Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 30/2019-T
Data da decisão: 2019-07-02  IRC  
Valor do pedido: € 5.657.638,80
Tema: IRC - Dedutibilidade de perda por imparidade. Princípio da especialização dos exercícios.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Prof. Doutor António Martins e Prof. Doutor Gustavo Courinha, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-04-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa coletiva e matrícula n.º..., com representação permanente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do A..., instituição de crédito com sede e direção efetiva em ..., ..., ..., ..., Reino Unido (o “Requerente” ou “A...”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a anulação parcial da Liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 5 de setembro de 2018, bem como da demonstração de liquidação de juros n.º 2018...e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 7 de setembro de 2018, relativa ao exercício de 2015.

            A Requerente pede ainda a restituição do imposto que considera indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, contados desde a data do pagamento indevido e até à data da sua efetiva e total restituição.

            É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-01-2019.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 22-03-2019, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-04-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando uma excepção que denominou «da incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a AT no montante de € 5.657638,80» e defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 24-05-2019 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

2. Excepção «da incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a AT no montante de € 5.657638,80»

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão que denomina «da incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a AT no montante de € 5.657638,80» e entende que deve ser «o valor o concreto valor de imposto a anular apurado apenas em sede de execução de julgados» (artigo 25.º da Resposta).

A Requerente diz, nas suas alegações, que não formulou nenhum pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira, mas apenas «a anulação parcial da Liquidação Adicional, com a necessária restituição do imposto indevidamente pago” e concorda com a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao apuramento do valor a anular apenas em sede de execução de julgado (artigo 18.º as alegações e alínea C. das conclusões).

Esclarecido desta forma o pedido formulado, que tem correspondência no pedido de pronúncia arbitral, e atenta a posição da Requerente concordante com a Autoridade Tributária e Aduaneira, é de considerar assente no processo que não há litígio sobre esta matéria e que não há que determinar no presente processo o montante de eventual condenação a restituir.

Assim, por ser inútil, não se aprecia a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva ao Requerente, relativa ao exercício de 2015;
  2. Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (doravante “RIT”) que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. Entre as correcções efectuadas, inclui-se a seguinte:

1.4. 1. 2 - GASTOS NÃO DEDUTÍVEIS PARA EFEITOS FISCAIS (ARTIGO 18.º, ARTIGO 28.º-A E ARTIGO 31º- B, TODOS DO CIRC) € 201.467.982,16

Acréscimo à matéria tributável do gasto registado na conta NCA 728014 - "Outros encargos gastos operacionais - Operações descontinuadas - Outros – F...", referente a "perda estimada" associada à eventual venda da unidade de negócio da banca de retalho, dado que a transação de venda não ocorreu em 2015 e a mesma não tem enquadramento no regime estabelecido para as perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis” (página 8 do RIT);

 

  1. Na fundamentação desta correcção refere-se no RIT o seguinte:

III. 1. 2 - GASTOS NÃO DEDUTÍVEIS PARA EFEITOS FISCAIS (ARTIGO 18.º, ARTIGO 28.º-A E ARTIGO 31º- B, TODOS DO CIRC)

€ 201.467.982,16

 

Da análise ao balancete, à data de 2015-12-31, constatou-se que a conta NCA 728014 - "Outros Encargos Gastos Operacionais - Operações descontinuadas - Outros – F...", apresentava um saldo devedor de €203.827.996,17.

Por forma a validar o montante registado na conta NCA #728014, solicitou-se ao Sujeito Passivo a apresentação do extrato da conta, para o período de tributação de 2015, com a descrição dos lançamentos.

Da análise ao respetivo extrato da conta constatou-se que o mesmo evidenciava gastos relacionados com "F... - Costs to sell, no valor de €31.371.998,75 e "F... - Loss on safe", no montante de €172.455.997,42, ambos do projeto F..., associados à venda, ocorrida em 2016, da unidade de negócio da banca de retalho do A...- Sucursal em Portugal ao B..., S.A., conforme anexo n.º 5 (1 fi.).

Neste sentido, foi questionado o A... para demonstrar o apuramento da perda, esclarecer a sua natureza, apresentar cópia de todos os documentos comprovativos da perda apurada, o enquadramento fiscal dado à operação, bem como apresentar os lançamentos contabilísticos.

Em resposta, o A..." esclareceu que:

  • "O gasto registado na conta NCA #728014 corresponde à diferença negativa entre o valor de realização da transação da unidade de negócio da banca de retalho para o B... e o valor contabilístico deste, bem como os custos associados à operação de venda no montante de 26,6 milhões de euros (...);
  • "A perda contabilística registada no âmbito da operação em apreço foi considerada dedutível para efeitos do cômputo do apuramento do resultado tributável de 2015, com exceção da parte que foi enquadrada enquanto menos-valias relativas a participações sociais da G..., bem como referente às componentes de ativos fixos tangíveis, no montante de € 663.813,97 (ambas acrescidas na declaração de rendimentos Modelo 22 de 2015, (...) ".

Disponibilizou, ainda, o designado "Contrato de aquisição de Unidade de Negócio" subjacente à transação da unidade de negócio da banca de retalho ao B... S.A., datado de 2 de setembro de 2015 e que apenas se efetivou no decurso de 2016.

 

Do tratamento contabilístico e fiscal adoptado pelo A... Sucursal

De acordo com a informação disponibilizada pelo Banco, a perda contabilística reconhecida teve por base o pressuposto de que o B..., S.A, iria pagar ao A... Sucursal 93,7% do valor líquido contabilístico dos bens à data da transação (no decurso de 2016), o que implicou o reconhecimento de uma perda contabilística estimada de 6,3%, calculada sobre o valor contabilístico dos bens à data da passagem para ativos não correntes detidos para venda, que ocorreu no período de tributação de 2015, tendo o A..., no seu entender, procedido de acordo com a IFRS 5.

De facto, no Relatório Anual 2015 do A...- Nota 44 das notas às demonstrações financeiras é referido que:

  • "[o] Grupo aplica a IFRS 5 Ativos não correntes detidos para venda;
  • «O grupo a alienar inclui todos os ativos e passivos dos negócios Portugueses da Banca de Retalho, da Gestão de Património e de Investimento, e parte do negócio Português da Banca de Empresas. Esta venda está incluída no desinvestimento do segmento Non-core do Grupo;
  • «A alienação Portuguesa foi anunciada a 2 de setembro de 2015, e a venda deverá estar terminada no 1.º trimestre de 2016".

 

Como referido anteriormente, relativamente ao "tratamento fiscal" adoptado pelo A... Sucursal, a perda contabilística registada foi considerada dedutível para efeitos do cômputo do apuramento do resultado tributável de 2015, com exceção da parte que foi enquadrada enquanto menos-valias relativas a participações sociais da G..., bem como referente às componentes de ativos fixos tangíveis, no montante de € 663.813,97 (ambas acrescidas na declaração de rendimentos Modelo 22 de 2015).

Assim concorreu para a formação do lucro tributável, do período de tributação de 2015, um gasto no valor de € 203.164,182,20 (€ 203.827.996,17 - € 663.813,97).

Com relevo, para a situação em apreço, importa referir que o "F... - Costs to sell", no valor de € 31.371.998,75 relevado na conta NCA 728014 - "Outros encargos gastos operacionais - Operações descontinuadas - Outros – F...", tiveram como contrapartida a conta NCA 52896 - "Encargos pagar - Outros encargos pagar - Other Accruals – F..." e que de acordo com os elementos disponibilizados, foram gastos efetivos do período de 2015, por utilização da referida conta, o montante de € 1.696.200,04, conforme demonstrado no anexo n.º 6 (1 fl.).

Porém, o procedimento adotado pelo Banco não tem enquadramento fiscal, senão vejamos:

 

Do enquadramento contabilístico

Como mencionado, o A... Sucursal na relevação contabilista da operação em causa adoptou a IFRS 5 - Ativos não correntes detidos para venda e unidades operacionais descontinuadas.

O objetivo desta IFRS é especificar a contabilização de ativos detidos para venda, e a apresentação e divulgação de unidades operacionais descontinuadas. Em particular, a IFRS exige:

a) os ativos que satisfazem os critérios de classificação como detidos para venda sejam mensurados pelo menor valor entre a quantia escriturada e o justo valor menos os custos de vender, e que a depreciação desses ativos deve cessar; e

b) os ativos que satisfazem os critérios de classificação como detidos para venda sejam apresentados separadamente na face da demonstração da posição financeira e que os resultados das unidades operacionais descontinuadas sejam apresentados separadamente na demonstração do rendimento integral.

 

Nos termos do §4 é referido que: "Por vezes, uma entidade aliena um grupo de ativos, possivelmente com alguns passivos diretamente associados, em conjunto numa única transação. Um tal grupo para alienação pode ser um grupo de unidades geradoras de caixa, uma única unidade geradora de caixa, ou parte de uma unidade geradora de caixa. O grupo pode incluir quaisquer ativos e quaisquer passivos da entidade, incluindo ativos correntes, passivos correntes e ativos excluídos pelo parágrafo 5 dos requisitos de mensuração desta IFRS. Se um ativo não corrente dentro do âmbito dos requisitos de mensuração desta IFRS fizer parte de um grupo para alienação, os requisitos de mensuração desta IFRS aplicam-se ao grupo como um todo, de forma que o grupo seja mensurado pelo menor valor entre a sua quantia escriturada e o justo valor menos o custo de vender. Os requisitos para mensuração do ativos e passivos individuais dentro do grupo para alienação estão definidos nos parágrafos 18, 19 e 23".

Uma entidade deve classificar um ativo não corrente (ou um grupo para alienação) como detido para venda se a sua quantia escriturada vai ser recuperada principalmente através de uma transação de venda em detrimento do uso continuado.

