Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 588/2017-T
Data da decisão: 2018-03-27  IRS  
Valor do pedido: € 1.205,63
Tema: IRS – Alteração de elementos declarados - Falta de fundamentação.
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Decisão Arbitral

 

 

I. Relatório

 

1. A…, titular do número de identificação fiscal…, residente na …, …, n.º …, …-…, …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto do despacho de indeferimento expresso de reclamação graciosa relativa a liquidação adicional de IRS e correspondentes juros compensatórios - na importância total de € 1 205,63, sendo € 1 175,28 de imposto e € 30,35 de juros compensatórios - decorrente de alteração dos elementos declarados relativos ao ano fiscal de 2015. Peticionando a anulação dos referidos a tos, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, o Requerente solicita, ainda, o reconhecimento do direito aos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

2. Fundamentando o pedido, apresentado em 09-11-2017, o Requerente alega, no essencial, que “a Administração tributária não apresentou de forma clara, objectiva e congruente as razões que motivaram as correcções à declaração anual de rendimento Modelo 3 de 2015 e, consequentemente, à emissão da liquidação adicional de imposto no valor de € 1.175,28, pelo que o Requerente entende existir um vício de violação de lei por ausência da fundamentação legalmente devida”. Pretende o Requerente, em especial, que o tribunal “estabeleça e confirme a adequada declaração na declaração de rendimentos modelo 3 dos rendimentos auferidos a título de gratificações...e a sujeição destes a uma taxa autónoma especial de 10% em sede de IRS, ao abrigo da alínea g) do n.º 3, do artigo 2.º  e do n.º 3 do artigo 72.º do Código do IRS.”

 

3. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade Requerida.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-11-2017.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 04-01-2018.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 24-01-2018.

 

8. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a inquirição da testemunha arrolada pelo Requerente.

 

II. Matéria de facto

 

11. Com relevância para a apreciação do pedido de pronúncia arbitral, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base nos elementos documentais juntos aos autos, se consideram provados:

 

11.1. Em 31-07-2012, o Requerente celebrou contrato de trabalho a termo, iniciado nessa mesma data, com a empresa B…, S.A.[i], NIPC…, com sede na Rua …, …, em Lisboa (Doc.5).

 

11.2. A referida empresa tem como atividade, “a prestação de serviços de gestão na área do telemarketing e das comunicações telefónicas a entidades e instituições que requerem elevados volumes de serviço com acentuadas flutuações, nomeadamente em virtude da organização de campanhas de custa duração.” (Doc.5 – Cláusula 9.ª)

 

11.3. Nos termos do contrato, o Requerente, sob orientação e autoridade da citada empresa, exercerá funções de operador de telemarketing, competindo-lhe, nomeadamente, proceder à receção de realização de chamadas telefónicas, comunicações eletrónicas e outras comunicações, entrevistas telefónicas e introdução de dados (Doc.5- Cláusula 1.ª).

 

11.4. A retribuição mensal acordada é de € 485,00 – valor correspondente à retribuição mínima mensal garantida em vigor à data [ii] - acrescida dos subsídios de Natal e de férias, bem subsidio de alimentação e sujeita aos descontos legais (Doc.5 – Cláusulas 5.ª e 6.ª).

 

11.5. Como se extrai dos elementos do processo, o Requerente nos anos de 2015 e seguintes mantem a relação do trabalho dependente com a entidade empregadora supra identificada, sendo-lhe atribuída uma remuneração de valor equivalente à retribuição mínima mensal garantida (Doc. 7)

 

11.6. Na sua declaração periódica de rendimentos respeitante ao ano fiscal de 2015, o Requerente declarou o valor dos rendimentos auferidos enquanto trabalhador dependente – € 7 951,23 inscritos no Código 401, do anexo A da declaração modelo 3 - bem como rendimentos, também eles enquadrados na Categoria A do IRS mas sujeitos a tributação autónoma, respeitantes a gratificações atribuídas pela empresa C…, LDª, com o NIPC … – € 7 572,00, inscritos no Código 402, do anexo A.

 

11.7. Na sequência da apresentação pelo Requerente da declaração anual de rendimentos – declaração modelo 3 do IRS – foi emitida, em 17-05-2016 a correspondente liquidação de que resultou um montante de imposto a pagar de € 137,46.

 

11.8. Conforma “nota demonstrativa da liquidação” foi esta efetuada de acordo com os elementos declarados pelo sujeito passivo, sendo considerada a importância de € 7 951,23 de rendimentos do trabalho dependente abrangidos pelo regime geral de englobamento de rendimentos e € 7 572,00 sujeitos a tributação autónoma à taxa de 10% (Doc. 8).

 

11.9. Os rendimentos respeitantes a gratificações não atribuídas pela entidade patronal, no montante acima referido, bem como a corresponde retenção na fonte, constam de declaração emitida, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do Código do IRS, pela entidade que os atribuiu (Doc.9, apresentado pelo Requerente), mas que se encontra igualmente incorporada no processo administrativo (PA 2), que a seguir se transcreve:

 

Declaração de Rendimentos

 Declara-se nos termos e para os efeitos do 119º número 1 do CIRS que, no ano fiscal de 2015, A…, contribuinte Nº…, auferiu gratificações ilíquidas respeitantes à categoria A, enquadráveis no Artigo 2, N.º 3 Alínea g) do CIRS, no valor de 7572€, ao qual foram efetuados os seguintes descontos:

 I.R.S.: 

 754.00€

Seg. Social:   0.00€

Sindicato:   0.00€

C.G.A.:   0.00€

Sobretaxa Extraordinária:   0.00€”

 

11.10. Estes rendimentos constam, em idênticos termos, da declaração mensal de remunerações (DMR) a que se refere a alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 119.º, conforme esclarece a Informação elaborada por técnico da AT que integra o processo de reclamação graciosa n.º …2017…: “A Administração Tributária, através do sistema informático vigente, verificou na declaração DMR-Titulares dos Rendimentos, que a empresa C…, Ld.ª, na qualidade de entidade devedora, declarou o pagamento da quantia de € 7 572,00, como Gratificações não atribuídas pela entidade patronal...”

