Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 84/2023-T
Data da decisão: 2023-10-16  IRC  
Valor do pedido: € 65.128,43
Tema: IRC – artigo 23.º do Código do IRC – dedutibilidade de gastos

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SUMÁRIO:

São dedutíveis na determinação do lucro tributável, ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, os encargos com fornecimentos e serviços externos e com pessoal que sejam incorridos com vista a obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Rui Miguel Zeferino Ferreira e João Gonçalves da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A...- SGPS, S.A., NIF ..., com sede na Rua ..., ... - ..., freguesia de ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, ...‑..., Vila Nova de Gaia (“Requerente”), na qualidade de sociedade dominante do “Grupo B...” para efeito do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”),  notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., que tem por objecto o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) com o n.º 2022..., a correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2022 ... e a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., referentes ao exercício de 2018, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral (“PPA”), ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), conjugado com o disposto na alínea a), do artigo 99.º e na alínea e), do n.º 1, do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicáveis ex vi alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação daqueles actos, acrescida do reembolso do imposto indevidamente pago e respectivos juros compensatórios.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 10 de Fevereiro de 2023 foi aceite em 13 de Fevereiro de 2023 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 3 de Abril de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 24 de Abril de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

            5. Em 31 de Maio de 2023, a Requerida apresentou a sua resposta, juntou aos autos o processo administrativo e defendeu-se, em primeiro lugar, por excepção, ao invocar a incompetência do Tribunal Arbitral Colectivo em razão do valor e a incompetência do Tribunal Arbitral para a condenação à prática de actos de apuramento de prejuízos fiscais requerendo a sua absolvição da instância e, em segundo lugar, por impugnação, ao sustentar a improcedência do pedido arbitral, por não provado, com a sua consequente absolvição de todos os pedidos.

 

            6. Em 1 de Junho de 2023, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção, o que esta veio a fazer em 8 de Junho de 2023.

 

            7. Em 26 de Junho de 2023, foi proferido despacho arbitral no qual se dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, remetendo-se para a decisão final a apreciação da matéria de excepção, o que foi feito ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Naquele despacho foi ainda conferida às partes a possibilidade de apresentarem alegações finais, direito que apenas foi exercido pela Requerida, em 12 de Julho de 2023, onde esta deu por reproduzidos os argumentos anteriormente apresentados.

 

II. SANEAMENTO

 

§1 – Incompetência do Tribunal Arbitral Colectivo em razão do valor

 

            8. No pedido arbitral a Requerente indicou como valor da causa o montante de € 65.128,43, correspondente “à poupança fiscal, à taxa de 21%, decorrente aceitação de gastos fiscais no valor de Euro 310.135,37”.

 

            9. Na resposta, invocou a Requerida que “a presente ação tem como objeto imediato a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... e como objeto mediato a liquidação adicional de IRC com o n.º 2022..., do exercício de 2018, que determina imposto a pagar no montante de € 270,40”, pelo que seria este último o valor da causa de acordo com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.

 

10. Neste sentido, defendeu a Requerida que o “Tribunal arbitral deveria ter sido constituído com árbitro singular e não coletivo, pois o valor do pedido não ultrapassa duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, isto é € 60.000,00, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º do RJAT”, o que consubstanciaria uma excepção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral em razão do valor que determinaria a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            11. Em sede de contraditório, retorquiu a Requerente que pretende “a anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa e a respetiva anulação da liquidação (…) na parte em que desconsidera a aceitação do gasto fiscal aqui em causa e que originaria um prejuízo fiscal”, de tal modo que “o valor da utilidade económica do presente pedido deverá corresponder à aplicação da taxa de IRC de 21% (taxa em vigor no exercício de 2018) sobre o valor dos prejuízos fiscais corrigidos, ascendendo, assim, ao montante de Euro 65.128,43, por se tratar do montante que, efetivamente, irá corresponder à poupança fiscal”.

