Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 844/2019-T
Data da decisão: 2020-12-17  IRC IVA  
Valor do pedido: € 54.377,51
Tema: IVA – IRC – Forma legal das faturas. Exercício do direito a dedução. Gastos não devidamente documentados.
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SUMÁRIO

1. As faturas devem, obrigatoriamente, conter um conjunto de elementos que permitam identificar os sujeitos passivos envolvidos, a natureza da operação realizada, a data da sua realização, o valor tributável, a taxa aplicável e o IVA devido.

2. As faturas que contenham os todos os elementos previstos no artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA consideram-se passadas na forma legal para efeitos do exercício do direito à dedução.

3. O princípio fundamental da neutralidade do IVA implica que a dedução tenha lugar ainda que o sujeito passivo possua uma fatura que não cumpre todas as exigências legais desde que faculte à administração tributária todas as informações necessárias para comprovação dos requisitos materiais do exercício do direito a dedução.

4. Dos princípios constitucionais da tributação pelo lucro real das empresas e da capacidade contributiva decorre que a dedutibilidade de gastos efetivamente suportados para efeitos de determinação do lucro tributável da empresa pode ser objeto de prova através de elementos que, complementando a fatura que não contenha todos os elementos exigidos pelo artigo 23.º, n.º 4, do Código do IRC, comprovem a materialidade das operações.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. A..., LD.ª, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... ..., ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 09-12-2019, visa a declaração de ilegalidade de atos de liquidação oficiosa de IRC, do exercício de 2015, e de IVA, relativos a diversos períodos do mesmo ano, bem como os respetivos juros compensatórios, todos eles operados com base em correções fiscais decorrentes de alegadas irregularidades apuradas em ação inspetiva. As correções em causa respeitam ao exercício do direito à dedução de IVA e à contabilização de gastos com base em faturas que, segundo a AT, terão sido emitidas sem observância da forma legal exigível. Como consequência da declaração de ilegalidade daqueles atos é requerida a sua anulação, com o consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

5.Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as Partes.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 02-03-2020.

 

8. Oportunamente notificada, a Requerida veio apresentar a sua resposta ao pedido de constituição do tribunal arbitral, pronunciando-se no sentido da manutenção na ordem jurídica dos atos impugnados.

 

9. O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

10. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

11. Por despacho de 21-09-2010, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, foi determinada a prorrogação do prazo para decisão por dois meses em virtude de se ter constatado a necessidade de conhecimento de mais prova documental a solicitar à Requerida. As Partes foram notificadas desta decisão.

 

12. Pelo mesmo despacho foi, ainda, determinada a notificação da Requerida que, para cabal instrução da presente arbitragem, juntasse ao processo administrativo nota demonstrativa das liquidações efetuadas com base no Relatório de Inspeção (RIT) oportunamente remetido ao tribunal, bem como das correspondentes notificações ao sujeito passivo.

 

13. Em 04-11-2020 a Requerida juntou ao processo administrativo os elementos solicitados.

 

14. Por despacho de 08-11-2020, foi decidido notificar a Requerente para, no prazo de 5 dias, esclarecer a divergência na identificação das liquidações de IVA que impugna e as que decorrem dos elementos que constam do RIT e do que vem informado pela AT. Pelo mesmo despacho foi decidido notificar a Requerente para fazer prova do pagamento do IRC a que se refere a liquidação impugnada.

 

15.Juntando comprovativo do pagamento efetuado em 11-11-2019, do IRC apurado na liquidação adicional ora impugnada, a Requerente vem esclarecer que as liquidações de IVA que impugna são as que decorrem dos elementos apurados em ação inspetiva embora das mesmas apenas ter resultado imposto a pagar no período de dezembro de 2017 por, nos períodos intermédios, o sujeito passivo se encontrar em situação de crédito de imposto.

 

16. Considerando a necessidade de esclarecer divergências diversas relativamente à prova apresentada pelo Requerente e de obter informação mais precisa por parte da Requerida e, consequentemente, carecer o tribunal de mais tempo para poder decidir com certeza e segurança, foi, por despacho de 04-12-2020, prorrogado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, 2, do RJAT, por mais trinta dias, o prazo para a emissão e notificação da decisão arbitral.

 

17. O processo não enferma de vícios que o invalidem. Não foram proferidas alegações orais por desnecessárias, não se conhecem nulidades e não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se, assim, reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

18. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais que integram o presente processo, que se julga suficiente, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a junção de alegações e audição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

II. Cumulação de pedidos

 

19. Considerando que os atos de liquidação em causa, relativos embora a tributação do rendimento – IRC - e da despesa – IVA - respeitam ambos a tributos com a natureza de impostos, têm por base os mesmos fundamentos de facto e idêntica fundamentação de direito, a Requerente, invocando o princípio da economia processual, optou por pedir a sua apreciação conjunta.

 

20. Verificada a identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à pretendida cumulação de pedidos, como, aliás, constitui jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores.

 

III. Matéria de facto

 

21. O presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação oficiosa de IRC e de IVA decorrentes de correções fiscais respeitantes, respetivamente, a encargos não devidamente documentados e a deduções suportadas por faturas emitidas sem forma legal.

 

22.Com relevância para a apreciação do pedido e com base nos documentos que integram o presente processo, designadamente o processo administrativo, destacam-se os seguintes elementos factuais:

 

22.1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do respetivo Código, que iniciou a sua atividade em 08-01-2003, encontrando-se inscrita no registo de contribuintes com o CAE 01130 “Cultura de Produtos Hortícolas, Raízes e Tubérculos”, tendo sido verificado, no âmbito do procedimento inspetivo, que a principal atividade que exerce é a plantação, cultura e apanha de produtos hortícolas, nomeadamente melão, melancia, abóbora e bróculo.

