Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 90/2023-T
Data da decisão: 2023-10-10  IUC  
Valor do pedido: € 42.628,00
Tema: Artigo 7.º, n.º 1, alínea c) do CIUC, informação relativa aos eixos dos veículos das categorias D e E.
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SUMÁRIO

  1. Na determinação da base tributável do imposto incidente sobre os veículos das categorias C e D, a AT recorre a informação cadastral sobre os veículos que lhe é fornecida pelas entidades públicas com competência legal para o efeito.
  2. É com base nessa informação, e não com base em declaração do contribuinte, que é efetuada a liquidação do imposto.
  3. Se os elementos de base cadastral a que a AT recorre são insuficientes para a correta aplicação das normas de tributação, ao contribuinte deve ser dada a oportunidade, através dos meios de reação previstos na lei, para repor a verdade material, provando que a liquidação foi efetuada com base em dados incorretos.

DECISÃO ARBITRAL

A árbitra Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Tributário no processo identificado em epígrafe, decide o seguinte:

  1. RELATÓRIO

I.1 Enquadramento processual

A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, titular do número de identificação de pessoa coletiva e do número de identificação fiscal ..., com local de representação na Rua ..., ..., ..., ... (“Requerente”), notificada do despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) em 16 de novembro de 2022, que indeferiu o pedido de revisão oficiosa n.º ...2021..., o qual tinha por objeto os atos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação (“IUC”) relativos a 2018, 2019, 2020 e 2021, no valor total de € 42.628,00 (quarenta e dois mil seiscentos e vinte e oito euros), vem, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1, e n.º 2, do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º do CPPT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) com vista à anulação dos atos atrás identificados.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 15-02-2023 e notificado à Requerida na mesma data.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a ora signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 24-04-2023.

Notificada para apresentar Resposta e remeter cópia do processo administrativo, a Requerida deu cumprimento ao referido em 16-05-2023 e 17-05-2023.

Por despacho de 22-05-2023, o Tribunal Arbitral dispensou as Partes da reunião do artigo 18.º, n.º 1, do RJAT e fixou prazo para a apresentação de Alegações, o que ambas as Partes fizeram, a 02.06.2023 e 05.06.2023 – respetivamente a Requerida e a Requerente.

I.2 Posições das Partes

Com o presente PPA, a Requerente pretende obter os seguintes efeitos:

a) Declaração de ilegalidade e anulação do despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da UGC de 16 de novembro de 2022 que anulou o despacho de 29 de outubro de 2021 que havia concedido integral provimento à pretensão da Requerente e, com isso, indeferiu na totalidade o pedido de revisão oficiosa n.º ...2021...;

b) Em resultado do peticionado em a), declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IUC relativas a 2018, 2019, 2020 e 2021 efetuadas sobre os veículos automóveis identificados no quadro-resumo inserido no ponto 1 da informação n.º ...-ISCPS2/2022 da UGC, de 14 de novembro de 2022, que fundamenta o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa datado de 16 de novembro de 2022, no valor total de € 42.628,00 (quarenta e dois mil seiscentos e vinte e oito euros);

c) Em resultado do peticionado em a) e b), restituição à Requerente da prestação tributária indevidamente paga a título de IUC relativo aos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021;

d) Condenação da Requerida AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente sobre a prestação tributária indevidamente liquidada e paga por esta a título de IUC dos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, desde a(s) data(s) de pagamento até à data de processamento da nota de crédito, em que serão incluídos, nos termos legais.

Quanto à AT, sustenta que o que a levou a anular a chamada ‘primeira decisão’ – que concedera provimento ao pedido de revisão oficiosa – foi a putativa ausência de erro imputável aos seus serviços na liquidação do IUC na medida em que o número de eixos das viaturas objeto de locação operacional, um dos elementos a ter em conta na definição da base tributável dos veículos das categorias C e D em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea c), do Código do IUC, constitui um “elemento de base declarativa pelo sujeito passivo”. Assim, provindo o erro declarativo do sujeito passivo, e não da AT, as liquidações de IUC não poderiam ser revistas e anuladas no prazo de quatro anos que a segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT prevê.

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

  1.  FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

  1. A Requerente é, desde 2008, a sucursal em Portugal da instituição financeira B... B.V., entidade de direito neerlandês com sede e administração efetiva nos Países Baixos.
  2. Em 21 de dezembro de 2018 e 16 de janeiro de 2019, a Requerente celebrou com a C..., S.A., titular do número de identificação de pessoa coletiva e do número de identificação fiscal ..., os contratos de locação operacional tendo por objeto as viaturas com as matrículas ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ...  (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 12.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 14.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 14.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg), ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional 3 de 19.000 kg) e ... (pesado de mercadorias da marca Renault Trucks com peso bruto em circulação nacional de 19.000 kg).
  3. A locatária é uma sociedade comercial de direito português cujo objeto social consiste no comércio e indústria de transportes de mercadorias em camionetas de aluguer, bem como na armazenagem e no manuseamento de cargas, sendo titular da licença IMT, I.P. com o n.º ... para o transporte nacional e internacional de mercadorias
  4. Entre os anos de 2018 e 2021, estas viaturas deram origem a uma tributação em IUC na esfera da Requerente, enquanto proprietária, que ascendeu ao valor total de € 42.628,00.
  5. Em relação ao ano de 2018 foram aplicadas pela AT as taxas de imposto previstas no artigo 11.º do Código do IUC, na redação dada pelo artigo 262.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, para veículos a motor da categoria C com dois eixos (C/2+0) matriculados de 2000 em diante, com suspensão pneumática ou equivalente, de peso bruto igual ou superior a 12.000 kg, entre 13.000 e 14.999 kg e superior a 18.000 kg.
  6. No que concerne aos anos de 2019, 2020 e 2021 foram aplicadas pela AT as taxas de IUC estabelecidas pelo artigo 12.º do respetivo Código em cada um destes anos para veículos articulados e conjuntos de veículos da categoria D com dois mais três eixos (D/2+3) matriculados de 2000 em diante, com suspensão pneumática ou equivalente, de peso bruto igual ou inferior a 35.999 kg e superior a 38.000 kg.
  7. A Requerente foi informada pela locatária, sobre quem recaía a responsabilidade contratual pelo pagamento dos impostos associados aos veículos locados, como o IUC, de que o número de eixos do reboque não podia ser igual a três pelo facto de se tratar de viaturas às quais não podiam ser acoplados reboques por estarem munidos de uma plataforma de descarga retrátil ou inteira que impede tecnicamente qualquer ligação de reboque, não dispondo os veículos de qualquer dispositivo mecânico, elétrico ou pneumático capaz de permitir a ligação de um reboque.
  8. A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa em que argumentou que o IUC liquidado pela AT sobre estas viaturas locadas padecia de um erro na medida em que o número de eixos de reboque a considerar deveria ter sido igual a zero, e não três, por se tratar de viaturas que não podiam ser acopladas.
  9. Após rececionar o pedido de revisão oficiosa, a Divisão de Justiça Tributária da UGC elaborou a informação n.º ...-ISCPS2/2021, de 28 de outubro de 2021, de onde consta que:

