Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 724/2023-T
Data da decisão: 2024-02-23  IRC  
Valor do pedido: € 62.231,44
Tema: IRC. Perdas por imparidade. Princípio da especialização dos exercícios. Princípio da justiça.
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 724/2023-T

 

            Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Maria da Graça Martins e Prof. Doutor Rui Miguel Zeferino Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 27-12-2023, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A... LDA, com o NIF..., com sede na Rua ... n.º ..., ...-... ..., (doravante, abreviadamente designada, por «Requerente»), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), pretendendo declaração de ilegalidade e anulação das correcções à matéria colectável de IRC no valor de € 253.044,39 e tributação autónoma no valor de € 2.486,00 efectuadas pela Administração Tributária, bem como da consequente liquidação adicional de IRC referente a 2019, com o n.º 2023..., no valor de € 61.660,36.

A Requerente pede ainda ao reembolso do imposto entregue nos cofres do Estado (€ 62.231,44), bem como da taxa arbitral.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16-10-2023.

Os Árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 15-11-2023.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 27-12-2023.

A AT apresentou resposta em que suscitou a questão do valor da causa, defendeu, em suma, que a correcção relativa a tributação autónoma não foi incluída na liquidação e que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

 Por despacho de 21-02-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

O tribunal arbitral é competente.

 

 

            2. Matéria de facto

 

  1. Em 08-09-2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou à Requerente o email cuja cópia consta dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, em que solicita que, no âmbito do procedimento interno de inspecção determinado pelo Despacho de Serviço n.º DI2021...para o exercício de 2019, a Requerente enviasse os elementos relativos a perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes (campos A5010 e A5968 de IES/DA, 249.202,89€);
  2. A documentação solicitada foi remetida à Autoridade Tributária e Aduaneira, em anexo aos emails datados de 08-10-2021, que consta do documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. Nada foi comunicado à Requerente na sequência desse processo inspectivo;
  4. Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente a coberto da Ordem de serviço externa n.º OI2022..., datada de 26-10-2022, inicialmente de âmbito parcial, tendo sido posteriormente alterado para âmbito geral, que culminou em: quatro correções ao lucro tributável, no valor total de €253.044,39; duas correções ao imposto em falta – tributação autónoma, no valor de €2.486,60; e, ainda correção em sede de IVA – Iva deduzido indevidamente, no valor de €1.616,01;
  5. Nessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

V.1 Em sede de IRC

V.1.1. Correções ao Lucro Tributável

V.1.1.1. Perdas por imparidade em créditos de clientes, não dedutíveis para efeitos fiscais

O sujeito passivo registou na conta "6511- Perdas por imparidade - Em dívidas a receber - Clientes" o valor de 249.202,89€ relativo à constituição de perda por imparidade, conforme valor por si apurado no "Mapa de Ajustamento de Clientes", que se junta em anexo 2.

 

Análise da Situação

No referido "Mapa de Ajustamento de Clientes" consta o Nome dos Clientes, a identificação das faturas, valor, data de vencimento, antiguidade dos saldos e o apuramento da constituição da imparidade.

Pela análise dos extratos da conta corrente dos clientes e análise dos documentos validaram-se os elementos constantes no referido mapa. Após essa análise e os esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo constatou-se que:

- os créditos encontram-se em mora há mais de 6 meses, sendo a maioria em mora superior a 24 meses, conforme se discrimina:

 

- Em 31/12/2019 foi reconhecida a perda por imparidade, movimentando a débito a Conta "6511- Perdas por imparidade - Em dívidas a receber - Clientes", e a crédito a Conta "219110 - Clientes perdas de imparidade", no valor de 249.202,89€. Valor esse apurado pela aplicação das percentagens dispostas no n.°2 do artigo 28° B, conforme se extraí do "Mapa de Ajustamento de Clientes":

 

- Os valores dos créditos em mora mantêm-se na conta "2111100 Clientes c/c - Gerais", não foram transferidos para a conta "2171100 Clientes - Clientes Gerais - Em Mora - Nacionais";

- O Sujeito passivo entregou processos ao seu advogado para realizar as diligências de solicitar o recebimento dos créditos em mora. Nesse sentido o advogado realizou as referidas diligências, com o envio de carta registada, para os seguintes clientes:

 

 

- Reclamou judicialmente, em anos anteriores, os créditos dos seguintes clientes:

 

- Referente aos restantes créditos de clientes, não existe prova de ter efetuado diligências para o seu recebimento, ou a mesma veio a efetuar-se apenas no ano de 2020:

 

 

(...)