Ou seja, um ativo não corrente detido para venda (ANCDV) é, por definição, um ativo em que a venda é altamente provável e se espera que seja concluída num muito curto espaço de tempo.

De acordo com o estabelecido no §15, "Uma entidade deve mensurar um ativo não corrente (ou grupo para alienação) classificado como detido para venda pelo menor valor entre a sua quantia escriturada e o justo valor menos os custos de vender".

E, custos de vender são "Os custos incrementais diretamente atribuíveis à alienação de um ativo (ou grupo para alienação), excluindo custos de financiamento e gastos de impostos sobre o rendimento" e justo valor "é o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou pago pela transferência de um passivo numa transação ordenada entre participantes no mercado à data da mensuração".

Relativamente ao reconhecimento de perdas por imparidade e reversões, estabelece "'Uma entidade deve reconhecer uma perda por imparidade relativamente a qualquer redução inicial ou posterior do ativo (ou grupo para alienação) para o justo valor menos os custos de vender, (...)", conforme §20.

Quanto ao processo de mensuração resultante da classificação como detidos para venda, o mesmo compreende várias fases, nomeadamente:

1º Análise e avaliação das perdas por imparidade registadas;

2.º Mensuração do ativo (ou grupo para alienação) de acordo com as IFRS aplicáveis;

3.º Remensuração do ativo (ou grupo para alienação) como um todo pelo menor valor entre a quantia escriturada e o justo valor menos os custos de vender. No caso, de o justo valor menos os custos de vender ser inferior à quantia escriturada, a IFRS 5 exige o reconhecimento de uma perda por imparidade (§20 da IFRS 5).

 

Na situação em apreço e de acordo com os elementos disponibilizados pelo Banco:

 

Uma imagem com captura de ecrã

Descrição gerada automaticamente

Contabilisticamente, da análise ao lançamento efetuado verificou-se que os ativos e passivos associados foram transferidos para as rubricas NCA 258802 - "Activos não correntes detidos p/venda e operações descontinuadas - Outros activos – F-... IFRS5" e 4500 - "Passivos não correntes detidos p/ venda e operações descontinuadas - Outros passivos – F... IFRS5" pelas respetivas quantias escrituradas, tendo os mesmos sido ajustados para o justo valor menos os custos de vender, através do reconhecimento de uma perda, no valor de €203.827.996,17, na conta NCA 728014 - "Outros encargos e gastos operacionais - Operações descontinuadas - Outros – F...".

Assim sendo, a "perda estimada", que resulta da diferença entre a quantia escriturada e o justo valor menos os custos de vender totaliza 204 milhões €, e encontra-se refletida na conta NCA 728014-"Outros encargos e gastos operacionais - Operações descontinuadas - Outros – F...", com saldo devedor de €203.827.996,17.

Resulta, do exposto, que contabilisticamente o ajustamento efetuado consubstancia o reconhecimento de uma perda por imparidade, tal como previsto no §20 da IFRS 5.

 

Do enquadramento fiscal

Muito embora a vida das empresas decorra num fluxo contínuo e, em bom rigor, o lucro ou prejuízo só seja calculável no termo da sua atividade, a periodização do lucro tributável, por períodos, em regra coincidentes com o ano civil, é um dos pilares estruturais do IRC, traduzido pelo regime de periodização económica, também designado por regime do acréscimo ou princípio da especialização dos exercícios, regime este mitigado pela "solidariedade dos exercícios", consubstanciada no reporte de prejuízos de anos anteriores (cfr. ponto 7 do preâmbulo do Código do IRC), ainda que temporalmente limitado,

Com efeito, o conceito de lucro tributável adotado no Código do Rendimento das Pessoas Coletivas acolheu uma noção extensiva de rendimento de acordo com a teoria do rendimento acréscimo ou do incremento patrimonial, a qual se baseia no princípio de que tudo o que faça aumentar o património liquido inicial é rendimento tributável de uma empresa, nele se incluindo também os ganhos fortuitos, ocasionais ou irregulares.

Assim, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º do CIRC, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas naquele Código.

E o n.º 1 do artigo 17.º do CIRC completa o afirmado no n.º 2 do artigo 3.º precisando que o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do referido Código.

Consagra-se, assim, um modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade.

Deste modo, o tratamento decorrente dos normativos contabilísticos é aplicável (e aceite) para efeitos fiscais sempre que o Código do IRC e eventual legislação complementar não estabeleçam regras próprias que determinem o contrário.

O respeito pelo princípio de dependência parcial do Código do IRC face à contabilidade obriga a que não existindo uma disposição prévia do legislador fiscal se siga para efeitos de apuramento do lucro tributável, o que se encontrar estabelecido nas normas contabilísticas em vigor à data.

Todavia, in casu, existe uma clara disposição fiscal constante no CIRC a respeito da questão em análise. Veja-se o disposto no artigo 18.º do CIRC, sob a epígrafe "Periodização do lucro tributável:

"1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

3 - Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1:

a) Os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade:

(...)

9 - Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados(...)".

 

Do exposto, resulta que apenas concorrem para a formação do lucro tributável, os rendimentos e os gastos realizados, isto é, que sejam o reflexo de transações económicas efetivas, independentemente do seu recebimento ou pagamento.

Veja-se a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 2017-03-15, processo n.º 0869/13, onde se conclui: "Existindo uma mera possibilidade de perda, ou uma perda potencial ou latente, não pode a mesma ser considerada na determinação do lucro tributável por força do princípio da realização".

E, sobre o princípio da especialização dos exercícios, de acordo com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2015-05-03, processo n.º 03108/09 "(...), ficou consignado no Acórdão do STA, de 27.4.2008, processo n.º 0807/07, que o princípio da periodização dos exercícios « (...) visa tributar a riqueza gerada em cada exercido, independentemente do seu efetivo recebimento, pelo que ganha especial relevância nos casos em que não existe coincidência entre o exercido em que os ganhos ou perdas são contabilizados e o exercício em que os recebimentos ou despesas correspondentes têm lugar. Aquele princípio vale assim para os casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efetiva só é suportada noutro, e para os casos em que o ganho ainda que contabilizado num exercício, só é, de facto, recebido noutro. Ora em tais situações, em que existe desencontro entre a contabilização dos custos e dos proveitos e a sua efetiva concretização, a lei ordena que os mesmos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respetivo recebimento ou pagamento ocorram. Daí que se devam imputar ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro»".

No caso "subjudice", uma vez que a transmissão (venda da unidade do negócio da banca de retalho) foi realizada em 2016, apenas nesse período de tributação, deverão relevar para efeitos fiscais os gastos associados a realização da operação em causa.

No entanto, e tendo em consideração o referido modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade, previsto no artigo 17.º do CIRC, resta então analisar se o reconhecimento da perda por imparidade prevista no §20 da IFRS 5, é dedutível para efeitos fiscais no período de tributação da sua relevação contabilística, no caso, no período de tributação de 2015.

Em matéria de gastos, para efeitos de IRC, o artigo 23.º do CIRC consagra como princípio geral o de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, onde se incluem, conforme alínea h) do n.º 2 do mesmo artigo, as perdas por imparidade.

Porém, nas subsecções II - Mensuração e perdas por imparidade em ativos correntes, artigo 26.º a artigo 28.º- C do CIRC, e III - Depreciações, amortizações e perdas por imparidade em ativos não correntes, artigo 29.º a artigo 34.º do CIRC, ambas da SECÇÃO II- Pessoas coletivas e outras entidades residentes que exerçam, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola do CAPÍTULO III -Determinação da matéria coletável, estabelece-se o regime específico das perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis.

Com relevo para a situação em apreço importa referir o n.º 2 do artigo 28.º-A do CIRC que estabelece: a[p]odem também ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável as perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito", em títulos e em outras aplicações, contabilizadas de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis, no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, nos termos e com os limites previstos no artigo 28.º-C e o n.º 1 do artigo 31.º-B do CIRC que prevê "[p]odem ser aceites como gastos fiscais as perdas por imparidade em ativos não correntes provenientes de causas anormais comprovadas, designadamente desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excecionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal".

Do exposto, facilmente se depreende que o reconhecimento da perda por imparidade, em 2015, no montante de € 203.827.996,17, correspondente ao menor valor entre a quantia escriturada dos ativos e passivos que constituem a unidade de negócio da banca de retalho e o justo valor menos os custos de vender, não se encontra contemplada nas perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis acima descritas, razão pela qual, no período de tributação de 2015, a mesma não concorre para a formação do lucro tributável.

Análise dos elementos apresentados pelo A... Sucursal

Dos elementos disponibilizados pelo Banco, os quais foram solicitados com o intuito de se clarificar a natureza e o enquadramento fiscal da referida operação, apurou-se que:

  • » Em 2015-09-02 entre o A... e o B..., S.A. foi celebrado um contrato denominado "Contrato de Aquisição de Unidade de Negócio" ou "Business Purchase Agreement", relativo à eventual aquisição da banca de retalho da Sucursal em Portugal do A...;
  • » A aquisição pelo B..., S.A, - Sucursal em Portugal, do negócio da banca de retalho, privada e de empresas do A...- Sucursal em Portugal, só se concretizou no primeiro trimestre de 2016;
  • » O reconhecimento contabilístico de uma "perda estimada" no valor de € 203.827.996,17, ao abrigo da IFRS 5, na conta NCA 728014 - "Outros encargos e gastos operacionais - Operações descontinuadas - Outros – F..." e assim discriminada: "F... - Costs to sell, no valor de € 31.371.998,75 e "F...-Losson sale", no montante de € 172,455,997,42;
  • » Do montante de € 31.371.998,75 relativos a "F... - Costs to sell", contabilizados em 2015 na conta NCA #728014, apenas o montante de € 1.696.200,04 foi gasto efetivo do período de tributação de 2015, conforme veio o Banco esclarecer, em resposta à questão 9.8 do pedido de elementos n.º 3, datada de 2018-03-08, e no qual demonstrou a utilização do '''F... Accrual" (conta NCA #52896) durante o ano de 2015;
  • » Foi acrescido ao resultado líquido contabilístico, campo 736 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22, o montante de € 663.813,97, relativo às menos-valias das participações sociais da G..., bem como a parte referente às componentes de ativos fixos tangíveis, as quais influenciaram o montante da "perda estimada" relevada contabilisticamente na conta NCA #728014 - "Outros encargos e gastos operacionais - Operações descontinuadas -Outros-F... "62.