“28. Somos a confirmar que, o valor do IUC constante das liquidações das viaturas das matrículas em análise, melhor identificadas no Quadro Resumo supra, relativas ao período de 2018, está de acordo com a alínea c) do n.º 1, do art.º 7.º do CIUC [quanto aos veículos das categorias C e D, a base tributável é constituída pelo peso bruto, o número de eixos, o tipo de suspensão dos eixos motores e antiguidade da primeira matrícula do veículo motor], e bem assim com a taxa anual – categoria IUC C, para veículos a motor de peso bruto igual ou superior a 12.000 Kg, 13.000 a 14.999 Kg e superior a 18.000 Kg, com 2 eixos e suspensão pneumática ou equivalente, de acordo com a tabela do art.º 11.º, também do CIUC”.

“29. Nos períodos de 2019, 2020 e 2021, o valor do IUC constante das liquidações das mesmas viaturas, corresponde à categoria IUC D, tendo-lhes sido aplicada a taxa anual da tabela do art.º 12.º do CIUC, cujo valor é o destinado a veículos articulados e conjuntos de veículos de peso bruto igual ou superior a 35.999 Kg, com 2 + 3 eixos e suspensão pneumática ou equivalente”,

“30. Estando em causa no presente procedimento, a pretensão da Requerente relativa ao valor liquidado em excesso, baseado no incorreto posicionamento da taxa anual aplicada às referidas viaturas, correspondente aos eixos de reboque, os quais deveriam ter sido equiparados a 0 (zero), por estas não poderem ser acopladas, somos a propor o deferimento do peticionado relativo aos anos de 2019, 2020 e 2021, de acordo com o constante no Quadro Resumo supra, uma vez que não se enferma qualquer vício relativamente ao imposto liquidado no período de 2018”.

  1. No segmento intitulado “Da Conclusão e da Decisão”, a UGC propõe que “o pedido formulado nos autos seja integralmente deferido de acordo com o teor do ″Quadro Resumo″ desde logo melhor identificado no introito desta nossa informação, com todas as consequências legais, designadamente no que tange ao preceituado no art.º 163.º do CPA e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art.º 100.º da LGT”.
  2. Em 29 de outubro de 2021, o Chefe da Divisão de Justiça Tributária da UGC proferiu despacho nos seguintes termos: “Concordo com os fundamentos da presente informação [n.º ...-ISCPS2/2021], pelo que determino o deferimento integral do peticionado, com todas as consequências legais, disso se notificando a Requerente para os termos e efeitos do disposto nos Artigos 35.º a 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conforme Parecer infra”.
  3. Através de Ofício da UGC datado de 19 de outubro de 2022 e identificado pelo n.º DJT .../2022, a Requerente foi notificada para exercer, querendo, o direito de audição prévia em relação à proposta de anulação do referido despacho do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da UGC de 29 de outubro de 2021 que havia concedido provimento total ao pedido de revisão oficiosa.
  4. Consta da informação n.º ...-ISCPS2/2022 que sustenta esta proposta de anulação da primeira decisão que a UGC terá, posteriormente, “10. (…) obtido por parte da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto de Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais (DSIMT), esclarecimentos ao nível dos prazos de reação dos sujeitos passivos, perante o ato tributário de liquidação de IUC, nos casos de erro na declaração do número de eixo do veículo, elementos de base declarativa pelo sujeito passivo em que se encontra afastado o pressuposto para efeitos de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, conforme previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT”, 26.º Pelo que “11. (…) por se estar em prazo consoante com o prazo previsto no n.º 2 do art.º 168.º do CPA, [procura-se] fazer uso do mecanismo estabelecido na norma inserta no n.º 2 do art.º 165.º do CPA, no sentido de promover a cessação dos efeitos da anterior decisão”.
  5. Fundamenta a UGC que “13. Face ao regime previsto no art.º 7.º do CIUC e de acordo com instruções esclarecedoras ministradas em 21-09-2022 pela Diretora de Serviços da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto de Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais (DSIMT), na tributação, o número de eixos é um elemento de base declarativa, cabendo ao sujeito passivo a sua indicação aquando da liquidação do imposto. 14. A não indicação do número de eixos implica a utilização da presunção constante do n.º 4, do art.º 7.º, com os subsequentes efeitos ao nível das taxas dos artigos 11.º e 12.º do CIUC a aplicar aos respetivos veículos, nomeadamente, na medida em que o número de eixos dos veículos, não são elementos constantes na base cadastral existente para efeitos de tributação de IUC. 15. Nos termos do n.º 2, do art.º 16.º do CIUC, cabe ao sujeito passivo despoletar o início do procedimento, através do impulso para a liquidação a efetuar através da internet, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas, e, nos prazos previstos no art.º 17.º do mesmo Código”.
  6. Prossegue a UGC que “17. (…) No caso de erro na declaração do número de eixos do veículo, elemento de base declarativa pelo sujeito passivo, inexiste erro imputável aos serviços”, pelo que “18. Se encontra afastado o pressuposto para efeitos de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, conforme previsto na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT”.
  7. A Requerente não apresentou pronúncia.
  8. Por intermédio do ofício n.º DJT .../2022, de 16 de novembro de 2022, foi a Requerente notificada do despacho proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da UGC, que confirmou a anulação da primeira decisão e o indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