 

 

Conclusões

Tendo em conta o enquadramento fiscal e contabilístico subjacente ao reconhecimento de imparidades em dívidas a receber, procedemos a analise da constituição da perda por imparidade em dívidas a receber, para cada um dos clientes contantes no "Mapa de ajustamento de clientes", (anexo 2), tendo-se concluído que:

-  As perdas por imparidades estão relacionadas com créditos resultantes da atividade normal da empresa, uma vez que os créditos resultam de faturas de venda de mercadorias;

- Os créditos podem ser considerados de cobrança duvidosa, pela sua antiguidade;

- O risco de incobrabilidade está devidamente justificado;

- Existem evidências objetivas de imparidade.

No entanto, as perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa devem ser reconhecidas no período em que o risco de incobrabilidade e constatado. Assim, se num dado período um crédito se enquadra em alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 28º - B do Código do IRC, o sujeito passive devera reconhecer a correspondente perda por imparidade de imediato, mesmo que posteriormente esse crédito possa ser enquadrado noutra alínea desse artigo, uma vez que se não o fizer, correrá o risco dessa imparidade não ser aceite fiscalmente em período posterior.

 

Em cada data de relato, uma entidade deve avaliar a imparidade de todos os ativos financeiros e se existir uma evidência objetiva de imparidade, a entidade deve reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resultados (NCRF 27).

Na situação em apreço, estamos perante as seguintes situações:

a)  O Sujeito passivo reconheceu, que alguns dos créditos de clientes que se encontravam em mora seriam de cobrança duvidosa, em anos anteriores, o que se prova pela entrega dos processes ao seu advogado para realizar as diligências para o recebimento das faturas, em anos anteriores a 2019;

b) O Sujeito passivo reclamou judicialmente, créditos de clientes, em anos anteriores a 2019;

c)  Apesar de alguns créditos se encontrarem em mora, há mais de 6 meses, desde a data do respetivo vencimento, não existem provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, estando aqui incluídos os créditos cujas diligências para o seu recebimento ocorreram apenas no ano de 2020.

Face ao exposto, a sociedade devia ter reconhecido os créditos como de cobrança duvidosa assim que se revelou a evidência objetiva de imparidade e deveria nessa data de relato ter constituído a imparidade, pela totalidade do valor do crédito ou respeitando as percentagens estipuladas no n.º 2 do artigo 20º-B do CIRC, obedecendo ao princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18º do Código do IRC e não o fez.

Não obstante o sujeito passivo dever ter constituído, em anos anteriores, a imparidade referente aos créditos em que realizou diligências para o seu recebimento nesses anos, nem todos os créditos poderiam ser considerados pela totalidade, atendendo as percentagens estipuladas no n.º 2 do art. 28º -B do CIRC. Nesta situação encontram-se os seguintes créditos:

 

Assim, para as situações constantes no quadro acima, a assunção do risco de incobrabilidade verificou-se no ano de 2018, quando foram efetuadas as diligências para o recebimento dos valores em dívida, e no final desse período as dívidas estavam em mora entre 19 e 23 meses, anexo 3, pelo que deveria ter sido considerado o gasto na percentagem de 75%. Atendendo ao princípio da especialização do exercício previsto no n.º 1 do artigo 18º do CIRC, se esse gasto não foi considerado em 2018, o mesmo não poderá ser aceite para efeitos fiscais no ano de 2019. No período de 2019 e aceite, como gasto para efeitos fiscais, a percentagem restante, ou seja, 25%, no montante de 1.711,53€.