 

            12. Cabendo decidir, revela-se antes de mais necessário fixar qual o concreto objecto do presente processo, tendo em conta a relação material controvertida tal como configurada pela Requerente. Isto porque “o valor da causa é determinado em função do seu objecto, ou seja, do efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção (art.º 581.º, n.º 3 do CPC), efeito esse que é materializado no pedido formulado ao tribunal, mas circunscrito ao âmbito da causa de pedir”, conforme bem evidenciou o Tribunal Central Administrativo no acórdão proferido em 17 de Janeiro de 2019, no âmbito do processo n.º 62/18.4BCLSB.

 

            13. Das peças processuais que apresentou, resulta claro que a Requerente contestou a legalidade e peticionou a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... e do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2022... .

 

            14. Subjacente à contestação daqueles actos, mormente ao acto de liquidação adicional de IRC, está a ilegalidade imputada pela Requerente às correcções feitas pela AT com base na não dedutibilidade fiscal dos encargos com fornecimentos e serviços externos no valor de € 152.064,58 e dos encargos relativos a gastos com o pessoal no valor de € 158.070,99, na esfera individual da sociedade C..., SGPS S.A. (doravante “C...”), posteriormente reflectidas na esfera da Requerente enquanto sociedade dominante do grupo para efeitos do RETGS.

 

            15. Portanto, a anulação das referidas correcções à matéria tributável concretizadas pela AT corresponde ao fim ou objectivo visado pela Requerente com o pedido arbitral que apresentou.

 

            16. Tendo isto presente, cumpre então fixar o valor da causa, atendendo para o efeito ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, que ao que aqui importa dispõe o seguinte:

Artigo 97.º-A

Valor da causa

1 – Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;”.

 

            17. Ora, apesar de o presente processo ter como objecto imediato um acto de liquidação adicional, no valor de € 270,40, a verdade é que essa não é a quantia que representa a utilidade ou benefício económico que Requerente pretende obter. É que aquele valor corresponde tão só ao montante de juros compensatórios liquidados por referência às correcções em sede de tributação autónoma voluntariamente aceites pela Requerente no seguimento do procedimento de inspecção tributária.

 

            18. Ainda que os juros compensatórios integrem a própria dívida do IRC, com o qual são conjuntamente liquidados, conforme prevê o n.º 8 do artigo 35.º da LGT, certo é que aqueles juros não se confundem com o imposto em si considerado. Uma vez que a Requerente e a C... apuraram prejuízos fiscais no exercício de 2018 e uma vez que a Requerente apenas contestou no pedido arbitral correcções à matéria tributável que não deram lugar a imposto a pagar, a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRC objecto do presente processo teria como resultado último ou final a alteração do montante de prejuízos fiscais apurados.

 

            19. Para que melhor se compreenda esta conclusão, transcrevem-se aqui as seguintes considerações do Supremo Tribunal Administrativo, feitas no acórdão de 29 de Março de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 0540/18.5BEPRT:

Para a resolução do caso releva a distinção entre a liquidação em sentido amplo e em sentido restrito.

No sentido mais abrangente, a liquidação abrange as operações de determinação da matéria tributável e de liquidação propriamente dita, quando esta tenha lugar.

Em sentido mais restrito, a liquidação abrange apenas a operação de aplicação da taxa e de cálculo da coleta.

Na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A, o legislador utiliza a expressão «liquidação» no sentido estrito a que acima fixemos referência.

Ou seja, este dispositivo pressupõe que seja impugnada, além do mais, a operação de liquidação propriamente dita. O que já pressupõe que o ato impugnado culmine na liquidação de um tributo.

Isso é confirmado pelo n.º 1 do artigo 97.º do mesmo Código, com que o artigo 97.º-A se relaciona de perto. Porque são ali tratados separadamente a impugnação da liquidação de tributos e a impugnação da fixação da matéria tributável, «quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo».”.

Assim, só se atende ao valor da liquidação para a determinação do valor da causa quando o valor liquidado seja positivo, isto é, quando a operação resulte num valor líquido a favor do Estado.