III.2 MATÉRIA DE DIREITO

As principais razões de direito apresentadas pela Requerente para sustentar o seu pedido foram as seguintes:

Sem embargo de o sujeito passivo poder espoletar a liquidação do imposto através da área reservada do site Portal das Finanças mediante a seleção das opções aí disponibilizadas pela AT com base nos elementos do cadastro automóvel fornecidos pelas entidades públicas competentes pelo registo de matrículas e pelo registo, conservação e atualização da propriedade dos veículos automóveis13 (IRN, I.P. e IMT, I.P.) e, com isso, gerar um Documento Único de Cobrança (“DUC”), este ato não pode, em caso algum, ser equiparado a uma liquidação e muito menos a uma autoliquidação.

É que “a liquidação compreende a determinação da matéria coletável, a aplicação da taxa do imposto, as restantes operações destinadas ao apuramento da dívida de imposto e [se for efetuada pela AT] a respetiva notificação ao contribuinte”, sendo que na autoliquidação o “sujeito passivo, nas respetivas declarações, aplica a lei ao seu caso concreto, apura a sua matéria coletável e o valor do imposto devido (sendo o caso)”, o que não sucede de todo no âmbito do IUC, onde nem sequer existe declaração própria em que a (auto)liquidação possa ser efetuada pelo sujeito passivo. Nem mesmo de uma liquidação em sentido estrito se pode falar, uma vez que o sujeito passivo se limita a expressar o seu acordo com os elementos previamente disponibilizados pela AT online a partir do cadastro automóvel – e que lhe são fornecidos por outras entidades públicas – para com isso obter um DUC com o valor do IUC a pagar. O sujeito passivo de IUC não tem, assim, qualquer intervenção material e efetiva no apuramento da matéria tributável e do quantum do imposto.

Citando, ainda, jurisprudência arbitral no sentido dos argumentos que aduz, a Requerente conclui que soçobra o argumento da UGC vertido na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de que inexiste erro imputável aos serviços da AT nas liquidações de IUC ao considerarem um número de eixos de reboque superior ao real – isto é, zero – na medida em que este seria um “elemento de base declarativa pelo sujeito passivo”. Por um lado, nenhuma declaração com esta informação – número de eixos do veículo – é entregue pelo sujeito passivo à AT para efeitos de liquidação do IUC; por outro lado, o sujeito passivo não está obrigado, por lei, a apresentar uma declaração com a quantificação da base tributável e da coleta de imposto.

De acordo com o artigo 7.º, n.º 1, alínea c), a base tributável do IUC quanto aos veículos das categorias C e D é constituída pelo peso bruto, o número de eixos, o tipo de suspensão dos eixos motores e a antiguidade da primeira matrícula do veículo. 100.º Caso estes veículos das categorias C e D sejam articulados, constituídos por trator e semirreboque, ou conjuntos formados por veículo automóvel e reboque, cujo peso bruto, excluindo o rebocável, seja igual ou superior a 12 toneladas, na determinação da base tributável do IUC o número de eixos corresponde ao número de eixos do automóvel ou trator somado ao número de eixos do veículo rebocado.

Sendo que “no caso de ao mesmo veículo automóvel ou ao trator virem a ser acoplados, alternadamente, diferentes reboques ou semirreboques, presume-se que ao reboque correspondem dois eixos e que ao semirreboque correspondem dois eixos se o peso bruto máximo, a que se refere a alínea a) do n.º 3, for igual ou inferior a 36 toneladas, e três eixos se aquele peso bruto for superior a 36 toneladas” (cf. artigo 7.º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código do IUC). Embora os veículos dados em locação operacional não fossem articulados, uma vez que pelas suas características não permitiam que fossem acoplados reboques ou semirreboques, pelo menos a totalidade das liquidações de IUC emitidas para os anos de 2019 a 2021 assentou na presunção da existência de três eixos de reboque contida na parte final deste artigo 7.º, n.º 4, do Código do IUC para veículos com peso bruto superior a 36 toneladas.

Esta presunção é ilidível por força da regra geral de direito fiscal contida no artigo 73.º da LGT segundo a qual “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário” (sublinhado nosso), 104.º Presunção que a ora Requerente efetivamente logrou afastar com recurso ao registo fotográfico de cada viatura locada, como atesta a primeira decisão.

