Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 770/2022-T
Data da decisão: 2023-07-02  IMI  
Valor do pedido: € 195.340,29
Tema: AIMI-Valor Patrimonial Tributário; terreno para construção; revisão oficiosa (artigo 78º, n º 4 da Lei Geral Tributária).
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SUMÁRIO:

 

Consideram-se reunidos todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º de LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente a liquidação relativa aos anos de 2019 e 2020.

Justificando-se, por isso, a anulação do indeferimento tácito no que concerne aos exercícios fiscais de 2019 e 2020, bem como a anulação destas liquidações, nos termos do artigo 163º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO                                               

 

1. A...,S.A. (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo) com o NIF..., com sede na Rua ..., nº ..., ...-... Lisboa, apresentou em 2022-12-13 pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto a alínea a) do nº 1 do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, (doravante referido como RJTA), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A, de 2 de Março, em que é requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante  designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de nulidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, e consequentemente a declaração de ilegalidade parcial dos actos de tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), nºs 2019... e 2020..., com referência, respectivamente, aos anos de 2019 e 2020, no montante glocal de 195.340,29€.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2022-12-14 e notificado à Requerida, nos termos legais nessa mesma data.

 

3.Nos termos, e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários, que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. Em 2023-01-31, foram as partes notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 3, alíneas a) e b) do RJAT, na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

5. O tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 2023-02-20 de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

6.Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2023-02-21, a Requerida apresentou em 2023-03-27 a sua resposta, tendo nessa mesma data procedido à junção de um mapa onde estão descritos “atos de fixação de valor patrimonial suscetíveis de anulação administrativa”.

 

7. Através de despacho de 30 de Março de 2023 foi a Requerente notificada para exercer, querendo o contraditório face à matéria de excepção suscitada pela AT no seu articulado de resposta,

 

8.Com data de 2023-04-11, veio a Requerente juntar aos autos a sua pronúncia quanto às referidas excepções.

 

9. Por despacho proferido em 2023-04-11, devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a apresentar, querendo, alegações escritas, e designada como data limite para a prolação da decisão e sua notificação às partes a data de 20 de Agosto de 2023.

 

10. A Requerente apresentou em 2023-04-24 alegações escritas, onde, fundamentalmente, reitera e reforça o constante das suas peças processuais, procedendo ainda à indicação de jurisprudência em abono da sua tese traçando ainda um quadro conclusivo das suas alegações.

 

10. A AT não apresentou alegações escritas.

 

11. A fundamentar o seu pedido, a Requerente invoca em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);

 

11.1.No âmbito da sua actividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para habitação (cfr, artigo 26º do ppa);

Neste contexto, a Requerente foi notificada dos seguintes actos tributários de liquidação de AIMI:

i. Liquidação com o nº  2019 ... referente ao ano de 2019, no montante total de € 1.226,181,53,

ii. Liquidação com o nº 2020... referente ao ano de 2019, no montante total de € 977.696,51 (cfr, artigo 27º do ppa e documento nº 3 com o mesmo junto);

 

11.2. Em parte as liquidações de AIMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores esses que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) afectação e/ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante do nº 1 do artigo 39º do Código do IMI, conforme demonstrado nas cadernetas prediais urbanas. (cfr. artigo 28º do ppa e documento nº 4 com o mesmo junto):

 

11.3.(iii) nos anos sub judice (2019 e 2020) relativamente aos terrenos para construção a AT liquidou um montante de tributo superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da colecta de AIMI referenta a estes anos. (cfr. artigo 36º do ppa):

 

11.4.(…)  relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente, a AT não rectificou as respectivas coletas de AIMI, mantendo-se assim na ordem jurídica a existência de um montante de AIMI superior ao montante legal e efectivamente devido, a saber:

i.colecta de AIMI em excesso em resultado dos valores patrimoniais tributários de tais terrenos para construção terem sido calculados com a aplicação errónea de coeficiente de localização, de afectação e/ou qualidade e conforto, conforme colecta de AIMI liquidada em excesso.

ii. colecta de AIMI em excesso em resultado dos valores patrimoniais tributários de tais terrenos para construção terem sido calculados com a aplicação errónea do valor base dos prédios edificados (Vc / a majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no nº 1 do artigo 39º do Código do IMI, conforme colecta de AIMI liquidada em excesso melhor detalhada nas tabelas 3 e 4 juntas em anexo como Documento 7.

