Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 876/2019-T
Data da decisão: 2020-07-14  IRC  
Valor do pedido: € 155.030,04
Tema: IRC – Não residente; Retenção na fonte; Benefício fiscal; Estabelecimento estável.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-03-2020, acordam no seguinte:

               

                1. Relatório

 

A... — SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa colectiva titular da matrícula nº..., com representação permanente na Rua ..., nº ..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do B... PLC, sociedade constituída ao abrigo do direito irlandês, com sede em..., Irlanda, representante em virtude da cessação de A...- SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa coletiva e matrícula nº..., com anterior representação permanente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do C..., instituição de crédito com sede e direção efetiva em..., Londres, ..., Reino Unido (doravante “'Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) e do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, apresentar pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente pede que seja anulado, por inconstitucional e ilegal, o Despacho de Indeferimento Parcial do Recurso Hierárquico proferido no âmbito do procedimento administrativo nº .../14 da Unidade dos Grandes Contribuintes e, subsequentemente, a liquidação adicional n.º 2012..., de 28 de Dezembro de 2012, no valor total de € 506.995,63, sendo € 465.090,13 relativos a retenções na fonte e € 41.905,50 relativos a juros compensatórios, relativa às correções efetuadas em sede de retenções na fonte de IRC, do ano de 2010.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-12-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-02-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 12-03-2020.

A AT apresentou Resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 03-07-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           No ano de 2010, o Requerente era a sucursal (estabelecimento estável) em Portugal o banco inglês C..., entidade residente para efeitos fiscais no Reino Unido, mas também tributada em Portugal tendo por base os proveitos e os custos imputáveis à atividade desenvolvida em território nacional através da referida sucursal;

B)           A actividade do Requerente em Portugal consistia, na data a que se reportam os factos na prestação de serviços da banca comercial e de investimento, para o que obtinha financiamento junto de entidades financeiras residentes e não residentes em Portugal, entre as quais o D..., S.A. ("D...”), residente para efeitos fiscais em Espanha;

C)           No ano de 2010, o montante de juros devidos ao D... ascendia a € 3.100.600,84;

D)           Foi efectuada uma acção inspectiva ao Requerente, relativa ao exercício de 2010, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

ll .2 - IMPOSTO EM FALTA

IN.2.1 RETENÇÕES NA FONTE (artigo 94.º do CIRC)

-€465,090,13-

Conforme se retira do Dossier de Preços de Transferência relativo ao exercício de 2010, o A..., no âmbito do normal desenvolvimento da sua atividade bancária, obtém junto de determinadas entidades do grupo, nomeadamente o D..., sociedade de direito espanhol, adiante designado por D..., recursos financeiros essenciais à cobertura das suas necessidades de concessão de crédito.

De acordo com o referido dossier, o Banco declarou, relativamente àquela entidade não residente, e por contrapartida das operações de funding, custos com juros na importância de € 3 979 194,00.

Daqueles juros foram pagos €3 100 600,84, sendo o restante valor, de € 878 593,16, referente a periodificações de juros que somente foram pagos em 2011 (cfr anexo 7).

Analisados os valores mencionados na declaração Modelo 30 - "Rendimentos pagos ou colocados à disposição de não residentes" - bem como as rubricas de apuramento de retenção na fonte e as correspondentes guias de pagamento utilizadas para entrega das retenções efetuadas, constata-se a ausência de qualquer entrega de retenção na fonte relativa àqueles rendimentos, ou seja, o Banco declarou tais pagamentos mas não declarou nem efetuou qualquer retenção, conforme foi comprovado através dos documentos analisados.

Os juros pagos ou colocados à disposição de entidades não residentes configuram rendimentos de capitais obtidos em território português por força do artigo 4.º, n.º 2 e n.º 3, alínea c), número 3 do CIRC.

Estes rendimentos de capitais são tributados por retenção na fonte a título definitivo nos termos do artigo 94.º n.º 1 alínea c) e n.º 3 alínea b) do CIRC, à taxa de 20% de acordo com o estipulado no artigo 87.º n.º 4 alínea c), também do CIRC

No entanto, o artigo 98.º do CIRC prevê a dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes, mediante certos requisitos. Nos termos do n.º 1 daquele artigo, a retenção na fonte, total ou parcial, não é obrigatória "...quando, por força de uma convenção destinada a eliminara dupla tributação (...), a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha sede nem direção efetiva em território português (...) não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja de forma limitada".