 

Conclusão

Face ao que antecede, e dado que o reconhecimento da perda contabilística na conta NCA 728014 -"Outros encargos e gastos operacionais - Operações descontinuadas - Outros – F... ", no montante de €203.827.996,17, não tem enquadramento no artigo 18.º do CIRC, por se ter concretizado apenas em 2016, nem tão pouco se mostra dedutível ao abrigo do regime estabelecido para as perdas por imparidade, designadamente no artigo 28.º-A e artigo 31.º-B, ambos do CIRC, a mesma não pode concorrer para a formação do lucro tributável do período de tributação de 2015.

No entanto, e como referido anteriormente, uma vez que o valor de € 1.696.200,04, corresponde a gastos efetivos do período de tributação de 2015, e o montante de € 663.813,97 foi acrescido no campo 736 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22, o acréscimo a efetuar ao lucro tributável será de € 201.467,982,16 (€ 203.827.996,17 - € 1.696.200,04 - € 663.813,97), nos termos das disposições legais mencionadas.

Ainda, com relevância para a situação em apreço, importa ressalvar que atendendo ao disposto no artigo 18.º do CIRC, a perda que não concorreu para a formação do lucro tributável, no período de tributação de 2015, será dedutível no período de tributação da realização da transação de venda, ou seja, em 2016. Porém o facto de a mesma ser considerada dedutível no período de tributação de 2015 ou no período de tributação de 2016 não é inócuo, dado que ao cumprir-se com o disposto no artigo 18.º do CIRC, o A... Sucursal apura lucro tributável em 2015, originado a consequente liquidação de IRC e demais consequências legais.

A este propósito refere a jurisprudência plasmada no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), processo n.º 3769/10, de 2011-04-12, que "(...) a estatuição do art. 18.º n.º 2 do CIRC (...) visa salvaguardar a imputação de custos de exercícios anteriores nos seguintes e não o inverso, custos de anos futuros e/n precedentes (...)", ou seja, o A... Sucursal não pode imputar uma perda, nítida, do ano de 2016 no período de tributação de 2015, sob o pretexto de que, neste ano, o mesmo já "era previsível".

De notar que esta correção condiciona o valor inscrito no Quadro 10 Campo 365.- Tributação autónoma da declaração de rendimentos Modelo 22 (ver ponto III.2.1.1 deste documento).

 

  1. Em 02-09-2015 foi celebrado entre o A... e o B..., S.A. (doravante “B...”) o Contrato de Aquisição de Unidade de Negócio (o “Contrato”), que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. No Contrato, o Requerente acordou alienar e o B... acordou adquirir a unidade de negócio da banca de retalho, banca privada e a quase totalidade do negócio de banca de empresas da sucursal em Portugal do A... (a “Unidade de Negócio”);
  3. A alienação da Unidade de Negócio (a “Transação”) implicou mesmo, entre outros factos relevantes, o encerramento dos balcões do A..., a transmissão dos contratos de trabalho dos seus trabalhadores para o B... e o desaparecimento quase total da publicidade e outros elementos destinados à angariação de Clientes para ao...;
  4. A Transacção foi divulgada foi divulgada na página do B... na Internet  (https://...pt) em 02-09-2015, nos termos que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

B... adquire o negócio de retalho do A... em Portugal

O banco pagará um múltiplo de 0,4x do valor escriturado do negócio efetivamente transacionado, oque equivale a um prego aproximado de 100 milhões de euros.

Esta aquisição traduz uma forte aposta na estratégia de crescimento do banco e na consolidação do B... como banco dotado de vocação e projeção europeia.

O B... é uma das entidades financeiras com maior solvência e rentabilidade em Espanha. É uma referência peto elevado desenvolvimento tecnológico e pioneirismo na banca digital multicanal, tendo já sido várias vezes premiada como melhor em presa para trabalhar.

O B... concluiu hoje com o A... a operação de aquisição do seu negócio de Retail & Wealth Portugal, que inclui os segmentos de banca de retalho, banca privada e banca de empresas que a entidade britânica gere em Portugal.

Segundo o acordo de compra assinado hoje, a entidade espanhola pagará um múltiplo de 0,4x do valor escriturado do negócio efetivamente transacionado, o que equivale a um preço aproximado de 100 milhões de euros.

Em números redondos, o negócio de retalha do A... Portugal integra uma carteira de créditos de 4.881 milhões de euros, 2,936 milhões de euros em ativos geridos em contas extrapatrimoniais, uma rede de 84 balcões, uma equipa de 1.000 colaboradores e 185.000 clientes, dos quais 20.300 são empresas.

A operação, que está sujeita à obtenção das autorizações dos organismos competentes e entidades reguladoras, exclui a compra do negócio da banca de investimento e cartões, bem como um pequeno número de clientes corporativas da entidade, que continuarão a ser geridos pelo A... .

Paralelamente à compra da atividade bancária já referida, a B... Seguros de Vida, empresa controlada em 50% pelo B... e pela C..., acordou com o A... a aquisição do seu negócio de seguros de vida e pensões em Portugal, por um valor estimado de 75 milhões de euros. A Sucursal em Portugal do A... Vida y Pensiones, que gere mais de mil milhões de euros em ativos, obteve 150 milhões em prémios e 12,7 milhões de euros de lucro líquido em 2014.

A aquisição do A... Retail & Wealth Portugal representa a operação corporativa mais importante realizada pelo B... na sua estratégia de internacionalização em 50 anos de história. Trata se da segunda aquisição concretizada pelo banco fora de Espanha, depois de, em dezembro de 2012, ter adquirido as infraestruturas e a licença bancária da filial do Luxemburgo do banco holandês D... .

Esta aquisição em Portugal representa um salto qualitativo para a estratégia de negócio do banco, o qual, embora continuando a privilegiar o crescimento orgânico em Espanha, vai agora estender a sua presença física, o volume de negócios, a base de clientes e o âmbito de atuação a outro país da União Europeia.

Nesse sentido, E..., CEO do B..., referiu que esta operação "representa um marco na história recente da banca e constitui uma excelente oportunidade para o B... e para os seus acionistas, da qual conseguiremos obter um rápido retorno a breve trecho."

  1. Na mesma data, o A... publicitou a transacção nos termos que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. A operação de compra e venda da Unidade de Negócio ocorreu “muito abaixo do seu valor contabilístico”;
  3. Após a celebração do Contrato, em 2 de setembro de 2015, o Requerente registou na conta NCA 728014 – “Outros Encargos Gastos Operacionais – Operações descontinuadas – Outros –F...”, o montante de € 203.827.996,17;
  4. No extracto da conta NCA #728014, encontrava-se registado:

• O gasto no valor de € 31.371.998,75, relativo a F...– Costs to Sell; e

• O gasto no valor de € 172.455.997,42, relativo a F... - Loss on Sale.

  1. Na relevação contabilística da operação em causa, o Requerente adoptou a International Financial Reporting Standard (“IFRS”) 5;
  2. O montante em apreço corresponde ao reconhecimento de uma perda contabilística estimada de 6,3%, calculada sobre o valor contabilístico dos bens à data da classificação como ativos não correntes detidos para venda, que ocorreu no exercício de 2015;
  3.  Inclusão do negócio adquirido ao A... pelo B... teve efeitos a 1 de Abril de 2016 (página 13 do Relatório Anual de 2016 do B..., citado pelo Requerente na nota 3 da página do pedido de pronúncia arbitral, disponível em https://webcorporativa...pt/documents/20499/58521/Relat%C3%B3rio+e+..., cujo teor se dá como reproduzido, e artigo 87.º do pedido de pronúncia arbitral);
  4.  Na sequência da inspecção, o Requerente foi notificado da Liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2015 com n.º 2018..., de 05-09-2018, bem como da demonstração de liquidação de juros n.º 2018... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 07-09-2018, em que é apurado o montante total de € 6.152.821,01 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. O Requerente pagou esta quantia em 09-10-2018 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. Em 15-01-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária, nos factos alegados pela Requerente não questionados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, documentos juntos com a petição inicial e que constam do processo administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o alegado pela Requerente quanto à matéria de facto que alega e a Requerente aceita a matéria de facto que se refere no Relatório da Inspecção Tributária.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Objecto de litígio

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva ao Requerente em que efectuou várias correcções, entre as quais uma relativa a «GASTOS NÃO DEDUTÍVEIS PARA EFEITOS FISCAIS (ARTIGO 18.º, ARTIGO 28.º-A E ARTIGO 31º- B, TODOS DO CIRC), no montante de € 201.467.982,16, que é objecto de impugnação no presente processo.