 (cfr. artigo 37º do ppa e documentos nºs 6 e 7 com o mesmo juntos);

 

11.5.(…) relativamente ao conjunto de terrenos para construção objecto dos actos tributários de liquidação  de AIMI (…) afigura-se claro que, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto  aplicáveis, bem como  a majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no nº 1 do artigo 38º do Código do IMI, aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da colecta de AIMI destas liquidações (coeficientes e majoração que conforme explicado infra não deveriam ter sido aplicados para efeitos de determinação destes valores) resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram, efectivamente, utilizados para efeitos deste cálculo do imposto. (cfr. artigo 38º do ppa);

 

11.6 Deste modo a desconsideração dos coeficientes acima elencados, bem como a majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constate no nº 1 do artigo 39º do Código do IMI, traduz-se numa redução significativa dos valores patrimoniais tributários destes terrenos, e, consequentemente da colecta de AIMI sobre os mesmos. (cfr. artigo 39º do ppa):

 

11.7. Consequentemente, estamos perante um erro nos pressupostos de facto e de direito do qual resulta em ilegais liquidações (parciais) de AIMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável de AIMI e da qual resulta uma colecta ilegal deste imposto (cfr. artigo 40º do ppa);

 

Refere ainda a Requerente que,

 

11.8. (…) a interpretação do artigo 45º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38º do Código do IMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação- sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal ínsito na alínea i) do nº 1 do artigo 165º, e no nº 2 do artigo 103º, ambos da CRP (cfr. artigo 146º do ppa);

 

*****

 

11.9. Culmina a Requerente o seu pedido principal no sentido de que “sejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de AIMI supra identificadas, porque contrárias à lei, padeceram de erro nos pressupostos de facto e de direito”: e que “seja a AT condenada a reembolsar a Requerente do valor do AIMI pago em excesso, no montante global de € 195.340,29 relativamente às liquidações sub judice , e, bem assim condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal até integral reembolso do montante referido”

 

Formulou ainda a Requerente pedido a título subsidiário cujo conhecimento se encontra prejudicado, como se determinará infra.

 

 

11.10. A Requerente veio ainda responder às excepções suscitadas pela AT no seu articulado de resposta, particularmente no que tange à alegada inimpugnabilidade dos actos tributários de liquidação de AIMI, pronunciando-se ainda sobre a  inaplicabilidade da jurisprudência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23/02/2023, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido da sua não aplicabilidade ao caso subjacente.

 

 

12.Como referido, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu em 2023-03-27 à junção da sua resposta, onde embora não expressamente identificada, se defende fundamentalmente por excepção e, em particular sobre a questão da inimpugnabilidade dos actos de liquidação de AIMI, com fundamento em vícios que afetam a fixação do valor patrimonial tributário que tais actos tiveram por pressuposto, dizendo, em breve o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);

 

12.1.” [que] a Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor Patrimonial Tributário (VPT). (cfr. artigo 3º da resposta);

 

12.2. Na verdade, a presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. (cfr. artigo 4º da resposta);

 

12.3.Aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento, (cfr. artigo 5º da resposta);

 

12.4.O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.(cfr. artigo 6º da resposta);

 

12.5. Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo. (cfr. artigo 7º da resposta);

 

12.6. Nos presentes autos vem requerida a declaração de ilegalidade das liquidações de AIMI referentes aos anos de 2019 e 2020, com fundamento na aplicação indevida dos coeficientes   de afetação e de localização previstos no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI na avaliação dos terrenos para construção identificados nos autos. (cfr. artigo 8º da resposta);

 

12.7. A jurisprudência tem entendido que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, pelo que a aplicação dos referidos coeficientes avaliativos acarreta a ilegalidade do ato de fixação de valores patrimoniais. (cfr. artigo 9º da resposta);

12.8. Importa desde já sublinhar que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção releva a regra específica constante do artigo 45º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto (cfr. artigo 13º da resposta):

A AT, convoca ainda o acórdão uniformizador de jurisprudência de 23.02.2023, prolatado no âmbito do processo nº 102/22.2BALSB, do STA.         