Quando o valor liquidado for negativo, ganha autonomia a operação de determinação da matéria coletável, entendendo-se que é esta a operação que se impugna.

Nestes casos, o critério do valor da causa passa a ser o da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, relevando para o efeito «o valor contestado», isto é, o valor da operação de determinação da matéria coletável que se contesta.”.

 

            20. Aplicando a ratio decidendi do referido acórdão ao presente caso, verifica-se que no presente processo o valor da causa não é determinado nos termos da alínea a) mas sim da alínea b), do n.º 1, do artigo 97.º-A aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, uma vez que não é contestada a liquidação no seu sentido mais restrito mas sim no seu sentido mais amplo. Quer isto dizer que o valor da utilidade económica do pedido não é o montante de € 270,40 que consta da liquidação adicional mas sim o montante de € 310.135,37 correspondente às correcções à matéria tributável que são objecto de impugnação pela Requerente.

 

            21. Por conseguinte, conclui‑se que o Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é competente em razão do valor, em conformidade com o disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) do RJAT, já que o valor da causa é superior a duas vezes o valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, isto é, a € 60.000,00, nos termos conjugados do artigo 6.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro e do artigo 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

 

§2 – Incompetência do Tribunal Arbitral para a condenação à prática de actos de apuramento de prejuízos fiscais

 

            22. Invocou ainda a Requerida a título de excepção que “[a] competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT” e que “é manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido formulado no petitório dos presentes autos arbitrais (em concreto, de apuramento de um prejuízo fiscal, no valor de € 312.561,75, na esfera da sociedade dominada, e no valor de € 2.001.502,33, na esfera do grupo, quantificados pela Requerente)”, o que consubstanciaria uma excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral que determinaria a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            23. Em sede de contraditório, alegou a Requerente que “o pedido imediato dos presentes autos é o da anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa proferido no âmbito do processo n.º ...2022..., bem assim como a anulação parcial da liquidação adicional de IRC do exercício de 2018 com o n.º 2022..., bem assim como da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2022...” e que “o apuramento de um prejuízo fiscal é uma consequência do pedido imediato da Requerente, ou seja, como consequência da anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa e da anulação parcial da liquidação adicional de IRC, dever-se-á repor a realidade que existiria anteriormente à prática destes atos, o que significa que, o gasto fiscal deverá ser aceite e, decorrente dessa aceitação, será inerente o apuramento de um prejuízo fiscal”.

 

            24. Ora, ao contrário do defendido pela AT, o objecto do pedido da Requerente não envolve o apuramento nem a quantificação de prejuízos fiscais por parte do Tribunal Arbitral mas tão só a sindicância da legalidade de actos tributários, relativamente aos quais é pedida a respectiva anulação.

 

            25. A quantificação que é feita do montante de prejuízos fiscais que resultam da procedência do pedido arbitral representa tão só a decorrência lógica, fixada segundo o entendimento da Requerente, dos efeitos associados a uma decisão arbitral favorável às suas pretensões, e já não o objecto do pedido em si considerado. De resto, essas considerações não vinculam nem limitam de qualquer forma o juízo de legalidade a ser feito pelo Tribunal Arbitral.

 

            26. Consequentemente, ao ter a Requerente peticionado a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos nos previstos na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT, verifica-se que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para conhecer do mérito da causa.

 

§3 – Demais pressupostos processuais

 

27. O pedido arbitral foi tempestivamente apresentado nos termos do artigo 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

            28. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações socias que está inserida no código de actividade económica (CAE) 64202 – ACT. SOCIED. GESTORAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NÃO FINANCEIRAS;
  2. Para efeitos do IRC a Requerente era, no exercício de 2018, a sociedade dominante do seguinte grupo de sociedades tributado ao abrigo do RETGS:

- D..., Lda, NIF...;

- E... S.A., NIF ...;

- F... S.A., NIF ...;

- G…, Lda., NIF ... (“G...”);

- C..., SGPS S.A., NIF...;

