Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 280/2023-T
Data da decisão: 2024-02-07  IRS  
Valor do pedido: € 143.553,72
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS); ajudas de custo e uso de viatura própria em serviço da empresa.
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SUMÁRIO:
Quando tenham sido feitos pagamentos por uma empresa aos seus sócios-gerentes, a título de compensação pelo uso de viatura própria em serviço de empresa, mas, na sequência de procedimento inspetivo, se prove que os quilómetros pagos não foram realizados, os montantes auferidos têm caráter remuneratório, ficando sujeitos a tributação no âmbito da categoria A de rendimentos, por aplicação do disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do CIRS, a menos que os sujeitos passivos façam prova de que é outra a natureza desses rendimentos.
 
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Rui Duarte Morais (Presidente), Manuel Lopes da Silva Faustino e Paulo Nogueira da Costa (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 31 de julho de 2023, acordam no seguinte:
 
I – RELATÓRIO
1. A..., com o NIF ..., residente em Rua ..., nº ..., ..., ..., ...-... Carnaxide (Primeiro Requerente), e B..., com o NIF ..., residente em Rua ..., n.º ..., ..., Sintra, ...-... Sintra (Segunda Requerente), adiante abreviadamente designados por “Requerentes”, vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nº 1 e 10º nº 1, alínea a) e nº 2, ambos do RJAT e nos artigos 99º, alínea a), 102º, nº 1, alínea b) e 104º, todos do CPPT, em coligação de autores, por entenderem ser evidente a identidade da situação de facto e da mesma questão de direito, quanto à interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas, requerer a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, visando a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRS, referentes ao ano 2018, identificadas com os n.ºs 2022 ... e 2022 ..., com os valores, respetivamente, de € 71.293,60 e de € 72.260,12, e a sua consequente anulação, na parte respeitante à tributação que incidiu sobre as correções ao rendimento coletável, Categoria A do IRS, nos montantes de 139.257,48 e de 141.761,52, quanto ao Primeiro e à Segunda Requerentes, respetivamente, com fundamento na sua ilegalidade, por errónea qualificação e quantificação dos factos tributários e por vício da fundamentação legalmente exigida, nos termos previstos no artigo 99.º, alíneas a) e c), do CPPT.
2. Os Requerentes fundamentam o pedido de pronúncia arbitral, em síntese, nos seguintes termos:
a) Os Requerentes alegam que os atos tributários impugnados se encontram suportados numa fundamentação que se revela não adequada, insuficiente, meramente conclusiva e incongruente e que, no mínimo, deixa dúvidas fundadas sobre a existência, a qualificação e a quantificação do facto tributário, pelo que não obedece aos indispensáveis requisitos de fundamentação dos atos tributários, como exige o artigo 77º da LGT;
b) Segundo os Requerentes, os relatórios inspetivos não só não estabeleceram qualquer relação de correspondência entre as quantias recebidas pelos sócios, ora Requerentes, e qualquer prestação de trabalho, por eles, à sua sociedade como entidade patronal, como também não procederam à subsunção normativa adequada, da incidência tributária sobre os factos descritos, a título de tributação do trabalho dependente – Categoria A;
c) Por um lado, a fundamentação dos RIT alega que não foi prestado qualquer trabalho nem realizada qualquer deslocação em automóvel próprio ao serviço da
entidade patronal, como prevê a norma de delimitação negativa da incidência da
alínea d), do nº 3, do artigo 2º do CIRS; por outro, a mesma fundamentação conclui que os valores recebidos pelos Requerentes são tributáveis como rendimentos da Categoria A, por força daquela mesma norma legal;
d) Entendem os Requerentes que esta fundamentação não só é incongruente, como é, também, meramente conclusiva e até contraditória nos seus termos, na medida em que, por um lado, se afirma, claramente, que os montantes em causa não são ajudas de custo, e por outro, se conclui que os mesmos valores devem ser tributados em IRS, ao abrigo da norma de incidência que prevê a tributação, precisamente, das ajudas de custo;
e) Alegam os Requerentes que os serviços da AT também não lograram demonstrar o carácter remuneratório dos valores em causa recebidos pelos Requerentes, nem a existência de uma correspetividade entre o recebimento dos valores em causa pelos Requerentes, sócios da sociedade, e a sua prestação de trabalho, pelo que, sem essa demonstração, não é possível qualificar o recebimento dos valores em causa como sendo rendimentos do trabalho dependente;
f) Os Requerentes sustentam que a errónea qualificação dos factos tributários e a falta de fundamentação suficiente dos atos impugnados, determina a anulação destes, por ilegalidade, decorrente de erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do IRS, e por vício de forma, por violação do disposto nos artigos 74.º, n.º1, e 77.º, n.º 1, ambos da LGT;
g) Entendem, ainda, os Requerentes, sem conceder, que mesmo que o tribunal arbitral considerasse que, após a prova produzida, subsistem dúvidas fundadas sobre a existência e quantificação do facto tributário, sempre deveria declarar a ilegalidade das liquidações e deveriam os atos aqui impugnados ser anulados, por força do disposto no artigo 100º, nº 1, do CPPT.
3. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 18-04-2023.
5. A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 24-04-2023.
6. Os signatários foram designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a), e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.
7. Em 09-06-2023 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
8. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 27-06-2023.
9. Na mesma data foi a Requerida notificada para apresentar Resposta.
10. A Requerida apresentou a sua Resposta em 18-09-2023, na qual apresenta defesa por impugnação, sustentando a legalidade das liquidações sub judice e a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com os fundamentos constantes do Relatório Final do Relatório de Inspeção tributária (RIT) e da decisão de pronúncia da DSIRS, tendente à manutenção dos atos contestados, bem como o RIT da inspeção realizada à sociedade comercial de que os ora Requerentes são sócios, que determinam a qualificação das importâncias recebidas pelos Requerentes, e por estes contestadas nos autos, como rendimentos do trabalho dependente, consequentemente sujeitos a tributação, em IRS, no âmbito da Categoria A de rendimentos, nos termos da alínea d) do nº 3 do artigo 2.º do CIRS.
11. Em 17-01-2024, realizou-se a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pelos Requerentes – C... e D...–, tendo o tribunal determinado que o processo prosseguisse com a produção de alegações escritas, concedendo às partes o prazo de 15 dias para o efeito.
12. A Requerida apresentou as suas alegações em 01-02-2024, reiterando a argumentação expendida em sede de resposta.
13. Os Requerentes apresentaram as suas alegações em 02-02-2024, mantendo, no essencial, os argumentos contidos no pedido de pronúncia arbitral, manifestando o entendimento de que não resulta da fundamentação dos atos de liquidação impugnados, nem da prova testemunhal produzida, que os valores recebidos pelos Requerentes fossem provenientes da prestação de trabalho por conta de outrem ou de remunerações do exercício de funções de gerência, nem do excesso dos limites legais de ajudas de custo ou de importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal.
 
