Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 50/2023-T
Data da decisão: 2023-11-13  IRS  
Valor do pedido: € 31.393,25
Tema: IRS; MAIS-VALIAS; PROTECÇÃO CONSTITUCIONAL-FISCAL DA FAMILIA; VALOR DE REALIZAÇÃO; REINVESTIMENTO DOS VALORES DE REALIZAÇÃO POR VENDA DE IMÓVEL; SEPARADOS DE FACTO OU EX-CÔNJUGES; MEAÇÃO E COMPROPRIEDADE;ÓNUS DA PROVA;
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SUMÁRIO:

 

  1.  Como regra geral, os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de bens imóveis são rendimentos tributáveis em sede de IRS, enquadráveis na categoria G de rendimentos, enquanto incremento patrimoniais, mais valias. Porém, o ganho (vulgo, mais-valia) decorrente da transmissão de imóvel que constitua habitação própria permanente do sujeito passivo poderá ser excluída de tributação, caso o valor de realização seja reinvestido na aquisição de nova habitação própria permanente.

 

  1. Antes da alteração do Código do IRS operada pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12 – em que vigorava o regime imperativo da tributação conjunta ou cumulada do agregado familiar para cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens – o imposto incidia necessariamente sobre o conjunto dos rendimentos das pessoas que constituíssem o agregado familiar (regra de incidência objectiva), considerando-se como sujeitos passivos ambos os cônjuges (regra de incidência subjectiva), os quais não podiam ser considerados sujeitos passivos autónomos (art. 13º, nº 6 do CIRS), sendo pois, a família considerada como unidade económica ou unidade fiscal para efeitos de IRS.  

 

  1. A consideração fiscal da família, requerida pela Constituição (arts. 67°, n.° 2, al. f), e 104°, n.° 1), implica a proibição de discriminações desfavoráveis dos contribuintes casados ou com filhos face aos contribuintes solteiros ou sem filhos, e não a imposição ao legislador da utilização do instrumento fiscal (benefícios fiscais) para o favorecimento da constituição e desenvolvimento da família, ideia que tem consagração no art. 6° da LGT, em cujo n.° 3, especificamente se prescreve: “a tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que o constituem” .
  2. Para a aplicação da exclusão tributária prevista no artigo 10º nº5 e nº6 do CIRS e determinação do valor de reinvestimento, temos os seguintes requisitos:

Em primeiro lugar, deverá ser alienado um bem imóvel destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, o qual dará origem ao apuramento do ganho/mais-valia, o que implica conhecer o que se deve entender (a) por imóvel, (b) por imóvel destinado à habitação própria e permanente, e (c) por agregado familiar.

Em segundo lugar importa saber o que se entende por valor de realização, isto é, qual o valor que deverá ser efetivamente reinvestido num novo imóvel.

Em terceiro lugar determinar que tipo de imóvel deverá ser adquirido e em que moldes, por forma a ser aceite o reinvestimento, bem como o eventual nexo de causalidade entre o novo investimento e o produto da alienação do imóvel detido anteriormente.

Em quarto lugar, encontramos a análise ao elemento temporal do reinvestimento, que poderá ter uma natureza retroativa se verificada nos 24 meses anteriores à venda do imóvel e uma natureza futura se realizada nos 36 meses posteriores contados da data da venda.

Em quinto lugar, deverá o sujeito passivo afetar o novo imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar num prazo máximo.

Por último, o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento.

  1. De uma perspectiva jurídica, no âmbito da propriedade dos bens comuns do casal, também chamada comunhão de mão comum ou propriedade coletiva, não assiste aos contitulares o direito a uma quota ideal sobre cada um dos bens integrados na comunhão, mas sim o direito a uma fração ideal sobre o conjunto do património comum, como é o direito à meação do património do casal, apenas concretizável pela partilha.

Na compropriedade, o consorte é titular de uma quota ideal que recai especificamente sobre o bem indiviso, assistindo-lhe o direito de exigir a divisão da coisa comum, nos termos dos artigos 1403º, 1412º e 1413º do Código Civil.  Assim, o património comum do casal assim persiste até à partilha de bens não se converte num regime de compropriedade ou semelhante.

  1. Estando separada de facto, com entrega da declaração de IRS com essa natureza e posteriormente, por efeitos retroativos da sentença de divórcio – divorciada ao momento do reinvestimento, não são aplicáveis os princípios indicados quanto à família e à existência de uma unidade económica e a aquisição em comum na situação jurídica de divorciado implica a aplicação do regime da compropriedade.
  2. Conforme nos diz Rui Duarte Morais, o objetivo da lei é «eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias». Mas o mesmo Autor entende, no entanto, tratar-se de um objetivo limitado, dado que o relevante seria proteger a aquisição de habitação própria, e não sujeitar a tributação qualquer tipo de bens imóveis desde que o reinvestimento fosse realizado nessa mesma aquisição afeta a habitação do sujeito passivo ou seu agregado familiar.
  3. O ónus da prova do cumprimento de todos os requisitos, quer a aquisição de habitação própria e permanente, quer a aplicação efectiva de todos os fundos como sendo de sua propriedade no reinvestimento é da Requerente, face às presunções legais emergentes dos documentos que titulam actos de natureza civil e aos factos que os mesmos consignam.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro António Pragal Colaço, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 3 de Abril de 2023, decide neste Tribunal o seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., com o número de identificação fiscal..., com domicílio fiscal na Rua ..., ...-... Lisboa, doravante abreviadamente designada por “Requerente”, veio, nos termos Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, sendo “Requerida” a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

  1. O pedido

A Requerente pede que seja declarada a ilegalidade (i) da Decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto pela Requerente, proferida pela Divisão de Justiça Tributária  da Direção de Finanças de Lisboa e notificada à Requerente por Ofício n.º..., de 28 de outubro de 2022  e, bem assim, a ilegalidade (ii) do ato de liquidação de IRS liquidação 2021..., a que corresponde o documento de acerto de contas n.º 2021 ... e a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., dos quais resulta um valor adicional a pagar de € 24.210,62, e a ilegalidade (iii) do ato de liquidação n.º 2022..., a que corresponde o documento de acerto de contas n.º 2022 ... que operou a compensação n.º 2022..., dos quais resulta um valor adicional a pagar de € 31.393,25 e ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. Tramitação Processual

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 26/1/2023.

O árbitro foi designado pelo Conselho Deontológico, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, sendo que tal nomeação não foi objeto de objeção.

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 03/04/2023.

A Requerida apresentou Resposta, defendendo a improcedência do pedido arbitral e juntou o respetivo processo administrativo em 5/5/2023.

Em 29/6/2023, realizou-se a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT e a audição das testemunhas, tendo na mesma sido produzidas as respectivas alegações orais, por acordo das partes, tudo conforme consta da respetiva ata.

 

  1. Posições da Requerente e da Requerida

A Requerente considera que:

-  o imóvel que constituía a sua residência própria e permanente à data da sua venda, (onde a mesma tinha o seu domicilio fiscal) e tendo a Requerente efetivamente reinvestido a totalidade do valor de realização obtido na sua venda (€ 462,500) na compra de uma nova habitação própria e permanente e no seu melhoramento (€ 474,472), para a qual transferiu a sua residência fiscal a 19 de dezembro de 2017, a Requerente procurou fazer uso do regime do reinvestimento previsto no n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS mediante a correspondente indicação declarativa.