 

11.11. Conforme se extrai de diversos prints de registos constantes do sistema informático da AT que integram o processo administrativo (PA 5) - gestão de divergências - ter-se-ão suscitados dúvidas ao serviço de finanças de … sobre o enquadramento, em sede de IRS, das importâncias declaradas como “Gratificações” que colocou a questão à Direção de Serviços do IRS: “ O CONTR TRABALHA PARA A EMPRESA … QUE DECLAROU REND DE TRAB DEPEND DO ANO DE 2015. A EMPRESA … COMUNICOU TAMBÉM QUE LHE PAGOU GRATIFICAÇÕES EM 2015. PODEM AS GRATIFICAÇÕES PAGAS PELA ENTIDADE … SER CONSIDERADAS COMO TAL OU TÊM DE SER CONSIDERADAS COMO TRAB DEPEN”

 

11.12. Na sequência da referida consulta, foi, em 26-10-2016, elaborado novo registo informático “Gestão de Divergências –Notificação para audição prévia” de que consta:”Texto incorrecção: Entregar declaração de substituição de IRS/2015 a declarar os rendimentos da cat. A com o código 402 (Gratificações) para o campo 401 (trabalho dependente), assim como as retenções na fonte.” (PA 5)

 

11.13. Após notificação do sujeito passivo e exercício do direito de audição, foi, por despacho de 26-12-2016,  determinada a efetivação de correções à declaração apresentada, sendo a decisão notificada nos seguintes termos: “Da análise efectuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergência(s) identificada(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2015 com a identificação I…/21, não foram comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 2016-12-28 foi determinada a efectivação da(s) seguinte(s) correcção(ões):

                                                                       Valor da correção     

Anexo    Quadro   Campo   Valor declarado      a efectuar               Valor final   

A               4A          401         € 7 951,23             € 7 572,00               € 15 523,23  

A               4A          402         € 7 572,00             € 7 572,00              € 0,00

A               4A         RETEN    € 754,00                € 12,00                   € 768,00

Decorrente dessa(s) alteração (ões) aos valores declarados, será V.Ex.ª oportunamente notificado da liquidação do corresponde imposto da qual poderá reclamar/impugnar nos termos do artigo 140.º do Código do IRS e artigos 68.º/99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.” (Doc.10)      

 

11.14. Em 06-01-2017 foi efetuada notificação da “Demonstração de acerto de contas” referente ao ano de 2015 reportando as correções oficiosas referidas no ponto anterior e contendo a indicação do valor de imposto e juros compensatórios a pagar sendo indicada como data limite de pagamento o dia 22-02-2016 (Doc. 4).

 

11.15. O valor de imposto e juros resultante das correções efetuadas aos elementos anteriormente declarados ascende a € 1 175,28, correspondendo ao somatório do valor de € 1 282,39, respeitante a imposto, acrescido de € 30,35 de juros compensatórios, sendo ao mesmo deduzido o montante de € 137,46 resultante da liquidação inicial.

 

11.16. Não tendo sido efetuado o pagamento dentro do prazo indicado na “Demonstração da liquidação” foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2010… para cobrança coerciva da importância apurada na liquidação corretiva (Doc.11). O devedor foi citado em 16-03-2017, tendo, em 4 de Maio do mesmo ano, efetuado o pagamento voluntário da importância de € 1 204,93, correspondente à quantia exequenda e acréscimos legais (Doc. 12).

 

11.17. Das correções efetuadas pela AT à declaração apresentada e consequente liquidação oficiosa foi, em 05-02-2017, interposta reclamação graciosa, essencialmente com o fundamento de que a declaração apresentada pelo sujeito passivo não enfermava de erro ou divergência quanto à natureza dos rendimentos declarados, pelo que a decisão da AT carecia de fundamento legal.

 

11.18. Através do Ofício n.º…, de 27-04-2017, foi o ora Requerente notificado do projeto de indeferimento da reclamação apresentada e para, querendo, exercer o direito de audição.

 

11.19. Exercido o referido direito foi, no âmbito do processo de reclamação graciosa, elaborada pelo técnico da AT a Informação (Doc.2), do que se extrai:

 

“ A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação de imposto, resultando a(s) liquidação(ões) n.º(s) … efectuada(s) em 06/01/2017, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação, verifica-se que as alegações do reclamante, não têm fundamento, dado que:

 

Após análise dos autos tem-se que: O sujeito passivo C…, Ld.ª com o NIF … declarou na DMR/2015 (cfr fls. 7 do autos) que pagou “Gratificações-gorjetas” não atribuídas pela entidade patronal, ao reclamante, trabalhador da empresa “D…, S.A.” com o NIF… . Neste contexto, face à instauração do processo de divergências, foi o reclamante notificado das alterações efectuadas, uma vez que não foram comprovados os elementos declarados, cfr.fls 9 nos autos. Aquele processo de divergências terminou com a elaboração do DCU que originou a declaração oficiosa, que se encontra vigente, considerando as “gratificações” auferidas, como rendimento do trabalho dependente, cfr. Fls. 12 e 16.

 

As gratificações não atribuídas pela entidade patronal têm natureza de rendimentos do trabalho dependente face ao disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 2.º do Código do IRS, das gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuidas pela respectiva entidade patronal. Trata-se, pois, de rendimentos sujeitos a tributação no âmbito da categoria A acrescendo a outras remunerações do trabalho dependente auferidas pelos respectivos titulares. Assim, sou de parecer que a liquidação oficiosa se encontra correcta.”

...

