Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 915/2019-T
Data da decisão: 2020-07-24  IMI  
Valor do pedido: € 829,04
Tema: AIMI
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

I.1

1.            Em 28 de dezembro de 2019 a contribuinte A..., Lda. (doravante designada por Contribuinte ou “Requerente”), NIF..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 30 de dezembro de 2019.

3.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.            A AT apresentou a sua resposta em 11 de maio de 2020.

5.            Por despacho de 12.05.2020, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.

6.            Notificadas para o efeito, nenhuma das partes apresentou alegações.

7.            Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do ato tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com o n.º 2019..., emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), com referência ao ano de 2019, no montante total de €829,04 e condenada a AT ao reembolso integral desta quantia, acrescida de juros indemnizatórios.

 

II.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

                                                                       

1.            A Requerente, é proprietária  do lote de terreno para construção inscrito sob o artigo nº ... da Freguesia de ... (...), com o valor patrimonial de 207.260,00 euros.

2.            O referido lote de terreno destina-se à construção de um equipamento de lazer e desporto, e encontra-se avaliado com o coeficiente de avaliação de “serviços”, não sendo possível atribuir-lhe outro fim, por força do loteamento aprovado e licenciado.

3.            A requerente detém como única existência afeta  à sua atividade económica o lote em causa, que bem tem tentado comercializar, sem qualquer sucesso, estando  a suportar os custos inerentes à sua titularidade, nomeadamente o IMI, com recurso a suprimentos dos seus sócios atendendo que não retira qualquer rendimento do único ativo que possui, tratando-se ele de um lote de terreno para construção, sem qualquer rentabilidade como tal, e com uma afetação de “serviços” que lhe retira a maioria do potencial de comercialização.

4.            No artigo 135ºB do Código do IMI é definida a incidência objetiva do AIMI.

5.            Esta delimitação negativa de incidência dos prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços e outros, como opção do legislador, tem subjacente o princípio de que os lotes de terreno que se destinem à  construção desse tipo de edifícios e que como tal estejam avaliados com o coeficiente de afetação de uma dessas classificações- comerciais, industriais ou serviços, e não se destinem a habitação, também beneficiam obrigatoriamente da exclusão prevista no nº2 do  artº135-B, em coerência com essa opção legislativa.

6.            Ademais, tendo o fato tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado, não terá coerência não aplicar o Imposto a edifícios destinados a serviços e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, cujo valor é incorporado no valor dos edifícios.

7.            Assim numa perspetiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico  (artº9º,nº1, do Código Civil), que tem valor interpretativo decisivo, imposto pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica (nas palavras de BATISTA MACHADO, in” introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, página 191), deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no nº2 do artº135ºB do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como “para serviços” como expressando uma intenção  legislativa de excluir da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios.

8.            A adotar-se uma interpretação literal desta norma, com  o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, ela será materialmente inconstitucional, sendo incompaginável com o princípio da igualdade artº13º da CPR, ao considerar fato tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a serviços e não a titularidade dos prédios neles construídos, por consubstanciar um tratamento despriviligiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda.

 

II.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.            Estão sujeitos ao adicional de IMI os prédios afetos à ''habitação" e os "terrenos para construção" tal como definidos no referido artigo 6.º do CIMI.

2.            A lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os '' terrenos para construção", e isto independentemente da afetação potencial que a este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência

3.            Ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afetação potencial.

4.            Considera a Requerente que a tributação em sede de AIMI acarreta a violação do princípio da igualdade.

5.            Importa salientar que verdadeiramente, os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade económica, ao contrário, integram o próprio núcleo da atividade económica, com valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações e evidenciam obviamente uma determinada capacidade económica.

6.            Com efeito, a tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património (cf. art.º 4.º, n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento.

7.            Assim, bem se compreende, então, a solução legislativa de sujeitar a tributação todos os sujeitos passivos em atenção à titularidade das situações jurídicas relevantes sobre os prédios urbanos identificados na incidência objetiva, com independência da estruturação jurídica ou económica que possam possuir esses sujeitos passivos.

8.            No campo da tributação patrimonial, a regra da uniformidade o que impõe é uma igualdade horizontal, ou seja, que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira.

9.            Pelo que, qualquer dissertação sobre a situação das empresas comercializadoras de terrenos para construção, sobre o êxito ou inêxito da atividade comercial que desenvolvem ou mesmo sobre a espécie de ativos imobiliários que detêm, não releva in casu.