- H... S.A., NIF … (“H...”);

- I..., S.A., NIF…;

- J..., Lda., NIF...;

  1. Em 19 de Agosto de 2020, a Requerente procedeu à entrega electrónica da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, respeitante ao RETGS do período de tributação de 2018, através da Declaração n.º ...-... -...;
  2. Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2021... e OI2021... foram instaurados procedimentos inspectivos de âmbito parcial, em sede de IRC, ao período de tributação de 2018, na esfera individual, da C...;
  3. No âmbito dos referidos procedimentos inspectivos, os Serviços de Inspecção Tributária (“SIT”), notificaram a C..., enquanto sociedade individual integrante do Grupo, do projecto de relatório de inspecção tributária (“RIT”), que posteriormente se materializou no relatório definitivo em função do não exercício do direito de audição;
  4. Do RIT referido na alínea anterior consta uma correcção à matéria colectável no valor de € 348.874,40 (que resulta de uma correcção de € 159.664,81 quanto a encargos relativos a fornecimentos e serviços externos cujas facturas foram emitidas pela G... e pela H..., de uma correcção de € 31.138,80 quanto a outros encargos que não se enquadram nos termos supra e de uma correcção de € 158.070,99 quanto a encargos relativos a gastos com o pessoal suportados no exercício de 2018 pela C...), bem como uma correcção à tributação autónoma no valor de € 10.125,38;
  5. Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2021... e OI2021..., foi instaurado à Requerente, enquanto sociedade dominante do RETGS, um procedimento inspectivo, ao IRC do período de tributação de 2018, que visou repercutir na esfera desta as correcções feitas na esfera da individual da C...;
  6. No decurso da acção inspectiva a Requerente remeteu, em 27 de Janeiro de 2022, declarações de grupo de substituição, relativas aos períodos de 2018 e 2019, com vista à aceitação e regularização voluntária do montante de € 18.168,93 (correspondente a parte da correcção à matéria colectável no valor total de € 31.138,80), bem como do montante de € 10.901,36 correspondente à aceitação integral da correcção em sede de tributação autónoma;
  7. As declarações modelo 22 de substituição foram anuladas pela AT;
  8. A Requerente, enquanto sociedade dominante do RETGS, foi notificada do RIT final, através do ofício n.º 2022..., de 28 de Março de 2022, referente à ordem de serviço n.º OI2021..., no qual se apuraram correcções à matéria colectável no valor de € 348.874,40, relativamente ao período de tributação de 2018, passando o RETGS do Grupo B... a apurar um prejuízo fiscal no valor de € 1.691.366,96, bem como uma correcção no valor de € 10.125,38 à tributação autónoma agregada ao nível do RETGS do Grupo B..., que passou a ascender a € 64.752,49;
  9. A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação adicional de IRC do exercício de 2018 com o n.º 2022..., emitida a 6 de Abril de 2022, bem como da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2022 ... e da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., das quais resultou um valor a pagar de € 270,40 que foi liquidado pela Requerente;
  10. A Requerente aceitou a quantia de € 7.600,23, relativamente à correcção de € 159.664,81 quanto a encargos relativos a fornecimentos e serviços externos cujas facturas foram emitidas pela G... e pela H... e aceitou a totalidade da quantia de € 31.138,80 referente a correcções efectuadas em sede de tributação autónoma;
  11. Em 10 de Fevereiro de 2023, a Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos.

 

§2 – Factos não provados

 

            29. Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham consideram provados.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

30. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

31. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            32. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pela Requerente e do PA junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

            33. No presente processo cumpre apreciar a legalidade das correcções relativas a encargos suportados pela C... com fornecimentos e serviços externos, no valor de € 152.064,58, e com gastos com pessoal, no valor de € 158.070,99, que os SIT consideraram não ser dedutíveis nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC.