Na sequência da notificação efectuada nos termos do artº 60º da LGT, o sujeito passivo vem contestar a decisão de indeferimento proferida no “Projecto de Decisão”, com os seguintes fundamentos: ... concorda com a qualificação efectuada pela Administração Tributária, ou seja, os rendimentos não atribuídos pela entidade patronal têm natureza de rendimentos do trabalho dependente /al. g) do n.º 3, do artº 2º do Código do IRS). Mas,no preenchimento da sua declaração anual de rendimentos Mod.3 reflecte a qualificação dos rendimentos como sendo gratificações não atribuídas pela entidade patronal e nesta medida inclui o valor de m€ 7 572,00 no campo 402, isto é, no campo especificamente criado para a declaração dos montantes auferidos enquanto gratificações não atribuídas pela entidade empregadora mas recebidas em função do desenvolvimento da actividade profissional.

Em seguida, diz que a forma de tributação dos alegados rendimentos é a que resulta da aplicação do disposto no artº 72º nº 3 do Código do IRS, estando sujeita a uma taxa de tributação especial de 10%.

Neste contexto os mesmos estão excluídos da tributação ao abrigo das regras estabelecidas para a cat A, ou seja, aplicação das taxas progressivas previstas no artº 68º do mesmo diploma legal.

 

Cumpre apreciar: No projecto de decisão, foi textualemente referido, que era essencial comprovar a origem dos rendimentos aqui postos em causa. A Administração Tributária, através do sistema informático vigente, verificou na declaração DMR – Titulares dos Rendimentos, que a empresa C… Ld.ª, na qualidade de entidade devedora, declarou o pagamento da quantia de € 7 572,00 como Gratificações não atribuídas pela entidade patronal – cfr fls 38 dos autos. Até à presente data, não constam dos autos nenhuma prova documental em como aquela importância seja “Prémio por os trabalhadores terem atingido os objectivos”. Refere-se de novo, que não consta nos autos, nenhuma declaração da empresa, passada ao contribuinte, que possa esclarecer a origem dos rendimentos.

Tendo em atenção a factualidade acima vertida, e o facto do direito de audição apresentado não trazer elementos novos ao processo, sou de parecer que a decisão de indeferimento dada no Projecto de Decisão deve ser mantida.”

...

 

11.20. Sobre a Informação, de que se acima se transcrevem os excertos relativos à análise da reclamação e apreciação dos elementos levados ao processo no procedimento de audição prévia, foi, pela Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, proferida, por subdelegação de competência, a seguinte decisão: “Concordo, pelo que com os fundamentos constantes da presente informação e respetivo parecer, INDEFIRO o pedido do reclamante nos termos em que vem proposto. Notifique-se. Lisboa 30.5.2017.”

 

11.21. Através do ofício n.º…, da Direção de Finanças de Lisboa, de 01-06-2017, foi o reclamante notificado da decisão proferida no processo de reclamação, tendo da mesma interposto recurso hierárquico, alegando, no essencial, que os atos reclamados “padecem de vicio de violação de lei, quer por preterição de formalidades essenciais, em especial, por ausência da fundamentação legalmente exigida, quer por uma errónea interpretação e aplicação das normas legais em vigor.”

 

11.22. O referido recurso hierárquico foi apresentado, por telefax, em 30-06-2017 (Doc. 1), não tendo sido objeto de decisão até à data em que foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.[iii]

 

 12. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

13. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelo Requerente bem como nos que integram o processo administrativo, não se verificando controvérsia sobre a matéria de facto.

 

II. Da tempestividade do pedido

 

14. Conforme resulta do disposto na parte final da alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), o pedido de constituição do tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias contados da “... notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do Recurso Hierárquico”.

 

15. O prazo legal máximo para decisão do recurso hierárquico, constante do artigo 66.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) é de 60 dias. Não sendo o recurso decidido nesse prazo, forma-se a presunção de indeferimento pelo que, findo esse prazo, pode o interessado impugnar tal indeferimento no prazo referido na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. [iv]

 

16. Assim, quer se considere que o termo inicial do referido prazo de situa na data da entrega do recurso junto da entidade que proferiu a decisão – no presente caso, entregue em 30-06-2017 no serviço de finanças - quer se considere que esse prazo ocorre na data da remessa à entidade competente para decidir o recurso [v] - 04-08-2017 [vi], constata-se que aquele prazo havia já decorrido à data de apresentação do presente pedido –  09-11-2017 - sem que até então tivesse havido decisão expressa, pelo que se conclui pela sua tempestividade.

 

III. Matéria de direito

 

 

17. Como fundamento do pedido de pronúncia arbitral que formula, no sentido de ser declarada a ilegalidade dos atos praticados pela AT, mormente a liquidação adicional de IRS decorrente da requalificação oficiosa dos rendimentos declarados, o Requerente elenca diversas ordens de razões, de que se destacam a falta de fundamentação da decisão, a violação da presunção da verdade declarativa e do princípio de prossecução da verdade material e, ainda, particularmente, a qualificação e tributação dos rendimentos auferidos e declarados.

 

Posição do Requerente

 

18. Segundo o Requerente, invocando as normas do artigo 100.º do CPPT e tendo em atenção o disposto no n.º 2 do artigo 124.º do mesmo Código, a decisão suscetível de trazer o desfecho “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” corresponde a uma decisão que reconheça, substancialmente, a correção jurídica do facto tributário tal como este foi declarado na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS.

 

19. Nesse sentido, solicita ao Tribunal que estabeleça e confirme a adequada declaração no campo 402 da referida declaração de rendimentos Modelo 3 dos rendimentos auferidos a título de gratificações não atribuídas pela entidade patronal e a sujeição destes a uma taxa autónoma especial de 10% em sede de IRS, ao abrigo da alínea g) do n.º 3 do artigo 2.º e n.º 3 do artigo 72.º do Código do IRS.