- Em especial, a Requerente entende que o regime do reinvestimento previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS não prevê qualquer exigência ao nível da titularidade do imóvel (reinvestido) a afetar à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar, pelo que deverá ser absolutamente indiferente, para efeitos de aplicação deste regime, aferir se em 31 de outubro de 2017 a Requerente adquiriu apenas 50% do direito de propriedade do imóvel (em compropriedade com o ex-marido) ou se adquiriu 100% logo naquela data, afirmando que (atualmente não há duvidas de que é proprietária a 100% na sequência do divórcio),

 

A Requerida defende-se por impugnação:

 - entende, que se a percentagem de aquisição de ambos os compradores era não coincidente com 50%, deveria tal facto ficar inscrito na escritura de compra e venda e não pode, assim, considerar-se provado que o imóvel adquirido em 2017 o foi apenas com valores pertencentes à requerente.

- realça que existe uma patente contradição, qual seja, quanto ao imóvel alienado em 2017 tem 50%; quanto ao adquirido nesse ano alega que não existe quota ideal (pretende os 100%).

- menciona também que, face aos efeitos do divórcio terem retroagido a data anterior à da aquisição do segundo imóvel (objeto do reinvestimento), quando a requerente e o ex-marido compraram o segundo imóvel já não seriam casados entre si e não sendo casados, não se aplicaria a regra da comunhão de bens, mas sim a da compropriedade, o que quer dizer que, cada um dos compradores, na falta de disposição em sentido diverso expressamente constante da escritura, era titular de 50% do imóvel.

- entende que o valor reinvestido pela Requerente em 31 de outubro de 2017, na compra do imóvel inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (código freguesia ...) que afetou a sua habitação própria e permanente deverá apenas ser <considerado em 50%, ou seja, em € 190,000.00> acrescendo a dedução no caso concreto do montante de €90.472,12, correspondente a obras, tudo no montante de €280.472,12, para efeitos da aplicação do regime do reinvestimento previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código, defendendo a legalidade das liquidações realizadas.

 

  1. Saneamento

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades ou outras irregularidades.

A cumulação de pedidos é legal porque verificados os seus pressupostos.

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente e o seu ex-marido (B..., encontram-se separados de facto desde Abril de 2017.

 

  1.  Por sentença datada de 20/12/2019, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores de Lisboa, Juiz 1, processo número .../19...T8LSB, foi decretado o divórcio entre a Requerente e o seu ex-marido cujos efeitos retroagiram à data da separação de facto - Abril de 2017.

 

  1. No dia 26 de outubro de 2017 a Requerente e o seu ex-marido (à data ainda casados, sob o regime de comunhão de adquiridos), venderam, pelo valor de € 1.300.000, a fração autónoma, designada pela letra “B” do prédio urbano situado na Rua..., n.ºs 6..., Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número..., da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (código freguesia...), sendo o mesmo imóvel a residência permanente da Requerente nessa data.

 

  1. O imóvel identificado na alínea anterior, havia sido adquirido em 2006 pelo preço de € 600.000.

 

  1. Para a aquisição do mencionado imóvel, a Requerente e o seu marido na altura haviam contraído um empréstimo bancário com hipoteca - crédito hipotecário n.º..., cuja dívida em 26/10/2017, no valor de € 371.624.05, foi integralmente paga antecipadamente na conta por ambos titulada.

 

  1. O preço de venda líquido da amortização crédito hipotecário n.º ... (€ 1.300.000 – 373.562,66 = € 926.437,34) foi integralmente transferido para a conta de depósito à ordem n.º ..., titulada por ambos, aberta junto do Banco BPI, nos dias 03/08/2017 e 27/10/2017, conta do crédito hipotecário, titulada pela Requerente e pelo seu ex-marido, nos seguintes termos:

 

Em 03/08/2017 – foi recebido a título de sinal o montante de € 130.000:

 

Em 26/10/2017 – foi recebido a título de preço remanescente o montante de € 796.437,34:

 

 

  1. A Requerente procedeu à transferência dos seguintes valores para o seu ex-marido:

Em 16/08/2017 o valor de € 59.609,00

 

 

Em 31/10/2017 o valor de € 398.228,67 (em duas tranches, uma de € 200.000 e outra de € 198.228,67):

 

 

 

  1. A Requerente e o seu ex-marido, outorgaram e adquiriram a 31 de outubro

de 2017, por documento exarado no Balcão Casa Pronta do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, pelo valor de € 580.000, não constando do mesmo os meios de pagamento utilizados, a fração autónoma, designada pela letra “A” do prédio urbano situado na Rua ... n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (código freguesia ...), tendo ambos declarado que a mesma se destinava a habitação própria e permanente, e pago o IMT com base nessa tabela, tendo ainda ambos contraído um empréstimo bancário ao BPI, garantido pela hipoteca da fracção, no montante de 200.000,00€.

 

  1. Foram emitidos da conta de depósitos à ordem junto do BPI, Nº:..., titulada em nome da Requerente e do seu ex-marido, o cheque número n.ºs ..., sacado no dia 22/8/2017, no montante de 87.000,00€ e os cheques visados, número ..., no montante de 48.538,89€ e ..., no montante de 244.461,11€, ambos sacados em 31/10/2017.

 

  1. Foram realizadas obras de melhoramento do imóvel referido na alínea H) em 2018, pelo valor de € 94.472, contratado às empresas C... Lda.

 

  1. A Requerente estabeleceu no imóvel identificado na alínea H) a sua residência permanente.

 

  • Na declaração de rendimentos de IRS n.º ... do ano de 2017, que a Requerente apresentou como separada de facto, a mesma inscreveu o valor de amortização de divida do empréstimo contraído aquando da aquisição da casa de € 187.500 no campo 5005 do Quadro 5 do Anexo G e colocou o montante de € 650.000 no campo 5006 do Quadro 5 do Anexo G.

 

  1. Na declaração de rendimentos de IRS n.º ...-2019... do ano de 2019, a Requerente como divorciada ou separada judicialmente, inscreveu um valor de reinvestimento de € 460.247 no campo 5010 do Quadro 5 Anexo G da declaração de rendimentos tendo indicado no campo A1 do Quadro 5 do Anexo G da mesma declaração o artigo matricial antigo do imóvel objeto do reinvestimento U-... (sendo o artigo correto o U-...).

 

  • A Requerida procedeu à liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, com referência ao ano de 2017, sob o n.º 2021..., a que corresponde o documento de acerto de contas n.º 2021... e à demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., dos quais resulta um valor adicional a pagar de € 24.210,62.

 

  • A Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 22/2/2022, (autuada com o n.º ...2022...), nos termos do artigo 68.º e seguintes do CPPT, relativamente à liquidação adicional de IRS e juros compensatórios n.º 2021..., a que corresponde o documento de acerto de contas n.º 2021... e a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., dos quais resultou um valor adicional a pagar de € 24.210,62.

 

  1. Por Ofício n.º ..., de 06.05.2022 o Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – ... projetou (in)deferir parcialmente a Reclamação Graciosa, fundamentando no facto de o reinvestimento da Requerida com referência a 2017, deverá apenas ser «considerado em 50%, ou seja, em € 190.000.00» para efeitos da aplicação do regime do reinvestimento previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, fundamentando que «apesar de alegar que o imóvel foi adquirido com bens próprios, este não pode ser agerido [sic] na totalidade à Requerente, por ter sido adquirido no estado de casada, sob o regime de comunhão de adquiridos».

 

  1. Em 23.05.2022, a Requerente exerceu o seu direito de audição, ao abrigo do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 da LGT, sendo proferida decisão final da Reclamação Graciosa, deferida parcialmente por despacho de 26/5/2022 do Chefe do Serviço Local de Finanças ..., notificada à Requerente pelo ofício número ..., datado de 1 de Junho de 2022.