Nesta primeira decisão, a AT reconheceu – e bem – que não poderiam ser tidos em conta quaisquer eixos de reboque, mas apenas os dois eixos dos próprios veículos, e que, por isso, fora liquidado e pago IUC em excesso (cf. Doc. n.º 5 ora junto). No entanto, a AT recuou e anulou a primeira decisão com o argumento que “o número de eixos é um elemento de base declarativa, cabendo ao sujeito passivo a sua indicação aquando da liquidação do imposto (…) o número de eixos dos veículos, não são [sic] elementos constantes na base cadastral existente para efeitos de tributação de IUC” (cf. Doc. n.º 1 ora junto). Uma alegação que está em aberta contradição com aquilo que a mesma AT afirmou na primeira decisão na parte em que refere que, após consulta às declarações aduaneiras dos veículos e ao “Detalhe de Característica de Veículo (Veículo Terreste)”, apurou o número de eixos (dois) para concluir que fora liquidado e pago IUC em excesso por terem sido adicionados a estes dois eixos do automóvel outros três do reboque (cf. § 26 e 27 da informação n.º ...-ISCPS2/2021 que faz parte do Doc. n.º 5). 108.º Tendo a AT, num primeiro momento, constatado, a partir de informação contida no cadastro automóvel, que os veículos automóveis tinham somente dois eixos e que, por isso, houve lugar ao acréscimo indevido de três eixos de reboque, conforme a Requerente tinha argumentado e comprovado através de imagens no pedido de revisão oficiosa, não pode alegar, a posteriori, que se trata de um “elemento de base declarativa” a cargo do sujeito passivo para manter intacta uma tributação excessiva.

A Requerente recorda, ainda, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo acerca da definição de erro imputável aos serviços, “a imputação dos erros, aos serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT), é independente, prescinde, da demonstração da culpa dos serviços/agentes, envolvidos na emissão do ato errado. Neste conspecto, o termo ″imputável″ vale, aqui, em primeira linha, com o significado, comum, de ″suscetível de ser imputado; atribuível″, o qual, conformado com a, necessária, compatibilização aos interesses em jogo (no art. 78.º da LGT), quer dizer, erro, no sentido de ilegalidade, não resultante de, provocada por, atribuída a, uma informação/declaração/intervenção do contribuinte ou obrigado tributário”.[1] Atento o facto de o artigo 16.º, n.º 1, do Código do IUC atribuir à AT a competência para a liquidação, acrescentando que o ato se considera praticado, para todos os efeitos legais, no serviço de finanças da área do domicílio do sujeito passivo, e que este último não entrega qualquer declaração àquela com a quantificação da matéria tributável e do imposto, limitando-se a executar online os atos necessários à obtenção do DUC, não há como deixar de imputar o erro aos serviços da AT.

Conclui que:

- As taxas de IUC previstas para veículos articulados e conjuntos de veículos com dois mais três eixos (2+3) consideradas pela AT nas liquidações emitidas à Requerente são superiores às que se encontravam estipuladas para veículos a motor com peso bruto superior a 12.000 kg e dois eixos das categorias C e D em cada um dos períodos de tributação relevantes;

- Como se não bastasse o incorreto enquadramento das viaturas como articuladas, para os veículos automóveis com peso bruto superior a 12.000 kg a AT liquidou o IUC com base na taxa prevista para os veículos articulados e conjuntos de veículos com dois mais três eixos (2+3) da categoria D com peso 30 bruto igual ou superior a 38.000 kg, que era de € 546,00 em 2019 e de € 548,00 em 2020 e 2021, quando a taxa estipulada para veículos da mesma categoria e natureza com peso bruto inferior a 36.000 kg – embora não aplicável devido às características dos veículos – era de € 371,00 em 2019 e de € 372,00 em 2020 e 2021.

Pelas razões atrás desenvolvidas em detalhe, a Requerente tem direito a receber juros indemnizatórios sobre o montante de IUC que efetivamente suportou em excesso entre 2018 e 2021 em resultado de um erro dos serviços da AT, os quais devem ser calculados desde a data do pagamento do imposto até à data de processamento da nota de crédito (cf. artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

Na explanação do seu entendimento acerca da matéria em discussão no presente processo, a AT sustenta o seguinte:

O imposto único de circulação assenta na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel.

O registo automóvel manifesta-se como um elemento crucial em todo o imposto, relacionando-se com o facto gerador, com a conexão fiscal, com o início do período de tributação e bem assim com todos os elementos essenciais e atinentes à liquidação do imposto.

Por seu turno, também no que respeita à constituição dos elementos cadastrais relativos aos veículos, foram efetuados protocolos com as entidades competentes, para a comunicação dos elementos relativos às matrículas, bem como todos aqueles elementos necessários à tributação face ao disposto no n.º 1 do art.º 7.º do CIUC.

Para efeitos tributários, não é atribuída à administração tributária, nos termos da lei, qualquer competência relativamente à gestão das matrículas ou registos de veículos.

É a AT que disponibiliza a plataforma informática constituída, para que se promova a liquidação do IUC, tendo por fundamento os elementos que são fornecidos pelas entidades competentes, no caso dos veículos terrestres, o IMT, I.P. e o IRN.

E são esses elementos que a AT conhece para sustentar as liquidações, não lhe estando atribuída legalmente, qualquer competência para a alteração ou confirmação destes elementos. Tanto assim é que o legislador, tendo consciência que estes elementos podem nem sempre estar devidamente atualizados, preocupou-se, desde a própria reforma da tributação automóvel, em que a base de dados fosse o mais atual possível de acordo com a realidade factual.

Quanto aos elementos relativos aos veículos, o legislador do CIUC acautelou, por um lado, que pudesse existir “erro de identificação ou omissão de veículo tributável na base de dados, que não permita ao sujeito passivo liquidar o imposto através da Internet”, e nesse sentido, determinou que o sujeito passivo pudesse promover a liquidação junto de um serviço de finanças. A par desta possibilidade, foi também aditado o art.º 18.º-A, que, na sua redação atual, acautela a admissibilidade da revisão oficiosa em caso de erro “imputável às entidades competentes para a manutenção, conservação e atualização das matrículas dos veículos a que se refere o artigo 2.º ” e “inexatidões ou erros materiais manifestos, imputáveis às entidades competentes para o registo”.