 

20. Sobre a qualificação dos rendimentos em causa, como tal declarados tanto pelo beneficiário como pela entidade que os atribui, esclarece o Requerente que:

 

“15.º Em acréscimo à remuneração fixa mensal contratualmente estipulada e paga pela ENTIDADE EMPREGADORA, o REQUERENTE pode beneficiar, de forma ocasional e espontânea de gratificações pecuniárias atribuídas por um entidade ou instituição externa, terceira e independente da ENTIDADE EMPREGADORA (doravante designada oor “ENTIDADE PREMIADORA”),

 

16.º Neste âmbito, uma dada ENTIDADE PREMIADORA, procurando incentivar e motivar os operadores de telemarketing da ENTIDADE EMPREGADORA, tal como o ora REQUERENTE, atribui, de forma voluntária e unilateral, as referidas gratificações.

 

17.º Estas gratificações são pagas, por indicação da ENTIDADE PREMIADORA, a uma terceira entidade (doravante designada por “ENTIDADE GESTORA”) aos operadores nos quais se inclui o aqui REQUERENTE.

 

18.º Para este efeito, uma entidade PREMIADORA, no âmbito das suas campanhas de curta duração, determina parâmetros de elegibilidade para a atribuição das gratificações que têm, tipicamente, em conta aspectos como:

i. os princípios estratégicos que orientam e regem a ENTIDADE PREMIADORA num determinado momento;

ii. cumprimento de “Service Level Agreements” ou Acordos de Nível de Serviço relacionados com a qualidade;

iii. o alcance de determinados patamares de desempenho, não só individuais como colectivos ou relacionados com um projecto; e

iv. limitação das gratificações a valores máximos.

 

19.º A ENTIDADE PREMIADORA comunica, ocasionalmente, as referidas campanhas de incentivos aos operadores de telemarketing da ENTIDADE EMPREGADORA, entre os quais se encontrava, à data dos factos relevantes, o REQUERENTE.

 

20.º Por sua vez, a ENTIDADE GESTORA, a qual tem por objecto social o fornecimento de serviços de gestão de incentivos, disponibiliza as premiações directamente ais operadores de telemarketing da ENTIDADE EMPREGADORA através de uma plataforma electrónica (...).

 

21.º Assim, a ENTIDADE EMPREGADORA não tem qualquer controlo ou influência no procedimento de atribuição e distribuição dos prémios, não sendo, a qualquer título, responsável pela respectiva atribuição e pagamento, como resulta da análise do recibo de vencimento di ora REQUERENTE (cfr. Documento n.º 7, que ora se junta e cujo conteúdo se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).

 

22.º É, assim, com base neste contexto de dualidade de tipos de rendimentos – de um lado o salário base pago pela ENTIDADE EMPREGADORA e, de outro, as gratificações atribuídas pela ENTIDADE EMPREGADORA por intermédio da ENTIDADE GESTORA – que o REQUERENTE procede, anualmente, ao preenchimento e entrega da declaração anual de rendimentos Modelo 3 de IRS.

 

23.º Esta dualidade de tipos de rendimentos foi reflectida na declaração anual de rendimentos do REQUERENTE do exercício de 2015.”

 

21. Sobre os restantes vícios alegados, cuja apreciação pelo Tribunal é solicitada como subsidiários em relação à errónea qualificação do facto tributário efetuada pela AT, sustenta o Requente que:

 

“ 49.º ... o Requerente apenas foi notificado da efectivação de correcções aos valores declarados nos campos 401 e 402 do quadro 4ª do Anexo A da declaração Modelo 3, sem qualquer explicação que eluicidasse a motivação da Administração tributária para a prática das mesmas.

 

50.º Tendo a Administração Tributária apenas informado o REQUERENTE de que, em face das correcções efectuadas seria “oportunamente notificado da liquidação do corresponde imposto”.

 

51.º Posteriormente, o REQUERENTE foi, efectivamente, notificado de uma nova liquidação de imposto, referente ao ano de 2015 que, contudo, não estabelece qualquer elo de ligação com a notificação anteriormente recebida e da qual constavam alterações ao seu rendimento colectável.

 

52.º A nova liquidação, ora contestada, também não elucida os concretos fundamentos de facto e de direito que estiveram na sua origem.

 

53.º. Em nenhum momento a Administração Tributária revelou os fundamentos objectivos que levaram a que os rendimentos declarados como gratificações auferidas pela, ou em razão da prestação de trabalho, mas não atribuidos pela ENTIDADE EMPREGADORA, fossem requalificados como rendimentos brutos do trabalho dependente e, com isso, fosse alterado o valor do seu rendimento global em IRS de € 7 951,23 para € 15 523,23.

 

54.º Não foi sequer junta à notificação das correcções, nem posteriormente ao acto de liquidação, qualquer explicação que pudesse elucidar o REQUERENTE sobre tamanha e repentina alteração, quer do rendimento tributável, quer do imposto a pagar no exercício de 2015.

 

55.º Sendo de notar que tal correcção teve por consequência a mudança de escalão de IRS aplicável ao rendimento global do REQUERENTE, que passou a ser tributado à taxa de 28,5% en vez de 14,5%.

 

56.º Neste contexto, a Administração Tributária apenas deu conhecimento, sem fundamentar, explicar ou justificar, que o REQUERENTE foi alvo de uma alteração de peso na sua esfera tributária e que tinha de pagar um montante de imposto dez vezes superior ao que esperava.

 

57.º Esta actuação não integra o conceito de acto fundamentado, pois, negligencia todo o alcance prático do n.º 7 do artigo 60.º e do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, revelando-se claramente violadora dos princípios jurídicos fundamentais, designadamente os princípios da certeza e segurança jurídica e da confiança.”

 

22. Apelando à presunção de veracidade das declarações dos sujeitos passivos estabelecida no n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, alega, ainda, o Requerente que a “Administração tributária, não só não cumpriu com o seu dever de realização das diligências necessárias à descoberta da verdade material, como não fez prova da ausência de veracidade da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2015 entregue pelo REQUERENTE, nomeadamente o preenchido no campo 402, exigindo ainda que tal prova seja feita, em contrário, pelo contribuinte, aqui REQUERENTE.”