 

            34. Para sindicar a legalidade das correcções em questão, cumpre antes de mais fixar a base legal aplicável bem como os requisitos de dedutibilidade de gastos que dela resultam. À data dos factos, o artigo 23.º do Código do IRC, com a epígrafe “Gastos e perdas”, dispunha o seguinte:

1 – Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 – Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo “Vida”, contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Perdas por imparidade;

i) Provisões;

j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;

k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais; 

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

3 – Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

4 – No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

5 – (Revogado).

6 – Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

7 – Os gastos respeitantes a ações preferenciais sem voto classificadas como passivo financeiro de acordo com a normalização contabilística em vigor, incluindo os gastos com a emissão destes títulos, são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da entidade emitente.

 

            35. Da norma acabada de citar é possível extrair três grandes requisitos dos quais depende a dedutibilidade de gastos no apuramento do lucro tributável em sede de IRC, conforme desenvolvido, entre outros, nos acórdãos arbitrais proferidos no âmbito dos processos n.º 321/2022-T, em 24 de Janeiro de 2023, n.º 793/2021-T, em 12 de Setembro de 2022 e n.º 735/2019-T, em 10 de Dezembro de 2020, que aqui se seguirão de perto.

 

            36. Como primeiro requisito, exige-se que o gasto seja efectivo, isto é, que tenha sido realmente incorrido e suportado, a qualquer título, pelo sujeito passivo. No fundo, é necessário que o sujeito passivo tenha satisfeito uma obrigação que assumiu perante outrem, correspondendo o gasto ao esforço pecuniário efectivamente verificado na sua esfera jurídica.

 

            37. Enquanto segundo requisito, exige-se que os gastos tenham uma natureza finalística, cumprindo um business purpose, isto é, que tenham sido suportados pelo sujeito passivo no desenvolvimento da sua actividade com o intuito de contribuir para a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC.

 

            38. Por fim, de acordo com o terceiro requisito, exige-se que os gastos se encontrem devidamente documentados, variando o concreto conteúdo do documento exigido e dos elementos de informação que dele devem constar em função do tipo de gasto em si considerado.

 

            39. Retomando ao caso aqui em juízo, apenas se afigura controvertido entre as partes o cumprimento do segundo daqueles requisitos, já que os SIT não colocaram em causa a existência e efectividade dos gastos nem o cumprimentos dos requisitos de documentação aplicáveis, mas tão só a sua natureza finalística dos gastos relativamente à obtenção de rendimentos na esfera da C... .

 

            40. Quanto ao cumprimento desde requisito, é ainda necessário ter em consideração que não é exigível, face ao actualmente preceituado na lei, que os gastos sejam “indispensáveis” para a obtenção de rendimentos, devendo apenas avaliar-se se os gastos ocorreram no âmbito e por força da actividade empresarial do sujeito passivo.

 

            41. Sem prejuízo, certo é que já no domínio da anterior redacção legal o conceito de “indispensabilidade” era interpretado sob uma perspectiva económico-empresarial, isto é, relacionada com a motivação última de contribuição para a obtenção do lucro, de tal forma que seriam “indispensáveis” os custos contraídos no interesse da empresa, isto é, que fossem abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo de acordo com “critérios de racionalidade económica face aos objectivos estatutários”, conforme sublinhava Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, pp. 215-216.

 

            42. É também esta a posição que tem sido defendida na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no acórdão proferido em 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 01402/17, onde se referiu o seguinte:

o conceito a que se reporta o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário.

Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.”.

 

            43. De forma mais desenvolvida, considerou o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 15 de Novembro de 2017, no âmbito do processo n.º 0372/16, que:

Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).

Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (…)

Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).

Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.

«A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.

A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito» (Cfr. acórdão de 15 de Junho de 2012 do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, proferido no processo n.º 29 2012 – T (…).

O que significa que, nos termos do citado art. 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. A utilização daquele preceito legal para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado circunscreve-se às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. Dito de outro modo, «se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável» (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.).

A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa”.

 

            44. Em suma, é hoje consensual que a concretização da cláusula geral de dedutibilidade de gastos prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos, nem implica um juízo sobre a efectiva obtenção de rendimentos em resultado dos gastos incorridos, impondo apenas a aferição da sua relação com o desenvolvimento da actividade produtiva.