10.          Conclui-se assim, que a detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, obviamente superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista.

11.          Não se afigura, pois, que a incidência de AIMI sobre os imóveis da titularidade de empresas que exercem a sua atividade no setor imobiliário, nomeadamente de terrenos para construção adquiridos com o intuito de neles promover edificações destinadas a venda, seja discriminatória ou que estas empresas devam merecer um tratamento mais vantajoso do que o concedido à generalidade dos proprietários de prédios urbanos.

12.          Também neste sentido, veja-se o recentíssimo Acórdão do Tribunal Constitucional, Acórdão do Plenário n.º 299/2019, proferido no Âmbito do processo n.º 752/2018, no qual foi julgada “não inconstitucional a norma extraída do artigo 135.°-B, n.º 2, do Código do IMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação do Adicional ao IMI, os «terrenos para construção» com fins de comércio, indústria, serviços ou outros”.

13.          Conclui-se, que a titularidade de um património imobiliário de valor elevado por uma pessoa singular ou por pessoa coletiva (seja sociedade imobiliária, fundo imobiliário ou outra) evidência, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI.

14.          Assim, não se vislumbra que a tributação dos terrenos para construção, com afetação para " serviços", nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º- A e 135.º -B do CIMI, colida com o princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva.

15.          De igual modo se conclui que, a tributação dos terrenos para construção detidos por pessoas coletivas que façam parte do seu património imobiliário e estejam afetos ao desenvolvimento da sua atividade económica - nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º- A e 135.º -B do CIMI, colida com o principio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva.

16.          Em suma, o AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial momento da verificação do ato tributário.

17.          Em cumprimento do princípio da legalidade a AT está vinculada ao cumprimento e obediência à lei, não podendo decidir em sentido diverso ou afastando a sua aplicação, pelo que nenhum erro lhe pode ser assacado face à sua impossibilidade de decidir de forma diferente da que decidiu.

18.          Resulta assim, em conformidade com a doutrina consolidada dos tribunais superiores que caso venha a decidir-se pela ilegalidade do ato impugnado não são devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n. º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se os terrenos para construção referidos nos autos, enquanto substrato da atividade económica da Requerente ou face à sua potencial edificabilidade para fins “comerciais, industriais ou serviços”, estão abrangidos pelas normas de incidência objetiva do AIMI, prevista no art. 135ºB do CIMI.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.            Em 2019 a Requerente era proprietária do lote de terreno para construção inscrito sob o artigo nº ... do concelho e freguesia de ... (...), com o valor patrimonial de €207.260,00.

2.            O referido lote de terreno destina-se à construção de um equipamento de lazer e desporto, e encontra-se avaliado com o coeficiente de afetação de “serviços”.                                                   

3.            A Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação de AIMI n.º 2019..., datada de 30.06.2019, relativo ao ano 2019, com referência ao terreno para construção detido pela mesma.

4.            A Requerente procedeu ao pagamento no dia 30.09.2019, do ato tributário em análise, num montante global de €829,04.

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 4 são dados como assentes pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 4 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes.

 

V. O Direito

 

V1. Erro nos pressupostos de direito

 

A Requerente começa por invocar a ilegalidade da liquidação adicional do AIMI porque no seu entender o adicional do AIMI não pode incidir sobre o imóvel detido pela requerente no âmbito da sua atividade económica.

Alega a Requerente que é contrário ao espírito da lei isentar de tributação os prédios destinados ao comércio, indústria e serviços e não isentar os terrenos para construção com o mesmo destino.

O adicional do AIMI foi criado pelo Lei do Orçamento de Estado para 2017 (Lei n. º42/2016 de 28 de dezembro), e entrou em vigor no dia 01.01.2017. A Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro aditou ao CIMI o capítulo XV composto pelos artigos 135ºA a 135ºK.

Este tributo foi criado por razões financeiras e por razões de natureza axiológica. Por um lado, o legislador pretendeu aumentar as receitas fiscais em virtude do programa de resgate financeiro vivido desde 2011 e por isso a receita do AIMI está consignada ao financiamento da Segurança Social (art. 1º, n. º2 do CIMI). Por outro lado, num contexto de crise em cumprimento do previsto no art. 103º, n.º 1 e 104º, n. º3 da CRP, o legislador pretendeu incidir um maior esforço fiscal sobre os cidadãos que revelam índices de riqueza mais elevados. (Neste sentido Cfr. José Pires, O Adicional ao IMI e a Tributação Pessoal do Património, Almedina, 2017, pág. 10)    

O art. 135ºA do CIMI estatui o seguinte

1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.