Para beneficiar da dispensa de retenção na fonte total ou parcial, "os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas aplicáveis (...) da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminara dupla tributação (...) através da apresentação de formulário (...) certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência" (artigo n.º 98.º n.º 2 alínea a) do CIRC).

A convenção entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação foi aprovada pela resolução da Assembleia da República n.º 6/95, de 28 de Janeiro e ratificada pelo Aviso n.º 164/95, publicado em 18/07/1995 e entrada em vigor desde 28/06/1995.

Estabelecem os nºs 1 e 2 do artigo 11.º da referida convenção que:

"Os Juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante podem set tributados nesse outro Estado." Esses juros podem ser igualmente tributados no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que recebe os juros for o seu beneficiário efetivo, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 15% do montante bruto dos juros."

Decorre, assim, das normas enumeradas, que a aplicação da taxa reduzida de 15%, prevista na Convenção, está subordinada à verificação da qualidade de residente do credor dos rendimentos no outro Estado Contratante, no caso, Espanha

Ora, no processo de reclamação graciosa (PRG ...2001...), referente a 2009, o sujeito passivo anexou o formulário Mod 21 -RFI - "Pedido de dispensa total ou parcial de retenção na fonte do imposto português, efetuado ao abrigo da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e Espanha", datado de 11 de Junho de 2012, onde foi certificado que a entidade D... (Espanha), NIF ... tem residência fiscal, nos termos do artigo 4.º da convenção, em Espanha, no ano de 2009, estando sujeita a imposto sobre o rendimento, formulário este que ainda se encontra válido nos termos do artigo 98.º n.º 3 alínea b) do CIRC.

Desta forma, os juros pagos ao D... encontram-se sujeito a retenção na fonte à taxa de 15%, nos termos do artigo 98.º do CIRC conjugado com a convenção entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação, e não à taxa de 20% do artigo 84.º do CIRC

Atenta-se ainda ao fato de o artigo 30.º do EBF isentar de IRC os juros decorrentes de empréstimos concedidos por instituições de crédito não residentes a instituições de crédito residentes. No entanto, prevendo este artigo quais os requisitos de concessão do benefício, faz, para esse efeito, ênfase na distinção entre instituições financeiras residentes e não residentes. Porém, não reivindica para si a determinação do conceito de residente. E não precisava, visto se estar perante um benefício em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e o conceito em causa se encontrar plenamente definido no n.º 3 do artigo 2.º do código daquele imposto

Deste modo temos que, para efeitos do presente benefício fiscal, são consideradas residentes as pessoas coletivas e outras entidades que tenham sede ou direção efetiva em território português. O que, a contrario, corresponde a dizer que as sucursais em território nacional de empresas estrangeiras não são consideradas residentes; nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRC, as sucursais são apenas considerados meros "estabelecimentos estáveis", logo não residentes. Aliás, todo o iter do legislador prossegue neste sentido, uma vez que excluiu da isenção os rendimentos que sejam imputáveis a estabelecimento estável das instituições financeiras não residentes em território português, o que significa que considera as sucursais como não residentes para efeitos da isenção.

Assim sendo, quando se refere às entidades que obtêm o empréstimo como instituições residentes, não se pode estar a incluir nesse conceito as sucursais de entidades não residentes estabelecidas em território nacional.

Logo, quando a entidade pagadora dos rendimentos configure uma sucursal de uma instituição financeira não residente, como sucede in casu, encontra-se vedada a isenção prevista no n.º 1 do artigo 30.º do EBF.

Face ao exposto, e considerando os citados normativos, verifica-se que, não sendo conhecidas quaisquer causas de exceção à tributação, os juros pagos ou colocados à disposição de entidades não residentes pelo A..., Sucursal em Portugal, encontram-se sujeitos a retenção na fonte a título definitivo.

Desta forma, calcular-se-á imposto em falta de €465,090,13, resultante da aplicação da taxa de 15% sobre os juros pagos pelo A... à entidade não residente no valor de € 3 100 600,84, ao abrigo do abrigo do artigo 98.º do CIRC conjugada com o artigo 11.º da convenção celebrada entre Portugal e Espanha para evitara dupla tributação (cfr anexo 8).