 

            45. Cabe então aplicar estas considerações ao caso concreto, tendo em conta a motivação dos SIT para fundamentar as correcções aqui contestadas bem como as justificações apresentadas pela Requerente para a sua realização.

 

            46. Relativamente aos encargos com fornecimentos e serviços externos, entenderam os SIT que os mesmos não eram dedutíveis pelo facto de terem sido suportados pela C... por conta de outras entidades e para a obtenção de rendimentos por estas últimas.

 

            47. Nas palavras dos SIT “a análise dos gastos suportados pela C... demonstrou que estes, face à sua natureza e dimensão, não respeitam à atividade do sujeito passivo, mas sim a de entidades terceiras e consequentemente, respeitantes a estas e para que estas viessem a obter os seus rendimentos sujeitos a IRC”. Ainda nas palavras dos SIT “a C... suportou gastos de natureza operacional sem que tenha obtido qualquer retorno sob a forma de rendimentos sujeitos a IRC. Segundo a empresa, tratou-se do cumprimento de uma clausula contratual que faz depender a faturação dos seus honorários às empresas suas participadas, dos resultados destas. No entanto, esta estratégia não se coaduna com os preceitos legais previsto no Código do IRC, que assenta num princípio basilar, para que um gasto seja fiscalmente dedutível, é indispensável que se destina à contenção de rendimentos sujeitos a IRC do próprio sujeito passivo e não de entidade alheias. De facto, no período e tributação de 2018, a C... não obteve rendimentos sujeitos a IRC”.

 

            48. Ora, conforme explicou a Requerente, os serviços de tesouraria, contabilidade, fiscalidade, controlo interno, recursos humanos, advocacia e aconselhamento jurídico prestados pela sociedade G... foram adquiridos pela C... no seu interesse próprio.

 

            49. No que respeita aos serviços de advocacia e aconselhamento jurídico, explicou a Requerente que estão em causa gastos relacionados com o apoio na alteração do contrato de sociedade da C... ocorrido em 2018, com o acompanhamento de processos instaurados contra aquela sociedade em 2018 ou em períodos anteriores e/ou com a preparação de actas ou outros documentos necessários ao normal funcionamento da sociedade.

 

50.  No que concerne aos serviços de tesouraria, contabilidade, fiscalidade, controlo interno e recursos humanos, evidenciou a Requerente que a C... não dispõe de trabalhadores para realizar aqueles serviços pelo facto de os mesmos serem centralizados quanto a todo o Grupo B... na esfera da sociedade G... .

 

51. Acresce que, de acordo com a Requerente, parte daqueles encargos foram suportados pela C... como forma de cumprir as obrigações por esta assumidas no âmbito de contratos celebrados com as sociedades por si participadas “K...S.A.” e “L..., Lda.”, em que foram contratados serviços de análise financeira de possibilidades de investimento e oportunidades de negócio e de gestão executiva. O facto de a facturação destes serviços pela C... às suas participadas estar dependente e ser calculado sobre os resultados por estas obtidos não permite concluir, como fazem os SIT, que os encargos incorridos a montante perante a sociedade G... não visaram a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.

 

52. No fundo, os SIT negaram a dedutibilidade dos gastos incorridos pela C... com base em juízos de oportunidade sobre a “estratégia” empresarial por esta prosseguida, o que não se afigura admissível nos termos acima evidenciados pela jurisprudência citada. Se os SIT pretendiam colocar em causa a “oportunidade” e o montante dos gastos incorridos entre entidades relacionadas deveriam ter convocado a aplicação do regime de preços de transferência previsto no artigo 63.º e já não o regime de dedutibilidade previsto no artigo 23.º, n.º 1, ambos do Código do IRC.

 

            53. Em relação aos encargos com pessoal entenderam em síntese os SIT que os gastos suportados pela C... não eram dedutíveis pelo facto de respeitarem a trabalhadores cujas funções não se inserem no objecto de actividade desta mas sim das sociedades suas participadas.