 

22.2. Em sede de IRC, a Requerente, encontra-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável, com período de tributação coincidente com o ano civil, e, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, cumprindo as inerentes obrigações declarativas.

 

22.3. A Requerente foi destinatária de uma ação inspetiva externa, de âmbito geral, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016..., de 17-02-2016, referente ao (s) período (s) de tributação de 2015.

 

22.4. No âmbito do referido procedimento de inspeção foram propostas correções técnicas, com incidência em sede de IVA e de IRC, que, após exercício do direito de audição sobre o projeto de relatório, vieram a ser acolhidas por despacho do diretor de Finanças de ..., de 26-07-2019, notificado à Requerente através do ofício n.º..., da mesma data.

 

22.5. A extensão e fundamentação dos atos tributários ora impugnados vêm expressos no respetivo relatório de inspeção, nos termos a seguir referidos.

 

Em sede de IVA

 

22.6. Relativamente a este imposto, as correções técnicas que se encontram na base das liquidações impugnadas respeitam a IVA deduzido indevidamente em faturas passadas sem forma legal.

 

22.7. Segundo o referido Relatório, “Foi contabilizado a débito na conta 2432311 “IVA Ded. Outros Bens e Serviços/Tx reduzida”, o IVA no valor de € 10 375,65, contido em faturas que titulam aquisições de serviços, emitidas pelo sujeito passivo “B... Unipessoal Ld.ª,” NIF..., identificadas no quadro seguinte:

 

 

22.8. A dedução do IVA contido nas faturas identificadas no quadro que antecede, no montante de € 10 373,75, segundo do referido relatório “infringe o disposto nos artigos 19.º, n.º 2, alínea a) e n.º 6, em conjugação com o artigo 36.º, n.º 5, alíneas b) e f), ambos do Código do IVA, uma vez que as referidas faturas, relacionadas no quadro anterior, não contêm a discriminação dos serviços agrícolas prestados, qual o seu âmbito e a sua extensão temporal. Com efeito, nas faturas apenas consta o descritivo “prestação se serviços agrícolas” e o número de horas, não se discrimina, ou seja, não se refere se os mesmos respeitam, a título exemplificativo, a “operações de sementeira de …”, “operações de plantio de…”, “operações de colheita de …”, “operações debulha de…”, “serviço de locação de máquinas ou de equipamentos” ou “serviços de cedência de mão-de-obra”. Sendo a discriminação do serviço agrícola prestado de relevância fundamental para efeitos da sujeição à respectiva taxa do IVA já que, consoante o tipo de operação, poderão estar em causa operações previstas, para efeitos de liquidação do IVA, na verba 4.2 da Lista I anexa ao Código do IVA ou então serem as operações tributadas à taxa normal de acordo com a alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 18.º da citada disposição legal (23% no território do Continente) por falta de enquadramento em qualquer uma das verbas das listas anexas ao Código do IVA, caso dos serviços de cedência de mão-de-obra.”

 

22.9. Fundamentando as correções que propõe, prossegue-se no referido relatório: “Os elementos obrigatórios nas faturas servem para o controlo formal da fatura pelo sujeito passivo que a recebe, e para permitir a sua fiscalização pela AT, bem como do controlo do sujeito passivo que a emite, o que no presente caso fica prejudicado, na medida em que a falta de especificação dos “serviços agrícolas” obsta ao conhecimento da taxa aplicável aos “serviços agrícolas” prestados.

De igual forma, as faturas que quantificam o número de horas da “Prestação de serviços agrícolas”, mas que é omissa em relação à extensão temporal a que se referem as horas de “prestação de serviços agrícolas” (diário, semanal, mensal ou outro) não permitem à AT o eficaz controlo da operação realizada, ficando incumprida a exigência de colocação da data na fatura, nos termos previstos na alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA. As faturas que não referem o período temporal a que respeitam as horas dos “serviços agrícolas” (diário, mensal, semanal ou outro), e que têm aposta a menção “Os bens/serviços facturados foram postos à disposição do adquirente na data acima indicada (Art. 35.º do CIVA. nº5 alínea f), levam a concluir que os serviços foram realizados e faturados na data de emissão das mesmas, o que não se concebe. O número de horas faturado varia entre um máximo de 3.904 horas no dia 13-07- realizadas seria de 55. As faturas emitidas, cujo número de horas se discriminam no quadro seguinte, não indicam o período temporal a que as horas faturadas se reportam:

 

22.10. Neste sentido, prossegue o Relatório de Inspeção, “A alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA obriga à colocação da data em que os serviços foram disponibilizados ao cliente quando esta não coincide com a data da emissão da fatura, referindo o período de tempo a que essas horas respeitam, por forma a permitir à AT o seu controlo, tanto para efeitos de aferir sobre a legitimidade da dedução imposto nelas contido como do próprio gasto que titulam.

O direito à dedução do IVA não pode ser exercido sem que se verifiquem os pressupostos, sem que o documento que titula a dedução – a(s) fatura(s) -respeite os requisitos legalmente previstos, constituindo exigência dos formalismos um requisito do direito à dedução do IVA. Esses requisitos são passíveis de substituição por prova de carácter documental desde que este seja objeto de discriminação na própria fatura, o que não se verifica na situação em apreço.”

 

22.11. Relativamente ao IVA e à correção proposta, conclui o Relatório em análise: “ A dedução do IVA, no montante de € 10 375,65, contido na faturas emitidas pelo sujeito passivo “B..., Ld.ª”, NIF..., infringe o dispostos no artigos 19.º, n.º 2, alínea a) e n.º 6, em conjugação com o artigo 36.º, n.º 5, alíneas b) e f), ambos do Código do IVA, uma vez que as faturas emitidas não discriminam os “serviços agrícolas” nem indicam o período em que os mesmos foram realizados.”