II – SANEADOR
14. A apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi tempestiva.
15. Verificam-se os requisitos para a coligação de autores, previstos no artigo 104.º, n.º 1, do CPPT.
16. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
17. Não foram alegadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
18. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.
 
III – FACTOS RELEVANTES
§1. Factos provados
19. Consideram-se provados os seguintes factos:
a) Os Requerentes, no ano de 2018, eram, ambos, gerentes da sociedade E... Lda., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ...;
b) Pelo exercício da sua função de gerentes auferiam daquela sociedade, em 2018, rendimentos da Categoria A, no valor de 12.600,00 euros, cada um, os quais foram sujeitos a retenção na fonte de IRS de 1.332,00 e a contribuições para a segurança social de 1.386,00 euros;
c) Os Requerentes, ainda em 2018, receberam, igualmente, ajudas de custo nos montantes de 35.986,16, para o Primeiro Requerente, e de 35.785,68, para a Segunda Requerente;
d) Os Requerentes, em 2018, também eram os únicos sócios da referida sociedade;
e) Os Requerentes, em 2018, receberam daquela sociedade os valores de € 139.257,48 para o Primeiro Requerente e de € 141.761,52 para a Segunda Requerente, formalmente, a título de deslocações em viaturas dos próprios em serviço da entidade patronal;
f) Em 2022, os serviços da AT realizaram uma inspeção interna à empresa E..., LDA, de que os ora Requerentes eram, à data, sócios-gerentes;
g) O RIT da inspeção realizada à empresa, que se dá como integralmente reproduzido, consta do PA junto aos autos pela Requerida, e nele é afirmado, designadamente, o seguinte:
 