 

            54. Nas palavras dos SIT “a operacionalização dessas funções são consentâneos com a atividade de retalhista e comércio desenvolvidas pelas participadas e não com a função do acionista C... . Não é ao detentor do capital que cabe coordenar e implementar planos de vendas. Essa é uma função operacional que, a ser desenvolvida pelo acionista e para que os inputs sejam dedutíveis, terá que ser remunerada”. Segundo os SIT “[a] análise efetuada demonstra que os colaboradores da empresa, M..., N... e O..., exerceram funções para a atividade das participadas e/ou relacionadas. Assim, os gastos suportados com esses colaboradores não serão aceites nos termos do n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC”.

 

            55. Ora, conforme esclareceu a Requerente, a C... é uma sociedade gestora de participações sociais, abrangida pelo regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro de 1988, que não se limita à detenção de participações como forma indirecta de exercício de uma actividade económica. Com efeito, a C... dedica-se também, a título complementar, à prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades por si participadas, o que se afigura compatível com o disposto no n.º 1, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro de 1988.

 

            56. Foi no âmbito desta actividade complementar que a C..., através dos seus colaboradores M..., N... e O... prestou à K... S.A. e à L..., Lda. serviços de análise financeira de possibilidades de investimento e oportunidades de negócio e de gestão executiva conforme já anteriormente referido.

 

57. Recorda-se que a AT não fez prova de que os serviços prestados pela Requerente não se verificaram nos termos acima evidenciados e também não provou que os gastos não são reais, efectivos e que não foram incorridos para o exercício da actividade comercial da Requerente. Por conseguinte, verifica-se que ao contrário do sustentado pelos SIT, os encargos com pessoal suportados pela C... no exercício de 2018 são consentâneos com a actividade económico-empresarial por esta desenvolvida, pelo que eram os mesmos dedutíveis ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 1, ambos do Código do IRC.

 

            58. Considera, assim, este Tribunal Arbitral, que os gastos que foram objecto de correcção pelos SIT cumpriam os requisitos estabelecidos no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC para serem deduzidos pela C..., sendo que esta solução, que se alcança no patamar infraconstitucional, é, de igual forma, a que melhor corresponde a uma interpretação conforme aos princípios da igualdade tributária na vertente de capacidade contributiva e da proporcionalidade consagrados na Lei Fundamental (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).

 

            59. Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente ao despacho de indeferimento do pedido de reclamação graciosa, que deve ser anulado na sua totalidade, bem como ao acto de liquidação adicional de IRC, cuja anulação parcial se impõe, na concreta parte que concretizou as correcções aos gastos com fornecimentos e serviços externos e com pessoal, que implicaram uma correspondente redução no montante de prejuízos fiscais pela C... na sua esfera individual e pela Requerente enquanto sociedade dominante do RETGS.

 

            60. Quanto ao reembolso do valor de imposto pago indevidamente e respectivos juros compensatórios, este Tribunal Arbitral julga tal pedido improcedente, uma vez que as correcções em causa apenas determinaram a redução do montante de prejuízos fiscais apurados, sendo que o montante pago pela Requerente respeita a juros compensatórios relativos a correcções aceites e não contestadas nos presentes autos.

 

V. DECISÃO

 

            Termos em que se decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:

  1. Anular totalmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa tramitada sob o n.º ...2022...;
  2. Anular parcialmente a demonstração de liquidação adicional de IRC do exercício de 2018 com o n.º 2022 ... e a correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2022 ...  na concreta parte que concretizou as correcções contestadas pela Requerente cuja ilegalidade foi declarada;
  3. Julgar improcedente o pedido de reembolso do valor de imposto indevidamente pago e respectivos juros compensatórios;
  4. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 310.135,37.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 5.508,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de Outubro de 2023

 

A Árbitra Presidente,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Relatora)

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

Rui Miguel Zeferino Ferreira

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

João Gonçalves da Silva