 

22.12. Relativamente ao imposto que considera indevidamente deduzido, as correções propostas distribuem-se pelos períodos mensais de julho a dezembro de 2015, conforme consta do quadro seguinte.

 

22.13. Na sequência do exposto, foram promovidas liquidações corretivas, ao abrigo do artigo 87.º do Código do IVA, por remissão do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11/09.

 

22.14. As referidas correções refletiram-se no excesso de valor a reportar existente na conta corrente de IVA do sujeito passivo, repercutindo-se para os períodos de imposto seguintes, sem, contudo, produzirem quaisquer efeitos sobre o valor de reembolso pedido, conforme se extrai das respetivas notificações juntas pela Requerida na sequência de pedido efetuado pelo tribunal.

 

22.15. Conforme decorre das referidas notificações e relatório de inspeção em que as liquidações se fundamentam, foram efetuadas as seguintes correções, para menos, ao valor de IVA favorável ao sujeito passivo, a reportar para os períodos seguintes:

Período de imposto        Liquidação          Valor da correção

2015 – 07            ...            € 3 360,90

2015 – 08            A AT n/forneceu              € 2 017,20

2015 – 09            ...            € 2 757,17

2015 – 10            ...            € 1 646,55

2015 - 11             ...            € 761,53

2015 - 12             ...            €  96,00

TOTAL                  € 10 639,35

 

22.16. Embora o Requerente identifique outras liquidações de IVA não coincidentes com as acima referidas por, conforme esclarece, ter considerado apenas seu efeito sobre o imposto a pagar no período de dezembro de 2017, considera o tribunal tratar-se de lapso manifesto, devendo considerar-se como abrangidas pela petição as que constam do ponto anterior.

 

Em sede de IRC

 

22.17. De acordo com o Relatório da Inspeção, foi contabilizado a débito na conta 62211114 “Serviços especializados/trabalhos especializados/ aquisições no território nacional/com IVA dedutível/taxa reduzida/trabalho temporário” gastos no valor global de € 172.927,50, com base nas faturas emitidas pelo sujeito passivo “B..., Unipessoal, Ldª” que titulam as aquisições de serviços referidas nos pontos anteriores.

 

22.18. Todavia, no mesmo Relatório se expressa entendimento no sentido de não poderem aqueles gastos ser considerados dedutíveis para efeitos fiscais porquanto as faturas em causa “não contêm a denominação usual dos serviços prestados, já que se afigura insuficiente a designação de “serviços agrícolas”, bem como a data em que os serviços foram realizados, uma vez que as faturas não indicam o período a que a mesma respeita. De igual forma as faturas que quantificam o número de horas da “Prestação de serviços agrícolas”, mas que é omissa em relação à extensão temporal a que se referem as horas de “prestação de serviços agrícolas” (diário, semanal, mensal ou outro), não permitem à AT o eficaz controlo da operação realizada. Assim, uma vez que os gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição dos “serviços agrícolas” não contém a demonização usual dos serviços prestados nem a data em que os serviços foram realizados, nos termos a que obrigam as alíneas c) e e) do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (sic), os mesmos são considerados não dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 23.º-A do Código do IRC.

 

22.19. Das correções propostas, no montante de € 172.927,50 resultou que o lucro tributável da Requerente, relativo ao período de tributação de 2015, se elevou do valor declarado de € 63.811,80 para € 236 739,30, originando uma liquidação adicional de € 43 827,36 (Doc.1)

 

22.20. O imposto liquidado adicionalmente foi pago em 11-11-2019, conforme documento comprovativo junto aos autos.

 

23. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

IV. Matéria de direito

 

24. As liquidações impugnadas respeitando embora a tributos diferentes – IVA e IRC – têm por base todas elas os mesmos factos e suportam-se na mesma fundamentação de direito: o entendimento expresso pela AT de que as faturas que não contenham todas as exigências formais não podem constituir suporte da dedução do IVA nelas mencionado nem, em sede de IRC, suportar a dedução de gastos.

 

Do direito à dedução do IVA

 

25. As correções efetuadas em sede de IVA correspondem, com se referiu, a faturas de aquisições de serviços, emitidas pelo sujeito passivo “B..., Unipessoal, Ld,ª”, que, segundo a AT, não preenchem os requisitos legais. No essencial, conforme consta do Relatório de Inspeção que fundamenta as referidas correções, encontra-se o facto das mesmas constar o descritivo “prestação de serviços agrícolas”, sem que, concretamente, seja especificado o exato tipo de serviço prestado (sementeira, colheita, etc.).

 

26. Em sede de IVA, vem a Requerente impugnar as liquidações decorrentes das referidas correções, alegando que as mesmas carecem de apoio legal, nos seguintes termos:

“15. A impugnante tem como objeto social a cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos.

16. Tem como principal atividade a plantação, cultura e apanha de produtos hortícolas, nomeadamente melão e bróculo.

17. Por não dispor de mão-de-obra suficiente nos seus quadros, o sujeito passivo contratou os serviços da empresa B... Unipessoal Ld.ª cuja atividade é a prestação de serviços para a agricultura.

18. No âmbito desta atividade, a sociedade B... Unip. Ldª, prestou-lhe os serviços agrícolas de plantação, cultura e apanha de produtos hortícolas, nomeadamente, melão, abóbora e bróculo nas propriedades denominadas “...”, “...”, “...”, “...!, “...”, sitas em ..., e em..., correspondentes às faturas 7,8,9,10,11,12,13,14,19,20,21,22,23,24,25,26,37,38,29,40 e 41, 69,70,71 (Doc.2) nas datas mencionadas nas listagens referentes a folhas de horas de cada trabalhador da empresa prestadora dos serviços (que se juntam como cod.3) e que já foram juntas em sede de direito de audição no âmbito do RIT, que correspondem aos números de horas referidas nas faturas.