 

  1. A decisão final da Reclamação Graciosa, deferida parcialmente, arrimou-se na informação da técnica de Administração tributária Adjunta, de que se retira com relevância o seguinte:

“A Reclamante “ Refere ainda que na proposta de decisão existem dois erros de calculo; o primeiro, no valor de obras de melhoramento do imóvel em 2018, será de considerar valor de 94.472,00; o segundo, no valor em divida à data da venda, na quota-parte de 50%, será de € 186.781,33.

Tendo presente o projeto de decisão, cumpre informar o seguinte:

No que diz respeito ao reinvestimento tal como foi referido em sede de audição previa, junta escritura de compra e venda celebrada em 31 de outubro de 2017, na qual a reclamante com o ainda marido, B..., NIF ..., adquirem, para habitação própria e permanente o prédio urbano, sito na R ..., da freguesia dos ..., inscrito na matriz sob o artigo matricial ..., fracão A, pelo montante de 580.000,00 e que sobre esta aquisição houve recurso ao credito bancário no valor de 200.000,00. Este valor será considerado em 50%, ou seja. em 190.000.00 (€ 290.000,00-€ 100.000.00). Apesar de alegar que o imóvel foi adquirido com bens próprios, este não pode ser aferido na totalidade à reclamante, por ter sido adquirido no estado de casada, sob o regime de comunhão de adquiridos. Junta aos autos, nesta fase o documento n° 6” declaração sob compromisso de honra" em que o ex-marido da reclamante. refere que apesar do divorcio se ter sido decretado judicialmente em dezembro de 2019, encontravam-se na situação de separados de facto desde abril de 2017. E ainda que apesar da reclamante ter adquirido conjuntamente com o então marido, o imóvel objeto de reinvestimento, esta seria unicamente para habitação própria e permanente da reclamante. Esta situação cria uma incongruência entre o IMT emitido à data em que ambos dizem que o imóvel adquirido se destina a habitação própria e permanente de ambos, que corresponde ao código 74, na referida declaração.

 

No que diz respeito às despesas e encargos a considerar, com a fracão alienada. de acordo com o artigo 51° do CIRS, foram apresentados os seguintes documentos:

• Fatura n° 2018/2 de 22/01/2018, no valor de 25.423,18, emitida por C... LDA., NIF ..., referente a obras de reabilitação. Esta encontra-se  emitida em nome da Reclamante e respetivo NIF, com a inscrição da morada do imóvel.

Junta extrato bancário como comprovativo de pagamento.

• Fatura n° 2018/13 de 03/05/2018. no valor de 54.221,12. emitida por C... LDA., NIF ..., referente a obras de reabilitação. Esta encontra-se emitida em nome da Reclamante e respetivo NIF, com a inscrição da morada do imóvel.

Junta extrato bancário como comprovativo de pagamento

• Fatura n° 2018/16 de 18/06/2018, no valor de 10.827,72, emitida por C...

LDA., NIF ..., referente a obras de reabilitação. Esta encontra-se emitida em nome da Reclamante e respetivo NIF, com a inscrição da morada do imóvel.

Junta extrato bancário como comprovativo de pagamento.

Estas despesas perfazem o valor global de 90.472.12, que correspondem ao montante requerido na petição inicial, apresentada pela reclamante.

Em relação ao valor do capital em divida do empréstimo contraído para aquisição do imóvel alienado (excluem-se os juros e outros encargos, bem como empréstimos para obras) que se encontra em divida à data da alienação do imóvel, e de acordo com o distrate bancário apresentado, emitido pelo BPI de 371.624.05, sendo o valor a considerar de 185. 812.03, que corresponde à quota-parte de 50%.

Assim o quadro 5 do anexo G deve ser preenchido da seguinte forma:

Campo 5005: 185.812,03 (capital em divida à data da venda)

Campo 5006: 464.187,97(valor que pretende reinvestir sem recurso a crédito (€ 650.000,00-€ 185.812,03)), contudo é de considerar o valor de 280.472.12., valor que corresponde ao efetivamente reinvestido.

Campo 5008: 280.472,12(190.000.00+90.472,12)

Assim pelos factos mencionados anteriormente. sou da opinião que a presente reclamação graciosa deva ser deferida parcialmente, em consequência seja elaborado Documento de Correção.

É o que me cumpre informar.

À consideração superior.

Serviço de Finanças de Lisboa 6, 26 de maio de 2022”

 

  1. A Requerente interpôs Recurso Hierárquico no dia 22 de Junho de 2022, nos termos do art.º 66.º, n.º 2 do CPPT, o qual tomou o número de processo ...2022..., vindo a ser notificada do projecto de indeferimento, para querendo exercer o direito de audição prévia.

 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição prévia, tendo a Requerida por despacho do Senhor Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, datado de 2022OUT25, indeferido o recurso hierárquico nos termos constantes do projecto de indeferimento, confirmando a fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, onde se lê:

“Do mesmo modo se conclui que os títulos jurídicos, quer respeitante à aquisição e alienação imóvel alienado, quer respeitante à aquisição do imóvel de reinvestimento, foram celebrados na situação da recorrente e o seu cônjuge à data dos factos, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, pelo que não há dúvidas de que cada um à data, era titular de 50% em cada um dos imóveis.”

 

  1. A Requerida procedeu à emissão de nova liquidação de IRS e juros compensatórios, com referência ao ano de 2017, emitida sob o n.º de liquidação 2022 ..., a que corresponde o documento de acerto de contas n.º 2022... que operou a compensação n.º 2022..., dos quais resulta um valor adicional a pagar de € 31.393,25, em resultado da execução da decisão proferida no processo de Reclamação Graciosa (n-º ...2022...).

 

  1. Por escritura de partilha celebrada no dia 9 de Maio de 2022, exarada no Cartório Notarial de D..., exarada de folhas vinte e nove a folhas trinta e uma do livro de notas para escrituras número 739-A, a Requerente e o seu ex-cônjuge procederam à partilha da fração autónoma, identificada em H), onde foi convencionado com interesse para os autos que,

“…adquirido por compra na constância do casamento, pela apresentação mil duzentos e trinta e três, de trinta e um de outubro de dois mil e dezassete…

Sobre esta fracção autónoma incide ainda uma hipoteca registada a favor do Banco BPI , SA, pela apresentação mil duzentos e trinta e quatro, de trinta e um de Outubro de dois mil e dezassete, cujo valor que assegura da responsabilidade de ambos os outorgantes, ascende hoje, ao montante de cento e setenta e cinco mil setecentos e quarenta c quatro euros e noventa e dois cêntimos, de que são sujeitos passivos ambos os outorgantes, correspondendo a cada um a obrigação do pagamento quanto a metade, no correspondente valor com os arredondamentos legais de OITENTA E SETE MIL OITOCENTOS E SETENTA E DOIS EUROS E QUARENTA E SEIS CENTIMOS.

Que, assim, ao bem do activo a partilhar corresponde o montante de QUINHENTOS E OITENTA MIL EUROS, pelo que cabe a cada um deles, partilhantes o direito a metade no montante de DUZENTOS E NOVENTA MIL EUROS, para cada um; e No referido valor da divida no montante de CENTO E SETENTA E CINCO MIL SETECENTOS E QUARENTA E QUATRO EUROS E NOVENTA E DOIS CENTIMOS, cada um deles outorgantes, como se disse, tem a obrigação do pagamento quanto a metade no correspondente valor de OITENTA E SETE MIL OITOCENTOS E SETENTA E DOIS EUROS E QUARENTA E SEIS CENTIMOS.