Nessa acção inspectiva, constatou-se que a conta NCA 728014 - "Outros Encargos Gastos Operacionais - Operações descontinuadas - Outros – F...", apresentava um saldo devedor de €203.827.996,17 e que o extracto da conta evidenciava gastos relacionados com "F... - Costs to sell, no valor de €31.371.998,75 e "F... - Loss on sale", no montante de €172.455.997,42, ambos do projeto F..., associados à venda, ocorrida em 2016, da unidade de negócio da banca de retalho do A... - Sucursal em Portugal ao B..., S.A.,

Na sequência de explicação dada pelo Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que:

– «a perda contabilística reconhecida teve por base o pressuposto de que o B..., S.A, iria pagar ao A... Sucursal 93,7% do valor líquido contabilístico dos bens à data da transação (no decurso de 2016), o que implicou o reconhecimento de uma perda contabilística estimada de 6,3%, calculada sobre o valor contabilístico dos bens à data da passagem para ativos não correntes detidos para venda, que ocorreu no período de tributação de 2015, tendo o A..., no seu entender, procedido de acordo com a IFRS 5»;

– «o grupo a alienar inclui todos os ativos e passivos dos negócios Portugueses da Banca de Retalho, da Gestão de Património e de Investimento, e parte do negócio Português da Banca de Empresas. Esta venda está incluída no desinvestimento do segmento Non-core do Grupo»;

– «a alienação Portuguesa foi anunciada a 2 de setembro de 2015, e a venda deverá estar terminada no 1.º trimestre de 2016»;

– «concorreu para a formação do lucro tributável, do período de tributação de 2015, um gasto no valor de € 203.164,182,20».

 

O contrato de venda pela Requerente ao B... da unidade de negócio de banca de retalho foi celebrado em 2015 e os seus efeitos começaram a produzir-se a partir de 01-04-2016.

            Depois de analisar a situação da Requerente e a aplicação da IFRS 5, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu no Relatório da Inspecção Tributária que «contabilisticamente o ajustamento efetuado consubstancia o reconhecimento de uma perda por imparidade, tal como previsto no §20 da IFRS 5». A Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona a forma como foi efectuada a contabilização da perda por imparidade, reafirmando na sua Resposta no presente processo que «em momento algum do relatório de inspeção tributária é formulado qualquer reparo ao modo como foi relevada contabilisticamente a operação de alienação da unidade de negócio e, menos ainda, sobre a deteção de eventual desconformidade com a normalização contabilística».

Por isso, as Partes estão de acordo quanto à aplicação adequada pelo Requerente da IFRS 5 e relevância contabilística da perda referida no exercício de 2015.

A discordância entre as Partes tem por objecto apenas o tratamento fiscal daquela perda.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira, entendeu, em conclusão:

 

Conclusão

Face ao que antecede, e dado que o reconhecimento da perda contabilística na conta NCA 728014 -"Outros encargos e gastos operacionais - Operações descontinuadas - Outros – F...", no montante de €203.827.996,17, não tem enquadramento no artigo 18.º do CIRC, por se ter concretizado apenas em 2016, nem tão pouco se mostra dedutível ao abrigo do regime estabelecido para as perdas por imparidade, designadamente no artigo 28.º-A e artigo 31.º-B, ambos do CIRC, a mesma não pode concorrer para a formação do lucro tributável do período de tributação de 2015.

No entanto, e como referido anteriormente, uma vez que o valor de € 1.696.200,04, corresponde a gastos efetivos do período de tributação de 2015, e o montante de € 663.813,97 foi acrescido no campo 736 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22, o acréscimo a efetuar ao lucro tributável será de € 201.467,982,16 (€ 203.827.996,17 - € 1.696.200,04 - € 663.813,97), nos termos das disposições legais mencionadas.

Ainda, com relevância para a situação em apreço, importa ressalvar que atendendo ao disposto no artigo 18.º do CIRC, a perda que não concorreu para a formação do lucro tributável, no período de tributação de 2015, será dedutível no período de tributação da realização da transação de venda, ou seja, em 2016. Porém o facto de a mesma ser considerada dedutível no período de tributação de 2015 ou no período de tributação de 2016 não é inócuo, dado que ao cumprir-se com o disposto no artigo 18.º do CIRC, o A... Sucursal apura lucro tributável em 2015, originado a consequente liquidação de IRC e demais consequências legais.

A este propósito refere a jurisprudência plasmada no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), processo n.º 3769/10, de 2011-04-12, que "(...) a estatuição do art. 18.º n.º 2 do CIRC (...) visa salvaguardar a imputação de custos de exercícios anteriores nos seguintes e não o inverso, custos de anos futuros e/n precedentes (...)", ou seja, o A... Sucursal não pode imputar uma perda, nítida, do ano de 2016 no período de tributação de 2015, sob o pretexto de que, neste ano, o mesmo já "era previsível".

 

 

São, assim, dois os fundamentos pelos quais a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a perda contabilística em causa «não pode concorrer para a formação do lucro tributável do período de tributação de 2015»:

 

«não tem enquadramento no artigo 18.º do CIRC, por se ter concretizado apenas em 2016» (pelo que será obstáculo à sua relevância fiscal o princípio da especialização dos exercícios, enunciado naquele artigo);

«nem tão pouco se mostra dedutível ao abrigo do regime estabelecido para as perdas por imparidade, designadamente no artigo 28.º-A e artigo 31.º-B, ambos do CIRC».

 

Por sua vez, o Requerente entende, em suma, que

 

– devendo a perda contabilística ser reconhecida em 2015, não poderia senão ter reconhecido, em 2015, o gasto fiscal decorrente da perda por imparidade;

– por força do princípio da dependência parcial entre a contabilidade e a fiscalidade, «só perante uma norma fiscal concreta, expressa e prévia, se pode concluir pela não dedutibilidade, para efeitos fiscais, de uma perda que necessariamente tem de ser reconhecida, para efeitos contabilísticos»;

– essa norma não se reconduz ao artigo 18.º do CIRC, nem na parte que se refere ao princípio da especialização dos exercícios nem no que respeita a ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor;

– a perda por imparidade reconhecida contabilisticamente pelo Requerente respeita indisputavelmente ao período de tributação de 2015, não sendo possível registá-la de qualquer outra forma que não ao abrigo da IFRS 5;

– a regra contabilística especial relativa a ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, por força da aplicação da IFRS 5 a um conjunto de ativos e passivos que passam a estar classificados como um grupo para alienação, não implica que esteja em causa uma mensuração pelo justo valor de ativos e passivos;

– nenhum dos preceitos contidos nos artigos 28.º-A a 31.º-B do Código do IRC se pronuncia sequer sobre a dedutibilidade fiscal da perda por imparidade reconhecida pelo Requerente;

– o CIRC simplesmente não estabelece regras próprias e específicas para as perdas por imparidade de grupos para alienação classificados como detidos para venda;

– não sendo a respetiva dedução proibida por nenhuma disposição particular, as mesmas devem considerar-se dedutíveis nos termos gerais, ao abrigo do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC;

– por isso, a perda por imparidade referida é relevante para efeitos fiscais, em face do preceituado nos artigos 17.º e 23.º, n.º 1, alínea h), do CIRC, por estar correctamente contabilizada e não existir disposição do CIRC que afaste a sua dedutibilidade;

– nenhuma regra contabilística – nem o artigo 18.º do CIRC – permitiria reconhecer a perda em apreço no período de tributação de 2016, por forma a que o Requerente pudesse então, nesse exercício, deduzir a perda inequívoca e efetivamente suportada;

– pelo que a interpretação feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira é incompaginável com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação do lucro real, que são reconhecidos nos artigos 13.º e 104.º da CRP, inconstitucionalidade de que enfermam os artigos 18.º e 23.º do CIRC na interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo, defende o entendimento adoptado no RIT, dizendo, em conclusão:

a operação de alienação da Unidade de Negócio ao B... não foi concretizada no ano de 2015, ano em que foi assinado o acordo da venda, pelo que, ao abrigo do princípio da especialização dos exercícios, enunciado no n.º 1 do art.º 18.º do Código do IRC, só no ano (2016) em que o rédito for considerado realizado e os correspondentes gastos suportados, a perda efetivamente suportada pode ser imputada ao lucro tributável desse período;

– a perda por imparidade reconhecida no exercício de 2015, nos termos previstos no parágrafo 20 da IFRS 5, resultante da diferença entre o valor contabilístico e o justo valor menos os custos necessários para venda, não pode ser aceite fiscalmente como dedutível para o apuramento do lucro tributável por inexistência de previsão legal expressa para o efeito, pois, como é confirmado pelo Requerente, nos artigos 28.º, 28.º-A e 28.º-C ou art.º 31.º-B, do Código do IRC, nenhuma referência é feita às perdas por imparidade dos Ativos não Correntes Detidos para Venda e Unidades Operacionais Descontinuadas;

– a simples enunciação, na alínea h), n.º 2 do art.º 23.º do mesmo Código, das perdas por imparidade, significa, tão-só, que são dedutíveis, i.e., suscetíveis de dedução, mas para serem deduzidas devem ser observados os requisitos e condições estabelecidos nos normativos que regulam as perdas por imparidade, que, todavia, não contemplam todos a categorias de ativos, entre eles, os Ativos não Correntes Detidos para Venda e Unidades Operacionais Descontinuadas;

– ao contrário do que é sugerido pelo Requerente, poderia no exercício de 2016, deduzir a perda inequívoca e efetivamente suportada, com a venda da Unidade de Negócio concretizada em 2016, devendo a perda obtida ser refletida no resultado fiscal desse exercício, através de uma correção negativa a efetuar ao resultado contabilístico, aquando do apuramento do lucro tributável na declaração periódica de rendimentos modelo 22;

– a não aceitação da dedução da perda por imparidade ao lucro tributável de 2015 não determina desconsideração da verdadeira capacidade contributiva do Requerente e uma injustificada postergação do seu lucro real redundando numa flagrante violação dos princípios basilares da igualdade e justiça tributárias, em manifesta violação do disposto nos artigos 13.º e 104.º da CRP”, porquanto, a perda tornou-se efetiva no período em que foi concretizada a operação de venda da Unidade de Negócio ao B..., i.e., em 2016, devendo ser imputada ao lucro tributável desse período.