O enquadramento desta disposição é aqui manifestamente relevante, na medida em que, procede a um alargamento do erro admissível para efeitos de revisão oficiosa do art.º 78.º da LGT. Ou seja, porquanto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT apenas se enquadra o erro imputável aos serviços da administração tributária aquando da promoção da liquidação, em sede de IUC, considerando a sistemática do próprio imposto, e na medida em que a base cadastral não tem fundamento em atribuições da AT, procedeu-se à inclusão do erro imputável às entidades com competência exclusiva para a gestão desses elementos.

No caso dos veículos terrestres, em caso de erro imputável ao IMT, I.P. na determinação dos elementos de natureza objetiva relativamente aos veículos objeto de tributação, poderá ser mobilizado este regime da revisão oficiosa. Porém, no caso em concreto, não se afigura a existência de qualquer erro na liquidação, seja erro da administração tributária, seja erro do IMT, I.P.

O legislador acautelou no n.º 2 do art.º 7.º que “[N]a determinação da base tributável do imposto incidente sobre os veículos das categorias C e D, considera-se equivalente a suspensão pneumática o tipo de suspensão definido no anexo ii da Diretiva 96/53/CE do Conselho, de 25 de julho de 1996, que fixa as dimensões máximas autorizadas no tráfego nacional e internacional e os pesos máximos autorizados no tráfego internacional para certos veículos rodoviários em circulação na Comunidade.”

E ainda no n.º 3, que “[N]a determinação da base tributável do imposto incidente sobre os veículos das categorias C e D que sejam veículos articulados, constituídos por tractor e semireboque, ou conjuntos formados por veículo automóvel e reboque, cujo peso bruto, excluindo o rebocável, seja igual ou superior a 12 toneladas, valem as seguintes regras: a) O peso bruto corresponde ao peso bruto máximo que o automóvel está autorizado a deslocar; b) O número de eixos corresponde ao número de eixos do automóvel ou tractor somado ao número de eixos do veículo rebocado; c) O tipo de suspensão corresponde ao dos eixos motores.”

As taxas previstas nos artigos 12.º e 13.º refletem a aplicação prática destas considerações e resultam na tributação dos veículos conforme a sua realidade fáctica. Daqui decorre que, neste tipo de veículos, a tributação não é efetuada apenas tendo em consideração a base cadastral previamente constituída pelos elementos fornecidos pelo IMT,I.P. Nomeadamente, na medida em que estes não são suficientes face ao determinado pelo legislador, tendo ao invés, sido expressamente densificada. O que desde logo faz determinar que não existe nessa liquidação erro imputável aos serviços da administração tributária, fazendo precludir logo este pressuposto para a mobilização do regime da revisão oficiosa previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT.

Nomeadamente, face ao disposto no n.º 4 daquele mesmo art.º 7.º que determina que “[P]ara efeitos do disposto na alínea b) do número anterior, no caso de ao mesmo veículo automóvel ou ao tractor virem a ser acoplados, alternadamente, diferentes reboques ou semi-reboques, presume-se que ao reboque correspondem dois eixos e que ao semi-reboque correspondem dois eixos se o peso bruto máximo, a que se refere a alínea a) do n.º 3, for igual ou inferior a 36 toneladas, e três eixos se aquele peso bruto for superior a 36 toneladas.”

Daqui decorre que o número de eixos é, na tributação, um elemento de base declarativa, cabendo ao sujeito passivo a sua indicação aquando da liquidação do imposto, nomeadamente, na medida em que, neste tipo de veículos, que integram as categorias C e D, estes podem variar. A não indicação do número de eixos, pelo sujeito passivo quando despoleta a liquidação, determina a aplicação da presunção constante deste mesmo n.º 4 do art.º 7.º, com os subsequentes efeitos ao nível das taxas dos artigos 11.º e 12.º do CIUC a aplicar ao veículo.

Veja-se que o número de eixos do veículo, não é um elemento constante da base cadastral existente para efeitos de tributação de IUC. Razão pela qual não poderá ser entendido que, no caso em apreço se verifique quer o erro imputável aos serviços da administração tributária, quer o erro imputável ao IMT, I.P., e consequentemente, não poderá verificar-se demonstrado o conjunto de pressupostos de que depende a mobilização do regime da revisão ofícios.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, entende a AT que, uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT, não havendo, por isso, direito a juros indemnizatórios por parte da Requerente.

Expostos os argumentários das Partes, cumpre decidir.

Relativamente à invocada exceção de incompetência material do Tribunal, sobre a qual a Requerida discorre nos artigos 66.º e seguintes da sua Resposta importa referir que:

Segundo a apreciação da Requerida, “o objeto imediato que pretende ver constituído como matéria dos autos se prende com o despacho de anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado face às liquidações de IUC dos anos e veículos melhor identificados naquele processo.”

Acrescenta que, “a decisão de deferimento da revisão oficiosa de IUC, com a consequente anulação parcial das liquidações e decisão de restituição do montante parcial, cobrado em excesso, veio a ser objeto de anulação nos termos do Código de Procedimento Administrativo (CPA), porquanto, em tempo, se verificou um incorreto enquadramento da questão controvertida e nessa medida também da decisão proferida”.

E entende ser de sublinhar que “a decisão proferida inicialmente[,] sendo favorável ao sujeito passivo, pelo menos quanto aos anos de 2019, 2020 e 2021, visto que quanto ao 2018 assim não foi, não foi de anulação total dos atos de liquidação, mas sim, de anulação parcial.”

E extrai a consequência que entende ser devida: “Esta afirmação tem particular interesse na presente análise na medida em que se afigura haver algum tipo de equívoco quanto ao sentido da primeira decisão. O deferimento do pedido naquela primeira decisão, não consubstanciou a anulação integral das liquidações de IUC. Com efeito, aquele deferimento entendeu que as mesmas deveriam ser revistas e, por conseguinte, anulado o montante, exclusivamente, pago em excesso.” E “sendo o objeto do pedido de constituição do tribunal arbitral a decisão de anulação do despacho de deferimento da revisão oficiosa, o mesmo não tem aqui enquadramento substantivo.”