 
[…]
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
h) Os pagamentos feitos aos ora Requerentes, que geraram as liquidações adicionais contestadas nos presentes autos, foram-no com caráter regular, em conjunto com as remunerações salariais devidas aos mesmos, na sua qualidade de gerentes da empresa;
i) As viaturas utilizadas não realizaram o número de quilómetros indicados nos mapas de despesas de representação e ajudas de custo em Km(s) efetuados em viatura própria do trabalhador, referentes aos dois sócios-gerentes da empresa, ora Requerentes;
j) Não foram feitas retenções na fonte, a qualquer título, sobre as importâncias pagas;
k) Em 13/09/2022, a Segunda Requerente e, em 28/09/2022, o Primeiro Requerente, foram notificados do início do respetivo procedimento inspetivo interno;
l) Em resultado das referidas análises internas, foi entendido pelos serviços fiscais que os valores de € 139.257,48, para o Primeiro Requerente, e de € 141.761,52, para a Segunda Requerente, não teriam sido recebidos a título de importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, com o fundamento de que os Requerentes não teriam realizado aquelas deslocações;
m) Do RIT referente ao Primeiro Requerente, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, a seguinte fundamentação:
 
 
 
 
 
 
 
 
n) Do RIT referente à Segunda Requerente, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, a seguinte fundamentação:
 
 
o) Em consequência dos RIT, foram emitidas, em 02/12/2022, ambas as liquidações adicionais de IRS, objeto dos presentes autos;
p) Os Requerentes procederam ao pagamento do imposto resultante das liquidações adicionais contestadas nos presentes autos em 13/01/2023;
q) Em 17/04/2023 os Requerentes submeteram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem aos presentes autos;
r) Por Despacho da Subdiretor-Geral dos Impostos, por delegação de competências, com data de 26/07/2023, a Requerida decidiu manter os atos contestados;
s) A prova testemunhal produzida corroborou as conclusões dos RIT individuais.
 
§2. Factos não provados
20. Os Requerentes não lograram provar que as importâncias de € 139.257,48, recebidas pelo Primeiro Requerente, e de € 141.761,52, recebidas pela Segunda Requerente, têm caráter compensatório, ou que foram pagas pela empresa de que eram sócios-gerentes a outro título que não o de remuneração da sua atividade enquanto gerentes da empresa, enquadrável na Categoria A do IRS.
 
§3. Motivação quanto à matéria de facto
21. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. 
22. Os factos pertinentes para a decisão são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito [cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
23. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, a prova testemunhal e as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
 