19. Conforme se pode constatar as faturas identificam a prestação de serviços agrícolas, o local da sua prestação e o número de horas por local.

20. E as listagens juntas em sede do direito de audição no procedimento inspetivo referentes a cada fatura, discriminam os serviços por propriedade, por trabalhador, por data e por dia/hora.

21. Como se pode verificar pelas listagens, a data das faturas corresponde sempre ao serviço realizado na semana anterior (com exceção da fatura n.º 7 que se reporta ao trabalho da penúltima semana, por ter sido passada na mesma data da fatura n.º 8 que corresponde ao serviço realizado na semana anterior).

22. Verifica-se do número de horas de cada fatura e da listagem de folha de horas, que o perfil da intensidade da prestação de serviços para os dois locais onde os mesmos foram prestados – ... e ...- atinge o seu máximo entre Julho e Agosto, sendo decrescente a partir desse período.

23. Tal perfil corresponde à normal atividade da empresa e ao volume de trabalho de campo, o que vulgarmente se designa por campanha referente à principal atividade do sujeito passivo, ou seja, a cultura de melão, melancia, abóbora e bróculo.

24.Estas faturas foram pagas através de transferência bancária (Doc.4).”

...

31. Estes factos são explicativos do tipo de serviços prestados, não sendo curial que a AT os não conteste mas simultaneamente deles não retire qualquer ilação já que os mesmos são, segundo as regras da experiência, indiciariamente demonstrativos das alegações do sujeito passivo referentes aos serviços em concreto prestados.

32. E se dúvidas a AT tivesse sobre os requisitos materiais do direito a dedução e da verdade dos factos à luz do princípio da verdade material consagrado no art.6.º do RCPIT e do princípio do inquisitório que enforma o procedimento tributário, consagrado no art. 58.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) deveria ouvir as testemunhas arroladas pelo sujeito passivo no direito de audição em que este para além de identificar cada testemunha, especifica em concreto, qual a razão de ciência de cada qual relativamente aos factos, através da indicação que é feita das respectivas funções desempenhadas.

33. Por outro lado, no projeto de RIT a AT alegou que a descrição dos serviços na faturas seria suscetível de criar a dúvida sobre se se trataria de “prestação de serviços agrícolas” ou “cedência temporária de mão de obra”, mas sobre a alegação do sujeito passivo de que “a cedência temporária de mão de obra, a qual é uma actividade que nenhuma ligação tem com a prestação de serviços agrícolas, pelo menos directamente, o que se outras razões não houvessem, afastaria a possibilidade de a “prestação de serviços agrícolas” referida nas facturas respeitar a cedência de mão de obra” a AT nada diz, deduzindo-se a aceitação implícita na asserção do sujeito passivo, mas, mais uma vez, não a valorando, continuando, apesar do aparente abandono do argumento anteriormente apresentado, a insistir na tese de que a falta de especificação dos serviços agrícolas impede, em, rigor, o conhecimento da taxa aplicável.

34. Ademais, mais uma vez a AT, não se pronuncia sobre o acertado argumento do sujeito passivo no sentido de que: “É a própria lei que, ao referir que os serviços prestados devem ser identificados na factura de acordo com a sua denominação usual, mas remete para um conceito genérico, pois de outra forma não se pode qualificar a expressão “denominação usual.”

(...) Se esta pretendesse que se identificasse em concreto cada um dos serviços prestados, não falaria decerto em de nominação usual, mas sim em “denominação específica” ou “identificação concreta” ou outra semelhante, mas com o traço comum de ser um conceito concreto e individualizado e não um conceito genérico, como é o caso.”

35. Aliás, com a sua posição a AT faz uma exigência que não consta da letra da leu, nem do seu espírito e que não tem qualquer utilidade para o conhecimento da taxa aplicável que, como referido, é uma única para todos os serviços agrícolas.

36. É importante sublinhar que todos os serviços efetuados no âmbito das actividades de produção agrícola previstas no número 5 da lista I anexa ao CIVA, e todo os serviços normalmente utilizados no âmbito das actividades de produção agrícola previstos na verba 4, estão sujeitos a taxa reduzida.

37. Independentemente da questão de saber o que poderá distinguir os serviços agrícolas previstos na verba 4 dos serviços agrícolas previstos na verba 5, tal questão perde relevância na medida em que todos os serviços agrícolas estão sujeitos a esta tabela, uma vez que inexistem serviços agrícolas não enquadráveis em qualquer destas verbas.

 

27. Invocando a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no sentido de que o direito europeu se opõe a que sejam exigidas obrigações formais para o direito à dedução que não constem da diretiva IVA, conclui a Requerente ser “manifesto o erro da AT, ao tentar justificar a impossibilidade de determinar a taxa de imposto aplicável, em função dum alegado défice de especificação concreta dos serviços agrícolas prestados que, manifestamente não ocorrem tendo sido claramente indicada a “denominação usual” dos serviços prestados que, no caso, são suficientes para determinação da taxa aplicável e que é – repete-se – a mesma para todos os serviços agrícolas.”

 

28. Sobre o alegado pelo Requerente, a Requerida pronuncia-se no sentido de dever concluir-se pela improcedência do presente pedido, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados.

 

29. A Requerida alicerça a sua posição na fundamentação que nas suas linhas gerais, consta do RIT, argumentando, com referência à insusceptibilidade de as faturas em causa constituírem suporte documental da dedução de gastos fiscais em sede de IRC e de dedução do imposto nelas mencionado, em sede de IVA, que:

“21. No caso vertente entende-se que as faturas controvertidas foram devidamente afastadas da dedutibilidade de IRC com o fundamento de que o emitente das faturas não deu cumprimento ao estabelecido nas alíneas c) e e) do n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, não podendo ser fiscalmente aceites, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.