 

 

Na definição do objecto do litígio há que ter em conta que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa a eliminação dos efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele] ( [1] ).

Por isso, os actos de liquidação que são objecto de pedidos de declaração de legalidade pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, de facto ou de direito, mesmo que sejam invocados a posteriori pela Autoridade Tributária e Aduaneira em impugnação administrativa ou contenciosa. ( [2] )

No caso em apreço, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira aceite que devia ser reconhecida contabilisticamente uma perda por imparidade no exercício do 2015, defende que do artigo 18.º do CIRC resulta que a perda não concorria para a formação do lucro tributável no exercício de 2015, por força do princípio da especialização dos exercícios e por não ser «dedutível ao abrigo do regime estabelecido para as perdas por imparidade, designadamente no artigo 28.º-A e artigo 31.º-B», mas era dedutível no exercício de 2016 (não explicitando se a título de perda por imparidade ou menos-valia realizada), como patenteia este excerto da «Conclusão» com que termina a apreciação que faz no Relatório da Inspecção Tributária sobre esta correcção:

«com relevância para a situação em apreço, importa ressalvar que atendendo ao disposto no artigo 18.º do CIRC, a perda que não concorreu para a formação do lucro tributável, no período de tributação de 2015, será dedutível no período de tributação da realização da transação de venda, ou seja, em 2016. Porém o facto de a mesma ser considerada dedutível no período de tributação de 2015 ou no período de tributação de 2016 não é inócuo, dado que ao cumprir-se com o disposto no artigo 18.º do CIRC, o A... Sucursal apura lucro tributável em 2015, originado a consequente liquidação de IRC e demais consequências legais.

 

Assim, a controvérsia reconduz-se a saber se o princípio da especialização dos exercícios, por um lado, e os artigos 28.º e 31.º-B do CIRC, por outro, não permitem a relevância fiscal da perda por imparidade contabilística reconhecida no exercício de 2015.

Designadamente, é de notar que, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha incluído no RIT uma transcrição do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, que estabelece a regra da relevância fiscal de ajustamentos de justo valor, não o invoca como fundamento da correcção efectuada, isto é, em nenhum ponto do RIT aventa que possa tratar-se de um ajustamento de justo valor e que o estatuído neste n.º 9 possa ser obstáculo à relevância fiscal da perda.

Por isso, não pode ter relevância para a decisão da causa, pelo que não será apreciado, o novo hipotético fundamento para a correcção efectuada que é invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta (fundamentação a posteriori), em que afirma que «forçoso será assim concluir que a perda por imparidade reconhecida pelo Requerente em 2015 não é fiscalmente dedutível neste período, na medida em que se trata de um ajustamento decorrente da aplicação do justo valor a que o Código do IRC não atribui relevância fiscal no ano da sua relevação» (artigo 85.º da Resposta).

Tendo dois fundamentos autónomos a não aceitação pela Administração Tributária da relevância fiscal da referida perda por imparidade, basta que um deles tenha suporte legal para assegurar a legalidade do acto. Na verdade, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, quando um acto de administrativo tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um acto tributário (ou administrativo) é irrelevante que um deles seja ilegal, pois «o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto». ( [3] )

 

3.2. Questão da aplicação do princípio da especialização dos exercícios

 

No Preâmbulo do CIRC, «o conceito de lucro tributável que se acolhe em IRC tem em conta a evolução que se tem registado em grande parte das legislações de outros países no sentido da adopção, para efeitos fiscais, de uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a chamada teoria do incremento patrimonial».

Como também se diz naquele Preâmbulo, decorre desse conceito que o lucro tributável deve «reportar-se o lucro à diferença entre o património líquido no fim e no início do período de tributação», o que tem consagração explícita no n.º 2 do artigo 3.º do CIRC, que estabelece que «o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código».

A base da determinação do lucro tributável é a contabilidade, como também se explica no Preâmbulo:

 

Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.

As relações entre contabilidade e fiscalidade são, no entanto, um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extracontabilisticamente, as correcções – positivas ou negativas – enunciadas na lei para tomar em consideração os objectivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.

Embora para concretizar a noção ampla de lucro tributável acolhida fosse possível adoptar como ponto de referência o resultado apurado através da diferença entre os capitais próprios no fim e no início do exercício, mantém-se a metodologia tradicional de reportar o lucro tributável ao resultado líquido do exercício constante da demonstração de resultados líquidos, a que acrescem as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo e não reflectidas naquele resultado.

Nas demais regras enunciadas a propósito dos aspectos que se entendeu dever regular reflectiu-se, sempre que possível, a preocupação de aproximar a fiscalidade da contabilidade.

 

No entanto, as preocupações legislativas em assegurar a estabilidade das receitas fiscais e evitar evasão fiscal traduziram-se em múltiplos afastamentos da relevância fiscal de soluções contabilísticas, primacialmente em matérias em que é possível considerável margem de subjectividade na contabilização.

É neste contexto que o artigo 17.º do CIRC enuncia as regras gerais da determinação do lucro tributável estabelecendo, o seguinte, no que aqui interessa, na redacção vigente em 2015:

 

Artigo 17.º

 

Determinação do lucro tributável

 

1 - O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

 

 

Como se vê pelo n.º 1 deste artigo 17.º do CIRC, remete-se genericamente para as normas contabilísticas, sendo com base na sua aplicação que é determinado o lucro tributável, mas o resultado da sua aplicação «nos termos deste Código».

 Neste contexto, pode dizer-se que «a contabilidade fornece uma base conceptual para o recorte operacional do lucro tributável, mas, dados os objectivos e princípio que enquadram a fiscalidade, não pode haver uma identificação entre este e o resultado contabilístico pois a contabilidade tem também objectivos e princípios que lhe são próprios e que devem ser salvaguardados. Em alguns países opta-se até por uma completa separação entre essas duas grandezas, mas a tradição em que nos inserimos é a da dependência parcial do lucro tributável em relação ao resultado contabilístico» ( [4] )

Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhecido que foi correcta a aplicação da IFRS 5 pelo Requerente e que dela resulta que o reconhecimento da perda deveria ser feito em 2015, o afastamento a relevância fiscal desse gasto nesse exercício, só pode basear-se na existência de normas do CIRC que, em sintonia com a parte final do n.º 1 do seu artigo 17.º, afastem a sua relevância fiscal no exercício de 2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o afastamento da relevância fiscal daquela perda contabilística registada em 2015 tem suporte no princípio do acréscimo ou da especialização dos exercícios, enunciado no artigo 18.º do CIRC, com a denominação «periodização do lucro tributável», que na redacção vigente nesse ano, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 18.º

 

Periodização do lucro tributável

 

1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

 

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

 

No artigo 63.º da sua Resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira alude ainda ao n.º 3 do artigo 18.º do CIRC que se reporta apenas a réditos, pelo que é manifesto que não tem relevo para a aplicação do princípio da especialização dos exercícios no caso em apreço, pois está em causa a sua aplicação a componentes negativas do liquidação e não positivas. Para mais, o que nesta norma se estabelece respeita réditos e correspondentes gastos. Ora réditos, segundo a IAS 18 e a NCRF 20, respeitam a transações ordinárias, ou da actividade normal ou recorrente de uma entidade. No caso, está-se perante uma perda derivada de alienação de activos, que não configura actividade operacional.

Entre as «componentes negativas do lucro tributável» a que se refere o n.º 1 deste artigo 18.º, incluem-se as perdas resultantes de desvalorizações de activos, como se conclui da referência que na alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC se faz às «perdas por imparidade».

Na verdade, um activo é descrito como estando em imparidade quando «é escriturado por mais do que a sua quantia recuperável», o que ocorre «se a sua quantia escriturada exceder a quantia a ser recuperada através do uso ou venda do ativo» (IAS 36, § 1.º, e NCRF 12, € 1.º), exigindo estas normas contabilísticas «que a entidade reconheça uma perda por imparidade».

Neste contexto, quando é reconhecida uma perda por imparidade, está-se perante uma componente negativa do lucro tributável, susceptível de ser considerada uma perda «suportada pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC», para efeitos do artigo 23.º, n.º 1, e alínea h), do CIRC), que, se a sua relevância para efeitos fiscais não for afastada, é potencialmente relevante para determinação do lucro tributável.

À face do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, essa perda por imparidade suportada pelo sujeito passivo, é imputável ao período de tributação em que é suportada, independentemente da sua tradução em valor pecuniário, através do recebimento da quantia de venda do activo.

É com este alcance que há que aplicar o princípio da especialização dos exercícios, quando se está perante componentes negativas do lucro tributável, mesmo quando os seus efeitos pecuniários só se venham a concretizar no futuro ou sejam mesmo incertos, como evidencia, a propósito das provisões o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-01-2015, processo n.º 0652/14, em que se escreveu:

 

A consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade:

•o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido);

o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível – custo);

•A não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua constituição por valor insuficiente) resulta numa violação deste princípio na medida em que terá como efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele.

 

Esta jurisprudência é transponível, por maioria de razão, para as perdas por imparidade, em que é mais provável a ocorrência de uma diminuição patrimonial do que quando existe mero risco previsível de vir a ocorrer uma perda.