 

E)            Tais correções deram origem à liquidação adicional n.º 2012..., de 28 de dezembro de 2012, no valor total de € 506.995,63, sendo € 465.090,13 relativos a retenções na fonte e € 41.905,50 relativos a juros compensatórios (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            Em 31-05-2013, o Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação que foi indeferida (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G)           Em 07-01-2014, o Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º 736/14 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H)           Tal como havia feito no âmbito da Reclamação Graciosa, também no Recurso Hierárquico, o Requerente invocou a aplicação do regime transitório consagrado no artigo 6.º da Diretiva n.º 2003/49/CE do Conselho, de 3 de Junho de 2003 (a "Diretiva Juros e Royalties”), com primazia sobre o disposto no Acordo de Dupla Tributação;

I)             Em sede de exercício de direito de audição relativamente ao projecto de decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, o Requerente juntou ao procedimento administrativo o formulário modelo 01 - DJR, que alegadamente se encontrava em falta, na sequência do que veio a Administração Tributária a declarar que:

“Este formulário, certificado pela Autoridade Fiscal de Espanha, para além de referir que a sociedade em causa é residente em Espanha, refere também que, a mesma assume uma das formas jurídicas enunciadas na lista do anexo à Diretiva 2003/49/CE, bem como a sua sujeição a um dos impostos sobre os lucros referenciados no artigo 3.º da mesma Diretiva (...)." (página 5 do Despacho de Indeferimento Parcial, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J)            Na decisão do recurso hierárquico a Administração Tributária concluiu que

“(...) atendendo ao período transitório concedido por questões orçamentais quer a Portugal quer à Grécia conforme estipula [o] artigo 6º ainda da mesma Diretiva, a taxa de retenção na fonte a utilizar na presente situação deve ser de 5% (em vigor desde 01.08. 09).” (página 5 da decisão do recurso hierárquico);

K)           Na decisão do recurso hierárquico foi anulado o montante de € 310.060,09 de retenção na fonte, permanecendo uma correção remanescente no montante de € 155.030,04 [i.e., € 3.100.600,84 x 5%];

L)            Na fundamentação da decisão do recurso hierárquico refere-se, além do mais, o seguinte:

6. Relativamente às alegações efectuadas sobre a aplicabilidade à situação em presença do artigo 30º do EBF, temos de mencionar que não se mostram verdadeiras as afirmações efectuadas pelo sujeito passivo.

Com efeito, todos os argumentos por si expendidos foram tomados em linha de conta na apreciação ao recurso interposto

Tal, não significa contudo, que tenha que se concordar com o referido pelo contribuinte.

A opinião da AT sobre esta matéria, está expressa como já antes mencionado na Informação n.º 2072/10 desta DSIRC, elaborada a pedido da DSIT a propósito de inspecção realizada a este contribuinte, e sancionada por Despacho da Exm.ª Senhora Subdirectora-Geral da AT, datado de 22.10.10, na qual se refere e podemos transcrever de forma sucinta:

2. A letra da norma do n.º 1 do artigo 30º do EBF é muito clara ao estatuir a isenção de IRC relativamente aos juros pagos por instituições de crédito residentes decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes, desde que esses juros não sejam imputáveis a estabelecimento estável destas últimas instituições situado em território português.

3. Ao proibir expressamente o benefício quando os juros são imputáveis a estabelecimento estável situado em legislador demonstrou que o entendimento que subjaz é o de que um estabelecimento estável de uma entidade não residente é sempre considerado não residente e, portanto, tornou-se necessária esta especificação no artigo, de modo a que os objectivos do benefício fossem cumpridos.

4. Assim, não há qualquer possibilidade de incluir no conceito de instituições de crédito residentes (pagadoras dos juros) as sucursais de instituições de crédito não residentes.

5. Nos termos do nº 5 do artigo 13º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, sucursal é o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica que efectue directamente, no todo ou em parte, operações inerentes á actividade da empresa.

6. Estamos, pois, perante um estabelecimento comercial de uma instituição de crédito sem sede ou direcção efectiva em território português.

7. De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 2º do CIRC, estas entidades não são consideradas residentes.

Face ao exposto parece-nos que se pode concluir que o benefício fiscal em causa não aproveita ao caso em apreço.

Refere o contribuinte que o Projecto de Decisão padece ainda vicio de falta de pronúncia sobre os argumentos invocados.

Quer-nos parecer que isto tem a ver com o facto de não se ter feito qualquer alusão a uma pretensa violação do direito comunitário existente na situação em presença.

Quanto a este assunto, temos de referir que a já citada Informação n.º 2072/10, nas suas conclusões, respondia a isto, pois aí se entendia que:

"3 Contudo, não será de estranhar a oposição a este entendimento com base na discriminação violadora do direito comunitário, em particular das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.