Com efeito:

22. A designação de "prestação de serviços agrícolas" no descritivo das faturas revela-se insuficiente porque não contem a discriminação dos serviços agrícolas prestados (por exemplo "operações de sementeira de...", "operações de plantio de ..., operações de colheita de ... ", "operações de debulha de ... ", serviço de locação de máquinas ou de equipamentos ...", ou "cedência de mão de obra ...". Ou seja, as faturas não evidenciam o tipo de serviços agrícolas que foi prestado.

23. De igual forma, as faturas nada referem em relação a extensão temporal a que se referem os serviços em causa (diário, semanal, mensal ou outro), nos termos da al. f) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA e não permitem um controlo eficaz por parte da AT relativamente a cada operação realizada, ao contrário do que refere a requerente.

24. Não colhe o argumento apresentado pela requerente de que forneceu elementos novos no exercício do direito de audição e que os mesmos não foram tidos em conta, uma vez que tal afirmação não corresponde à realidade.

25. Os SIT justificaram devidamente a razão pela qual os documentos apresentados (listagens que identificam um conjunto vasto de indivíduos e horas associadas a cada um deles), não serviram para alterar o sentido da decisão tomada no projeto de decisão conforme se pode observar pela leitura do RIT e que resumidamente se passa a mencionar: “A referência ao documento (listagem) deveria constar na própria "fatura" e fazer parte integrante da mesma, por forma a evitar que a mesma listagem conste noutra fatura e assim provocar uma duplicação da dedução e gasto. Os documentos apresentados em direito de audição, não são apropriados pois representam meras listagens, de cariz administrativo, que verdadeiramente não identificam o conjunto vasto de indivíduos que constam na lista e horas associadas a cada um deles, pois nem sequer é indicado o respetivo número de identificação fiscal (NIF).

Essas listagens deviam ter a característica de "folhas de presença" assinadas por cada um dos trabalhadores nelas mencionadas, com o respetivo NIF, carimbados e assinados/rubricados pela entidade prestadora dos serviços, para permitir à AT o eficaz controlo da operação realizada, que é o pretendido com o formalismo legal imposto na "fatura".

26. No caso concreto desconhece-se quem elaborou as listagens e em que data (não há referência a qualquer entidade ou data). 27. Estes documentos teriam ser necessariamente elaborados pela entidade que emitiu a fatura e serem contemporâneos da mesma, para que dela fizessem parte integrante, e assim se poder aceitar que as faturas cumprem com os requisitos formais exigidos.

28. A exigência das várias formalidades nas faturas que suportam as transmissões de bens e prestações de serviços, previstas no art.º 36.º do CIVA, têm como objetivo atestar a existência dos fatos tributários que titulam e evitar a fuga e evasão fiscais.

29. No caso concreto foi referenciado no RIT que as faltas apontadas na faturas não permitiam um controlo eficaz por parte da SIT. Por esse facto não foi possível atestar da efetividade das operações em causa.

 

30. Citando jurisprudência no sentido por ela propugnado, conclui a Requerida estar a sua posição devidamente enquadrada na lei, “33. Ou seja, nas palavras usadas no acórdão citado deste TCA Sul, de 19/05/2005, "A lei estabeleceu, determinadas exigências relativas à emissão de facturas com o objectivo claro de evitar a fuga e evasão fiscais e daí ter estabelecido requisitos vários e pormenorizados quanto ao preenchimento das facturas que devem ser cumpridos pelos operadores económicos sob pena de não ser possível a dedução do IVA liquidado em tais documentos. Desta forma se acautela o interesse da Fazenda Pública e se previne a fraude fiscal".”

 

31. Expostas, em linhas gerais e largamente transcritas, as posições das Partes podem ser assim sintetizadas:

- A Requerente entende que as faturas em causa não suscitam quaisquer dúvidas tanto no que respeita à taxa aplicável como à natureza empresarial das prestações de serviços e da sua utilização para a realização de operações tributáveis. Alega, ainda, que a AT ignorou toda a informação adicional que, em sede de audição prévia, lhe foi apresentada, limitando-se à mera análise da descrição das faturas;

- Por seu lado, a Requerida (AT) sustenta o entendimento de que as faturas limitando-se a uma descrição genérica de "prestação de serviços agrícolas" e nada referindo em relação à extensão temporal do serviço prestado, não podem constituir suporte do direito a dedução do IVA nelas mencionado por violarem o disposto no artigo 36.º, n.º 5, alíneas b) e f), do Código do IVA, que exige a indicação da denominação usual dos serviços prestados e a indicação da data em que foram realizados.

 

32. No segmento do pedido relativo ao IVA, está, assim, em causa, a recusa do reconhecimento do direito à dedução do IVA mencionado em faturas emitidas sem que, no entendimento da Requerida, se mostre integralmente observado o formalismo legal a que estão sujeitas.

 

33. Com efeito, o direito à dedução do IVA relativo às operações internas – transmissões de bens e prestações de serviços – encontra-se, no plano formal, condicionado à posse, pelo sujeito passivo, de uma fatura, emitida nos termos legais, conforme prevê o artigo 19.º, n.º 2, alínea a), do Código do IVA. Esclarece o n.º 6, do mesmo artigo, que, “Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.”

 

34. Com relevância para o caso em análise, relevam as normas do artigo 36.º, n.º 2, alíneas b) e f). que, no tocante aos elementos que devem obrigatoriamente constar da fatura, referem “a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável” e “data  em que os serviços foram realizados”.