Na verdade, tanto no caso de provisões como no caso de perdas por imparidade, está-se perante situações em que, como se entendeu naquele aresto, o princípio da especialização dos exercícios não só permite mas até impõe que a relevância fiscal da componente negativa do liquidação seja atribuída no exercício em que a provisão deve ser efectuada ou a perda deve ser reconhecida, antecipando essa relevância em relação ao momento em que se venha a materializar pecuniariamente a ocorrência negativa.

Por isso, a argumentação da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de que «apenas concorrem para a formação do lucro tributável, os rendimentos e os gastos realizados, isto é, que sejam o reflexo de transações económicas efetivas, independentemente do seu recebimento ou pagamento», que «durante o exercício de 2015, não foram verificadas todas as condições associadas à realização, pelo que o reconhecimento do correspondente rédito e dos gastos associados à operação não podem ser imputados ao lucro tributável desse exercício» e que só em 2016 «foram transferidos para o B... as vantagens mais significativas e os riscos mais importantes inerentes à unidade de negócio», não tem qualquer fundamento legal, pois o regime de reconhecimento das perdas por imparidade visa precisamente, dar relevância fiscal a perdas antes da realização de menos-valias que decorram da alienação (o que tem como corolário que o valor da perda por imparidade já não relevará para efeitos fiscais quando vierem a ser realizadas mais valias, como decorre do n.º 2 do artigo 46.º do CIRC).

Assim, interpretando o artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, em conjugação com artigo 23.º, n.º 1, do mesmo Código, conclui-se que as perdas por imparidade se consideram componente negativa do lucro tributável do exercício em que devem ser reconhecidas, isto é, consideram-se suportadas nesse exercício e não naquele em que venham a concretizar-se os seus efeitos pecuniários através da venda dos activos. E, em princípio, apenas nesse exercício em que a perda por imparidade deve ser reconhecida é que lhe pode ser atribuída relevância fiscal, sem prejuízo de eventual aplicação do princípio da justiça, invocado pelo Requerente, que o Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que deve atenuar a rigidez do princípio da especialização dos exercícios. ( [5] )

Por isso, desde logo, se conclui que há um erro na interpretação do artigo 18.º n.º 1, do CIRC, subjacente à correção efectuada, na medida em que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a perda por imparidade que aceita que foi correctamente reconhecida em 2015, apenas deveria ser fiscalmente relevante no exercício de 2016, por ser neste que o negócio produziu efeitos pecuniários. Na verdade, por força do princípio da especialização dos exercícios, as perdas por imparidade correctamente reconhecidas a contabilidade, quando é admitida a sua relevância fiscal, têm esta relevância no exercício em que contabilisticamente devem ser reconhecidas, independentemente do momento em que o negócio gerador das perdas vier a produzir efeitos.

Assim, devendo a perda por imparidade ser reconhecida contabilisticamente no exercício de 2015, como foi, se tiver relevância fiscal é neste exercício de 2015 que ela lhe deve ser atribuída, como tal, como perda por imparidade (e não como menos-valia realizada, que só veio a concretizar-se em 2016).

Por isso, fica para esclarecer se há outras normas do CIRC que obstem a que essa perda por imparidade tenha relevância fiscal, designadamente os seus artigos 28.ºe 31.º-B invocados no RIT.

 

 

3.2. Questão da relevância fiscal da perda por imparidade reconhecida em 2015

 

3.2.1. O regime da relevância fiscal das perdas por imparidade introduzido pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho

 

O artigo 17.º do CIRC, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho (redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho) estabelecia a regra geral de determinação do lucro tributável de que «o lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

No regime do CIRC anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, não eram relevantes para efeitos de determinação do lucro tributável as menos-valias e as mais-valias meramente potenciais ou latentes, apenas relevando as realizadas [artigos 20.º, n.º 1, alínea f) , 21.º n.º 1, alínea b), 23.º, n.º 1, alínea i), e 24.º, n.º 1, alínea b), na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho].

 Com o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, embora se mantivesse a regra da relevância para a formação do lucro tributável apenas de mais-valias e menos-valias realizadas, passou a admitir-se, além da relevância fiscal de alguns ajustamentos por justo valor,  a relevância de perdas por imparidade, que se reconduzem a menos-valias latentes ou potenciais.

Para o que aqui interessa, o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC de 2009 passou a estabelecer o seguinte:

 

1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(...)

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

 

Mas, a abertura legislativa à relevância fiscal das perdas por imparidade para determinação do lucro tributável foi limitada, como se explica no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009:

Por  outro  lado,  atendendo  às  dificuldades  de  controlo,  quer  da  razoabilidade  da  decisão  de reconhecimento  da  imparidade  quer  da  respectiva  quantificação,  apenas  são  fiscalmente  dedutíveis, anteriormente à efectiva realização, as perdas por imparidade em créditos, bem como as que consistam em  desvalorizações  excepcionais  verificadas  em  activos  fixos  tangíveis,  activos  intangíveis,  activos biológicos  não  consumíveis  e  propriedades  de  investimento  provenientes  de  causas  anormais devidamente comprovadas. 

 

A restrição da relevância fiscal generalizada das perdas por imparidade era justificada por estas estarem dependentes de expectativas ou estimativas e ser-lhes inerente uma margem significativa de subjectividade e o legislador fiscal, apesar de anunciar com a reforma de 2009 a intenção legislativa de aproximação à contabilidade, estaria, decerto, mais preocupado com a estabilidade da receita, a luta contra a evasão e a fraude e a maior objetividade no apuramento de rendimentos e gastos. ( [6] )

Neste contexto, apesar de naquela alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC (redacção de 2009) se passasse a aludir genericamente às perdas por imparidade, entre os «gastos» que «comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», aquela explicação fornecida pelo Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009 não deixa margem para qualquer dúvida razoável de essa referência genérica não constituiu expressão de uma intenção legislativa de abertura global à relevância fiscal das perdas por imparidade contabilísticas, sendo apenas a indicação de um dos tipos de gastos admissíveis como dedutíveis para determinação do lucro tributável.

Por isso, em sintonia com aquela explicação preambular, a relevância fiscal das perdas por imparidade apenas ocorreu na estrita medida em que ela está especialmente indicada nos artigos 35.º a 38.º do CIRC, nessa redacção de 2009.

Esta relevância fiscal limitada das perdas por imparidade era confirmada pelo artigo 35.º, que nessa redacção de 2009, estabelecia:

 

Artigo 35.º

 

Perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis

 

1 – Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

b) As relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros;

c) As que consistam em desvalorizações excepcionais verificadas em activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento.

2 – Podem também ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade e outras correcções de valor contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, quando constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Banco de Portugal, de carácter genérico e abstracto, pelas entidades sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da União Europeia, destinadas à cobertura de risco específico de crédito de risco-país e para menos-valias de títulos e de outras aplicações.

3 – As perdas por imparidade e outras correcções de valor referidas nos números anteriores que não devam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objectivas que as determinaram, consideram-se componentes positivas do lucro tributável do respectivo período de tributação.

4 – As perdas por imparidade de activos depreciáveis ou amortizáveis que não sejam aceites fiscalmente como desvalorizações excepcionais são consideradas como gastos, em partes iguais, durante o período de vida útil restante desse activo ou, sem prejuízo do disposto nos artigos 38.º e 46.º, até ao período de tributação anterior àquele em que se verificar a transmissão, abate físico, abandono, desmantelamento ou inutilização do mesmo.

 

Deste artigo, designadamente da sua epígrafe, inferia-se uma intenção legislativa de que apenas as imparidades dos tipos referidos neste artigo (as imparidades em créditos, as relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros, as que constituíssem desvalorizações excepcionais e as constituídas obrigatoriamente por força de normas emanadas pelo Banco de Portugal). E, mesmo quanto às imparidades deste tipo, a sua relevância fiscal apenas era admitida nos termos definidos nos artigos 36.º (Perdas por imparidade em créditos), 37.º (Empresas do sector bancário) e 38.º (Desvalorizações excepcionais).

Assim, é seguro que estava excluída pelo CIRC de 2009 a dedutibilidade das perdas por imparidade contabilísticas que não satisfizessem os requisitos de dedutibilidade especialmente exigidos para a sua relevância fiscal, designadamente todas as que não fossem dos tipos indicados neste artigo 35.º e não satisfizessem os requisitos de dedutibilidade especialmente previstos.

 

 

3.2.2. O regime da relevância fiscal das perdas por imparidade introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro

 

Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, o artigo 17.º do CIRC continuou a manter a regra de que «o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

Nesta nova redacção, a alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC foi reformulada, mas, no que aqui interessa, continuou a incluir uma referência genérica às perdas por imparidade entre as «gastos e perdas» dedutíveis.

Mas, como anteriormente, não se pode apenas com base nessa norma genérica indicando as perdas por imparidade como uma das componentes negativas do lucro tributável concluir que houve uma abertura generalizada à relevância fiscal das perdas por imparidade, pois, como antes, trata-se de uma mera enumeração dos tipos de gastos e perdas admissíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Na verdade, desde logo, não tinham cessado de valer em 2014 as razões que justificaram em 2009 a não admissibilidade fiscal generalizada das perdas por imparidade, designadamente as «dificuldades de controlo, quer da razoabilidade da decisão de reconhecimento da imparidade quer da respectiva quantificação» que confessadamente motivaram o legislador de 2009 a optar pela relevância limitada às situações previstas no Código.

Por outro lado, é facto notório que em 2014 não eram menores do que em 2009 as preocupações estaduais com a estabilidade da receita fiscal e a luta contra a evasão e a fraude, pois o país atravessava uma gravíssima crise económica e financeira e a redução do défice das finanças públicas era a preocupação primacial, mesmo obsessiva, da política fiscal.