12.9. Para concluir que “eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

12.10.A Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor Patrimonial Tributário (VPT), os quais constituem atos finais do procedimento de avaliação. (cfr. artigo 23º da resposta);

12.11. O que o Requerente contesta é, apenas e só o ato de fixação do VPT e não o ato de liquidação. (cfr. artigo 26º da resposta);

12.12. “(…) atos de fixação do VPT não são atos de liquidação. (cfr. artigo 27º da resposta);

12.13. São atos autónomos e individualizados com eficácia própria e diretamente sindicáveis que põem fim ao procedimento de avaliação. (cfr. artigo 28º da resposta);

12.14. Esta é uma das situações em que o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86º da Lei geral Tributária (LGT).

Após dissecação a que procede relativamente ao recente acórdão uniformizador, continua a sua argumentação no seguinte sentido;

12.15. Caso o ato que fixa o valor patrimonial tributário não seja impugnado nos termos e prazo fixado consolida-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.(cfr. artigo 34º da resposta);

12.16. Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2ª avaliação e não na posterior liquidação consequente. (cfr. artigo 35ºda resposta);

12.17. No caso em apreço, não tendo o Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1ª avaliação, requerendo uma 2ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.(cfr. artigo 37º da resposta);

12.18.Em face de todo o  exposto  fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnado nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.(cfr. artigo 38º  da resposta);

12.19. Apesar [da] questão na inadmissibilidade do pedido de revisão oficiosa sobre esta matéria estar resolvida face à Uniformização da Jurisprudência do Acórdão de 23.02.2023 do Supremo Tribunal Administrativo, o pedido de revisão oficiosa – tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações e de interposição da presente ação -  sempre seria intempestivo face ao prazo previsto no nº 4 do artigo 78º da Lei Geral Tributária. (cfr. artigo 43º da resposta);

12.20. A atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção por parte da Requerida já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38º ou do 45º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção.(cfr. artigo 44º da resposta):

12.21. Finaliza a Requerida a sua resposta/contestação no sentido de não haver lugar a quaisquer juros indemnizatórios, pugnando que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado.

 

13. O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

14. As partes têm personalidade e capacidade judiciária  estão devida e legalmente representadas (artigos 3º  e 15º do Código de Procedimento  e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT.

 

15.A acção é tempestiva, tendo o pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de noventa dias previsto no artigo 10º, nº 1 do RJAT, de acordo com a remissão para o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

16. Foi suscitada pela AT matéria de excepção que será analisada mais adiante

 

17. O processo não enferma de nulidades.

 

18. Inexiste, deste modo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

 

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, e do “mapa” junto pela AT, consideram-se provados os seguintes factos;

 

a.  A Requerente, nos anos de 2019 e 2020 era proprietária de vários prédios, incluindo terrenos para construção melhor identificados nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral cujos teores se dão como reproduzidos ;

 

b. A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

i. Liquidação com o nº 2019..., respeitante ao ano de 2019, no montante total de € 1.226.181,53,

ii. Liquidação com o nº 2020..., referente ao ano de 2020, no montante total de € 977.696,51 melhor identificadas sob o documento nº 3, junto do o pedido de pronúncia arbitral,

 

c. Em parte, as liquidações de IMI e AIMI subjacentes tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e dos correspondentes impostos a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e/ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no nº 1 do artigo 39º do Código do IMI,

 

d. Em 20 de Julho de 2022 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa com vista à anulação (parcial) do acto tributário do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis nº 2019... e nº 202º..., referentes aos anos de 2019 e 2020, no montante global de 195.340,29 €,

 

e. O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 2022-12-13, data em que a Requerente dirigiu ao CAAD pedido de constituição de Tribunal Arbitral, que deu origem ao presente processo.

 

f. A Requerente pagou as quantias liquidadas.