 

 

 

 

 

Posição da Requerida

 

23. Pronunciando-se sobre o que vem alegado pelo Requerente, em particular no que concerne à errónea qualificação dos rendimentos auferidos e declarados como “gratificações” não atribuídas pela entidade patronal, diz a Requerida:

 

“42.º . Contrariamente ao alegado pelo Requerente, a AT, face aos elementos que lhe foram comunicados pela entidade C…, Ldª, NIPC…, que declarou o pagamento referente a “Gratificações – gorjetas”, não atribuídas pela entidade patronal, ao requerente e pela entidade D…, SA, NIPC…, da qual o requerente é trabalhador, e em estrita obediência aos artigos 59º e 77º da Lei Geral Tributária, bem como o artigo 65º do Código do IRS, notificou o requerente, em sede de procedimento de divergências, para esclarecimentos sobre a situação visada, por desconformidade dos elementos declarados com os comunicados e conhecidos pela AT.

 

43.º Mais: como o Requerente nada veio esclarecer, foi este novamente notificado do projecto de correcções da liquidação, bem como do direito que lhe assistia em sede de audição prévia e como nada novamente dissesse, foi então notificado da decisão definitiva de se proceder a nova liquidação.

 

44.º Pelo que, o Requerente não esclareceu e não participou na decisão em sede de procedimento de divergências porque entendeu não o fazer, pois que foi sempre devidamente notificado e esclarecido com suficiente informação e fundamentação das razões pelas quais se procedeu a nova liquidação.

 

45.º Sendo que, o que o Requerente pretende demonstrar, sem o conseguir é que, auferiu rendimentos de salário pagos pela sua entidade patronal, que denomina como entidade empregadora e que auferiu rendimentos referentes a gratificações, atribuídos por uma entidade premiadora por intermédio de uma entidade gestora, entidades estas com as quais a entidade empregadora não tem qualquer controlo ou influência.

 

46.º Por forma a suportar documentalmente o que alega, encontra-se no processo administrativo o contrato de trabalho e um recibo de vencimento da entidade patronal, uma declaração de rendimentos emitida por C…, na qual refere ter pago gratificações ao Requerente e o doc. 6. que refere ser um “print de atribuição de prémios” o qual não se encontra identificado, nem permite aferir que tipo de prémios são, mas que o requerente refere que esta lista é disponibilizada pela entidade gestora aos operadores da entidade empregadora, através de uma plataforma informática.

 

47.º Difícil se torna entender, no arrazoado de explicações e denominações de entidades, que as gratificações auferidas pelo Requerente se devem enquadrar no artigo 72º, nº 3 do CIRS que determina que “as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação de trabalho, quando não atribuídas pela entidade patronal nem por entidade que com esta mantenha relações de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da respectiva localização geográfica, são tributadas autonomamente à taxa de 10%.”

 

48.º Em primeiro lugar, não se consegue vislumbrar qual a razão pela qual a entidade (quer o requerente a denomine gestora ou premiadora, pois que os elementos que a AT possui limitam-se a uma declaração emitida por C…) paga gratificações a determinados trabalhadores da empresa D…, entidade patronal do Requerente, sem com esta ter qualquer relação ou interesse, sendo que este mesmo interesse incide apenas e exclusivamente sobre o desempenho de determinados (ou todos?) os trabalhadores desta última.

 

49.º Em segundo lugar, nem a declaração de pagamento de gratificações, nem qualquer outro elemento existente nos presentes autos, nos permite aferir os motivos pelos quais uma entidade que nada tem a ver com a entidade empregadora se preocupa a incentivar e motivar trabalhadores de uma outra empresa com a qual não tem qualquer interesse, em sede de campanhas de curta duração sobre o que de nada sabemos.

 

50.º Campanhas de quê? Direccionadas a quem? E qual a razão pela qual os trabalhadores da D… têm de ser motivados? Por atingirem objectivos de quem, da C… ou da D…?

 

51.º Em terceiro lugar, e pese embora não se consiga de todo analisar a que diz respeito nem a quê nem a quem, o doc. 6 junto pelo Requerente, o que é certo, é que este informa que a entidade premiadora disponibiliza as premiações directamente aos operadores da D… através de uma plataforma electrónica, tornando-se impossível entender também como é que uma empresa que não tem qualquer ligação ou interesse com outra, permite que esta disponha dos seus trabalhadores, do seu desempenho e decerto da sua carga horária, bem como do seu sistema informático para com estes contactar.

 

52.º Por último, se, como refere o requerente no artigo 107º, “as gratificações em causa apenas têm valor de incentivo, não sendo calculadas ou atribuídas em função da percentagem sobre transacções ou vendas e não são qualificáveis com sendo uma remuneração de natureza de comissão ou remuneração de um determinado trabalho”, então nem sequer se trataria de gratificações, mas de um autêntico acto de bondade, generosidade e altruísmo, bem custoso de entender face à feroz concorrência dos mercados.”

 

 53.º . Pelo que patente fica o facto de que o acréscimo à remuneração fixa mensal, de forma alguma se trata de gratificações, atribuídas por uma empresa que nada tem a ver com a entidade patronal, mas sim de verdadeira prestação de trabalho dependente, encontrando-se assim correcto o procedimento efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.  

 

24. No que concerne à alegada falta de fundamentação da decisão da AT de alteração dos rendimentos declarados e consequente liquidação adicional de IRS, a Requerida, reconhecendo que “o dever de fundamentação merece consagração constitucional, garantindo aos administrados a fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, nos termos preceituados no artigo 268.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa”, considera que:

 

“11.º  O Requerente alega que “a Administração tributária não apresentou de forma clara, objectiva e congruente as razões que motivaram as correcções à declaração anual de rendimento Modelo 3 de 2015 e, consequentemente, à emissão da liquidação adicional de imposto no valor de € 1.175,28, pelo que o Requerente entende existir um vicio de violação de lei por ausência da fundamentação legalmente devida”.