Por isso, o contexto histórico em que a redacção de 2014 foi introduzida no CIRC, a que se deve atender nos termos do artigo 9.º n.º 1, do Código Civil («as circunstâncias em que a lei foi elaborada»), corrobora a interpretação no sentido do não alargamento da relevância fiscal das imparidades a todas as outras que não estão indicadas no Código, pois a ampliação da relevância fiscal das perdas por imparidade, com a inarredável acentuada componente subjectiva,  estava ao arrepio daquelas preocupações em restringir para défice das finanças públicas.

Os trabalhos preparatórios conhecidos também não abonam esse hipotético alargamento da relevância fiscal das imparidades contabilísticas, pois, se tivesse sido legislativamente pretendido, consubstanciaria uma medida de grande importância em matéria de política legislativa fiscal e não lhe é feita qualquer referência no Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – 2013.

Pelo contrário, este Relatório até é explícito no sentido de se ter pretendido apenas alterar a respectiva sistemática, com distinção entre os activos correntes e não correntes:

 

«A matéria atualmente regulada no artigo 35.º do Código do IRC (base geral aplicável a todas as perdas por imparidade reguladas especificamente nos preceitos seguintes) é, de acordo com a proposta da Comissão de Reforma, dividida, atendendo à nova sistemática que separa o tratamento dos ativos correntes e dos ativos não correntes. Em simultâneo com a introdução de alterações às perdas por imparidade em ativos não correntes, com o intuito primordial de reduzir a conflitualidade e os custos de contexto excessivos, a Comissão de Reforma decidiu manter inalterada a disciplina fiscal das perdas por imparidade em ativos correntes» (página 140).

(...) entendeu-se incorporar as perdas por imparidade em subseções atinentes aos ativos em que se admite a existência de acontecimentos que conduzem ao reconhecimento dessas perdas, distinguindo-as, pois, de uma ideia muito diversa do que hoje se entende por provisões (página 143).

 

Por isso, a alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC de 2014 não poderá ser considerada uma regra geral sobre a relevância imparidades contabilísticas, mas sim como uma mera indicação de um dos tipos de componentes negativas do lucro tributável, cuja relevância é determinada em várias normas especiais.

 

 

            3.2.3. Apreciação do enquadramento ou não da situação nos artigos 28-ºA e 31.º-B

 

Assim, a relevância fiscal da perda por imparidade contabilística que está em causa só pode resultar das regras especiais sobre a determinação da matéria tributável que se referem a perdas por imparidade, que constam das Subsecções II («Mensuração e perdas por imparidades em ativos correntes») e III («Depreciações, amortizações e perdas por imparidades em ativos não correntes»).

Nos termos do § 66 da IAS 1 (com equivalente no § 14 da NCRF 1):

 

Uma entidade deve classificar um activo como corrente quando:

(a) espera realizar o activo, ou pretende vendê-lo ou consumi-lo, no decurso normal do seu ciclo operacional;

(b) detém o activo essencialmente para finalidades de negociação;

(c) espera realizar o activo até doze meses após o período de relato;

ou

(d) o activo é caixa ou um equivalente de caixa (conforme definido na IAS 7), a menos que lhe seja limitada a troca ou uso para liquidar um passivo durante pelo menos doze meses após o período de relato.

 

Uma entidade deve classificar todos os restantes activos como não correntes.

 

 

No entanto, no caso em apreço a perda por imparidade não se reporta apenas a activos correntes nem somente a activos não correntes, mas sim a um «grupo para alienação» detido para venda, constituído pela unidade de negócio da banca de retalho, banca privada e a quase totalidade do negócio de banca de empresas da sucursal em Portugal do A..., tendo a transacção abrangido também passivos (como se vê pelo documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), resultando a imparidade da mensuração deste grupo de activos e passivos em sintonia com a IFRS 5, em cujo § 4.º se refere:

 

Por vezes, uma entidade aliena um grupo de activos, possivelmente com alguns passivos directamente associados, em conjunto numa única transacção. Um tal grupo para alienação pode ser um grupo de unidades geradoras de caixa, uma única unidade geradora de caixa, ou parte de uma unidade geradora de caixa.

 O grupo pode incluir quaisquer activos e quaisquer passivos da entidade, incluindo activos correntes, passivos correntes e activos excluídos pelo parágrafo 5. dos requisitos de mensuração desta IFRS.

Se um activo não corrente dentro do âmbito dos requisitos de mensuração desta IFRS fizer parte de um grupo para alienação, os requisitos de mensuração desta IFRS aplicam-se ao grupo como um todo, de forma que o grupo seja mensurado pelo menor valor entre a sua quantia escriturada e o justo valor menos o custo de vender. Os requisitos para mensuração de activos e passivos individuais dentro do grupo para alienação estão definidos nos parágrafos 18., 19. e 23.

 

            Neste caso, no grupo incluíam-se activos não correntes, pelo que os requisitos de mensuração previstos na IFRS 5 se aplicam ao grupo como um todo, como indica na parte final desta norma.

            De harmonia com o § 15 da IFRS 5 (que tem correspondência na NCRF 8), uma entidade deve mensurar um grupo para alienação classificado como detido para venda pelo menor valor entre a sua quantia escriturada e o justo valor menos os custos de vender.

Como se refere no Parecer junto como documento n.º 7:

– «os grupos para alienação podem incluir um conjunto de ativos e de passivos, dos quais alguns ativos podem estar incluídos nos requisitos de mensuração da IFRS 5 (como por exemplo ativos fixos tangíveis) mas outros ativos e passivos podem não estar no âmbito dos requisitos de mensuração da IFRS 5 (como por exemplo clientes e passivos por obrigações). Por isso, imediatamente antes da classificação como detido para venda, a entidade deverá avaliar se o valor contabilístico dos ativos e passivos que estão incluídos no grupo para alienação deve ser, ou não, ajustado de acordo com as normas internacionais de contabilidade aplicáveis».

(...)

    «Na data da classificação do grupo para alienação como detido para venda, a entidade deverá mensurar o grupo para alienação pelo menor entre o justo valor menos os custos de vender e o valor contabilístico do grupo para alienação (IFRS 5, §15). Caso o menor dos dois seja o justo valor menos os custos de vender, a entidade reconhecerá uma perda por imparidade pela diferença entre o valor contabilístico e o justo valor menos os custos de vender (IFRS 5, §20). Essa perda por imparidade deverá ser imputada aos ativos não correntes incluídos no grupo para alienação e que se encontram nos requisitos de mensuração da IFRS 5. Esta imputação faz com que, apesar do grupo para alienação classificado como detido para venda estar mensurado pelo justo valor menos os custos de vender, cada ativo e passivos individuais não o esteja»;

    (...)

«a perda por imparidade que é reconhecida para um ativo não corrente detido para venda ou grupo para alienação acresce ao valor de eventuais perdas por imparidade determinadas de acordo com as normas internacionais de contabilidade aplicáveis ao respetivos ativos ou passivos. Adicionalmente, a perda por imparidade de ativos não correntes detidos para venda distingue-se da perda por imparidade de um grupo para alienação detido para venda, porque apenas este último pode incluir ativos e passivos fora do âmbito da IFRS 5, aos quais se aplica um procedimento de cálculo da perda por imparidade distinto»;

«no caso dos grupos para alienação, o grupo para alienação classificado como detido para venda estará mensurado pelo justo valor, mas os ativos e passivos individuais poderão ser apresentados no balanço por um valor que não corresponderá ao justo valor menos os custos de vender. Tal acontece, porque a perda por imparidade apurada no grupo para alienação deverá ser repartida pelos ativos não correntes que compõe o grupo para alienação e que estão nos requisitos de mensuração da IFRS 5, numa base pro rata».

 

Examinando as normas do CIRC que se reportam especialmente às perdas por imparidade, constata-se que não está prevista a relevância fiscal de perdas relativas a grupos para alienação, integrados concomitantemente por activos correntes e não correntes e também por passivos.

Na verdade, como se referiu, as regras gerais da determinação do lucro tributável das pessoas colectivas que exerçam a título principal actividade comercial constam da Secção II do Capítulo III do CIRC, em que se inclui uma subsecção II com a epígrafe «Mensuração e perdas por imparidades em ativos correntes» e uma Subsecção III com a epígrafe «Depreciações, amortizações e perdas por imparidades em ativos não correntes».

Mas, não sendo os grupos para alienação activos correntes nem activos não correntes, tem de se concluir que não se prevê em qualquer das normas especiais sobre perdas por imparidade a relevância fiscal a das perdas contabilísticas relativas a grupos para alienação classificados como detidos para venda.

Aliás, o Requerente defende precisamente este entendimento de que a perda por imparidade em causa não se enquadra em qualquer das situações previstas nas normas especiais do CIRC relativas à relevância fiscal de perdas por imparidade: «percorridos os artigos 28.º-A a 31.º-B do Código do IRC, resulta claro que nenhum dos preceitos aí contidos se pronuncia sequer sobre a dedutibilidade fiscal da perda por imparidade reconhecida pelo Requerente».

De qualquer modo, mesmo que se entendesse, com base no citado § 4.º da IFRS 5, que o grupo para alienação, por integrar activos não correntes, devia ser equiparado a um activo não corrente, teria de se reconhecer que, também por essa via, não seria relevante a perda por imparidade em causa, pois é manifesto que não se está perante qualquer das situações previstas no artigo 31.º-A do CIRC em que as perdas por imparidade em activos não correntes são fiscalmente dedutíveis: as «provenientes de causas anormais comprovadas, designadamente desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excecionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso, no contexto legal».