 

35. Os citados preceitos constituem transposição para o direito interno do artigo 178.º, alínea a), e 226.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, relativa ao sistema comum do IVA – Diretiva IVA. O primeiro dos referidos preceitos prevê que, para exercer o direito à dedução relativamente às transmissões de bens e prestações de serviços que utilize nas suas atividades tributadas, o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida nos termos das normas da diretiva para que expressamente remete. Destas, releva o artigo 226.º que elenca, de forma exaustiva, os elementos que obrigatoriamente devem constar das faturas. Destes, com relevância para o caso em análise, destacam-se os referidos nos seus números 6) e 7), que determinam que a fatura deve mencionar “6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados; e 7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços.”

 

36. Porém, a relevância do formalismo legal da fatura para efeitos do direito à dedução não pode ser dissociada dos requisitos materiais desse direito.

 

37. Importa, pois, ter-se presente, desde logo, que o direito à dedução configura-se como elemento estruturante do sistema comum do IVA.

 

38. Com efeito, instituído pelas Diretivas do Conselho n.ºs 67/227/CEE, de 14-04-1967 e 77/388/CEE, de 17-05-1977 e presentemente vertido na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2016, o sistema comum do IVA “consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.” De acordo com as citadas diretivas comunitárias, o imposto exigível aos operadores económicos - sujeitos passivos do IVA – é determinado através do designado método indireto subtrativo, pela seguinte forma: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”

 

39. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o direito à dedução “constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado”

 

40. Resulta do artigo 167.º da Diretiva IVA – a que no direito interno corresponde o artigo 22.º, n.º 1, do Código do IVA – que o direito à dedução se constitui no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, estabelecendo o artigo 168.º, alínea a), da mesma Diretiva, relativamente às operações internas, que o sujeito passivo tem o direito a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes de imposto suportados na aquisição de bens e serviços, desde que uns e outros sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas. A este preceito correspondem os artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.

 

41. Estes princípios, fundamentais no sistema comum do IVA, têm vindo a ser desenvolvidos na jurisprudência do TJUE, destacando-se, por aplicável ao caso em análise, o acórdão de 15-09-2016, proferido no Proc. C-516/14, Barlis.

 

42. Neste acórdão, o Tribunal observa, a título preliminar, que “25 ... há que recordar que o artigo 226.° da Diretiva 2006/112 precisa que, sem prejuízo das disposições específicas previstas nesta diretiva, só as menções citadas nesse artigo devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto no artigo 220.° da referida diretiva. Daqui decorre que não é legítimo aos Estados-Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das faturas que não estão expressamente previstos nas disposições da Diretiva 2006/112 (v., neste sentido, acórdão de 15 de julho de 2010, PannonGép Centrum, C-368/09, EU:C:2010:441, n.os 40 e 41).

26 Em primeiro lugar, o artigo 226.°, n.° 6, da Diretiva 2006/112 exige que a fatura contenha a menção da extensão e natureza dos serviços prestados. A redação desta disposição indica assim que é obrigatório especificar a extensão e natureza dos serviços prestados, sem contudo precisar que é necessário descrever os serviços específicos prestados de forma exaustiva.

27 Como observou a advogada-geral nos n.º 30, 32 e 46 das suas conclusões, a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. É, portanto, à luz desta finalidade que importa analisar se faturas como as que estão em causa no processo principal respeitam as exigências do artigo 226.°, n.° 6, da Diretiva 2006/112.”

...

29 Em segundo lugar, o artigo 226.°, n.° 7, da Diretiva 2006/112 exige que a fatura contenha a data em que foi efetuada, ou concluída, a prestação de serviços.

30 Esta exigência também deve ser interpretada à luz da finalidade prosseguida pela imposição de menções obrigatórias na fatura, conforme previstas no artigo 226.° da Diretiva 2006/112, que é, como foi recordado no n.° 27 do presente acórdão, permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. Para este efeito, a data da prestação dos serviços objeto da referida fatura permite controlar quando ocorreu o facto gerador do imposto e, portanto, determinar as disposições fiscais que devem, de um ponto de vista temporal, aplicar-se à operação a que respeita o documento.

 

43. Sobre as consequências de uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.º 6 e 7, da Diretiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução do IVA, o Tribunal, depois de salientar a relevância do direito à dedução no plano substantivo, tece as seguintes considerações:

“41 No que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que o seu exercício está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226.° desta diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de março de 2012, KopalniaOdkrywkowaPolskiTrawertyn P. Granatowicz, M. Wasiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.° 41, e de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C-277/14, EU:C:2015:719, n.°29).

42 O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, NideraHandelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, KopalniaOdkrywkowaPolskiTrawertyn P. Granatowicz, M. Wasiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida).

 43 Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

44 A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitar-se ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.

 45 No processo principal, cabe assim ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta todas as informações constantes das faturas em causa e dos documentos anexos apresentados pela Barlis com vista a verificar se os requisitos substantivos do seu direito a dedução do IVA se encontram satisfeitos.

46 Neste contexto, há que sublinhar, em primeiro lugar, que é ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Evita-K, C-78/12, EU:C:2013:486, n.° 37). As autoridades fiscais podem assim exigir ao próprio contribuinte as provas que considerem necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2007, TwohInternational, C-184/05, EU:C:2007:550, n.° 35).

49 Decorre das considerações precedentes que há que responder à segunda parte da questão submetida que o artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.º 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.”

 

44. Salienta-se, ainda, que a mais recente jurisprudência dos Tribunais Superiores se vem orientando no sentido da interpretação preconizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, reafirmando que o princípio fundamental da neutralidade do IVA implica que a dedução tenha lugar se as exigências materiais forem observadas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais (Cfr. TCAS, acórdãos de 21.5.2020, Proc. 439/09.6BESNT; de 25.6.2020, Proc. 309/13.3BELRA; e de 19.11.2020, Proc. 208/04.0BESNT)

 

45. Revertendo ao caso em análise suscitam-se dúvidas sobre se a denominação usual dos serviços prestados exigida pela norma do artigo 36.º, n.º 5, do CIVA, se basta, para efeitos da dedução do IVA com a descrição de “prestação de serviços agrícolas” ou se a norma exige uma descrição mais específica, como pretende a AT.