4 Actualmente, a questão das violações ao direito comunitário ocupa grande parte da fiscalidade europeia, à qual o Tribunal de Justiça da CE tem respondido de forma a impedi-las, mas acentuando que os Estados não estão impossibilitados de tratar diferentemente residentes e não residentes quando as situações não são comparáveis ou equivalentes.

5. Não se conhece nenhum caso que tenha corrido no Tribunal de Justiça da CE relativamente à questão que nos é colocada pela DSIT"

Face ao exposto, também aqui não tem razão o contribuinte.

 

M)          O Requerente apresentou Impugnação Judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa em 15-05-2015 (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

N)           Em 19-12-2019, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro;

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

Não se provou que o Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada, na parte que não foi anulada. Não foi apresentado qualquer documento comprovativo.

 

3. Matéria de direito

 

                3.1. Questões que são objecto do processo

 

                Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.

                Está-se, assim, no âmbito de um contencioso de mera legalidade, em que se tem de apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral.

                Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.

                Mas, quando dois actos têm por objecto definir a posição da Administração Tributária sobre a mesma situação jurídica, o segundo, quando não é confirmativo, é revogatório por substituição. (   )

                Os actos que indeferem impugnações administrativas podem ser confirmativos, não alterando a ordem jurídica, quando «se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA).

                Mas, nomeadamente nos casos de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação, se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação-sanação se a fundamentação inicial era ilegal) (   ), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação.

                Nos casos em que a decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de retenções na fonte e autoliquidação), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois os actos de retenção na fonte e autoliquidação não têm fundamentação originária emitida pela Administração Tributária, pelo que se está perante uma situação de revogação por substituição, em que a fundamentação do acto que subsiste na ordem jurídica após a decisão de indeferimento é a que consta desta, como está ínsito no artigo 147.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. (   )

                Mas, também neste caso, não é relevante a fundamentação posterior ao acto que decidir a impugnação administrativa.

                Por isso, neste caso, é à face da fundamentação da decisão do recurso hierárquico, que define a posição final da Administração Tributária perante o Requerente, que há que apreciar a legalidade dos actos de retenção na fonte, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas forem invocados na Resposta apresentada no processo arbitral.

                Neste caso, os motivos do indeferimento do recurso hierárquico, que complementam o que se refere no RIT, foram, em suma:

                – à face do artigo 30.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) não há qualquer possibilidade de incluir no conceito de instituições de crédito residentes (pagadoras dos juros) as sucursais de instituições de crédito não residentes, pois um estabelecimento estável de uma entidade não residente é sempre considerado não residente e, portanto, tornou-se necessária esta especificação no artigo, de modo a que os objectivos do benefício fossem cumpridos;

– quanto à questão de Direito da União Europeia que o Requerente colocou, «a questão das violações ao direito comunitário ocupa grande parte da fiscalidade europeia, à qual o Tribunal de Justiça da CE tem respondido de forma a impedi-las, mas acentuando que os Estados não estão impossibilitados de tratar diferentemente residentes e não residentes quando as situações não são comparáveis ou equivalentes» e «não se conhece nenhum caso que tenha corrido no Tribunal de Justiça da CE relativamente à questão que nos é colocada pela DSIT».

               

                O Requerente formulou as seguintes conclusões no seu pedido de pronúncia arbitral:

 

(A) O presente Pedido de Cometimento de Processo Tributário Pendente para Arbitragem vem apresentado na sequência do Despacho de Indeferimento Parcial do Recurso Hierárquico e, consequentemente, contra a Liquidação, na parte correspondente ao entendimento (ilegal) levado a efeito pela AT, quanto ao âmbito e alcance do artigo 30.º do EBF;

(B) O Requerente considera cabalmente demonstrado que o entendimento da AT, nos termos do qual a isenção constante do artigo mencionado não é aplicável a juros pagos por sucursais portuguesas de entidades não residentes em Portugal, é discriminatório em função da natureza organizacional da instituição financeira devedora e pagadora de juros;

(C) Sendo ainda absolutamente contrário aos princípios constitucionais da igualdade e da liberdade de organização empresarial, respetivamente plasmados nos artigos 13.º e 80.º da CRP, por um lado, e ao princípio da legalidade tributária constante do n.º 2 do artigo 103.º da CRP, por outro;

(D) Por fim entende ainda o Requerente ser a posição da AT frontalmente contrária às disposições basilares do Direito da União Europeia, maxime, à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 43.º do TCE e, atualmente, no artigo 49.º do TFUE;