 

12.º Conforme informação constante do processo administrativo (PA), o Requerente foi notificado que foi aberto um procedimento de divergências devido a discrepância entre os valores que declarou na declaração modelo 3 de IRS e os que se encontravam na AT, por entrega das declarações de terceiros, bem como para esclarecer a situação.

 

13.º Por ofício de 2016-10-26, o Requerente foi notificado para o exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de nova liquidação, em que o valor total dos rendimentos passaria a estar inscrito no campo 401 do anexo A da declaração modelo 3, direito de audição este que não foi exercido pelo Requerente.

 

14.º Em 2016-12-28, foi elaborado o documento de correcção único, do qual o Requerente foi notificado, tendo a AT emitido o documento de correcção único, que foi liquidado em 2017-01-06, com o n.º 2017… .

 

15.º O Requerente alega que o ato de liquidação, que agora impugna, padece do vício de falta de fundamentação, uma vez que “a Administração tributária não apresentou de forma clara, objectiva e congruente as razões que motivaram as correcções à declaração anual de rendimentos Modelo 3 de 2015”, conforme art. 48.º do pedido arbitral.

 

 No entanto, tal argumentação não pode proceder, porquanto

 

16.º O dever de fundamentação merece consagração constitucional, garantindo aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, nos termos preceituados no artigo 268º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

 

17.º No entanto, importa delimitar o preciso alcance deste dever constitucional e para tal podemos socorrer-nos do teor do acórdão do TCA de 2004-01-13 (processo n.º 03804/00), porquanto este esclarece que, segundo o entendimento da doutrina e da jurisprudência, a fundamentação tem duas funções: “uma de natureza endógena que decorre dos princípios de legalidade, justiça e imparcialidade que se impõe a toda a atuação da Administração e (…) outra de natureza garantística que é a de permitir ao cidadão o conhecimento dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a autoridade administrativa a decidir da forma concreta que o fez e, assim, permitir-lhe optar conscientemente entre a aceitação da decisão administrativa, aceitando a sua legalidade, ou reagir contra ela por via administrativa ou contenciosa.”

 

18.º Ou seja, a fundamentação dos atos tributários visa permitir um conhecimento das razões que determinaram o órgão a atuar como atuou, de molde a permitir ao contribuinte optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação.

 

19.º Releva ainda para a concretização do conceito de fundamentação que fundamentar “não significa uma exaustiva descrição de todas as razões que determinam a sua prática, mas  implica esclarecer devidamente o seu destinatário dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o seu conteúdo (…) Esse dever de fundamentação visa, assim, permitirão destinatário do ato conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram a Administração à sua prática (…) um ato está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bónus pater família, de que fala o artigo 487.º, n.º 2 do Código civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram.”

 

20.º Por sua vez, o artigo 77.º da Lei Geral tributária estabelece no seus n.ºs 1 e 2:  “

(…)”

 

21.º Considera-se que o ato se encontra devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos, podendo a mesma consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas (n.º 1) ou ser efectuada de forma sumária, contendo as disposições legais aplicáveis. 

 

22.º Neste sentido, vide Lei Geral Tributária comentada e anotada, Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, 3ª ed. Visis, Setembro 2003, pág.381-382: “ No entanto, deve ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu exacto alcance. O STA tem vindo a entender uniformemente, no que concerne a vícios de forma de actos administrativos, que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja atingido o objectivo visado pela lei com sua imposição.”

 

23.º No caso concreto, o ato tributário encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação do Requerente no pedido arbitral revela que este não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do ato.

 

24.º Aliás, por não concordar com o ato tributário, o Requerente deduziu reclamação graciosa, que foi indeferida e desse indeferimento apresentou recurso hierárquico, o qual também foi indeferido. 

 

25.º Assim, necessariamente, tem de se concluir que o ato tributário em causa não violou qualquer princípio legal ou constitucional, pelo que as liquidações em causa devem ser mantidas por integralmente válidas e legais e devidamente fundamentadas no processo administrativo. 

 

25. Reportando-se à alegada violação da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, considera a Requerida que tal presunção é suscetível de elisão e que o procedimento de divergência “mais não é do que um procedimento tendente a ilidir a presunção, uma vez que os dados que o Requerente declara no anexo A da declaração modelo 3 de IRS não coincidem com os que a AT conhece”. Refere, ainda, a Requerida que foi com recurso à norma do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS que a AT fundamentou a correção de rendimentos do Requerente, “uma vez que se verificou a divergência na qualificação dos actos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.”  Concluindo que “... a AT, por dispor de dados que não correspondiam aos que o Requerente inscreveu na declaração Modelo 3 de IRS, instaurou processo de divergência, não tendo o  Requerente colaborado com a AT no sentido de sanar as divergências, o que culminou com a substituição da declaração apresentada por outra elaborada pela AT, com os elementos que esta detinha.”

 

26. Com base na fundamentação que, nos seus aspetos essenciais acima se transcreve, conclui a Requerida que deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

 

27. Face à matéria de facto dado como provada com base nos documentos que integram o presente processo e posições assumidas pelas Partes, verifica-se que a questão a decidir consiste em saber se o ato tributário de IRS referente ao ano fiscal de 2015 se encontra ferido de ilegalidade, seja por erróneo enquadramento dos rendimentos declarados, seja por carecer da fundamentação legalmente exigida.

 

28. Como se extrai dos factos documentalmente provados o Requerente, atempadamente, apresentou a declaração periódica de rendimentos relativa ao ano fiscal de 2015 da qual constam rendimentos do trabalho dependente, sujeitos a englobamento nos termos gerais, no montante de € 7 951,23, bem como rendimentos relativos a “gratificações não atribuídas pela entidade patronal”, também eles qualificados como rendimentos do trabalho dependente nos termos do artigo 2.º, n,º 3e, alínea g) do Código do IRS, mas sujeitos a tributação especial autónoma à taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 3, do referido Código.