 

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, inexistem factos que devam considerar-se não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria dada como provada, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr, artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 670º, nº 3 do CPCivil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 2, alíneas a) e e) do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da(s) questão (ões) de Direito (cfr, artigo 596º do CPCivil, ex vi artigo 29º, alínea e) do RJAT).

 

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo, e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr, artº 607º, nº 3 do CPCivil, na redação conferida pela Lei nº 43/2013, de 26 de Junho).

 

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontrem pré-estabelecidos por lei (vg, força probatória dos documentos autênticos (cfr, artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Deste modo tendo, em consideração, as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º nº 7 do CPPT, e a prova documental carreada para os autos, consideram-se provados com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insusceptíveis de prova, e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

- questões a dirimir

Nos presentes autos está em causa a impugnabilidade de actos tributários de liquidação de AIMI, com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário.

 

Consistindo a questão prevalecente, na análise e decisão, sobre um acto tácito de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78º, nº 4 da LGT que, por seu turno, tinha por objecto diversos actos de liquidação do AIMI.

Importará, deste modo, saber se a Requerente teria o direito à revisão dos actos impugnados administrativamente, com fundamento na injustiça grave ou notória da matéria tributável em que tais actos assentaram.

 

- nota preliminar

 

As questões a apreciar e decidir no âmbito dos presentes autos, têm sido objecto de várias decisões arbitrais proferidas sob a égide do CAAD, e de entre várias outras, as decorrentes dos processos nºs 253/2021-T, 539/2021-T, 676/2021-T, e 769/2022-T, cuja factualidade é em tudo semelhante à que emerge dos presentes autos, com as quais nos identificamos e subscrevemos, com as necessárias adaptações, sem quaisquer reservas, quer quanto à motivação, quer quanto ao sentido decisório.

 

Acresce que, face ao disposto no nº 3 do artigo 8º do Código Civil, “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.

 

Assim sendo, e em conformidade com o que acaba de dizer-se, seguir-se-á data vénia, em parte substancial e transponível, com as necessárias adaptações, o que vem dito na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 769/2021-T, sinalizando-se, que a mesma foi proferida em 11 de Abril de 2023, ou seja, em data posterior ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23-02-2023, no âmbito do processo nº 102/22.BALSB, do STA.

 

Vejamos pois, o que ressalta do acórdão arbitral proferido no âmbito do processo nº 769/2021-T, de 11 de Abril de 2023.

 

“(…) Por força do preceituado no artigo 15º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é “susceptível , nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa” (artigo 86º, nº1 da LGT).

Nos termos do nº 2 do mesmo artigo 86º da LGT, “a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”.

 Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134º do CPPT, em que se estabelece que:

 

atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade” (nº 1); e

 

“ a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”(nº 7)”.

 

“Como decorre do nº 1 do artigo 134ª, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, “com fundamento em qualquer ilegalidade”, e do nº 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação  que a tenham como pressuposto, como são os IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

 

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76º, nº 1, do CIMI).

 

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77º, nº 1 do CIMI).

 

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

 

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamento de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por  esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos nºs 1 e 7 do artigo 134º do CPPT.

 

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, torna-se caso decidido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que “o imposto liquidado anualmente em cada município pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” (artigo 113º do CIMI”

“(…)

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134º, nºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos nºs 1 e 6 do artigo 155º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

- de 30-06-1999, processo nº 023160;

- de 02-04-2003, processo nº 020007/02;

- de 06-02-2011, processo nº 037/11;

- de 19-09-2012, processo nº 0659/12;

- de 5-02-2015, processo nº 08/13;

- de 13-7-2016, processo nº 0173/16;

- de 10-05-2012, processo nº 0885/16.”

 

Retirando-se ainda da decisão arbitral que temos vindo a seguir;

 

“Pelo exposto, as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de IMI, susceptíveis de serem invocadas em processo impugnatório destes actos.

 

 

“ (…)Tendo as liquidações sido efectuadas  com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de Dezembro do ano a  que respeita o IMI, não há erro da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido ao abrigo do nº1 do artigo 78º da LGT,

 

Culmina  o acórdão que vimos citando que “tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a esta questão, o que é reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no recente acórdão uniformizador de jurisprudência de 23.02.2023, processo nº 102/22.2BALSB ”.