(E) Restringindo essa mesma liberdade de estabelecimento na medida em que dissuade a opção pela criação de sucursais - em claro privilégio da constituição de sociedades de direito português -, na medida em que o exercício da mesma se torna prejudicial às contrapartes instituições financeiras não residentes, impedindo-as de usufruir um benefício fiscal que se lhes encontraria acessível caso a mutuária fosse uma sociedade de direito português;

(F) Assim, impõe-se a conclusão de que a sucursal portuguesa terá de ser considerada, para efeitos fiscais, designadamente para efeitos de aplicação do citado artigo 30.º do EBF, de forma plenamente equiparada às entidades residentes em território nacional (como aliás já o é para efeitos de apuramento do seu próprio IRC);

(G) Qualquer outra interpretação do artigo 30.º do EBF revelar-se-á desconforme à CRP e ao Direito da União Europeia;

(H) De tal modo que, caso se venha a concluir ser impossível interpretar o referido preceito em sentido conforme à CRP e ao Direito da União Europeia, cumpre concluir pela inconstitucionalidade e ilegalidade do mesmo;

(I) Face ao exposto é evidente que o Decisão de Indeferimento Parcial do Recurso Hierárquico padece de manifesta ilegalidade, por violação quer do direito interno (artigos 30.º do EBF, 5.º, 87.º e 94.º do CIRC e 13.º e 80.º da CRP), quer do Direito da União Europeia.

 

                As questões que se colocam são, em, primeiro lugar, a da interpretação do artigo 30.º do EBF e, depois, a ser correcta a interpretação feita pela Administração Tributária, a de saber se ela é compatível com o Direito da União.

 

                3.2. Questão da interpretação do artigo 30.º, n.º 1, do EBF

 

                O artigo 30.º, n.º 1, do EBF, na redacção vigente em 2010 (resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho), estabelece o seguinte:

 

Artigo 30.º

 

Swaps e empréstimos de instituições financeiras não residentes

 

1 - Ficam isentos de IRC os juros decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes a instituições de crédito residentes, bem como os ganhos obtidos por aquelas instituições, decorrentes de operações de swap, efectuadas com instituições de crédito residentes, desde que esses juros ou ganhos não sejam imputáveis a estabelecimento estável daquelas instituições situado em território português.

 

                O Requerente defende, em suma, o seguinte:

– quanto ao teor literal do artigo 30.º do EBF, relativamente ao agente pagador dos juros, apenas se impõe que o devedor dos mesmos seja uma instituição de crédito residente para estes efeitos;

– sendo o escopo e racional do legislador de dinamizar a captação de capitais oriundos de países estrangeiros e fomentar o incremento de capitais oriundos do exterior, não parece, de todo, lógico ou sustentável, que se possa afastar a aplicação da isenção constante do artigo aqui em análise com o fundamento de a entidade mutuária assumir a natureza de sucursal;

– não há qualquer razão plausível para o ora Requerente ser tratado de forma discriminatória face ao regime em vigor para os residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, ainda que o mesmo (i. e., a entidade que procede ao pagamento do juro decorrente de um empréstimo concedido por uma entidade financeira não residente) seja um “mero estabelecimento estável" (in casu, uma sucursal);

– as regras de IRC aplicadas ao estabelecimento são as aplicáveis às demais entidades com residência em Portugal;

– interpretar o artigo 30.º do EBF como estando a conceder um benefício fiscal às filiais -– e a negá-lo às sucursais – condiciona ilicitamente a liberdade de estabelecimento dos cidadãos da União Europeia;

– se a sucursal se assemelha, quanto ao tratamento fiscal de que é objecto, às demais sociedades residentes para efeitos de imposto sobre o rendimento, também terá de manter esse mesmo tratamento aquando da aplicação dos benefícios fiscais — exceto se outra fosse a vontade expressa do legislador (e a mesma fosse consentânea com a CRP e o Direito da União Europeia) ou se uma justificação para a discriminação entre situações semelhantes existisse, o que não acontece in casu.

 

                No presente processo, a Administração Tributária mantém a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária e na decisão do recurso hierárquico sobre a interpretação do artigo 30.º do EBF, que se sintetiza nas conclusões na Informação n.º 2072/10:

«2. A letra da norma do n.º 1 do artigo 30º do EBF é muito clara ao estatuir a isenção de IRC relativamente aos juros pagos por instituições de crédito residentes decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes, desde que esses juros não sejam imputáveis a estabelecimento estável destas últimas instituições situado em território português.