 

29. Os valores declarados pelo Requerente, não obstante constarem também das declarações apresentadas pelas entidades pagadoras em termos coincidentes tanto quanto ao respetivo montante como quanto à qualificação que lhes é atribuída, foram questionados pela AT em sede de procedimento de divergências.

 

30. As dúvidas que à Administração Tributária se suscitaram prendem-se com a qualificação dos rendimentos declarados como “gratificações” tendo ao Requerente sido solicitada prova da sua natureza.

 

31. A prova produzida pelo Requerente não terá sido convincente, tendo a AT requalificado aqueles rendimentos como rendimentos do trabalho dependente, de natureza salarial e, por conseguinte, sujeitos a englobamento nos termos gerais, promovendo, consequentemente, a liquidação adicional de IRS, acrescida de juros compensatórios.

 

32. Na origem da divergência que opõe o Requerente à AT encontra-se, pois, a qualificação dos referidos rendimentos dada a relevância que assume o regime especial de tributação em sede de IRS a que as “gratificações” estão sujeitas, mais favorável que o regime geral de englobamento de rendimentos.

 

33. Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea g), do Código do IRS, qualifica como rendimentos do trabalho dependente, enquadrados na Categoria A, “ As gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal.”

 

34. Estes rendimentos não são sujeitos a englobamento para efeitos de determinação das taxas gerais aplicável ao rendimento global dos sujeitos passivos (cfr. CIRS, art.22.º, n.º 3, al. b), sendo antes objeto de tributação autónoma, ao abrigo da norma do artigo 72.º, n.º3, do Código do IRS, que, na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro estabelece que “ As gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação de trabalho, quando não atribuídas pela entidade patronal nem por entidade que com esta mantenha relações de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da respetiva localização geográfica, são tributadas autonomamente à taxa de 10 %.”

 

35. Salvo opção do sujeito passivo, estes rendimentos não são sujeitos a retenção na fonte (cfr. CIRS, arts. 99.º, n.º 1, al. a) e 99.º-C, n.º 3).

 

36. De acordo com a declaração de rendimentos apresentada pelo Requerente – e de resto confirmada pelas informações oficiais constantes dos documentos que integram o presente processo – as “gratificações” atribuídas por uma terceira entidade foram sujeitas a retenção na fonte, a uma taxa próxima dos 10%.

 

37. Não obstante a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes apresentadas no prazo legal, a AT não está vinculada, sem mais, a aceitar a qualificação dos rendimentos tal como sejam declarados pelos respetivos titulares.

 

38. Com efeito, determina o artigo 128.º, n.º 1, do Código do IRS, na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, que “ As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.”

 

39. Por outro lado, embora o artigo 65.º, n.º 1, do referido Código não deixe de acolher o princípio da declaração, determinando que a liquidação de IRS se efetiva com base nos elementos declarados, prevê o n.º 4 do mesmo artigo que “ A Autoridade Tributária e Aduaneira procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o nº 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.”

 

40. Dos elementos que integram o presente processo, designadamente do processo administrativo, extrai-se que a AT considera que a importância declarada pelo Requerente como “gratificações” não terá tal natureza, sendo antes rendimentos do trabalho dependente sujeitos ao regime de englobamento, sem que, contudo, se encontrem quaisquer elementos que fundamentem tal decisão.

 

41. A fundamentação do ato, além de constituir imperativo constitucional, encontra-se consagrado, em termos genéricos, no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, sendo imposta, especifica e expressamente, no artigo 66.º do Código do IRS, que, sob a epígrafe, “Notificação e fundamentação dos actos” determina: 

 

“1 - Os actos de fixação ou alteração previstos no Artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respectiva fundamentação.

2 - A fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação.”

 

42. Dos elementos do processo, designadamente do processo administrativo junto pela Requerida, não se extraem quaisquer elementos que permitam conhecer o fundamento da decisão que, partindo da requalificação do rendimento declarado, conduziu à liquidação adicional impugnada.

 

43. Desconhece-se, assim, porque não evidenciados no processo de divergências, no procedimento de liquidação ou no processo de reclamação graciosa, as razões que terão levado a AT a decidir pela requalificação do rendimento.

 

44. Com efeito, ainda que se admita que a explicação apresentada pelo Requerente em sede de exercício do direito da audição, quer posteriormente em reclamação graciosa do ato tributário ou no recurso hierárquico interposto do indeferimento expresso da mesma, quer no presente pedido, ofereça dúvidas, podendo eventualmente indiciar um procedimento artificioso com vista à obtenção de vantagens fiscais, o que se constata é que a AT não só não recolheu elementos que pudessem sustentar a decisão tomada nem fez uso da faculdade prevista no artigo 38.º, n.º2, da Lei Geral Tributária.

 

45. Relativamente a este aspeto, alega a Requerida que “... pese embora não se consiga de todo analisar a que diz respeito nem a quê nem a quem, o doc. 6 junto pelo Requerente, o que é certo, é que este informa que a entidade premiadora disponibiliza as premiações directamente aos operadores da D… através de uma plataforma electrónica, tornando-se impossível entender também como é que uma empresa que não tem qualquer ligação ou interesse com outra, permite que esta disponha dos seus trabalhadores, do seu desempenho e decerto da sua carga horária, bem como do seu sistema informático para com estes contactar.”

 

46. Aceitando-se a pertinência das observações e dúvidas suscitadas pela AT na sua resposta, não se compreende porque razão a AT, ao abrigo do princípio do inquisitório, não esclareceu as dúvidas que agora suscita por forma a fundamentar a sua decisão ou, caso apurasse elementos que permitissem concluir pela existência de meios artificiosos tendentes à obtenção de vantagens fiscais, acionasse o procedimento anti-abuso previsto nos artigos 38.º, n.º 2, da LGT e 63.º do CPPT.