 

46. Tal como salienta o Tribunal de Justiça no acórdão acima referido, esta questão deve ser abordada à luz da finalidade das menções que obrigatoriamente as faturas devem conter as quais visam permitir à Administração Fiscal a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for o caso, da existência do direito à dedução.

 

47. No presente caso, estão em causa faturas relativas a prestações de serviços efetuadas a uma empresa agrícola, que indicam, como descritivo “prestações de serviços agrícolas”, a extensão do serviço indicada pelo n.º de horas de serviço prestado por cada trabalhador, o local onde foi realizado o serviço e a taxa de IVA aplicável (taxa reduzida).

 

48. As prestações de serviços agrícolas são tributadas à taxa reduzida de IVA, por enquadramento nas verbas 4 e 5 da Lista I anexa ao Código do IVA, cuja redação, em vigor à data do facto gerador e da exigibilidade do imposto, é a seguinte;

“LISTA I

BENS E SERVIÇOS SUJEITOS A TAXA REDUZIDA

...

4 - Prestações de serviços no âmbito das atividades de produção agrícola listados na verba 5:

4.1 - Prestações de serviços de limpeza e de intervenção cultural nos povoamentos, realizadas em explorações agrícolas e silvícolas

4.2 - Prestações de serviços que contribuem para a realização da produção agrícola, designadamente as seguintes:

a) As operações de sementeira, plantio, colheita, debulha, enfardação, ceifa, recolha e transporte;vi

b) As operações de embalagem e de acondicionamento, tais como a secagem, limpeza, trituração, desinfeção e ensilagem de produtos agrícolas;vi

c) O armazenamento de produtos agrícolas;vi

d) A guarda, criação e engorda de animais;vi

e) A locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas;vi

f) A assistência técnica;vi

g) A destruição de plantas e animais nocivos e o tratamento de plantas e de terrenos por pulverização;vi

h) A exploração de instalações de irrigação e de drenagem;vi

i) A poda de árvores, corte de madeira e outras operações silvícolas.vi

5 - As transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas no âmbito das seguintes atividades de produção agrícola:

5.1 - Cultura propriamente dita:vi

5.1.1 - Agricultura em geral, incluindo a viticultura;vi

5.1.2 - Fruticultura (incluindo a oleicultura) e horticultura floral e ornamental, mesmo em estufas;vi

5.1.3 - Produção de cogumelos, de especiarias, de sementes e de material de propagação vegetativa; exploração de viveiros.vi

5.2 - Criação de animais conexa com a exploração do solo ou em que este tenha caráter essencial:vi

5.2.1 - Criação de animais;vi

5.2.2 - Avicultura;vi

5.2.3 - Cunicultura;vi

5.2.4 - Sericicultura;vi

5.2.5 - Helicicultura;vi

5.2.6 - Culturas aquícolas e piscícolas;vi

5.2.7 - Canicultura;vi

5.2.8 - Criação de aves canoras, ornamentais e de fantasia;

5.2.9 - Criação de animais para obter peles e pelo ou para experiências de laboratório.vi

5.3 - Apicultura.vi

5.4 –Silviculturavi.

5.5 - São igualmente consideradas atividades de produção agrícola as atividades de transformação efetuadas por um produtor agrícola sobre os produtos provenientes, essencialmente, da respetiva produção agrícola com os meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas.vi

 

49. Da norma transcrita ressalta, desde logo, que são abrangidos pelo âmbito de aplicação da taxa reduzida de IVA todos os serviços que contribuam para a realização da produção agrícola, como, de resto, bem observa a Requerente.

 

50. Com efeito, a verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA elenca um conjunto de serviços que contribuem para a produção agrícola mas a título meramente exemplificativo conforme se extrai do advérbio “designadamente”.

 

51. Tratando-se de serviços adquiridos por uma empresa de produção agrícola, encontrando-se os mesmos descritos como “prestação de serviços agrícolas” e sendo possível à Requerente complementar documentalmente de forma convincente que os serviços em causa foram efetivamente prestados nas suas explorações agrícolas nas datas indicadas e pagos ao respetivo fornecedor por transferência bancária, ficam afastadas quaisquer dúvidas que pudessem surgir sobre a materialidade das operações subjacentes que, de resto, a AT não questiona atendo-se exclusivamente aos aspetos formais das faturas conforme assinala no RIT.

 

52. Assim, na senda do entendimento do Tribunal de Justiça no sentido de que não pode ser recusado o direito à dedução do IVA se se mostrarem preenchidos os respetivos requisitos materiais e aos serviços tributários sejam facultados elementos que o comprovem, conclui o Tribunal que, no presente caso, não ocorre fundamento para a desconsideração das faturas em causa para efeitos do direito à dedução do IVA nelas mencionado. Pelo que, consequentemente o pedido, nesta vertente, se mostra procedente.

 

Da dedutibilidade de gastos

 

53. Dando por reproduzidas as alegações feitas em sede de IVA, que considera aplicáveis em sede de IRC, defende a Requerente que os gastos suportados pela faturação em causa foram efetivamente suportados pela empresa no âmbito da sua atividade económica.

 

54. Pelo que, consequentemente, não podem deixar de ser considerados no apuramento do resultado tributável da empresa relativo ao exercício de 2015.

 

55. Salienta, ainda, a Requerente que o eventual incumprimento de alguns requisitos formais das faturas não poderia, na errada interpretação da AT, impedir a fiscalização deste imposto.