Nestes termos, não pode a AT aceitar para efeitos fiscais a perda por imparidade. reconhecida em 31/12/2019. no montante de 247.491,36€. (249.202.89€-1.711.53€):

-   relativa a créditos em que as diligências para o recebimento da dívida, ou interposta ação judicial,   foram efetuados em anos anteriores, nomeadamente nos anos de 2009, 2014, 2016 e 2018,  atendendo ao princípio da especialização dos exercícios previsto no nº1 do artigo 18º do Código do IRC que dispõe que: "1.-Os rendimentos e os gastos, assim como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, de acordo com o regime de periodização económica." Por outro lado, o sujeito passivo não pode alegar, face a tudo o que foi exposto, que aquela componente era imprevisível ou manifestamente desconhecida naquele período de tributação, conforme previsto no nº 2, do artigo 18º do Código do IRC que refere que "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

-   relativa a créditos em que não foram efetuadas diligências para o recebimento da dívida, ou foram efetuadas apenas no ano de 2020, não se verificando assim, no ano de 2019, a assunção do risco de incobrabilidade por parte do sujeito passivo, infringindo o disposto na alínea a) do n. º1 do artigo 28- A e na alínea c) do n.º 1 do artigo 28º-B ambos do CIRC.

(...)

V.1.2. Tributação autónoma em falta V. 1.2.1. Encargos com viaturas

O sujeito passive não declarou qualquer valor referente a tributação autónoma, no entanto registou na contabilidade os seguintes encargos com combustíveis, seguros, reparação e manutenção relacionados com a viaturas de turismo:

 

Estipula a alínea b) do n.º 3 do artigo 88º do CIRC que são tributados autonomamente os encargos relacionados com viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7º do Código do Imposto sobre Veículos, efetuados ou suportados por sujeitos passives não isentos subjetivamente e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, a taxa de 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 25 000€ e inferior a 35.000€, originando por esse motivo imposto em falta no montante de 2.041,11€ (7.422,21X27,5%).

 

(...)

X.  Direito de Audição

O Sujeito Passive exerceu por escrito o direito de audição previsto no artigo 60º da LGT (Lei Geral Tributária) e no artigo 60º do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira) - anexo 5.

 

Apreciação das Alegações do Sujeito Passivo

      O Sujeito Passivo vem no exercício do direito de audição, no paragrafo 3, alegar que "... Relativamente ao veículo automóvel matricula ..., os serviços de inspeção consideraram o mesmo como viatura de turismo, com o que, salvo o devido respeito, o s.p. não pode concordar e vejamos porque:

a)    No DUG, cuja copia se anexa, o veículo é considerado ligeiro de mercadorias,

b)    Em "print" extraído do Portal das Finanças com data de 24-07-2012, cuja cópia se junta, verifica-se que a própria AT considera o veículo como ligeiro de mercadorias,

c)    Ainda no DUC, se constata, que o tipo de caixa do veículo e "Aberta",

d)    As características de construção do veículo, são de tracção às 4 rodas, de pneus adequados para circulação nos campos agrícolas, bem como caixa aberta para transportar mercadorias, nomeadamente adubos, pesticidas, herbicidas e tudo o mais que se relaciona com agricultura, podendo também transportar trabalhadores,

e)    Razões mais que suficientes para se considerar que a viatura, esta afecta a uma utilização, agrícola e comercial (art. 21º CIV A), não se podendo admitir que uma viatura com as características antes enunciadas, é adquirida para fins turísticos..."

Não fazendo, na sua alegação qualquer referencia à lotação da referida viatura, que é de 5 passageiros. Ora, o artigo 21º do código do IVA estabelece que é considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com caracter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor. O Oficio circulado 30152/2013, de 16/10/2013, veio clarificar nos pontos 6 e 7 que para efeitos de exclusão do direito a dedução prevista na alínea a) do n.1 do artigo 21° do CIVA, e considerada viatura de turismo, por não se destinar exclusivamente ao transporte de mercadorias, qualquer viatura ligeira que possua mais de três lugares, com inclusão do condutor, ainda que o "tipo de veiculo" inscrito no certificado de matricula seja "mercadorias".