3. Ao proibir expressamente o benefício quando os juros são imputáveis a estabelecimento estável situado em legislador demonstrou que o entendimento que subjaz é o de que um estabelecimento estável de uma entidade não residente é sempre considerado não residente e, portanto, tornou-se necessária esta especificação no artigo, de modo a que os objectivos do benefício fossem cumpridos.

4. Assim, não há qualquer possibilidade de incluir no conceito de instituições de crédito residentes (pagadoras dos juros) as sucursais de instituições de crédito não residentes.

5. Nos termos do nº 5 do artigo 13º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, sucursal é o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica que efectue directamente, no todo ou em parte, operações inerentes á actividade da empresa.

6. Estamos, pois, perante um estabelecimento comercial de uma instituição de crédito sem sede ou direcção efectiva em território português.

7. De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 2º do CIRC, estas entidades não são consideradas residentes».

 

A sucursal que constitui um estabelecimento estável não constitui uma empresa autónoma em relação à empresa-mãe, sendo apenas autonomizada, para efeitos fiscais, com aplicação de um regime especial de tributação.

Os estabelecimentos estáveis de sociedades comerciais não residentes em Portugal têm personalidade tributária, integrando-se no conceito de «património autónomo» para efeitos de direito tributário.

O alcance deste conceito de «património autónomo» para efeitos fiscais foi analisado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-05-2008, proferido no processo n.º 0200/08, em que se refere o seguinte: (   )

 

                Porém, o alcance da atribuição da personalidade jurídica tributária é relevante exclusivamente para efeitos de tributação, para determinação das obrigações fiscais, não transformando as entidades sem personalidade jurídica em pessoas distintas, para efeitos das suas relações com os devedores.

                A atribuição de personalidade tributária a entidades sem personalidade jurídica, designadamente a estabelecimentos estáveis de não residentes em território português, constitui uma ficção, válida apenas para determinar a medida da tributação, justificada por razões de equidade na repartição interestadual de receitas fiscais, que se reconduz a que a entidade sem personalidade jurídica seja tratada como se fosse um ente distinto da pessoa singular ou colectiva que o cria, para efeitos da determinação da tributação que deve incidir sobre a sua actividade em Portugal.

                Isto é, a atribuição de personalidade tributária a entidades sem personalidade jurídica que não tenham sede ou direcção efectiva em território português tem em vista apenas determinar a «extensão da obrigação de imposto», na terminologia do art. 4.º, do CIRC, em cujo n.º 2 se refere que «as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos».

                 Mas, a atribuição de personalidade tributária a um «estabelecimento estável» sem personalidade jurídica não tem quaisquer consequências a nível do património da sociedade-mãe, pois todos os bens que forem afectados à actividade desse estabelecimento estável, continuam a pertencer à sociedade que o criou.

(...)

                Quando se fala em «património autónomo» para efeitos de direito tributário, não é com o sentido que o conceito de património autónomo assume para efeitos do direito civil, que se traduz num regime especial de afectação de determinados bens ao pagamento de determinadas dívidas (  ).

                No âmbito do direito tributário, «o que imprime a separação ou autonomia, ao património em causa, não é a sua afectação especial, nem carácter separado da sua administração, nem a sua sujeição a um dado regime de responsabilidade por dívidas, mas o facto de a lei submeter uma massa de bens e direitos a um tratamento fiscal unitário». (...) «A autonomia patrimonial de Direito Tributário – e que é vulgarmente designada por “equiparação a empresa independente” – revela-se enquanto a lei submete a tributação independente os lucros que lhe são directamente imputáveis, ao invés de tributar a pessoa colectiva no seu conjunto ou de tributar analiticamente o residente no estrangeiro por cada um dos rendimentos isolados que auferir, através da retenção na fonte». (   )

           «Todavia, entre nós, a autonomia patrimonial dos estabelecimentos não conduziu à atribuição de personalidade jurídica, para efeitos fiscais, de tal sorte que o contribuinte continua a ser o residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas colectivas aí residentes. Com efeito, o artigo 13.º, n.º 1, do CIRS, e o artigo 2.º do CIRC, consideram sujeito passivo do imposto, não o estabelecimento estável, em, si mesmo considerado, mas as pessoas singulares ou colectivas, residentes no estrangeiro, que sejam os seus titulares». (   )

 

                Assim, como diz o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão citado, «o contribuinte continua a ser o residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas colectivas aí residentes».

