requerida da instância (cfr. Art. 89º, nºs 2, e  4, al. i) do CPTA, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, al. c) do RJAT).

Não tendo esta questão sido anteriormente suscitada no processo, notifique-se a Requerente para, à luz do art. 16º, al. a), do RJAT, se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias. “

 

9. Na sua pronúncia sobre o vertido neste despacho, veio a Requerente dizer, no essencial, o seguinte:

 

a.            Importa desde já sublinhar e enfatizar que no âmbito do procedimento inspetivo foram realizadas diversas correções em sede de IRC.

b.            Desde logo, é referido no relatório de inspeção tributária que: “(…) verificaram-se irregularidades da aderência documental aos registos nomeadamente os seguintes documentos não estão espelhados na contabilidade, pelo que vão ser acrescidos nos termos do art. 17.º do Código do IRC”. 1 4. O Relatório de inspeção tributária elenca, ainda, diversas situações que originaram correções:

(…)

“Ponto III.3.6. Conclusões O Total das correções em sede de IRC é de € 97.216,74.”

c.            Acresce que, em sede de procedimento inspetivo foram identificadas pela Requerente diversos lapsos na execução da contabilidade e que impactam/reduzem substancialmente a matéria coletável e, em consequência, o montante de imposto devido.

d.            A contabilidade da Requerente - a qual foi escrutinada aquando do procedimento inspetivo -, encontrava-se corretamente executada.

e.            A Autoridade Tributária viu-se forçada a proceder a diversas correções para fazer corresponder os registos contabilísticos à matéria coletável constante da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC submetida a 13/12/2014.

f.             Mais: a Autoridade Tributária não só não procedeu a diversas correções - negativas -, como não aceitou outras correções - positivas - que foram alegadas e demonstradas pela Requerente.

g.            As situações identificadas pela Requerente impõem correções que não foram aceites e que, por isso, não se encontram espelhadas na liquidação de IRC emitida na sequência do procedimento inspetivo.

h.            É verdade que da liquidação reclamada resultou um reembolso no montante de € 13,94.

i.             Contudo, não é pelo facto de resultar um reembolso de imposto que se está perante uma decisão favorável ao sujeito passivo, uma vez que poderemos estar perante uma situação de reembolso inferior ao devido e, por isso, ainda assim, perante uma situação lesiva dos interesses legalmente protegidos do sujeito passivo – como é o caso.

j.             A liquidação emitida na sequência do procedimento inspetivo corresponde, assim, a uma liquidação nova e diversa da anterior, tratando-se, por isso, de uma liquidação verdadeira e própria, a qual é, por isso, suscetível de ser impugnada, com vista à apreciação da sua legalidade.

k.            Ao emitir uma nova liquidação na sequência das correções efetuadas no procedimento inspetivo, a própria Autoridade Tributária reconheceu que estamos perante dois atos distintos e perante uma nova situação fáctica que impôs a emissão de uma nova liquidação.

l.             Pelo que é quanto a esta liquidação que a Requerente deve e pode reagir.

m.          Tanto mais que não poderia a Requerente reagir contra a liquidação emitida na sequência da submissão da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC quanto a questões que apenas foram identificadas em sede de procedimento inspetivo realizado anos depois e que originaram a emissão de uma nova liquidação.

n.            Acresce que nos termos do número 1 do artigo 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.”

o.            O número 2 do artigo 95.º da LGT prevê expressamente que podem ser lesivos, nomeadamente, a liquidação de tributos - alínea a) - ou o indeferimento de reclamações graciosas – alínea d)

p.            Dos artigos citados não resulta fundamento legal para a inimpugnabilidade do ato de liquidação em causa, uma vez que os mesmos não impõem qualquer limitação à impugnação de uma liquidação de imposto.

q.            Face à prova realizada pela Requerente, não restam dúvidas de que no exercício de 2013 a mesma foi tributada por referência a uma matéria coletável superior à devida, tendo, por isso, pago IRC em excesso e que as correções que se impunham para sanar esta ilegalidade não foram reconhecidas e aceites pela Autoridade Tributária.

10.Dado que, nos termos do art. 608º, nº 1, do CPC (aplicável ex vi art. 29º, nº 1, al. e), do Código de Processo Civil), devem ser conhecidos, em primeiro lugar as questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem da sua precedência lógica, começar-se-á pela apreciação da exceção dilatória de inimpugnabilidade.