Que a partilha procedem do seguinte modo:

A segunda outorgante, A..., é adjudicada e fica a pertencer aquela referida fracção autónoma no valor de quinhentos e oitenta mil euros, pelo que tendo direito a DUZENTOS E NOVENTA MIL EUROS, levaria a mais além do valor que a ela competia, a importância de duzentos e noventa mil euros, assumindo no entanto ela segunda outorgante, toda a referida divida ao Banco BPI, SA, no dito montante de CENTO E SETENTA E CINCO MIL SETECENTOS E QUARENTA E QUATRO EUROS E NOVENTA E DOIS CENTIMOS, pelo que suportando a mais na divida em relação ao valor que a ela competia, o montante de OITENTA E SETE MIL OITOCENTOS E SETENTA E DOIS EUROS E QUARENTA E SEIS CENTIMOS, leva a mais em relação ao valor do quinhão a que tinha direito, o montante de duzentos e dois mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos, que a título de tornas deverá entregar ao primeiro outorgante, que a menos leva.

Que o referido valor das tornas no indicado montante de duzentos e dois mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos, será pago ao primeiro outorgante que a menos leva, em prestações, no prazo máximo de seis meses, numa das formas permitidas por lei.”

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das duas liquidações adicionais de IRS – n.ºs de liquidação 2021 ... e 2022 ..., devidamente calculadas com os acertos de contas.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que o imóvel adquirido a 31 de outubro de 2017, pelo valor de € 580.000, fração autónoma, designada pela letra “A” do prédio urbano situado na Rua ... n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número..., da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (código freguesia...), o fosse exclusivamente com dinheiro próprio da Requerente, nem se provou que o mesmo imóvel adquirido fosse de facto apenas propriedade da Requerente.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nem impugnados especificadamente e no acervo probatório carreado para os autos, os quais foram objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

Os factos provados basearam-se ainda nas testemunhas inquiridas, nos pontos acima referidos, apesar de ambas terem de alguma forma interesse na causa, sendo certo que a testemunha E..., filha da Requerente e do seu ex-marido, pela sua idade não terá sequer noção desse interesse. No entanto, a testemunha ex-cônjuge da Requerente confirmou o que já consta da documentação quanto à separação de facto.

 

Não foi feita prova adequada que infirmasse a prova documental da titularidade comum da conta da conta de depósitos à ordem junto do BPI, Nº: ... . Bem pelo contrário, o facto de existirem tornas a favor do ex-cônjuge comprova antes que o dinheiro pertencia aos dois, o que não afasta, mas confirma, o facto da conta ser titulada por ambos.

No entanto, se o aspecto formal é relevante para o enquadramento jurídico já é questão totalmente diferente.

 

3. Matéria de direito

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, sendo o acto de liquidação praticado pela Administração Tributária o objecto do processo, tem de se apreciar a sua legalidade à face dos seus precisos termos, tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida ([1] ).

 

    Determinação do valor de reinvestimento e a aplicação da exclusão tributária prevista no artigo 10º nº5 e nº6 do CIRS – Considerações Gerais

 

Como regra geral, os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de bens imóveis são rendimentos tributáveis em sede de IRS, enquadráveis na categoria G de rendimentos, enquanto incrementos patrimoniais, mais valias. Porém, o ganho (vulgo, mais-valia) decorrente da transmissão de imóvel que constitua habitação própria permanente do sujeito passivo poderá ser excluída de tributação, caso o valor de realização seja reinvestido na aquisição de nova habitação própria permanente.[2]

Assim, importará recordar o disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 10º do CIRS, na versão em vigor ao tempo do facto tributário em causa nos autos (2017):

 

Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

 

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

 

b) …

   1) …

  2) …

  3) …

  4) …

  5) …

c) …

d) …

e) …

f) …

g) …

h) …

2 - (Revogado.)

3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

a) …

b)  …

c) …

4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:

a)  Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

b) …

c) …

d) …

  1) …

   2) …

  3) …

e) …

  1) …

  2) …

f)

 

g) …

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

d) (Revogada.)

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

c) (Revogada.)

7 - No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.[3]

8  - …

9 -  …

10 - …

11 - …

a) …

b)  …

12 - …

 

Conforme consta da matéria de facto dada como provada a Requerente e o seu cônjuge, haviam adquirido em 2006 a fração autónoma, designada pela letra “B” do prédio urbano situado na Rua ..., n.ºs..., Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número..., da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (código freguesia ...), pelo preço de € 600.000.

No dia 26 de outubro de 2017 a Requerente e o seu ex-marido (à data ainda casados, sob o regime de comunhão de adquiridos, mas que a sentença de divórcio veio declarar os seus efeitos retroagidos a Abril de 2017), venderam, pelo valor de € 1.300.000, a mesma fração autónoma.

Para a aquisição deste imóvel, a Requerente e o seu marido na altura haviam contraído um empréstimo bancário com hipoteca - crédito hipotecário n.º..., cuja dívida em 26/10/2017, no valor de €371.624.05, foi integralmente paga antecipadamente na conta por ambos titulada.[4]

Independentemente dos cálculos matemáticos necessários, os mesmos apenas se poderão realizar após estar definido o quadro da relação jurídica tributária que lhe é subjacente, especialmente quanto aos sujeitos da mesma.

O conceito de relação jurídica administrativa não tem assento legal o que não impede que possamos considerá-la como uma relação que se estabelece entre dois ou mais sujeitos regulada por normas de direito administrativo, em que um desses sujeitos é uma entidade ou um órgão da Administração Pública que actua no exercício de poderes de autoridade que lhe são próprios com vista à satisfação do interesse público.

Já o mesmo não acontece com a noção de relação jurídica tributária, visto estas não só têm definição legal – são as “estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas” (art.º 1.º/2 da Lei Geral Tributária) – como têm o seu objecto normativamente especificado e têm indicadas as entidades da Administração Tributária que podem figurar como sujeitos dessa relação.[5]

 

Família, agregado familiar e fiscalidade

 

O código do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, criado pelo decreto-lei 442-a/88, de 30 de novembro​, lendo-se no seu preâmbulo, “inter alia”:

 

“18 - A presente reforma é também inovadora no que respeita à tributação do agregado familiar.

A conjugação da progressividade das taxas com o apuramento do imposto em função do somatório dos rendimentos dos cônjuges origina uma situação discriminatória em relação à dos rendimentos separadamente imputados a cada contribuinte individual, suscitando a necessidade de introdução de dispositivos neutralizadores desse efeito, desde o estabelecimento de tabelas distintas de taxas para os contribuintes casados e para os contribuintes não casados, até aos métodos de fraccionamento ou divisão dos rendimentos (quociente conjugal ou splitting e quociente familiar) ou ao recurso a deduções ampliadas com vista a compensar o excesso de tributação.

No regime do imposto complementar, a penalização do agregado familiar assente no casamento, resultante do englobamento dos rendimentos auferidos pelos respectivos membros, foi atenuada (mas não eliminada), mercê da ampliação de uma tabela de taxas com progressividade menos acentuada do que a estabelecida para os contribuintes não casados.

Não se afigurou de admitir, em face do imperativo de simplificação já mencionado, a introdução no imposto único sobre o rendimento da dupla escala de taxas para contribuintes casados e não separados e para contribuintes solteiros ou separados), sistema que, aliás, na prática, não proporciona solução adequada ao problema da discriminação contra a família e complicaria o funcionamento do regime de retenção na fonte, aplicado a amplas categorias de rendimentos.