(…)

Tendo em conta a norma citada, a Requerente, pessoa coletiva (sociedade por quotas) é sujeito passivo do AIMI.

Nos termos do art. 135ºB do CIMI:

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

(…)

Tendo em conta a factualidade dada como provada, a Requerente é proprietária de um terreno para construção.

O art. 135ºB, n. º2 do CIMI estatui o seguinte:

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

O CIMI distingue os prédios rústicos dos prédios urbanos (arts. 3º e 4º do CIMI). Os prédios urbanos nos termos do art. 6º do CIMI dividem-se em prédios:

a)            Habitacionais;

b)           Comerciais, industriais ou para serviços;

c)            Terrenos para construção;

d)           Outros

 

A exclusão de tributação prevista no art. 135ºB, n. º2 do CIMI aplica-se, por remissão expressa, apenas aos prédios indicados no art. 6º, n. º1, al. b) e d) do CIMI. A norma legal é inequívoca ao indicar os prédios cuja exclusão de tributação pretendeu incluir e neles não inclui os terrenos para construção.

Face ao exposto, no que diz respeito às normas hermenêuticas devemos recorrer, por remissão do art. 11º, n. º1 da LGT, ao previsto no Código Civil. O art. 9º, n. º1 do C.C. estabelece o seguinte:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder “ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espirito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso””  Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”

Aplicando o exposto ao caso em análise, importa considerar o elemento literal. A letra da lei indica sem margem para dúvidas os prédios excluídos de tributação, não estando nele incluídos os terrenos para construção, independentemente de estarem afetos a uma atividade ou de possuírem uma afetação futura para serviços.

Nos termos do art. 9º, n. º3 do C.C. o intérprete deve presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada.

É verdade que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

Contudo, o legislador não só não afastou a incidência do AIMI sobre os terrenos para construção, mesmo aqueles que se destinem a serviços, como também não fez qualquer alusão à afetação destes prédios à atividade dos sujeitos passivos. Destarte, não se afigura existir os erros nos pressupostos de direito invocados pela Requerente.

No que diz respeito à afetação do imóvel a uma atividade económica da Requerente, tal como se refere na decisão arbitral n.º 420/2018-T, de 05.01.218, cuja fundamentação se adere:

“A redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica.

A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.

São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).

A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.”

 

Quanto à exclusão de tributação dos prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços e a não exclusão de tributação dos terrenos para construção que tenha como destino normal um destes fins, citando o Acórdão arbitral n.º 664/2017 de 26.06.2018: 

“Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.

Ainda que se justificasse, numa perspectiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.”

Em conclusão, recorrendo às regras interpretativas consagradas no art. 9º, n. º1, n. º2 e n. º3 do CC, ao abrigo dos arts. 6º, n. º1 e 135º B, n. º1e n. º2 do CIMI, os terrenos para construção, mesmo que afetos a uma atividade económica e destinados a serviços estão incluídos no âmbito de incidência objetiva do AIMI.

Na esteira das decisões proferidas anteriormente no CAAD (processos n.º 664/2017 de 26.06.2018, n.º 420/2018 de 15.01.2019, n. º502/2018 de 29/03/2019, n. º506/2018 de 29/04/2018, n. º535/2018 de 17/04/2019, n.º 559/2018 de 23.04.2019, n.º 420/2018 de 15.01.2019 e n.º 574/2018 de 17/04/2019) decido pela inexistência dos vícios invocados, nesta parte, pela Requerente.

 

V2. Inconstitucionalidade

 

A Requerente invoca a inconstitucionalidade do art. 135ºA e 135ºB do AIMI no que diz respeito à violação do princípio da igualdade (art. 13º).

Incumbe aos Tribunais proceder ao controlo difuso e concreto da constitucionalidade das normas em todas as situações em que não houver, como neste caso não existe, declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória e geral das citadas normas do AIMI.

Contudo, o Tribunal Constitucional (doravante apenas TC) no Ac. n.º 299/2019 de 21.05.2019 apreciou a constitucionalidade do art. 135ºB do AIMI por suposta infração dos princípios da igualdade e a cuja fundamentação desde já aderimos, por concordarmos, e por ser plenamente aplicável ao caso em apreço.