 

56. Por outro lado, considera a Requerente que nenhum risco de evasão fiscal ou de dificuldade de aplicação da lei é invocado em sede de IRC, mas apenas e tão só, uma interpretação do artigo 23.º-A, n.º 1, al. c), do CIRC e do artigo 23.º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo Código, que não se coaduna com a teleologia do regime nem com os princípios constitucionais da tributação do lucro real das empresas e da proporcionalidade.

 

57. Em resposta ao alegado pela Requerente, a AT reafirma o entendimento, já explanado no RIT, no sentido de que as correções efetuadas em sede de IRC se fundamentam no incumprimento das formalidades legais das faturas emitidas pela sociedade B... Unipessoal, Lda à Requerente por inobservância do disposto no n.º 4 do art.º 23.º do CIRC.

 

58. Não suscitando dúvidas sobre a efetiva prestação dos serviços em causa, nem da veracidade das faturas, a Requerida fundamenta a sua posição alegando, em suma, que aquelas não constituem suporte documental bastantes dos gastos do exercício por não cumprirem o disposto nos artigos 23.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código do IRC e 36.º, n.º 5 do Código do IVA.

 

59. É, pois, invocando os referidos preceitos que a Requerida conclui que “22. A designação de "prestação de serviços agrícolas" no descritivo das faturas revela-se insuficiente porque não contem a discriminação dos serviços agrícolas prestados (por exemplo "operações desementeira de...", "operações de plantio de ..., operações de colheita de ... ", "operações de debulha de ... ", serviço de locação de máquinas ou de equipamentos ...", ou "cedência de mão de obra ...". Ou seja, as faturas não evidenciam o tipo de serviços agrícolas que foi prestado.

23. De igual forma, as faturas nada referem em relação a extensão temporal a que se referem os serviços em causa (diário, semanal, mensal ou outro), nos termos da al. f) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA e não permitem um controlo eficaz por parte da AT relativamente a cada operação realizada, ao contrário do que refere a requerente.”

 

60. Expressas as posições das Partes, importa uma incursão, ainda que breve, no quadro legal em que se situa a dedutibilidade de gastos em sede de IRC.

 

61. A regra geral da dedutibilidade dos gastos das empresas para determinação do respetivo lucro tributável é enunciada, no artigo 23.º, n.º 1, do respetivo Código nos seguintes termos: “1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”

 

62. De acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, os gastos dedutíveis devem ser documentalmente provados “independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”

 

63. Prevê, no entanto, o n.º 4 do mesmo artigo que “4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.”

 

64. E preceitua o n.º 6 do mesmo artigo que “6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.”

 

65. Por se encontrar relacionada com as referidas disposições legais, e invocada pela Requerida no RIT, cabe referir a norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c), que determina a não dedutibilidade, ainda que contabilizados como gastos do período de tributação, os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º.

 

66. Do quadro legal referido resulta que, no tocante ao suporte documental dos gastos é admissível, para além da fatura, qualquer prova documental que contenha os elementos a que se refere o n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC, não obstante a relevância atribuída à fatura, constante do n.º 6, do mesmo artigo.

 

67. Cabe referir que esta questão já foi objeto de análise no processo arbitral n.º 217/2018-T de que, com a devida vénia, se transcreve: “A norma em apreço foi introduzida com a Reforma do IRC para resolver interpretações divergentes a propósito de questões de "documentação probatória", como refere o Anteprojeto da Reforma [9], passando a ser obrigatória a posse de uma fatura para efeitos de dedução dos gastos em IRC. Não obstante, afigura-se que a inclusão deste novo requisito formal – a posse de uma fatura – que passou a constar do artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC, se coloca no plano da comprovação das operações, ad probationem, e não no dos seus pressupostos materiais, ad substantiam, e tem por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais.

Deste modo, cremos que se mantêm válidas as considerações de Rui Morais anteriores à Reforma do IRC no sentido de que, para comprovação documental dos gastos, "o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito", pois "a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva." – cf. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80.  No mesmo sentido aponta a jurisprudência do STA, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 5 de julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de setembro de 2011, processo n.º 433/11.”

 

68. No caso em análise, não se suscitando qualquer dúvida de que os gastos contabilizados pela Requerente com base na faturação em causa foram efetivamente realizados, não se descortina qual a relevância da especificação detalhada dos serviços prestados pretendida pela AT.

 

69. Porém, se dúvidas subsistissem, os elementos documentais produzidos pela Requerente, em complemento dos elementos constantes das faturas, constituem prova bastante de que os gastos foram realizados no âmbito da respetiva atividade empresarial.

 

70. Nestes termos, tendo a Requerente comprovado, através dos diversos documentos apresentados em complementaridade das faturas emitidas pela sociedade B... Unipessoal, Lda, a materialidade das operações no quadro da sua atividade empresarial e não se suscitando riscos de fraude ou evasão fiscal, devem os gastos suportados pelas faturas em causa ser considerados gastos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável do exercício de 2015.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

71. A par da anulação dos atos de liquidação de IVA e de IRC, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

72. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

73. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

74. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou, por transferência bancária, o pagamento do IRC adicionalmente liquidado e, por compensação de créditos em sede de conta corrente, no caso do IVA, em ambos os casos suportando o encargo de importâncias manifestamente indevidas.

 

75. Resulta, também, dos autos, que a ilegalidade dos atos de liquidação objeto do presente processo é diretamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada apreciação dos factos juridicamente relevantes e errada aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.

 

76. Reconhece-se, assim, à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre os montantes indevidamente cobrados, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

V. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC do exercício de 2015, identificada nos autos;

 

b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA, relativas a diversos períodos de tributação do ano de 2015, no montante total de € 10 639,35;

 

c) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

Valor do processo: € 54 377,51.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 2 142,00 a cargo da Requerida (artigo 536.º, n.º 3, segunda parte, do CPC)

 

Lisboa, 17 de dezembro de 2020,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.