No caso de se julgar não verificada a exceção dilatória em causa, haverá que apreciar a questão da legalidade da liquidação e da decisão que indeferiu a reclamação graciosa.

 

11.Os factos que se consideram provados, com relevo para a apreciação da exceção dilatória em causa, são os seguintes:

 

1.Em 29.05.2014 a Requerente apresentou declaração de rendimentos  modelo 22, respeitante ao exercício de 2013.

2. Em 13.12.2014 a Requerente apresentou declaração modelo 22 de substituição da referida no facto anterior, do que resultou a a matéria coletável de 199.108,06 € e a coleta de 49.777,01 €, tendo a respetiva liquidação sido aceite pela Requerida.

3.A coberto da ordem de serviço nº O12017..., a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção com incidência temporal no ano de 2013 e tendo como  âmbito o Imposto sobre o valor acrescentado  e o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

2.Nas conclusões do procedimento inspetivo não foram  propostas correções  à matéria tributável da Requerente referente ao ano de 2013, mais se referindo que o lucro tributável constante da declaração modelo 22 apresentado pela Requerente, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletiva, em 13.12.2014, não é alterado, constando ainda das correções à matéria tributável de IRC o valor de  zero.

3.Na sequência de relatório de inspeção tributária foram efetuadas liquidação e demonstração de acerto de contas de IRC relativamente ao ano de 2013 e respetivos juros compensatórios, com o número 2018..., cujos registos de compensação originaram a nota de acerto de contas nº 2018... e a demonstração de acerto de contas nº 2018... .

4.Emerge do teor da liquidação em causa que não há correção da matéria coletável relativamente à liquidação anterior (199.108,06 €), nem à coleta total (49.777,01 €), resultando da liquidação ajuízada e da demonstração de  acerto de contas com “estorno”, “acerto”, juros compensatórios, juros moratórios, juros compensatórios por recebimento indevido e regularização parcial de doc. anterior, um valor a receber pela Requerente de 16,93 €.

5.Em 3.04.2018 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação objeto do pocesso que foi convolada em procedimento de reclamação graciosa.

6.Por decisão de 8.08.2019 a reclamação graciosa foi indeferida.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que na sequência do procedimento inspetivo levado a cabo pela Requerida em sede de IVA e IRC, relativamente ao exercício de 2013, a matéria coletável de IRC, tenha sido alterada, totalizando as correções o montante de € 97.216,74.

 

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

12. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes.

Concretamente, no que respeita aos factos provados, a convicção do tribunal fundou-se no teor do  relatório inspetivo, bem como nos documentos referentes à  liquidação e à demonstração de acerto de contas, juntos pela Requerente.

Inequivocamente, resulta do relatório inspetivo que o montante de € 97.216,74 referidos no RIT de correções não consistem em   alterações à matéria coletável apurada na liquidação resultante da declaração modelo 22 apresentada pela Requerente em 13.12.2014, mas sim correções aos elementos constantes  da contabilidade apresentados à inspeção pela Requerente.

Este facto é corroborado pelo teor do documento referente à liquidação ajuizada da qual emerge a inexistência de qualquer modificação à matéria tributável ou à coleta da liquidação anterior.

O facto  de não ter resultado do projeto de  relatório de inspeção tributária qualquer correção à matéria tributável foi também afirmado pela Requerente no exercício do direito de audição antes do relatório  final de inspeção,  onde o sujeito passivo afirmou o seguinte:

 

III - O Direito aplicável

 

13. De acordo com o artigo 16º, nº 1, do CIRC, “A matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do sujeito passivo, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal.”

 

E, nos termos do artigo 89.º do mesmo código:

 

“A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.”

 

Por sua vez, nos termos do artigo 90.º:

 

“1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

 

a)            Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

(…)”

 

Ainda, de acordo com o artigo 120.º, do mesmo código:

“1 - A declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º deve ser enviada, anualmente, por transmissão electrónica de dados, até ao último dia do mês de Maio, independentemente de esse dia ser útil ou não útil.

(…)”

 

 E, nos termos do Artigo 122.º:

”1 — Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efectivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efectuado o pagamento do imposto em falta.

 

2 — A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efectivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal.”