Importa então analisar a norma constitucional invocada pela Requerente.

A Requerente alega a violação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) por entender que que os terrenos para construção destinados ao comércio, indústria e serviços estão a ser discriminados face aos prédios urbanos destinados ao mesmo fim.

O princípio da igualdade tributária não se encontra expressamente consagrado na atual Constituição, decorrendo do princípio geral da igualdade previsto no seu artigo 13.º da CRP.

Segundo o TC (Acórdãos nº 232/2003, 96/2005, 99/2010, 255/2012 e 294/2014 TC) e alguma doutrina (Cfr. Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Almedina, 2015, pág. 197), o princípio da igualdade abrange no seu conteúdo, fundamentalmente, duas vertentes: a) proibição de discriminação; b) obrigação de diferenciação.

A proibição de discriminação impõe a igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais, de modo a vedar qualquer discriminação intolerável. Implica, portanto, um sentido negativo (não introduzir desigualdades no que deve ser igual nem igualdade no que deve ser desigual) e um sentido positivo (tratar igualmente o que deve ser igual e impedir que outrem trate desigualmente o que deve ser igual).

A proibição de discriminação impõe a igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais, de modo a vedar qualquer discriminação intolerável. Implica, portanto, por um lado, uma exigência de tratamento igual de contribuintes nas mesmas circunstâncias e por outro lado uma exigência de tratamento diferenciado de contribuintes em circunstâncias diferentes.

No caso em apreço os terrenos para a construção destinados ao comércio, indústria ou serviços e os prédios urbanos destinados à mesma utilização são realidades fáticas distintas. Porquanto, não se nos afigura que o seu tratamento fiscal distinto possa configurar uma violação do princípio da igualdade em sentido positivo. Sendo situações fáticas distintas o princípio da igualdade em sentido negativo veda que sejam tratadas de forma igual.

O Ac. do T.C. n.º 299/2019, cuja fundamentação aderimos, analisou esta questão e concluiu que:

 “O reconhecimento pelo legislador de que o terreno para construção traduz uma posição patrimonial do seu detentor e um valor de mercado próprio, torna imprestável a convocação da finalidade e do valor correspondentes ao prédio que nele venha a ser construído: terreno para construção e prédio construído não são realidades económicas equivalentes ou assimiláveis, no domínio da tributação do património imobiliário urbano. Assim foi afirmado pelo Tribunal, com destaque para a pronúncia do Plenário no já referido Acórdão n.º 378/2018, doutrina inteiramente transponível para a norma do AIMI aqui sindicada:

«[É] claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para o efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins (...). Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídicas, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.

Como se salientou, o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem.

As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência deixarão de ser aplicáveis».

 

Também no âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por uma ótica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bens distintos dos prédios urbanos já construídos e afetos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal. Na verdade, assentando a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das atividades económicas – o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional,  pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio. Para além de que o que releva para efeitos da tributação anual em AIMI é o valor patrimonial tributário do prédio existente e constante da matriz, pois não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva. Os terrenos para construção constituem um ativo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efetivamente implantado.

Deste modo, sendo realidades fácticas distintas (terrenos para construção e prédios urbanos mesmo que destinados ao mesmo fim), o seu tratamento distinto não se nos afigura arbitrário, não sendo assim os arts. 135ºA e 135ºB do AIMI contrários ao princípio da igualdade.

 

V.3 Juros indemnizatórios

 

A apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.

Mantendo-se o ato tributário sindicado, em consequência, o pedido de juros indemnizatórios deverá também ser julgado improcedente.

 

V.4 Notificação ao Ministério Público

 

A Requerida requereu, por apelo ao disposto no artigo 280º, nº 3 da CRP e no artigo 72º, nº 3 da Lei do Tribunal Constitucional, a notificação desta decisão arbitral ao Ministério Público.

Uma vez que este Tribunal não se recusou a aplicar qualquer norma com fundamento em qualquer inconstitucionalidade, afigura-se-nos inútil a sua remessa, não devendo por isso ser ordenada (art. 130º do CPC ex vi art. 29º, n. º1, al. e) do CPC).  

 

III.          DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com o n.º 2019...);

b) Manter integralmente o ato tributário objeto deste processo;

c) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo, nos termos infra.

 

Fixa-se o valor do processo em €829,04 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de julho de 2020  

 

O Árbitro

(André Festas da Silva)