No paragrafo 4 vem discordar da proposta de correção quanta as perdas por imparidade em créditos de clientes.

Ora os serviços de inspeção efetuaram a analise cuidada de todos os elementos apresentados, quer no decurso da ação inspetiva quer no exercício do direito de audição, constatando-se que não apresentam nenhum elemento novo no exercício do direito de audição, pelo que as situações se encontram devidamente discriminadas no paragrafo V.1.1.1 do presente relatório. Salienta-se ainda que referente ao sujeito passive B..., mencionado nas alíneas b) e c) do paragrafo 4° do direito de audição o sujeito passive confirma a "Confissão de Divida e Hipoteca" realizada em 1/4/2020, e o sujeito passivo não apresentou no decurso da ação inspetiva, nem veio apresentar em direito de audição, prova de ter realizado quaisquer diligencias em anos anteriores.

Na alínea d) do mesmo paragrafo, o sujeito passivo, alega que "No que tange a referenda pelos serviços de inspeção de diligencias "não evidenciadas", há que dizer que, tal como os comprovativos que se anexam docts. 3 a 11 as diligencias foram realizadas, só que os serviços não as consideraram", ora sobre isto reforçamos, uma vez mais a analise dos elementos, agora apresentados em direito de audição:

Cliente C... LDA, juntou uma carta emitida pelo advogado, datada de 02 de maio de 2018, a mesma não se encontra assinada (ao contrário das cartas que tem aviso de receção a provar o envio das mesmas), nem tem prova de ter sido de facto enviada para o cliente.

Em relação aos clientes D... SOC. UNIPESSOAL LDA, E..., SOCIEDADE F... LDA, G... LDA, H... LDA, I..., J... e K... juntou Avisos de Lançamento, por si emitidos, esses avisos não estão datados, nem assinados, nem tão pouco fez prova de os ter enviado aos clientes.

Foram analisadas / avaliadas todas as alegações do Sujeito Passivo apresentadas no âmbito do direito de Audição Previa tendo-se concluído que as mesmas são desprovidas de razão.

Assim, propõe-se que se mantenham as correções propostas no capítulo V.

 

  1.  Relativamente aos créditos dos seguintes clientes da Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou as perdas por imparidade por entender que não foi observado o princípio da especialização dos exercícios:

 

L...                                                              4.709,47 €

M...                    Unipessoal Ida                    937,87 €

N...   Lda                                                    14.031,33 €

O...                                                               5.722,01 €

P...                                                             20.398,21 €

Q...                                                        9.000,35 €

R... Ida                                                  6.480,00 €

S...                                                           109>00 €

T... Ida                                                   1.011,35 €

U...                                                         7.184,90 €

V... Ida                                                      569,08 €

W...   Unip. Ida                                     93.735,54 €

X...                                                             174,78 €

Y...                                                             985,20 €

Z...                                                              500,00 €

AA...                                                      11.509,92 €

Total.....................................................  177.059,01 €

 

(RIT e documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

  1. Relativamente aos créditos dos seguintes clientes da Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou as perdas por imparidade por falta de prova de diligências efectuadas para sua cobrança ou elas terem sido efectuadas em 2020:

B...                                                            4.955,69 €

BB...                                                             332,00 €

CC... Ida                                                    2.487,86 €

DD... Unip Ida                                           1.221,26 €

EE...                                                              215,08 €

D...  Soc Unip Ida                                    14.450,13 €

C... Lda                                                      1.800,43 €

E...                                                                   65,17 €

F... Lda                                                       4.492,85 €

G...                                                              8.991,74 €

 I...                                                              6.367,45 €

J...                                                                1.415,01 €

H... Lda                                                       5.816,12 €

K...                                                               2.234,60 €

Total.......................................................54.845,39 €

(RIT e documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

  1. Relativamente aos créditos dos seguintes clientes da Requerente, que foram reclamados judicialmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou as perdas por imparidade por entender que não foi observado o princípio da especialização dos exercícios:

FF...                                                         10.712,96 €             2016

GG...                                                          2.225,09 €               2009

HH...                                                           4.360,44 €             2009

Total...................................................    17.298,49 €

(RIT e documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

 

  1. Na sequência da inspecção foi emitida a liquidação de IRC n.º 2023..., datada de 05-06-2023, no valor de € 61.880,36, em que se incluem € 6.210,60 de juros compensatórios junta ao processo em 21-02-2024, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. Foi instaurada a execução fiscal n.º 2023 ... para cobrança coerciva da quantia liquidada (documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 07-09-2023, a Requerente procedeu ao pagamento no valor de € 62.231,44, no âmbito do processo executivo n.º 2011... (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 16.º da Resposta);
  4. Em 12-10-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto, relevante para a apreciação da causa.

 

3. Matéria de direito

 

Foi realizada uma inspecção à Requerente, qualificada como interna, em que não foi comunicada à Requerente qualquer decisão, a que se seguiu uma inspecção externa em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que está subjacente à liquidação impugnada.

A Requerente imputa os seguintes vícios:

– ao procedimento subjacente à liquidação, o vício de violação do artigo 63.º, n.º 4, da LGT (irrepetibilidade das inspecções);

– à correcção relativa a perdas por imparidades de créditos, o vício de violação do princípio da justiça em articulação com o princípio da especialização dos exercícios;

– à aplicação da tributação autónoma relativa a uma viatura, o vício de violação de lei.

 

 

3.1. Vício de violação do princípio da irrepetibilidade das inspecções

 

A Requerente defende que houve violação do princípio da irrepetibilidade das inspecções, por ter a Requerida efectuado um procedimento de inspecção interno antes do procedimento de inspecção externa, com o mesmo objecto.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que não há obstáculo legal a que sejam realizados procedimentos inspecção interno e externo com o mesmo objecto e que uma inspecção não é qualificada como externa por envolver a análise de documentos obtidos com notificação ao sujeito passivo.

 O artigo 63.º, n.º 4, da LGT estabelece o seguinte:

 

4 - O procedimento da inspeção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objetivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se o procedimento visar apenas a consulta, recolha de documentos ou elementos ou a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspeção ou inspeções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.

 

Como resulta do teor expresso deste n.º 4 do artigo 63.º da LGT, o princípio da irrepetibilidade das inspecções apenas proíbe a realização de mais do que uma inspecção externa com o mesmo objecto, não proibindo a cumulação de um procedimento interno e externo.

Para além disso, mesmo que o primeiro procedimento de recolha de documentos através de notificação ao sujeito passivo devesse qualificar-se como externo, o que nem sequer é defendido pela Requerente,  resulta do teor expresso deste artigo que se excepcionam da regra da irrepetibilidade das inspecções externas os procedimentos que visam «apenas a consulta, recolha de documentos ou elementos ou a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária».

Assim, no caso em apreço, tendo-se traduzido o primeiro procedimento na recolha de documentos que foram solicitados à Requerente, tem de se concluir que não se verifica uma violação do princípio da irrepetibilidade das inspecções, pois, mesmo que se qualificasse o primeiro procedimento como externo, estar-se-ia no âmbito da excepção prevista naquele n.º 4 relativamente à recolha de documentos.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, quanto ao vício procedimental invocado pela Requerente.

 

            3.2. Violação do princípio da justiça e articulação com o princípio da especialização dos exercícios

 

            A Requerente defende, em suma, que «o principio da especialização de exercícios a que se refere o artigo 18.º do CIRC, não obsta a que sejam imputáveis a um período de tributação custos referentes a períodos anteriores, desde que não resultem de omissões voluntarias e intencionais com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que se está perante situações em que não se demonstra qualquer injustiça.