Há, assim, que pôr termo, de outro modo, à sobretributação do agregado familiar, que em tempos se aceitava com base em invocadas mas não quantificadas economias de escala, alinhando o sistema português pela tendência observada mundialmente, que aponta para regimes de tributação separada dos membros do agregado familiar ou para o englobamento com divisão.

A tributação conjunta foi posta de lado pela Dinamarca em 1970, pela Suécia em 1971, pela Áustria e pela Holanda em 1973, pela Itália e pela Finlândia em 1976. Em certos países proporcionaram-se regimes de opção pela tributação separada (casos do Reino Unido em 1972, da Bélgica em 1975 e da Irlanda em 1980), ou adoptou-se como sistema comum o da divisão do rendimento (tradicionalmente praticado na República Federal da Alemanha e nos Estados Unidos e, sob forma do “quociente familiar”, em França e no Luxemburgo.

Embora possa admitir-se que a referência constitucional à consideração dos rendimentos do agregado familiar não é impeditiva da consagração da fórmula da tributação separada, reconhece-se existirem algumas dúvidas quanto à bondade da solução, a qual representaria, nas presentes circunstâncias, uma mudança demasiado radical, e suscitaria dificuldades em face de regimes matrimoniais resultantes de situações de comunhão de bens.

Sem se ignorar a importância da corrente, que se observa no plano mundial, no sentido da tributação separada, e a força do argumento da intimidade de cada um dos cônjuges nos seus assuntos fiscais, considerou-se conveniente manter a orientação, que mais perto se afigura corresponder à caracterização do imposto único na Lei Fundamental, de tomar como critério de base a tributação do agregado familiar. Mas o reconhecimento de que, aplicado sem ajustamentos, este sistema conduziria à penalização da família - estrutura social que se pretende, ao invés, acalentar, como decorre do próprio imperativo constitucional - levou à consagração de um dos métodos de correcção atrás considerados: o sistema de englobamento com divisão, não segundo a técnica do quociente familiar (que beneficia as famílias mais numerosas, em aplicação de critérios discutíveis sob o ponto de vista da justiça fiscal), mas segundo a técnica do quociente conjugal ou splitting (que restringe a divisão do total dos rendimentos familiares aos dois membros a quem incumbe a direcção do agregado).

Embora se reconheça que nenhuma das soluções possíveis é isenta de aspectos negativos, optou-se pelo sistema de splitting, por considerações de justiça fiscal (atenuação da progressividade resultante do englobamento dos rendimentos), de respeito por uma posição de igualdade dos cônjuges (que contribuem, Qualquer que seja o regime matrimonial de bens, para a conservação e valorização do património familiar) e de aproximação no tratamento dos agregados familiares assentes no casamento e de uniões de facto, em que a tributação será naturalmente separada.

No caso especial de a totalidade ou quase totalidade do rendimento englobado ser auferido por um dos cônjuges, em lugar da divisão por 2, inerente à forma pura de splitting, foi fixado um factor ligeiramente inferior.

Atende-se ao número de componentes da família através do regime, já consagrado entre nós, das deduções correspondentes a cada membro do agregado familiar.”

 

Apesar deste preâmbulo estar ainda em vigor, muito do que o mesmo afirma não representa actualmente o IRS.[6]

Na verdade, antes da alteração do Código do IRS operada pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12 – em que vigorava o regime imperativo da tributação conjunta ou cumulada do agregado familiar para cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens – o imposto incidia necessariamente sobre o conjunto dos rendimentos das pessoas que constituíssem o agregado familiar (regra de incidência objectiva), considerando-se como sujeitos passivos ambos os cônjuges (regra de incidência subjectiva), os quais não podiam ser considerados sujeitos passivos autónomos (art. 13º, nº 6 do CIRS). [7]

A consequência de tal entendimento era considerar a família assente no casamento a qual era configurada pelo legislador como unidade económica ou unidade fiscal para efeitos de IRS.[8] [9]

A consideração fiscal da família, requerida pela Constituição (arts. 67°, n.° 2, al. f), e 104°, n.° 1), implica a proibição de discriminações desfavoráveis dos contribuintes casados ou com filhos face aos contribuintes solteiros ou sem filhos, e não a imposição ao legislador da utilização do instrumento fiscal (benefícios fiscais) para o favorecimento da constituição e desenvolvimento da família.

Uma ideia concretizada, de resto em termos bastante precisos, no art. 6° da LGT, em cujo n.° 3, especificamente se prescreve: “a tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que o constituem”[10].

 

Após a alteração do Código do IRS operada pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12, a regra geral é a da tributação individual e da declaração autónoma dos rendimentos de cada pessoa singular, pelo que, quando existe agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta (regime supletivo), sendo que, só neste caso, o imposto é devido pela soma dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, considerando-se como sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direção, mantendo-se os mesmos princípios indicados quando é exercida a opção de tributação conjunta.

 

No caso dos autos, o imóvel foi adquirido por ambos os cônjuges que por opção apresentavam o IRS conjunto e foi alienado quando estavam separados de facto, [11] tendo apresentado a Requerente com referência a 2017 a declaração de IRS com essa qualidade.[12]

No entanto, a aquisição de novo imóvel foi realizado por ambos, tendo ficado consignado na escritura que eram casados e ambos adquiriam o imóvel, tendo ainda ambos declarado que a mesma se destinava a habitação própria e permanente, tendo também ambos contraído um empréstimo bancário ao BPI, garantido pela hipoteca da fracção, no montante de 200.000,00€.

 

Aplicação da exclusão tributária prevista no artigo 10º nº5 e nº6 do CIRS e determinação do valor de reinvestimento

 

Podemos surpreender os seguintes requisitos para a aplicação e determinação do regime de mais – valias excluídas do campo de incidência

 

Em primeiro lugar, deverá ser alienado um bem imóvel destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, o qual dará origem ao apuramento do ganho/mais-valia, o que implica conhecer o que se deve entender (a) por imóvel, (b) por imóvel destinado à habitação própria e permanente, e (c) por agregado familiar.

Em segundo lugar importa saber o que se entende por valor de realização, isto é, qual o valor que deverá ser efetivamente reinvestido num novo imóvel.

Em terceiro lugar determinar que tipo de imóvel deverá ser adquirido e em que moldes, por forma a ser aceite o reinvestimento, bem como o eventual nexo de causalidade entre o novo investimento e o produto da alienação do imóvel detido anteriormente.

Em quarto lugar, encontramos a análise ao elemento temporal do reinvestimento, que poderá ter uma natureza retroativa se verificada nos 24 meses anteriores à venda do imóvel e uma natureza futura se realizada nos 36 meses posteriores contados da data da venda.

Em quinto lugar, deverá o sujeito passivo afetar o novo imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar num prazo máximo.

Por último, o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento.