Ora, não se afigura que assista qualquer tipo de razão à AT neste conspecto, sendo, aliás, a observação que faz resultante, segundo parece, de uma leitura enviesada da pretensão da Requerente, que indica claramente o que pretende com o presente PPA. E o que pretende a Requerente é a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado em reação às liquidações de IUC aqui em causa. Ora, tal pedido é perfeitamente enquadrável nas competências deste tribunal, como se sintetiza de seguida:

- Constitui jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores em Portugal o entendimento de que “O meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 087/22.5BEAVR, de 9 de novembro de 2022).

- Refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em comentário ao RJAT, que “Embora na alínea a) do n.º 1 deste artigo 2.º apenas se faça referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, atos definidores da quantia a pagar pelo contribuinte, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações (…) Obtida a conclusão que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão de ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo de reclamação administrativa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa”[2].

Não se verificando a exceção invocada pela AT, cumpre, agora, apreciar a argumentação das Partes quanto ao objeto de fundo do processo.

Está em causa, no presente processo, a tributação de IUC quanto aos veículos das categorias C e D. Determina a lei, no caso, o artigo 7.º, n.º 1, alínea c), do CIUC, que a base tributável do imposto quanto àqueles veículos é constituída pelo peso bruto, número de eixos, tipo de suspensão dos eixos motores e antiguidade da primeira matrícula do veículo.

Acrescenta, ainda, o referido artigo 7.º, agora nos números 2 a 4:

“2 - Na determinação da base tributável do imposto incidente sobre os veículos das categorias C e D, considera-se equivalente a suspensão pneumática o tipo de suspensão definido no anexo ii da Diretiva 96/53/CE do Conselho, de 25 de julho de 1996, que fixa as dimensões máximas autorizadas no tráfego nacional e internacional e os pesos máximos autorizados no tráfego internacional para certos veículos rodoviários em circulação na Comunidade.

3 - Na determinação da base tributável do imposto incidente sobre os veículos das categorias C e D que sejam veículos articulados, constituídos por tractor e semi-reboque, ou conjuntos formados por veículo automóvel e reboque, cujo peso bruto, excluindo o rebocável, seja igual ou superior a 12 toneladas, valem as seguintes regras:

a) O peso bruto corresponde ao peso bruto máximo que o automóvel está autorizado a deslocar;

b) O número de eixos corresponde ao número de eixos do automóvel ou tractor somado ao número de eixos do veículo rebocado;

c) O tipo de suspensão corresponde ao dos eixos motores.

4 - Para efeitos do disposto na alínea b) do número anterior, no caso de ao mesmo veículo automóvel ou ao tractor virem a ser acoplados, alternadamente, diferentes reboques ou semi-reboques, presume-se que ao reboque correspondem dois eixos e que ao semi-reboque correspondem dois eixos se o peso bruto máximo, a que se refere a alínea a) do n.º 3, for igual ou inferior a 36 toneladas, e três eixos se aquele peso bruto for superior a 36 toneladas.”

Ora, não obstante os veículos relativamente aos quais foi liquidado o IUC aqui em questão não serem articulados porque as suas caraterísticas o não permitiam, as liquidações de IUC aqui em causa assentaram na presunção da existência de eixos de reboque, o que determinou a liquidação de imposto em montante superior ao que seria devido se tivessem sido tidas em conta as reais caraterísticas dos veículos em causa.

A questão que motiva, em substância, o dissídio entre as Partes é a de saber quem deve suportar o custo implicado na insuficiência da informação existente na base de dados à qual a AT recorreu para calcular o imposto sobre os referidos veículos – insuficiência essa que deu origem ao pagamento de imposto em montante superior ao que teria decorrido da aplicação de informação correta acerca das reais características dos mesmos veículos. Esta é, na essência, a questão que divide a Requerente e a Requerida.

Enquanto a Requerente entende que a AT é a única responsável por ter sido utilizada informação incorreta na liquidação do imposto – e isto independentemente de lhe atribuir culpa subjetiva por esse facto; a Requerida entende que a responsabilidade pela incorreção da informação não procede de factos a que tenha dado azo e que, portanto, não há ‘erro imputável aos serviços’ na aceção do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Em concreto, entende a AT que “o número de eixos é, na tributação, um elemento de base declarativa, cabendo ao sujeito passivo a sua indicação aquando da liquidação do imposto, nomeadamente, na medida em que, neste tipo de veículos, que integram as categorias C e D, estes podem variar”.

Assim, “A NÃO indicação do número de eixos, pelo sujeito passivo quando despoleta a liquidação, determina a aplicação da presunção constante deste mesmo n.º 4 do art.º 7.º, com os subsequentes efeitos ao nível das taxas dos artigos 11.º e 12.º do CIUC a aplicar ao veículo.”

E ainda: “Veja-se que o número de eixos do veículo, não é um elemento constante da base cadastral existente para efeitos de tributação de IUC”, razão pela qual, entende a Requerida, “não poderá ser entendido que, no caso em apreço se verifique quer o erro imputável aos serviços da administração tributária, quer o erro imputável ao IMT, I.P., e consequentemente, não poderá verificar-se demonstrado o conjunto de pressupostos de que depende a mobilização do regime da revisão oficiosa”

A conclusão que retira deste raciocínio é que “a decisão de anulação do despacho proferido em 16-11-2022 no processo de revisão oficiosa apresentado nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT não deve ser objeto de alteração.”

A Requerida aceita, portanto, que a liquidação ocorreu com base numa presunção e que essa presunção podia ter sido elidida pela Requerente, “quando despoleta a liquidação”, se tivesse indicado o número de eixos do veículo ao qual se refere a liquidação. Temos, portanto, que o problema, para a AT, é apenas de oportunidade para a elisão da presunção: aceita que a Requerente pudesse tê-lo feito no momento em que “despoleta a liquidação”, mas não depois.