 

 

Não obstante o acórdão uniformizador tenha subjacente situação factual diversa da dos presentes autos, o que desde logo determinaria a sua não aplicabilidade ao caso concreto, não se pronuncia, e para o que aqui importa particularmente, sobre a revisão oficiosa prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT.

 

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Isto posto,

 

E relativamente aos condicionalismos / requisitos decorrentes dos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, seguimos, também aqui com as necessárias adaptações, a jurisprudência que decorre da decisão arbitral, no processo nº 487/2020-T do CAAD­:
 

“(…) verificada a tempestividade do pedido teremos que apreciar se a fixação dos valores patrimoniais resultam de qualquer informação incorretamente prestada pela Requerente relativamente à natureza dos prédios, o que não se verifica, uma vez que a avaliação foi realizada pela AT, com base numa fórmula prevista na Lei, sem qualquer intervenção da Requerente. Esta circunstância afasta qualquer comportamento negligente da sua parte. Antes pelo contrário, o erro tem de ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação de valores patrimoniais dos terrenos para construção, as normas legais aplicáveis  aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção x causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT.

Tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45º do CIMI e consequentemente aos atos de liquidação de IMI desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis, o que se traduz em “injustiça grave ou notória”, ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 4 do artigo 78º da LGT.

Aqui chegados constatamos a verificação de todos os requisitos exigíveis para a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pelo que, a Requerida, ao invés de deixar operar a indeferimento tácito, deveria ter proferido despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, com a consequente anulação parcial das liquidações [de 2019 e 2020]

 

Ora,

 

Descendo ao caso que subjaz dos presentes autos, verificando-se todos os requisitos constantes dos números 4 e 5 do artigo 78º da LGT exigíveis para a revisão da matéria tributável, “a Requerida, ao invés de deixar operar o indeferimento tácto, deveria ter proferido despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa.”

 

 Nesta perspetiva justifica-se a anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações respeitantes aos anos [de 2019 e 2020] e a sua consequente anulação parcial, ao abrigo do artigo 163º, nº 1 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT

                              

C) Questões de conhecimento prejudicado

 

Procedendo, ainda que parcialmente, o pedido de pronúncia arbitral, nos termos mencionados, que se reflete na ilegalidade da liquidação impugnada, que assegura eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questões suscitas, em especial as de inconstitucionalidade, de harmonia com os artigos 130º e 608º, nº 2, do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

 

 

 

III. REEMBOLSO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

Como consequência da anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, o que é consequência da anulação.

A Autoridade Tributária e Aduaneira diz que o Tribunal não possui todos os elementos necessários para fixar o valor a reembolsar, pelo que este deve ser fixado em execução do presente acórdão.

Afigura-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão, pois a determinação do valor exacto a reembolsar depende da determinação dos valores das avaliações de cada um dos prédios e do que, entretanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira pode ter já reembolsado, na sequência da anulação parcial e comunicou ter efectuado.

Por isso, o valor a reembolsar deverá ser fixado em execução do presente acórdão.

 

Quanto aos juros indemnizatórios o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 20-07-2022, pelo que apenas a partir de 20-07-2023 haveria direito a direito a juros indemnizatórios.

Por isso, improcede o pedido de juros indemnizatórios.

 

 

IV. DECISÃO

 

Face ao que vem exposto, acorda este Tribunal Arbitral Tributário em:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
  3. Anular parcialmente os actos de liquidação de AIMI, com referência aos anos de 2019 e 2020, no montante de 195.340,29 €;
  4. Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for determinada em execução de sentença;
  5. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Requerida deste pedido. 

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 195.340,29 € (cento de noventa e cinco mil trezentos e quarenta euros e vinte e nove cêntimos)

 

VI.CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I à mesma anexa, fixa-se montante de custas em 3.672,00 € (três mil seiscentos e setenta e dois euros), a cargo da Requerida.

 

 

NOTIFIQUE

 

Lisboa, 2 de Julho de 2023.

 

[A redação da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]

 

O Tribunal Colectivo

 

Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

José Coutinho Pires

(Árbitro Vogal)

 

Maria Alexandra Mesquita

( Árbitro Vogal)