 

No entanto, a Requerida não procedeu à rectificação, ou melhor, à emissão de liquidações adicionais com fundamento na (in) verificação de todos, ou mais do que um dos requisitos apontados, mas somente no facto da alienação e aquisição dos imóveis terem sido celebrados na situação da recorrente e o seu cônjuge à data dos factos, serem casados sob o regime da comunhão de adquiridos, pelo que cada um à data, era titular de 50% em cada um dos imóveis.[13]

Na data da decisão, quer da reclamação graciosa, quer do recurso hierárquico, já a Requerente e o seu ex-cônjuge, estavam divorciados, com efeitos da sentença retroagidos a Abril de 2017 e nenhuma das decisões aborda tal questão.[14]

 

De uma perspectiva jurídica, no âmbito da propriedade dos bens comuns do casal, também chamada comunhão de mão comum ou propriedade coletiva, não assiste aos contitulares o direito a uma quota ideal sobre cada um dos bens integrados na comunhão, mas sim o direito a uma fração ideal sobre o conjunto do património comum, como é o direito à meação do património do casal, apenas concretizável pela partilha. Na compropriedade, o consorte é titular de uma quota ideal que recai especificamente sobre o bem indiviso, assistindo-lhe o direito de exigir a divisão da coisa comum, nos termos dos artigos 1403º, 1412º e 1413º do Código Civil. [15]Assim, o património comum do casal assim persiste até à partilha de bens; não se converte num regime de compropriedade ou semelhante.[16]

Tal significa que que o imóvel alienado o foi na natureza de bem de propriedade colectiva da meação e que a aquisição, face à retroactividade da sentença de divórcio, o foi em regime de compropriedade.

 

Lendo a Recomendação n.º 18/A/ 2012 do Provedor de Justiça, retiramos o seguinte;

“12 - Ora, os pressupostos ali expressos para efeitos de aplicação integral (e não apenas parcial) da aludida disposição legal de não incidência, parecem recusar em absoluto esta interpretação, já que são eles exatamente os seguintes: a) que os imóveis (o alienado e o adquirido) tenham por fim, e exclusivamente, a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar b) que o produto da alienação seja investido na nova habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

13.Parece, deste modo, evidente que, o elemento literal da regra em apreço não integra, portanto, um (suposto) terceiro requisito, a saber, o de que para que o valor de realização reinvestido seja totalmente abrangido pela norma de exclusão da tributação, o sujeito passivo haja de ser o único e exclusivo proprietário do novo imóvel destinado à habitação própria e permanente.”

 

Salvo melhor opinião, desde sempre a redacção do preceito que define a possibilidade de não tributação, conteve o vocábulo – propriedade e por conseguinte, não o podemos olvidar.[17] [18]

Mas esta interpretação conforme também se retira da mesma Recomendação, resulta da  [proibição de descriminação desfavorável a contribuintes casados), que a família deve ter, sendo mesmo uma ideia concretizada, no artigo 6º da Lei Geral Tributária, em cujo nº 3 especificamente se prescreve: “ a tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que os constituem”».[19]

No entanto, face à matéria de facto do presente processo, aquando do reinvestimento, já não podemos falar do mesmo agregado familiar e muito menos de dois sujeitos passivos de IRS, que fiscalmente optam pela tributação conjunta dos seus rendimentos familiares.[20].

 

O que existe constitucionalmente consagrado é uma protecção da família quanto ao imposto sobre o rendimento pessoal que “visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.[21] Mas não existe nenhuma protecção fiscal específica sobre a dissolução da “sociedade” matrimonial, a não ser a diminuição das desigualdades e os direitos liberdades e garantias fundamentais globalmente previstos na CRP .

A Requerente exactamente por ter adquirido em regime “comum” o imóvel onde pretende fazer o reinvestimento, procedeu à partilha do acervo patrimonial comum, conforme foi dado como provado em U), onde se definiu “ Que o referido valor das tornas no indicado montante de duzentos e dois mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos, será pago ao primeiro outorgante que a menos leva, em prestações, no prazo máximo de seis meses, numa das formas permitidas por lei.” Relembre-se também que, além de constituir a deslocação de riqueza e com impacto económico, este acto, em abstracto, também é considerado como facto tributário, mas face à redacção do art.º 2.º, número 5 alínea c) e 6,[22] não é passível de incidência quando a partilha respeitar a bens de ex-cônjuges, que contraíram matrimónio em regime de comunhão de adquiridos ou de comunhão geral de bens.

Repare-se que as tornas advêm também da assunção de um passivo – dívida hipotecária, por parte de um dos ex-cônjuges, que até carece de ser aceite pelo credor hipotecário.[23]

 

Uma situação factual é aquela que foi objecto da apreciação no âmbito da Recomendação do Provedor de Justiça n.º n.º 18/A/ 2012, e processo da CAAD número 84/2012-T, de 18/1/2013, [24] outra distinta é a dos autos.[25]

Não se olvida que estamos perante uma norma que se caracteriza por ter uma finalidade extrafiscal, como corolário do Princípio Constitucional do Direito à Habitação.[26] Mas conforme nos diz Rui Duarte Morais, o objetivo da lei é «eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias» [27] Mas o mesmo Autor entende, no entanto, tratar-se de um objetivo limitado, dado que o relevante seria proteger a aquisição de habitação própria, e não sujeitar a tributação qualquer tipo de bens imóveis desde que o reinvestimento fosse realizado nessa mesma aquisição afeta a habitação do sujeito passivo ou seu agregado familiar.

E nessa apreciação não podemos também olvidar que a lei fala em habitação própria. E este conceito de habitação própria só poderá querer significar que tem de ser propriedade de quem reinveste.

Assim, num caso em que um sujeito passivo tenha como habitação determinado imóvel, mas esta não seja sua propriedade para efeitos legais, a condição de aplicação já não se encontra verificada. É neste sentido que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo entende que o regime do reinvestimento «exige a concomitância ou simultaneidade do carácter próprio e permanente da habitação por parte do sujeito passivo, dado que só assim se cumpre a razão de ser de norma legal de proteção da aquisição de casa de habitação do agregado familiar». Dito de outro modo, o caráter próprio da habitação deve ser simultâneo ao caráter de permanência, ainda que a lei não determine um limite temporal mínimo para a observância quer da habitação como própria, quer como permanente.[28]

Mas a superveniência de uma família monoparental não gozará da mesma protecção constitucional porque é um agregado familiar? Os unidos de facto também não gozarão de uma protecção constitucional nesse sentido?

Vejamos:

Não foi invocada qualquer limitação constitucional nesse sentido, a não ser “Outro entendimento traduziria clara violação do princípio da tipicidade legal do imposto, o qual não admite qualquer margem de indefinição ou de discricionariedade administrativa nos seus elementos essenciais.”

 

O que está em causa nos autos não é apurar se estão preenchidos os requisitos quanto ao imóvel transmitido, nem os requisitos quanto ao apuramento do valor de realização a afectar pelo reinvestimento, nem a análise ao elemento temporal do reinvestimento, mas antes saber qual o montante que a lei aceita e exige que seja reinvestido e em que termos, para poder estar excluído de tributação, aplicado ao caso concreto. Não tem a ver com a tipicidade legal do imposto.

 

A Requerente entende que a aquisição em comum não releva como elemento limitador do montante a reinvestir e a Requerida entende que pelo facto do imóvel ter sido adquirido em comum – no momento da exaração das decisões da reclamação graciosa e recurso hierárquico não entrou em linha de conta com a retroactividade do divórcio, mas o resultado é igual, só pode existir reinvestimento até 50% do total do montante reinvestido.

Em termos quânticos, a Requerente defende que tem direito a reinvestir mais de 50%, ou seja, o valor da compra 580.000,00€ - valor do empréstimo contraído 200.000,00€ - Despesas e encargos 94.472,00€ que resulta no valor de 285.528,00€. A este valor deverão então ser subtraídos os valores dos cheques emitidos da conta de depósitos à ordem junto do BPI, Nº: ..., titulada em nome da Requerente e do seu ex-marido, o cheque número n.ºs ... no montante de 87.000,00€, sacado no dia 22/8/2017 e os cheques visados, número..., no montante de 48.538,89€ e ..., no montante de 244.461,11€, ambos sacados em 31/10/2017.