 

3.2.1. Princípio da especialização dos exercícios

 

De harmonia com o disposto no artigo 23.º do CIRC, «para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC», incluindo-se nessas perdas as derivadas de imparidade de créditos, como decorre do teor expresso dos seus n.ºs 1 e 2, alínea h).

O princípio do acréscimo ou da especialização dos exercícios, enunciado no artigo 18.º do CIRC, com a denominação «periodização do lucro tributável», estabelece o seguinte, nos seus n.ºs 1 e 2, que aqui interessam, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 134 de Julho, mantida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro:

 

Artigo 18.º

 

Periodização do lucro tributável

 

1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

 

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

 

Os artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

 

Artigo 28.º-A

 

Perdas por imparidade em dívidas a receber

 

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

 

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

 

Artigo 28.º-B

 

Perdas por imparidade em créditos

 

1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento

 

2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

 

a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.

 

 

À face do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, as perdas por imparidade suportadas pelo sujeito passivo, são imputáveis ao período de tributação em que são suportadas, independentemente da sua tradução em valor pecuniário.

É com este alcance que há que aplicar o princípio da especialização dos exercícios, quando se está perante componentes negativas do lucro tributável, mesmo quando os seus efeitos pecuniários só se venham a concretizar no futuro ou sejam mesmo incertos, como evidencia, a propósito das provisões o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-01-2015, processo n.º 0652/14, em que se escreveu:

 

A consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade:

•o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido);

o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível – custo);

•A não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua constituição por valor insuficiente) resulta numa violação deste princípio na medida em que terá como efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele.

 

Esta jurisprudência é transponível, por maioria de razão, para as perdas por imparidade, em que é mais provável a ocorrência de uma diminuição patrimonial do que quando existe mero risco previsível de vir a ocorrer uma perda.

Na verdade, tanto no caso de provisões como no caso de perdas por imparidade, está-se perante situações em que, como se entendeu naquele aresto, o princípio da especialização dos exercícios não só permite, mas até impõe, que a relevância fiscal da componente negativa da liquidação seja atribuída no exercício em que a provisão deve ser efectuada ou a perda deve ser reconhecida, antecipando essa relevância em relação ao momento em que se venha a materializar pecuniariamente a ocorrência negativa.

 

3.2.2. Limitação do princípio da especialização dos exercícios pela aplicação do princípio da justiça

 

Assim, interpretando o artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, em conjugação com artigo 23.º, n.º 1, do mesmo Código, conclui-se que as perdas por imparidade se consideram componente negativa do lucro tributável do exercício em que devem ser reconhecidas. E, em princípio, apenas nesse exercício em que a perda por imparidade deve ser reconhecida é que lhe pode ser atribuída relevância fiscal, sem prejuízo de eventual aplicação do princípio da justiça, invocado pela Requerente, que o Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo uniformemente que deve atenuar a rigidez do princípio da especialização dos exercícios. ( [1]  )

A Requerente invoca este princípio da justiça, previsto nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e 55.º da LGT, como obstáculo à não consideração das perdas por imparidade no exercício de 2019.

A observância do princípio da justiça é imposta à globalidade da actividade da Administração Tributária, pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando dela decorra um resultado manifestamente injusto

O Supremo Tribunal Administrativo tem decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos (agora gastos) referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». ( [2] )

Aliás, há muito que a Administração Tributária reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-Circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:

 

            Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:

a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:

    - está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;

- o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;

- o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.

    b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.

 

Subjacente à referida jurisprudência está a circunstância de o sujeito passivo ter sido prejudicado ou não ter tido vantagem pelo atraso da relevância fiscal do gasto, que, a verificar-se, é um elemento de relevo decisivo para presumir que os erros foram involuntários e não intencionais.

No caso em apreço, não se demonstra qualquer vantagem da Requerente em atrasar a relevância fiscal das referidas perdas por imparidade.

Na verdade, por um lado, o próprio diferimento da consideração fiscal de gastos, obrigado a suportar o pagamento de um imposto que podia ser evitado, é, em si mesmo, prejudicial para o sujeito passivo, pois atrasa a disponibilidade da quantia de imposto que resulta da consideração dos gastos.