Esta ficção de autonomia do estabelecimento estável em relação à empresa não residente só existe para efeitos da tributação com base no rendimento e no âmbito da  determinação do lucro tributável, para que se prevê, nos artigos 55.º e 56.º do CIRC, um regime especial.

Com efeito, ressalta do artigo 4.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC, que prevêem a «extensão da obrigação de imposto» a entidades não residentes em território português «apenas quanto aos rendimentos nele obtidos», considerando como tal «os imputáveis a estabelecimento estável aí situado», que não se estabelece uma generalizada equiparação do estabelecimento estável a uma entidade independente da empresa-mãe (designadamente para efeitos das tributações previstas no CIRC que não incidem sobre rendimentos, como é o caso das tributações autónomas).

                À face do que se expôs, não é correcta a conclusão a que chega a Administração Tributária no sentido de «um estabelecimento estável de uma entidade não residente é sempre considerado não residente».

                Na verdade, desde logo, um estabelecimento estável (neste caso sucursal) nem é considerado residente nem não residente, pois, como se referiu, «o contribuinte continua a ser o residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas colectivas aí residentes».

                Por outro lado, para efeitos de IRC os rendimentos imputáveis a estabelecimentos estáveis em Portugal de entidades não residentes têm o tratamento das entidades residentes, no que concerne à extensão da obrigação de imposto, sendo precisamente o afastamento as regras da tributação dos não residentes sem estabelecimento estável que justifica a utilização do conceito de estabelecimento estável.

É a esta luz que há que interpretar o artigo 30.º do EBF, que na parte que se refere a juros, o texto do artigo 30.º do EBF é o seguinte:

 

Ficam isentos de IRC os juros decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes a instituições de crédito residentes (...), desde que esses juros (...) não sejam imputáveis a estabelecimento estável daquelas instituições situado em território português.

 

                Analisando a verificação dos requisitos de aplicação desta norma à situação em apreço, devem ter-se como assentes os pontos seguintes:

                – os juros têm de ser decorrentes de empréstimos concedidos por instituição financeira não residente: o que aqui se verifica, pois, foi uma instituição financeira espanhola que concedeu os empréstimos;

– os juros não são imputáveis a estabelecimento estável: o que aqui também se verifica pois os juros, isto é, o rendimento de capitais em causa, não é imputado à sucursal para efeitos de determinação do lucro tributável, mas à sim à instituição espanhola que os recebeu; a expressão juros «imputáveis a estabelecimento estável» reporta-se aos casos em que é a sucursal que recebe os juros e não àqueles em que esta que os paga.

 

                Assim, só podem suscitar-se dúvidas sobre a verificação do último requisito, que é o de os  empréstimos terem sido concedidos a instituição de crédito residente, o que se reconduz a saber se a sucursal, deve ser equiparada a entidade residente ou a não entidade não residente, para este efeito.

                Na delimitação do âmbito do benefício fiscal, para efeitos de imputação do rendimento a quem concede os empréstimos, equipara-se o estabelecimento estável às entidades residentes, pois, em relação a ambos está afastada a aplicação do benefício fiscal: tanto os juros obtidos por estabelecimento estável como os obtidos por entidades residentes estão excluídos do âmbito da isenção. 

                Como bem diz o Requerente, no que concerne à entidade que concede os empréstimos, a distinção que se estabelece não é entre o estabelecimento estável e as entidades residentes, mas sim, «entre instituições financeiras não residentes com e sem estabelecimento estável em Portugal através do qual obtenham tais rendimentos – recusando às primeiras a isenção que confere às segundas, precisamente porque o estabelecimento estável das primeiras opera como uma instituição residente».

                Por outro lado, o afastamento da aplicação do benefício fiscal aos estabelecimentos estáveis concedentes de empréstimos sintoniza-se com a regra de que, para efeitos de determinação do lucro tributável, aqueles são equipados aos residentes, justificando-se, assim, que não lhes seja aplicável um benefício fiscal que visa afastar a relevância de rendimentos para a determinação do lucro tributável de não residentes apenas.

                Para além disso,  o artigo 23.º, n.º 3, da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 27 de Março de 1968, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48497, de 24-07-1968 (“CDT”), impõe que «a tributação de um estabelecimento estável que uma empresa de um Estado Contratante tenha no outro Estado Contratante não será nesse outro Estado menos favorável do que a das empresas desse outro Estado que exerçam as mesmas actividades».

                Assim, é seguro que o estabelecimento estável não pode deixar de ser equiparado às empresas residentes, para efeito de tributação em IRC.