 

47. Certo é que, conforme se verifica da documentação que integra o presente processo, mormente do processo administrativo junto pela Requerida, a decisão de requalificação como rendimentos de natureza salarial dos declarados como “gratificações” carece, de todo, de qualquer fundamentação que a suporte.

 

 48. Da mesma forma, a liquidação adicional consequente não se encontra minimamente fundamentada.

 

49. Apoiando-se em jurisprudência do STA, que cita, no sentido de “no que concerne a vícios de forma de actos administrativos, que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja atingido o objectivo visado pela lei com sua imposição”, alega a Requerida que, no presente caso, o ato tributário se encontra devidamente fundamentado, quer de facto quer de direito, nos seguintes termos: “o ato tributário encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação do Requerente no pedido arbitral revela que este não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do ato. ... Aliás, por não concordar com o ato tributário, o Requerente deduziu reclamação graciosa, que foi indeferida e desse indeferimento apresentou recurso hierárquico, o qual também foi indeferido. 

 

50. A fundamentação exposta não tem, porém, aderência aos factos. Desde logo, na petição da reclamação graciosa que viria a ser indeferida, o Requerente suscita a falta de fundamentação da decisão que se encontra na base da liquidação adicional reclamada. A mesma alegação da falta de fundamentação é evidenciada no recurso hierárquico da decisão de indeferimento daquela reclamação, encontrando-se, também, claramente expressa no presente pedido de pronúncia arbitral.

 

51. Dos documentos referidos extrai-se, como não podia deixar de ser, que o Requerente entende que os rendimentos por ele declarados foram objeto de requalificação, mas o que não compreende é a razão que se encontra na base de tal decisão.

 

52. No presente caso, conforme se pode constatar dos documentos apresentados, em especial do processo administrativo junto pela Requerida, a decisão da AT não se encontra suportada em qualquer fundamentação, não sendo, de todo, possível descortinar a razão pela qual foi efetuada a correção que originou a liquidação impugnada.

 

53. Verifica-se, pois, que a AT se limitou a consignar, no que designa de procedimento de divergências, que os rendimentos declarados como “gratificações” constituem rendimentos de natureza salarial, sujeitos ao regime geral de englobamento do IRS, não demonstrando a factualidade que a levou a desconsiderar a qualificação declarada.

 

54. Nestes termos, verifica-se que a AT não cumpriu a obrigação de fundamentação a que, expressa e especificamente, alude o artigo 66.º do Código do IRS, pelo que se declara a ilegalidade do ato de liquidação impugnado e, bem assim, da decisão de indeferimento expresso proferida no processo de reclamação graciosa relativa a tal ato e indeferimento tácito do recurso hierárquico dela interposto, por violação do disposto no citado preceito bem como, em termos genéricos, nos artigos 77.º da Lei Geral Tributária e 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo.

 

55. Sendo pacífico que a falta de fundamentação expressa do ato tributário, na medida em que revelador da preterição de formalidade essencial à garantia do direito de defesa dos particulares contra ato que se reputa lesivo dos seus direitos e interesse legítimos, implica a sua anulabilidade, deve, assim, ser anulado o ato de liquidação de IRS impugnado bem como a corresponde liquidação de juros compensatórios.

 

 

 

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

56. A par da anulação das liquidações de IRS e de juros compensatórios, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, o Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

57. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

58. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

59. No presente caso, ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pelo Requerente por se encontrar ferida de ilegalidade a liquidação a que o mesmo respeita, por falta da fundamentação legalmente exigível, determinando-se, em consequência, a anulação do ato e restituição das importâncias indevidamente cobradas, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito a favor do contribuinte.

 

60. Nesta matéria tem-se em atenção a orientação da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, que vai no sentido de que o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT pressupõe que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços” entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”. Como decorre da referida jurisprudência a expressão "erro imputável aos serviços" refere-se a "erro" e não a "vício", o que inculca que quer relevar os erros sobre os pressupostos de facto ou de direito que levaram a Administração a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não considerando os vícios formais ou procedimentais que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não implicam, necessariamente, uma errónea definição daquela relação.”. Resulta, assim, que só nos casos de anulação fundada em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulação de um ato de liquidação baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação (cfr. entre outros, Acórdãos do STA de 27.6.2007, Proc. 80/07, de 1.1.2008, Proc. n.º 0244/08, de 29.10.2008, Proc. n.º 0622/08, de 4.11.2009, Proc. n.º 0665/09, de 20.01.2010, Proc. n.º 942/09, de 8.06. 2011, Proc. n.º 876/09, de 7.09.2011, Proc. n.º 416/11, de 30.5.2012, Proc. n.º 410/12, de 22.05.2013, Proc. n.º 0245/13, de 12.2.2015, Proc. n.º 01610/13).

 

V. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à ilegalidade da liquidação adicional de IRS impugnada, por falta de fundamentação legal, determinando-se a sua anulação, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com o consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas.

 

b) Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

 

Valor do processo: € 1 205,63

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 306,00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 27 de Março de 2018,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

                                                                                                                                                                                

 



[i]  Mantendo embora o mesmo NIPC a empresa alterou a firma para D…, S.A., conforme Informação que integra o processo de Reclamação Graciosa n.º …2017…, da Direcção de Finanças de Lisboa (Doc.2 )

[ii]  Cf. Dec.Lei n.º 143/2010, de 31 de Dezembro.

[iii]  Do processo administrativo verifica-se que o recurso hierarquico foi objecto de indeferimento expresso, por decisão da Director de Serviços do IRS, proferida no uso de subdelegação de competência, em 29 de Novembro de 2017 (PA 5).

[iv]  Neste sentido, vd. STA, acs. de 20.6.2007, Proc. 01015/06, de 18.9.2008, Proc. 0338/08 e de 30.4.2013, Proc. 0122/13.

[v]  Conforme entendimento vertido na Decisão Arbitral, de 29.10.2012, Proc. 76/2012-T.

[vi]  Cfr. Processo Administrativo, PA 6