Contudo, a norma contida no artigo 73.º da LGT prescreve que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”

Conforme pode ler-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul 356/10.7BELRS, de 28.02.2019, “é por demais conhecida a posição que a doutrina e a jurisprudência – nacional, do Tribunal Constitucional, e do Tribunal de Justiça da União Europeia – têm (após uma inicial posição de auto-contenção) em matéria de consagração de presunções inilidíveis em Direito Fiscal. O Tribunal Constitucional, propendendo para a inconstitucionalidade desse tipo de normas e para a inaceitabilidade de presunções inilidíveis no Direito Fiscal, aponta ao legislador fiscal como limite a consagração de presunções ilidíveis com o consequente direito (e ónus) do sujeito passivo de provar a falta de fundamento, no seu caso, da presunção.”

O processo de revisão oficiosa da liquidação, previsto no artigo 78.º da LGT, funciona como uma espécie de válvula de escape do sistema de tributação, existindo para reparar as situações em que, tendo havido um erro na liquidação do imposto, o sujeito passivo já não consegue lançar mão de outros meios para provar a ilegalidade do ato de liquidação. Como tal, é um meio idóneo à prova de que uma determinada presunção não corresponde à realidade, isto é, é um meio idóneo à elisão da presunção.

No caso concreto, foi justamente o que aconteceu: o sujeito passivo suscitou o erro da liquidação do IUC no pedido de revisão oficiosa apresentado em 9 de setembro de 2021 junto da AT.

Como bem recorda a Requerente, o tribunal arbitral constituído pela Conselheira Fernanda Maçãs, pelo Dr. Nunes Barata e pelo Prof. Doutor Fernando Araújo já explicitou, na decisão do processo n.º 258/2017-T, datada de 8 de janeiro de 2018, que “em sede de Imposto Único de Circulação não encontramos uma verdadeira autoliquidação, mas antes uma liquidação administrativa estimulada pelo sujeito passivo. Com efeito, sendo certo que o contribuinte toma parte no processo de liquidação / emissão do DUC, espoletando-o, tal participação não assume o caráter impressivo que se encontra, por exemplo, no âmbito do IRC ou do IVA, não devendo, por isso falar-se em autoliquidação em sentido estrito”, acrescentando-se, em seguida, que “Não est[á] o sujeito passivo, em sede de IUC, obrigado à entrega de uma qualquer declaração de imposto, num determinado prazo legal, como acontece, por exemplo, com o IRC”.

Não havendo momento para essa declaração por parte do sujeito passivo, deve este ver precludida a possibilidade de proceder à elisão da presunção em que se baseou a tributação? Parece-nos evidente que não, pois tal equivaleria, praticamente, à consagração de uma presunção inilidível.

Deve, portanto, admitir-se que o pedido de revisão oficiosa é um meio abstratamente idóneo à realização da prova em contrário quando o ato de liquidação se baseia numa tributação consagrada numa norma de incidência.

Cabe, então, avaliar se, no caso concreto, a Requerente poderia ter lançado mão desse direito nos termos em que o prevê o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, ou se tal lhe estaria vedado por não existir ‘erro imputável aos serviços’.

Quanto a este ponto, importa notar que é entendimento pacífico da jurisprudência do STA que aquele erro engloba o lapso, o erro material ou de facto, assim como o erro de direito, desde que essa errada aplicação da lei não decorra de qualquer informação ou declaração do contribuinte, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afetada pelo erro  (cf. os acórdãos do STA proferidos nos processos 886/14, de 19.11.2014, 407/15, de 04.05.2016, 01019/14, 08.03.2017).

No caso concreto, não houve qualquer informação ou declaração do contribuinte que tenha contribuído para o erro da liquidação, isto é, não é detetável qualquer conduta que possa considerar-se juridicamente negligente que tenha contribuído para a liquidação de imposto indevido. Como já dissemos, o sujeito passivo não tem, no caso do IUC, como noutros casos, a oportunidade de apresentar uma declaração com os elementos em que a AT se baseará para emitir a liquidação. Assim, diremos que a sua participação na liquidação se reduz a espoletá-la, sem que seja possível atribuir-lhe qualquer responsabilidade pela não elisão da presunção legal aplicável, nesse momento.

Como já se referiu na decisão de um outro processo que correu termos perante o CAAD, se a liquidação é feita pela AT com base nos elementos constantes de uma base de dados – e se esses elementos, quer por estarem errados, quer por serem insuficientes para a correta realização da operação de liquidação nos termos em que a lei a impõe, se revelam inconsistentes com a realidade, tal facto não pode deixar de ser, objetivamente, imputável à AT[3].

Quando a AT refere, a páginas tantas da sua Resposta, que

“também no que respeita à constituição dos elementos cadastrais relativos aos veículos, foram efetuados protocolos com as entidades competentes, para a comunicação dos elementos relativos às matriculas, bem como todos aqueles elementos necessários à tributação face ao disposto no n.º 1 do art.º 7.º do CIUC.

(…) no que concerne particularmente aos veículos automóveis terrestres (caso que aqui interessa), a base cadastral de IUC é constituída pelos elementos fornecidos pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT), a quem compete a gestão do registo nacional de matrículas, nos termos do disposto no artigo 30.º do Decreto-Lei 128/2006, de 05/07, (e bem assim pelos elementos fornecidos pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN), que através das suas Conservatórias de Registo Automóvel (CRA), é a entidade competente, em exclusivo, para o registo, conservação e atualização da propriedade dos veículos automóveis (cf. n.º 1 do art.º 3.º do Decreto – Lei n.º 129/2007)).