                No entanto, esta conclusão não basta para resolver o problema da interpretação do artigo 30.º do EBF, pois não, está em causa a tributação do estabelecimento estável, mas sim a da entidade não residente que fez o empréstimo e o âmbito do benefício fiscal depende de a entidade a quem o empréstimo foi feito ser uma das «instituições de crédito residentes».

                E sobre este ponto, interpretação não é tão clara, pois, o teor literal desta expressão não tem qualquer alusão aos estabelecimentos estáveis de não residentes.

                Afigura-se, porém, que, numa perspectiva  que tenha em mente a coerência valorativa unidade  do sistema jurídico, ínsita na sua unidade, que é elemento interpretativo primacial (artigo 9.º, n.º, 1, do Código Civil), a interpretação a fazer não pode deixar de ser no sentido de que, também para este efeito, tem de ser efectuada a da equiparação dos estabelecimentos estáveis a entidades residentes, designadamente porque a igualdade de tratamento é necessária para afastar um tratamento fiscal  menos favorável para o estabelecimento estável do que o que é dado às empresas residentes que exerçam as mesmas actividades.

                Com efeito, numa perspectiva teleológica, para apurar se é dado um tratamento fiscal menos favorável ao estabelecimento estável não basta ter em conta apenas a tributação que lhe é imposta directamente, sendo também de considerar a que recai sobre os actos que pratica que, embora não constituam directamente encargo seu, têm potencialidade para se repercutirem na sua esfera jurídica, pois, em qualquer dos casos, estar-se-á perante uma discriminação ao arrepio da equiparação que a CDT pretende assegurar.

                Ora, como é óbvio, a tributação em IRC dos juros recebidos pelo mutuante tem potencialidade para se repercutir na esfera jurídica do mutuário, pois aqueles juros passarão a ser um custo adicional a suportar pelo mutuante que, à face das regras da vida e da experiência comum, tendencialmente se traduzirá em alguma medida num aumento da taxa de juro a suportar pelo mutuário, como, aliás, implicitamente é reconhecido ela Administração Tributária na citada Informação n.º 2072, ao dizer que ao benefício fiscal «subjaz uma intenção de incrementar a captação de capitais oriundos do exterior, através do desagravamento do custo dos empréstimos obtidos por instituições de crédito residentes junto de instituições de crédito não residentes».

                Assim, à face da àquela regra da CDT, os desagravamentos fiscais do custo dos empréstimos obtidos pelas instituições de crédito residentes têm de ser reconhecidos também aos estabelecimentos estáveis de instituições de crédito residentes no Reino Unido.

                Pelo exposto, a interpretação correcta do artigo 30.º, n.º 1, do EBF, é a de que a referência às «instituições de crédito residentes» abrange, por mera interpretação declarativa, os  estabelecimentos estáveis em Portugal de instituições de crédito residentes no Reino Unido.

                Pelo exposto, os empréstimos subjacentes à liquidação impugnada não estavam sujeitos a retenção na fonte de  IRC, pelo que aquela liquidação enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, a que corresponde o artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                A decisão do recurso hierárquico que manteve parcialmente a liquidação, enferma do mesmo vício pelo que também se justifica a sua anulação, na parte respectiva.

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

            

                Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

                Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

                 Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelo Requerente.

 

                4. Restituição do imposto pago e juros indemnizatórios

 

                O Requerente pretende que lhe seja «restituído o montante total de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido e até à sua efetiva e integral restituição» (artigo 166.º do pedido de pronúncia arbitral).

O direito a juros indemnizatórios é reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1, da LGT e concretizado da forma prevista no artigo 61.º do CPPT, nos casos em que ocorra «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, o Requerente não apresentou qualquer prova de que tenha pago total ou parcialmente a quantia liquidada, pelo que, à face dos factos provados, não há fundamento para condenar a Administração Tributária em restituição de imposto e juros indemnizatórios.

                Por isso, tem de se julgar improcedente o pedido de restituição e pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de ele poder ser reconhecido em execução de julgado, se se comprovar o pagamento.

              

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular a liquidação adicional n.º 2012 ..., de 28-12-2012, na parte em que foi mantida pela decisão do recurso hierárquico, processo n.º …/14 da Unidade dos Grandes Contribuintes;

C)           Anular a decisão do recurso hierárquico referido, na parte em que manteve a liquidação;

D)           Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios, sem prejuízo de os respectivos direitos poderem ser reconhecidos em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € € 155.030,04.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 14-07-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(José Nunes Barata)

(Suzana Fernandes da Costa)