IV – MATÉRIA DE DIREITO
24. A questão a decidir, sobre se os atos de liquidação contestados são ou não ilegais, prende-se com saber se está ou não correta a qualificação dos montantes recebidos pelos Requerentes, como rendimentos da Categoria A de IRS, nos termos do artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do CIRS, como se entendeu nos RIT, e se a respetiva fundamentação obedece aos requisitos legais dos artigos 74.º, n.º 1, e 77.º, nº 1, da LGT.
25. Resulta da factualidade dada como provada que os montantes em causa foram pagos aos Requerentes pela empresa de que eram, à data dos factos, sócios-gerentes.
26. De acordo com a contabilidade da empresa, esses montantes foram pagos aos Requerentes a título de deslocações em viaturas dos próprios em serviço da entidade patronal.
27. Se assim fosse, o pagamento de tais montantes teria um caráter compensatório, e não remuneratório, o que afastaria a sua tributação em IRS, no âmbito da Categoria A, desde que observados os requisitos definidos no artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do CIRS, que dispõe o seguinte:
“3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:
[…]
d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”.
28. Naturalmente, um dos pressupostos para que um sujeito passivo possa beneficiar da não tributação das importâncias que lhe tenham sido pagas pelo uso de viatura própria em serviço da entidade patronal, é que esse uso tenha efetivamente existido, de outro modo tem de se concluir que os pagamentos feitos não tiveram caráter compensatório, mas sim remuneratório, ficando sujeitos a IRS com base no preceito citado supra, contido no artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do CIRS.
29. A AT fez prova de que os montantes pagos aos Requerentes não tinham um caráter compensatório pela utilização de viatura própria em serviço da empresa, cumprindo o ónus da prova decorrente do artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
30. Impendia sobre os Requerentes o ónus de provar que os pagamentos em causa tinham um caráter compensatório, que justificasse a não tributação, ou que tinham uma natureza distinta daquela que resulta da contabilidade da empresa – rendimentos do trabalho dependente –, que justificasse a sua tributação de acordo com as regras de outra categoria de rendimentos. Todavia, não o fez.   
31. Atuou, pois, de forma legal a AT ao sujeitar a tributação como rendimento do trabalho dependente as importâncias em causa, com base no disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do CIRS.
32. Vejamos agora a questão da fundamentação.
33. O artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe que “Os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. 
34. Também os artigos 150.º, n.º 1, 152.º, n.º 1 e 153.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) exigem que os atos administrativos sejam escritos e fundamentados, sendo que “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão”.
35. O artigo 77.º da LGT impõe que a decisão da administração fiscal seja “sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram”, sendo que essa fundamentação “pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
36. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), o ato deve considerar-se fundamentado quando “o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese” (cf. Acórdão do STA de 12-03-2014, Processo n.º 01674/13).
37. No caso sub judice, os RIT explicitam, em termos suficientes, as razões de facto e de direito para as correções propostas, que deram origem às liquidações adicionais, designadamente quando neles se refere que os montantes auferidos  “[…] não correspondem a valores atribuídos pela empresa para compensar despesas de viagens efetivas do sócio gerente, mas sim a rendimentos sujeitos a tributação na categoria A, nos termos da alínea d) do nº 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez que não foram observados os pressupostos da sua atribuição”.
38. Esta fundamentação, de facto e de direito, é inteligível, desde logo, porque os Requerentes impugnam os atos da Requerida sem aparentes dificuldades quanto à definição do objeto e respetiva argumentação.
39. Pelo exposto, conclui-se que não existe qualquer vício de fundamentação que possa determinar a ilegalidade dos atos contestados.
40. Finalmente, contrariamente ao que sustentam os Requerentes, não se justifica, no caso vertente a aplicação do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que determina que “[s]empre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.
41. Da factualidade dada como assente não subsiste qualquer dúvida quanto à existência ou à quantificação do facto tributário.
42. Quando muito, poderia falar-se em dúvidas quanto à qualificação do facto tributário, que para a Requerida são rendimentos da Categoria A e, para os Requerentes, poderiam ser qualificados como rendimentos de outra categoria, designadamente a E, embora sem fazer prova da natureza diversa dos montantes auferidos.
43. Como bem assinala Jorge Lopes de Sousa, o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT não é aplicável a situações de dúvida quanto à qualificação jurídica, uma vez que “uma questão de qualificação de um facto tributário é uma questão jurídica e, no campo de aplicação do direito, o tribunal não pode ficar com dúvidas, tendo o dever de julgar mesmo em casos de falta ou obscuridade da lei (art. 8.º, n.º 1, do CC)” [Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. II, 6.ª ed., 2011, p. 135].
44. Em conclusão, os atos contestados não padecem de qualquer vício que justifique a sua anulação e, consequentemente, não se reconhece o direito ao reembolso dos montantes de imposto pagos nem aos juros indemnizatórios peticionados pelos Requerentes.
V – DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido, com todas as consequências legais.
 
VI- VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 143.553,72.
 
VI – CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.
 
Notifique-se.
 
Lisboa, 07 de fevereiro de 2024
Os árbitros,
 
 
Rui Duarte Morais
 
Manuel Faustino
 
Paulo Nogueira da Costa 
(Relator)