Esta base de dados de veículos da AT que tem como fundamento e objetivo a liquidação e cobrança de imposto é, pois, um reflexo da opção legislativa de fazer assentar a tributação em sede de IUC no registo e não em cadastro próprio, bem como nos elementos objetivos dos veículos, geridos por entidade própria, de onde podemos desde já concluir que, para efeitos tributários, não é atribuída à administração tributária, nos termos da lei, qualquer competência relativamente à gestão das matrículas ou registos de veículos.

A esta opção do legislador do CIUC teve subjacente a ideia de um imposto simples, mas com um âmbito de aplicação muito grande. Veja-se que os veículos, e por conseguinte, as liquidações de imposto, cifram-se na ordem dos milhões mas a esmagadora maioria delas com um valor reduzido. O legislador teve por isso de criar um sistema que permitisse, com poucos recursos assegurar que se conseguissem promover as liquidações de IUC dentro dos prazos de caducidade e as respetivas cobranças.

Nesse seguimento, determinou-se que a liquidação é efetuada “pelo próprio sujeito passivo através da Internet, nas condições de registo e acesso às declarações eletrónicas”, conforme determina o n.º 2 do art.º 16.º do CIUC. 108. Efetivamente, o n.º1 do mesmo artigo determina que “A competência para a liquidação do imposto é da Autoridade Tributária e Aduaneira, considerando-se, para todos os efeitos legais, o ato tributário praticado no serviço de finanças da residência ou sede do sujeito passivo.”.

Ora, é a AT que disponibiliza a plataforma informática constituída, para que se promova a liquidação do IUC, tendo por fundamento os elementos que são fornecidos pelas entidades competentes, no caso dos veículos terrestres, o IMT, I.P. e o IRN. 110. E são esses elementos que a AT conhece para sustentar as liquidações, não lhe estando atribuída legalmente, qualquer competência para a alteração ou confirmação destes elementos.”

O que está, na verdade, a fazer é alijar a sua responsabilidade objetiva. Na verdade, se o legislador concebeu um sistema de tributação em determinados moldes e não deu à AT os meios necessários para exercer as atribuições que, no âmbito desse sistema de tributação, lhe foram conferidas – então não é sobre o contribuinte que deve ser repercutida essa insuficiência. Note-se que não está aqui em causa a atribuição de uma culpa subjetiva à AT pela incorreção das liquidações em causa no presente processo – pode até compreender-se o argumentário da Requerida no sentido de que não lhe foram disponibilizados meios para liquidar o imposto de outra forma. Mas o ponto é que é à AT que a lei (n.º 1 do artigo 16.º do CIUC) claramente atribui a competência para a liquidação deste imposto, não pedindo ao contribuinte a entrega de uma declaração com os dados dos veículos sobre a qual seja aplicado o algoritmo da liquidação. E esse é o ponto relevante para se estabelecer quem deve suportar o custo da incorreção da liquidação.

Está, portanto, demonstrado o ‘erro imputável aos serviços’ e, consequentemente, verificados os restantes pressupostos, o direito do sujeito passivo a utilizar o pedido de revisão oficiosa previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como, de resto, fez.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, na senda do que já vem sendo decidido por tribunais constituídos junto do CAAD, importa dizer o seguinte:

  1. A obrigação de reconstituição da situação atual hipotética – aquela que se presume que existiria se o(s) ato(s) ilegal(is) não tivesse(m) sido praticado(s) – impende sobre a AT em casos de anulação administrativa, judicial ou arbitral dos atos de liquidação;
  2. Essa obrigação compreende, nos termos do previsto nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º, n.º 1, da LGT, 61.º, n.ºs 2 e 4, do CPPT, ex vi artigos 24.º, n.º 5, e 29.º, n.º 1, do RJAT, não só a restituição da prestação tributária indevidamente paga como também o pagamento de juros indemnizatórios;
  3. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido;
  4. Os juros indemnizatórios devem, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, ser calculados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data de processamento da respetiva nota de crédito;
  5. Em face do que antecede, a Requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios, os quais devem ser calculados pela AT, sendo pagos aquando da restituição do imposto indevidamente pago.
  1. DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Declarar a ilegalidade e determinar a anulação do despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da UGC de 16 de novembro de 2022 que indeferiu o pedido de revisão oficiosa n.º ...2021...;
  2. Declarar a ilegalidade e anulação das liquidações de IUC relativas a 2018, 2019, 2020 e 2021, efetuadas sobre os veículos automóveis identificados no quadro-resumo inserido no ponto 1 da informação n.º ...- ISCPS2/2022 da UGC, de 14 de novembro de 2022, que fundamenta o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa datado de 16 de novembro de 2022, no valor total de € 42.628,00 (quarenta e dois mil seiscentos e vinte e oito euros);
  3. Determinar a restituição à Requerente da prestação tributária indevidamente paga a título de IUC relativo aos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021;
  4. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente sobre a prestação tributária indevidamente liquidada e paga por esta a título de IUC dos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, desde a(s) data(s) de pagamento até à data de processamento da nota de crédito, em que serão incluídos, nos termos legais.
  1.  VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 42.628,00, correspondente ao valor contestado pela Requerente (conforme indicado no PPA e não contestado pela Requerida).

  1. CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 2.142,00, ficando a cargo da Requerida em razão do decaimento.

Notifique-se.

Lisboa, 10 de outubro de 2023

A Árbitra,

 

Raquel Franco

 



[1] Acórdão n.º 0174/19.7BEPDL, de 8 de junho de 2022.

[2] Nuno de Villa-Lobos, Tânia Carvalhais Pereira (coord.), Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª ed. rev. e atualizada, Almedina, 2017, pp. 105, 106 e 107.

[3] Cf. a decisão arbitral datada de 17.07.2020, proferida no âmbito do processo n.º 739/2019-T.