Por outro lado, o facto de os períodos a que, segundo o entendimento adoptado no RIT, deveriam ter sido imputadas as perdas por imparidade serem os de 2009, 2014, 2016 e 2018, fora do período temporal em que poderia a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuar correcções simétricas para determinação dos respectivos lucros tributáveis, imputando a cada um desses anos as perdas respectivas que não são aceites em relação ao ano de 2019, evidencia que a aplicação do princípio da especialização dos exercícios, conduz à irrelevância de fiscal absoluta de perdas comprovadas, o que acentua a injustiça da sua não dedutibilidade no ano de 2019.

Neste tipo de situações deve dar-se prevalência ao princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios, como bem se explica no recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-11-2023, proferido no processo n.º 0655/16.4BEBRG:

«Do referido artº.18, do C.I.R.C., resulta uma vinculação para a A. Fiscal, a qual, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de fiscalização das declarações apresentadas pelos contribuintes. Mas, o exercício deste poder de controlo, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artºs.266, nº.2, da C.R.P., e 55, da L.G.T., para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição. Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário que pode abarcar mais do que um ano fiscal e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de conflito, se deve dar prevalência a este último princípio.

Numa situação destas, em que não seja possível a "correcção simétrica", por razões de tempestividade, a doutrina e a jurisprudência vêem afirmando que o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, quando a respectiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais do sujeito passivo, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, tudo tendo por fundamento o princípio da capacidade contributiva, o qual não permite a duplicação de imposto incidente sobre o mesmo facto tributário».

 

Assim, relativamente às situações em que, à face do princípio da especialização dos exercícios houve atraso na relevância a fiscal das perdas por imparidade, não se demonstra que o atraso tenha como motivação obter qualquer vantagem fiscal e, pelo contrário, é de concluir a Requerente foi prejudicada com tal atraso.

Nestas condições, em que a Requerente já foi prejudicada pelos erros em que incorreu, é flagrante a injustiça que consubstanciaria a não relevância tardia das perdas por imparidade, agravando consideravelmente o seu prejuízo, já que a Autoridade Tributária e Aduaneira nem fez qualquer correcção simétrica relativa aos exercícios a que entendeu dever ser imputável a perda por imparidade, com correlativo benefício injustificado do erário público.

A Administração Tributária tem de orientar a sua actividade pela prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da CRP), que se reconduz, em IRC, a que os contribuintes paguem o que devem em função do seu rendimento (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), o que não se compatibiliza com o aproveitamento parcial pela Administração Tributária dos efeitos de erros dos contribuintes sobre a imputação de gastos e perdas, dando-lhes relevo apenas no exercício em que podem proporcionar maior cobrança fiscal e não também naquele ou naqueles exercícios em que desses mesmos gastos resultaria menor receita fiscal, porque daí resultaria um enriquecimento injustificado do erário público.

Pelo exposto, a liquidação impugnada, na parte relativa às perdas por imparidade indicadas nos documentos n.ºs 16  e 18 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no valor global de € 194.357,50 (€ 177.059,01 + € 17.298,49), que não foram aceites por aplicação do princípio da especialização dos exercícios, que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que deveriam ser imputadas aos anos de 2009, 2014, 2016 e 2018, a liquidação impugnada enferma de vício de violação do princípio da justiça, que justifica a sua anulação, na parte respectiva, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

O mesmo não sucede, porém, quanto às restantes perdas por imparidade, no valor global de € 54.845,39, que não foram aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira por falta de prova de terem sido efectuadas diligências para sua cobrança ou elas terem sido efectuada em 2020.

Na verdade, quanto às perdas por imparidade relativamente às quais não se provou que tivessem sido realizadas diligências de cobrança, está-se perante uma situação em que falta um dos requisitos legais da relevância fiscal das perdas por imparidade que é «terem sido efectuadas diligências para seu recebimento», exigido pela parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC. 