O produto desta operação aritmética resulta no valor negativo de 94.472,00€, o que significa que reinvestiu (iria) a mais esse montante que afinal é o montante das despesas e encargos, o que significa que os 3 cheques juntos correspondem ao valor exacto de 380.000,00€.

 

Por sua vez a Requerida entende que:

O valor da amortização ao BPI a considerar é de 371.624.05/2, sendo o valor a considerar de 185. 812.03, que corresponde à quota-parte de 50%.

Assim o quadro 5 do anexo G deve ser preenchido da seguinte forma:

Campo 5005: 185.812,03 (capital em divida à data da venda)

Campo 5006: 464.187,97(valor que pretende reinvestir sem recurso a crédito (€ 650.000,00-€ 185.812,03)),

É de considerar o valor de 280.472.12., valor que corresponde ao efetivamente reinvestido.

Campo 5008: 280.472,12(190.000.00+90.472,12)

 

Não podemos deixar de dar razão à Requerida.

A aquisição de novo imóvel foi realizada por ambos, tendo ficado consignado na escritura que eram casados e ambos adquiriam o imóvel, tendo ambos declarado que a mesma se destinava a habitação própria e permanente de ambos e por esse facto foram tributados pela tabela de taxas prevista no art.º 17.º do CIMT, destinada a aquisições de imóveis para habitação própria e permanente que é mais favorável que a tabela aplicável apenas à aquisição de imóveis somente para habitação, conforme alínea R) dos factos dados como provados.[29]

 

Também ambos contraíram um empréstimo bancário ao BPI, garantido pela hipoteca da fracção, no montante de 200.000,00€, adjudicado à conta de depósitos à ordem junto do BPI, Nº: ..., titulada em nome da Requerente e do seu ex-marido, portanto de ambos, conta conjunta de onde proveio o dinheiro para o pagamento do imóvel adquirido.

 Por fim, os ex-cônjuges procederam por escritura pública de partilha, conforme alínea v) da matéria de facto dada como provada, à partilha da fracção autónoma identificada em H),  convencionando mesmo que o valor do activo de 580.000,00€, cabendo a cada um o montante de 290.000,00€, e cabendo também a cada um o pagamento de metade da hipoteca a favor do Banco BPI SA.

Tendo sido adjudicado o imóvel à Requerente e esta assumido a divida hipotecária na totalidade, levando a mais em relação ao valor do quinhão a que tinha direito, esse valor das tornas no indicado montante de duzentos e dois mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos, será pago ao primeiro outorgante que a menos leva, em prestações, no prazo máximo de seis meses, numa das formas permitidas por lei.”

Nada é mencionado quanto ao eventual pagamento com dinheiro próprio da Requerente no acto da aquisição, que obviamente, teria sido deduzido nesta partilha.

Acresce ainda que ambos declararam que o imóvel adquirido era para habitação própria e permanente dos dois, o requisito essencial para se poder “gozar” da exclusão tributária.

Estamos na presença de dois sujeitos passivos fiscais que optaram por declarar os seus rendimentos como separados de facto e por conseguinte, a existir, não gozam de qualquer protecção constitucional quanto ao direito de habitação individualmente analisado que permita que o direito de um se estenda automaticamente ao direito de outro.

Se a requerente e o seu ex-cônjuge quando alienam o imóvel vêm a ser considerados juridicamente como divorciados face à retroactividade da sentença e entregam declarações fiscais separadas, tal significa que estamos perante um rendimento da categoria G que obriga na razão de 50% aos dois, pelo que se existe aquisição também no regime de divorciados e entregam declarações fiscais separadas, os rendimentos em sede de IRS devem ser aferidos em função de cada um dos titulares do rendimento.

Não estamos perante rendimentos de contitularidade a que se possa aplicar uma protecção constitucional, pelo casamento, pela união de facto, mas sim numa situação de separação de facto posteriormente de divórcio com efeitos retroactivos e de individualidade de rendimentos.

Mas com o devido respeito, nem se consegue surpreender como se existisse essa protecção ela poderia ser aplicada. Não pode existir um regime privativo tributário de exclusão de tributação para divorciados.[30]

Por último, salvo melhor opinião, não faria qualquer sentido que a mais-valia fosse apenas considerada em 50%, sendo o reinvestimento considerado em 100%, quando não foi feita prova que os fundos aplicados no reinvestimento fossem na totalidade da titularidade da Requerente.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

 

  1. Condenar a Requerente no pagamento das custas;

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 31.393,25.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 13 de Novembro de 2023

O Árbitro


(António Pragal Colaço)

 



[1]             Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207.

– de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

– de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

– de 12/03/2003, processo n.º 1661/02;

– de 28-10-2020, processo n.º 2887/13.8BEPRT.

 

[2] De acordo com o Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo da CAAD número 157/2022-T, de 8/11/2022, “Com efeito, como resulta do citado artº. 10º. do CIRS, o valor de realização corresponde à importância recebida pelo sujeito passivo sujeito a imposto e não aquele que lhe caberia segundo as regras civilísticas.”in.www.dgsi.pt. Mas não cuidamos “in casu” da interpretação do valor de realização, mas sim, do valor de reinvestimento, que pode ou não, possuir a mesma natureza;

[3] “7 - Os ganhos previstos no n.º 5 são igualmente excluídos de tributação, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: (Redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro) 

[4] O valor suportado em comissões não pode ser considerado amortização do empréstimo;

[5] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 090/14, Dulce Neto, 10-09-2014, in.www.dgsi.pt;

[6] Nem a sociedade é minimamente o que era em 1989;

[7] Com efeito, segundo o disposto no nº 2 do art.º 13º do CIRS, na redacção então vigente (Código do IRS, aprovado pelo Dec. Lei nº 442-A/88, de 30.11, vigente a partir de 1.01.1989, com a redação que vigorou até à republicação desse Código pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12.), “Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção”, direcção que, nos termos do nº 2 do art.º 1671º do Cód.Civil, pertence a ambos os cônjuges.

[8]Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0950/17, Dulce Neto, de 06-09-2017, in.www.dgsi.pt;

[9] RUI MORAIS - Tributação separada dos cônjuges e o desafio da simplicidade Sobre o IRS 2ª ed pag 29

«Entre nós (no caso dos residentes) optou-se pela tributação do agregado familiar: existindo, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção (art. 13º, nº 2). Temos, assim, que o agregado familiar é a unidade económica relativamente a qual se afere a tributação. Tal não significa que tenha sido reconhecida personalidade jurídica às famílias, mesmo que só para efeitos deste imposto. Os sujeitos passivos são as pessoas a quem incumbe a direcção do agregado familiar (ambos os cônjuges, sendo o caso), existindo, portanto, uma titularidade plural das obrigações fiscais e uma responsabilidade solidária de ambos.».;

[10] Cfr. Direito Fiscal, José Casalta Nabais, 2010, 6ª Edição, p. 153 e segs.;

[11] A sentença do divórcio que põe fim à relação jurídica de casamento, que não à comunhão conjugal pois essa precisa de partilha posterior, judicial ou extra-judicial, teve efeitos retroactivos até Abril de 2017 e quando os (ex) cônjuges outorgaram a venda ainda eram casados, mas posteriormente, já não o seriam. De qualquer forma equipar-se-ía o estatuto de separado de facto com divorciado, em termos de sujeito passivo;

[12] Não foram juntos elementos quanto à qualidade fiscal do ex-cônjuge;

[13] O prisma correcto de análise teria sido quem, como e de que forma procedeu aos pagamentos, que englobam o conceito de valor de realização reinvestido e posteriormente verificar-se se foram preenchidos os requisitos restantes;

[14] A questão parece não ser expressamente abordada nas petições, pois optou-se pelo realce da separação de facto, mas, no entanto, a sentença consta do processo administrativo;

[15] A distinção que tem raízes longínquas reside, segundo parece, no facto de uma incidir sobre um direito e a outra sobre o bem directamente;

[16] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 17294/18.8T8PRT-A.P1, de 15/4/2021, FILIPE CAROÇO, Cfr. tb. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 1065/16.9T8VRL.G1.S1, de 7/3/2019, TOMÉ GOMES, in.www.dgsi.pt;

[17] As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação devem ser interpretadas nos seus exatos termos, sem recurso a analogia, tornando prevalente a certeza e segurança na sua aplicação. Neste sentido vd., entre outros, Ac. TCAS de 2/12/2012, proc. nº 05320/12, in www.dgsi.pt.