 

Resulta provado, que a Requerente, em 13.12.2014,   procedeu   à autoliquidação do imposto de IRC respeitante ao exercício de 2013 , que foi aceite pela Requerida.

Esta liquidação foi efetuada de acordo com as normas de IRC, que regem a liquidação de imposto, supra mencionadas, designadamente do artigo 122º.

Resulta também da matéria de facto que, na sequência de procedimento inspetivo efetuado à Requerente - que concluiu não haver lugar a correções à matéria tribunal em sede de IRC, relativamente ao ano em causa - foi efetuada   a liquidação sub judice, que tem a mesma matéria tributável e a mesma coleta da autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo, datada de 13.12.2014.

 

Importa solucionar a questão de saber se a liquidação “sub judice” é impugnável, uma vez que tem o mesmo conteúdo material da liquidação anterior.

Vejamos.

 

Nos termos do Artigo 9.º da LGT:

“1 - É garantido o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos.

2 - Todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei.”

 

Densificando, dispõe o artigo 95º da mesma lei:

“1 - O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.

2 - Podem ser lesivos, nomeadamente:

a) A liquidação de tributos, considerando-se também como tal para efeitos da presente lei os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;”

 

Por sua vez, dispõe o artigo 131º, nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário:

“Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.”

 

É inequívoco que a matéria coletável e a coleta resultante da autoliquidação de 13.12.2014 é a mesma da liquidação objeto destes autos. Não poderia deixar de ser assim, visto que foi efetuada na sequência do procedimento inspetivo que, expressa e reiteradamente, afirmou a inexistência de qualquer correção a efetuar à matéria coletável da anterior liquidação.

 

Não estamos perante a liquidação oficiosa prevista no art. 90º, nº 1, al. b), do Código do IRC, uma vez a Requerente apresentou a declaração a que se refere o artigo 120º deste Código, nem face a uma liquidação adicional prevista no artigo 99º, uma vez que a liquidação sub judice não determina qualquer montante a pagar adicionalmente à coleta anteriormente apurada.

A   liquidação em causa, não é, pois, nem inovatória, nem lesiva para a Requerente. Da mesma não resulta para o sujeito passivo uma situação jurídica desfavorável relativamente à que resultou da autoliquidação de 13.12.2014.

Trata-se, na realidade, da reafirmação da liquidação anterior efetuada pela Requerente, com acertos procedimentais favoráveis ao sujeito passivo, que não contendem com a manutenção da liquidação anterior.

Duma hipotética anulação da liquidação sub judice não resultaria, aliás, qualquer alteração na ordem jurídica uma vez que se manteria sempre vigente a autoliquidação de 13.12.2014, que tem o mesmo conteúdo material.

Acresce que, em substância, o que emerge dos autos é que a Requerente, ao pretender que sejam tomadas em consideração na liquidação de IRC do ano de 2013 os gastos que indica, com a consequente redução da matéria coletável, imputa erro à autoliquidação que efetuou. Foi este o ato liquidação inovatório e lesivo, que era inequivocamente impugnável.

A liquidação sub judice não trouxe nada de novo, sendo apenas a repetição da autoliquidação já vigente na ordem jurídica.

Face aos artigos 9º e 95º da Lei Geral Tributária, a liquidação objeto do presente processo não é, assim,  impugnável.

 

Caso assim se não entendesse, não poderia deixar de se considerar que impugnação corresponderia, materialmente, à impugnação da autoliquidação de 13.12.2014, para além do prazo legalmente estabelecido no 131º, nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, com a consequente verificação da caducidade do direito de impugnar.

Conclui-se, assim, na sequência do despacho arbitral de 18.09.2020, que se verifica a ocorrência da   exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado, de conhecimento oficioso, o que implica a absolvição da Requerida da instância (cfr. art. 89º, nºs 2 e 4, al. i), do CPTA, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, al. c) do RJAT).

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar verificada a 

exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato

impugnado e, em consequência, decretar a absolvição da Requerida da instância.

 

Valor da ação: € 120.323,57 (cento e vinte mil euros e cinquenta e sete cêntimos) nos termos do disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerente, no valor de 3 060.00 € (três mil e sessenta euros), nos termos do nº 4 do artigo 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 3 de Novembro de 2020,

 

O Árbitro Presidente

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro

Marcolino Pisão Pedreiro

 

O árbitro

Ricardo Marques Candeias