No que concerne às perdas por imparidade contabilizadas no ano de 2019, mas relativamente às quais as diligências de cobrança foram realizadas apenas em 2020, as «provas objectivas de imparidade», exigidas pela mesma alínea c), só existem neste ano, pelo que aquelas só relevam fiscalmente neste ano.

Não se coloca, quanto a estas perdas por imparidade imputáveis ao ano de 2020, a possibilidade de afastamento do princípio da especialização dos exercícios, pois a antecipação para o ano de 2019 da relevância fiscal dessas perdas beneficia a Requerente e prejudica o erário público.

Pelo exposto improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas perdas por imparidade imputáveis ao ano de 2020.

 

3.3. Correcção respeitante à tributação autónoma relativa a uma viatura

 

Constata-se que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, a liquidação impugnada não contém qualquer valor relativo a tributações autónomas, pelo que se conclui que, apesar de fazer referência no RIT a essa correcção relativa a uma viatura, a Autoridade Tributária e Aduaneira não a manteve após a elaboração do RIT.

Assim, quanto à referida tributação autónoma, não há qualquer liquidação de tributação autónoma a anular, carecendo de objecto a pretensão da Requerente, pelo que não há que conhecer da questão colocada. 

 

 

            4. Reembolso de quantia paga

 

A Requerente pede o reembolso da quantia que pagou, no montante de € 62.231,44.

A liquidação impugnada, cuja anulação a Requerente pede na totalidade, tem o valor de € 61.880,36.

O direito a reembolso da quantia paga depende da anulação da liquidação impugnada que, neste caso é apenas parcial, abrangendo apenas as correcções relativas a perdas por imparidade no montante de € 194.357,50. Como a liquidação impugnada, cuja anulação a Requerente pede na totalidade, tem por base correcções à matéria tributável no valor global de € 253.044,39 (página 3 do RIT), conclui-se que o pedido de pronúncia arbitral procede na percentagem de 76,81%.

Assim, a Requerente tem direito a reembolso da quantia de € 47.530.49, correspondente a 76,81% do valor da liquidação impugnada.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

 – não tomar conhecimento do pedido quanto à tributação autónoma;

– julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de violação de lei imputado às correcções relativas a perdas por imparidade;

– anular parcialmente a liquidação n.º 2023..., quanto ao valor de € 47.530,49;

– julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso, quanto a valor de € 47.530,49 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar esta quantia à Requerente

– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respectivos pedidos, na parte respectiva.

 

 

6. Valor do processo

 

O Requerente indicou no pedido de pronúncia arbitral o valor de € 62.231,44, como valor da causa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou o incidente do valor da causa, defendendo que deve ser fixado em € 60.522,42 que entende ser o valor da utilidade económica do pedido.

O Requerente respondeu dizendo que ocorreu lapso na indicação do valor no pedido de pronúncia arbitral e que este deve ser fixado em € 61.880,36.

De harmonia com o artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, para que remete o n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor atendível, «para efeitos de custas ou outros previstos na lei» é, «quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende».

Neste caso, a Requerente pediu a anulação total da liquidação, pelo que é o valor desta o valor da causa.

Assim, de harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 61.880,36.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerente na percentagem de 23,19% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 76,81%.

 

 

Lisboa, 23-02-2024

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Maria da Graça Martins)

 

(Rui Miguel Zeferino Ferreira)

 

 



[1]             Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07; de 5-2-2003, processo n.º 01648/02; de 25-6-2008, processo n.º 0291/08; de 21-11-2012, processo n.º 0809/12; de 09-10-2019, processo n.º 01278/12.2BELRS 0574/18; de 28-04-2021, processo n.º 01540/13.7BELRS; de 27-10-2021, processo n.º 0610/15.1BELRA; de 07-09-2022, processo n.º 0304/15.8BELLE; de 08-02-2023, processo n.º 01292/20.4BEBRG; de 08-11-2023, processo n.º 0655/16.4BEBRG.

[2]             Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07.

              Na mesma linha, podem ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo citados em nota anterior.