[18] “A exclusão tem como objectivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente.” José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Liquidos, p. 413, Coimbra Editora 2007;

[19] Cfr. mesma Recomendação do Provedor de Justiça e «Direito Fiscal», José Casalta Nabais, Edição Almedina, 2ª Edição, página 153 e 154;

[20] Com efeito, apesar de a família ser a unidade fiscal, ela não é sujeito fiscal, pois que não tem a capacidade tributária. J.J. Teixeira Ribeiro, in A Unidade Fiscal na Constituição, cit., pp. 151 e segs.,

[21] Cfr. art.º 104 da Constituição da República Portuguesa;

[22] Redacção em vigor no momento da realização da partilha era:

c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário; 6 - O disposto na alínea c) do número anterior não é aplicável sempre que o excesso da quota-parte resultar de acto de partilha por efeito de dissolução do casamento que não tenha sido celebrado sob o regime de separação de bens. (Aditado pelo artigo 97.º da Lei 64-A/2008, de 31  de dezembro);

A actual redacção é a seguinte: c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário ou do direito à meação;    (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho)  e 6 - O disposto na alínea c) do número anterior não é aplicável aos ex-cônjuges sempre que o excesso da quota-parte resultar de ato de partilha por efeito de dissolução do casamento que não tenha sido celebrado sob o regime de separação de bens. (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27  de junho);

[23] Conforme consta da mesma escritura;

[24] In. www.caad.org.pt;

[25] Em sentido aparentemente contrário, mas numa situação de união de facto, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/6/2016, processo 07877/14 , Cristina Flora, in.www.dgsi.pt, onde se lê:

“É que o IRS é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem (art. 13.º n.º 2), ou seja, importa apurar o rendimento de cada uma das categorias auferidos por cada um dos titulares do rendimento, e só depois se procede ao englobamento dos rendimentos de cada uma das categorias e de todos os elementos do agregado familiar.

Importa ainda ter em consideração que in casu não estamos perante a contitularidade de rendimentos do Impugnante e da sua companheira, ao invés, estamos perante um rendimento da categoria G (mais-valias) auferido unicamente pelo Impugnante, pois este é proprietário de 100% do imóvel que gerou o rendimento, e por essa razão, para efeitos do n.º 5 do art. 10.º do CIRS deve ser apurado o reinvestimento que é efectuado pelo Impugnante, considerando, portanto, o que este reinvestiu, o que foi feito no caso dos autos pela AT.

Portanto, quando se verifica o reinvestimento na aquisição de um outro imóvel em que o Impugnante apenas adquiriu 50%, sendo os restantes 50% adquiridos pela sua companheira, então, para o cálculo do rendimento auferido em sede de mais-valias pelo Impugnante apenas se poderá considerar essa mesma proporção, considerando que a mais-valia em causa constitui rendimento da categoria G auferido pelo Impugnante (e não pela sua companheira), visto que apenas este era o proprietário do imóvel que gerou os rendimentos.

Em suma, considerando que o IRS é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem (art. 13.º n.º 2) e que não estamos perante a contitularidade de rendimentos dos Impugnantes, ao invés, estamos perante rendimento da categoria G (mais-valias) auferido unicamente pelo Impugnante, por este ser proprietário de 100% do imóvel que gerou o rendimento, então, para efeitos do n.º 5 do art. 10.º do CIRS deve ser considerado o efectivo reinvestimento que é efectuado pelo Impugnante em imóvel adquirido por ambos os sujeitos.”

[26] Cfr. art.º 65.º da CRP;

[27] Rui Duarte Morais (2014), Sobre o IRS (3.ª ed.). p. 137, Coimbra, Almedina;

[28] A Lei 56/2023, de 6 de Outubro, publicamente conhecida como “Mais Habitação”, veio alterar a redacção do número 5, alínea e) do art.º 10.º do CIRS, preceituando que, e) O imóvel transmitido tenha sido destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, comprovada através do respetivo domicílio fiscal, nos 24 meses anteriores à data da transmissão;

[29] A redacção do art.º 17.º do CIMT à altura dos factos era:

Artigo 17º

Taxas

1 - As taxas do IMT são as seguintes:

  1. Aquisição de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente:

 

  1. Aquisição de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação, não abrangidas pela alínea anterior:

 

 

[30] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0114/15.2BELLE, de 01-07-2020, ARAGÃO SEIA, em cujo voto de vencido do Juiz Conselheiro Anibal Ferraz, se lê:

Vencido.

O artigo (art.) 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), com a epígrafe “Mais-valias”, encontra(va)-se enquadrado no respetivo Capítulo I “Incidência”, Secção I “Incidência real”. Para os anos de 2013 e 2014, o nº 5 de tal normativo, estatuía: «

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores;

c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir; »

Enquanto norma de incidência (negativa), a matéria sobre que versa está sujeita ao princípio da legalidade tributária - cf. art. 8º nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT), bem como, eventuais lacunas que encerre não são suscetíveis de integração analógica - art. 11º nº 4 do mesmo compêndio legal, ou seja, os conceitos utilizados no analisado art. 10º nº 5 estão proibidos, pelo legislador, de serem estendidos a uma situação de facto não expressamente regulada na lei.

Posto isto, in casu, sendo assumido que o impugnante, em 18 de abril de 2013, não tinha habitação própria e permanente no imóvel (identificado como casa de morada da família) que foi alienado e de cujo montante arrecadado recebeu metade, tendo, em 5 de agosto de 2014, aplicado parte desse proveito na aquisição de fração autónoma, destinada e que afetou a sua habitação própria e permanente, não posso, mesmo a coberto de todas as vicissitudes, dificuldades e condicionantes de um divórcio, defender que “… o facto de o impugnante e aqui recorrido ter deixado de residir no imóvel durante um determinado período, na sequência do processo de divórcio e até se ultimar a respetiva venda, não põe em causa a verificação dessa condição (que tanto o imóvel vendido e em cuja venda foram apuradas as pretensas mais-valias, como o imóvel adquirido pelo impugnante/recorrido, em cuja compra terá sido reinvestido parte do produto daquela venda, tiveram como afetação a sua habitação própria e permanente).”.

Outrossim, mesmo admitindo que a aplicação, na sua única interpretação admissível, do versado art. 10º nº 5 do CIRS pode, na situação dos autos, implicar a violação de princípios constitucionais,

então, a solução, jurídica, passaria pela não aplicação da norma, por inconstitucionalidade; não pela construção de um regime privativo para sujeitos passivos divorciados.

Por estas razões, sinteticamente alinhadas, decidiria conceder provimento ao recurso, com as legais consequências.

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In.www.dgsi.pt