 

 

            3.2.4. Conclusão sobre a relevância fiscal da perda por imparidade em causa

 

Conclui-se, assim, que a situação da perda por imparidade em causa não se enquadra em qualquer das situações prevista nos artigos 28.º-A e 31.º-B do CIRC, em que é regulada a relevância fiscal das perdas por imparidade.

Por outro lado, pelo que se disse no ponto 3.2.2. a relevância fiscal depende do seu enquadramento em qualquer das situações especialmente previstas no CIRC.

Consequentemente tem de se concluir que a perda por imparidade em causa não era fiscalmente dedutível.

 

3.3. Questão da violação dos princípios da justiça tributária, da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação do lucro real, que são reconhecidos nos artigos 13.º e 104.º da CRP, e inconstitucionalidade dos artigos 18.º e 23.º do CIRC na interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O princípio da igualdade é proclamado no artigo 13.º da CRP, nos seguintes termos:

 

Artigo 13.º

Princípio da igualdade

 

            1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual

 

O princípio da tributação com base no lucro real está consagrado no artigo 104., n.º 2, da CRP, nos seguintes termos:

 

            2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

 

O Requerente defende que ocorre violação destes princípios constitucionais no pressuposto de que a perda contabilística em causa não é deduzida ao lucro tributável em 2016.

No entanto, as perdas que contabilisticamente devem ser reconhecidas como perdas por imparidade, quando não são dedutíveis fiscalmente como tal (com base, portanto, na mera expectativa ou estimativa de perda), não deixam de ser dedutíveis quando vierem a tornar-se efectivas; neste caso, vale o momento da alienação dos activos que integram o grupo, com realização de menos-valias, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC.

A perda por imparidade, nos casos em que é fiscalmente relevante, consubstancia a antecipação da relevância negativa da uma perda potencial ou latente para a formação do lucro tributável, em relação ao momento em que ocorre a alienação, em que se venha a apurar uma perda efectiva e real.

            Nos casos em que perdas meramente potenciais ou latentes não são fiscalmente dedutíveis, como perdas por imparidade, no próprio exercício em que devem ser contabilisticamente reconhecidas, as ulteriores perdas efectivas e reais que vierem a ser sofridas no momento da alienação não deixam de ser fiscalmente relevantes, como evidencia o n.º 2 daquele artigo 46.º, ao estabelecer que «as mais valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A e 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A».

            Isto é, as perdas sofridas são relevantes como menos-valias nas situações em que não foram anteriormente já reconhecidas como gastos, inclusivamente como perdas por imparidade.

            Sendo assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira acaba por ter alguma razão quando diz que a perda em causa pode ter relevância fiscal no exercício de 2016, quando ocorreu a alienação e se tornaram efectivas as menos-valias, como também tem razão o Requerente ao dizer que a perda por imparidade, não pode ser deduzida, como tal, em 2016.

            Com efeito, a relevância fiscal da perda no exercício de 2016 está assegurada, mas não a título de perda por imparidade (menos-valia latente ou potencial), pois a perda contabilística necessária para a relevância fiscal devia ser reconhecida contabilisticamente em 2015 e não em 2016, pelo que se referiu.

            Mas, não sendo fiscalmente dedutível em 2015, a perda não deixa de ser relevante para a formação do lucro tributável em 2016, como menos-valia realizada, na medida em que se tornou real e efectiva.

            Sendo assim, não se verifica o pressuposto de que o Requerente faz depender a invocação dos princípios da justiça tributária, da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação do lucro real, pois a perda sofrida é fiscalmente relevante, no momento legalmente considerado adequado.

            Não está em causa, portanto, a relevância fiscal da componente negativa do lucro tributável, sempre assegurada, mas apenas a sua eventual antecipação ou não.

            A mera não antecipação dessa relevância negativa, para o exercício em que é reconhecida a menos-valia potencial ou latente (perda por imparidade), não configura uma ofensa daqueles princípios constitucionais, pois o princípio da especialização dos exercícios, que se reconduz a uma repartição fictícia em períodos de uma actividade empresarial que tendencialmente é contínua, não é um princípio absoluto e é limitado pelo princípio da solidariedade dos exercícios, que atende a essa continuidade (por exemplo, permitindo o reporte de prejuízos, nos termos do artigo 52.º do CIRC, mas também, impondo a regra do princípio da realização quanto à relevância fiscal de mais-valias e menos-valias).

            Sobre este ponto e opções legislativas que nele estão implícitas, é claro o ponto 7 do Preâmbulo do CIRC, publicado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro:

 

7 - Embora o rendimento das unidades económicas flua em continuidade e, por isso, exista sempre algo de convencional na sua segmentação temporal, há, geralmente, necessidade de proceder à divisão da vida das empresas em períodos e determinar em cada um deles um resultado que se toma para efeitos de tributação.

Considera-se que esses períodos devem ter, em princípio, a duração de um ano. Apenas em casos expressamente enumerados se admite, por força das circunstâncias, uma duração inferior, e somente num uma duração superior. Este refere-se às sociedades e outras entidades em liquidação, em que não se encontram razões, desde que a liquidação se verifique em prazo conveniente, para não tomar em termos unitários para efeitos fiscais todo o período de liquidação.

Adoptada a anualidade como regra para os períodos de imposto, a outra questão a resolver tem que ver com as datas de início e de termo de cada período. Também aqui se mantém a prática já há muito seguida entre nós de fazer corresponder cada período ao ano civil. Poderá justificar-se, porém, em alguns casos, a adopção de um período anual diferente, pelo que essa possibilidade é explicitamente admitida e regulada.

A periodização do lucro é origem de outros complexos problemas, estando o principal relacionado com o facto de cada exercício ser independente dos restantes para efeitos de tributação. Essa independência é, no entanto, atenuada mediante certas regras de determinação da matéria colectável, especialmente através do reporte de prejuízos. Consagra-se, assim, a solidariedade dos exercícios, o que se faz em moldes idênticos aos que vigoravam no sistema anterior, ou seja, na modalidade de reporte para diante até um máximo de cinco anos.

 

            A esta luz, a interpretação aqui adoptada não implica violação do princípio da justiça tributária e da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP, pois estas regras para determinação do lucro tributável imputável a cada exercício são aplicadas generalizadamente a todas as empresas, não se vislumbrando qualquer discriminação negativa do Requerente e de quem deva reconhecer perdas contabilísticas por imparidade.

            Por outro lado, o princípio da igualdade apenas proíbe distinções arbitrárias e sem fundamento racional. As preocupações legislativas com a erosão da base tributária que presumivelmente derivaria da relevância fiscal alargada de imparidades, que em grande parte assentam em considerações de ordem subjectiva e de difícil controle pela Administração Tributária, justificavam que não fosse legislativamente reconhecida relevância fiscal a todas as perdas contabilísticas, mas apenas a algumas, designadamente aquelas tendencialmente serão menos dependentes da subjectividade e mais eficazmente controláveis. Na verdade, o alargamento do reconhecimento das imparidades a todos os casos, inclusivamente aqueles em que intervém maior subjectividade e que assentam em factores cuja correspondência à realidade não é comprovável com facilidade, poderia ser uma porta legislativa para a arbitrariedade no reconhecimento de componentes negativas do lucro tributável, pondo em causa a igualdade na tributação.

            Por isso, não se demonstra que seja uma opção legislativa arbitrária e sem fundamento racional, admitir a relevância fiscal de apenas algumas das imparidades contabilísticas, especialmente num momento em que assegurar a estabilidade das receitas fiscais era uma prioridade da política financeira.

            Por outro lado, também não existe violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do lucro real, pois a relevância fiscal das perdas que vierem a ser efectivamente sofridas é reconhecida, e há uma tributação do lucro real, apurado tendo em conta a realidade da continuidade da actividade empresarial por vários exercícios.

            Na verdade, esta exigência constitucional de tributação das empresas com base no lucro real, para além de não ser absoluta (pois o artigo 104.º,  2, da CRP refere que « tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real»), não exige, decerto, que essa tributação de uma actividade contínua tenha de ser feita em sintonia com os períodos em que se ficcionou segmentá-la, para efeitos de tributação.

            Pelos exposto, não ocorre violação desta normas constitucionais pela interpretação aqui feita dos artigos 18.º e 23.º do CIRC.

 

           

             4. Restituição de quantia paga e juros indemnizatórios

 

            O Requerente pede a restituição da quantia liquidada, que pagou, acrescida de juros indemnizatórios.

             O direito à restituição da quantia paga depende da anulação da liquidação, que é suporte jurídico da dívida tributária, e o direito a juros indemnizatórios da existência de pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).

            Não se demonstrando que a liquidação enferma de ilegalidade que justifique a sua anulação, nem que o pagamento seja indevido, têm de improceder os pedidos de restituição e de juros indemnizatórios.

 

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Absolver a Administração Aduaneira de todos os pedidos.

 

 

6. Valor do processo

 O Requerente atribuiu ao processo o valor de 5.657.638,80.

A Autoridade Tributária e Aduaneira questiona o valor que foi atribuído ao processo, defendendo que «para a hipótese de apenas existir uma correção no valor de € 201.467.982,16, o valor de imposto encontrado foi de € 3.975.052,83 e os juros compensatórios de € 274.268,99, pelo que tendo na autoliquidação o Requerente liquidado a importância de € 819.057,17, o valor do processo deveria ascender a € 3.430.264,65 [(3.975.052,83 + € 274.268,99) - € 819.057,17) de € 201.467.982,16, o valor de imposto encontrado foi de € 3.975.052,83 e os juros compensatórios de € 274.268,99, pelo que tendo na autoliquidação o Requerente liquidado a importância de € 819.057,17, o valor do processo deveria ascender a € 3.430.264,65 [(3.975.052,83 + € 274.268,99) - € 819.057,17)».

A Autoridade Tributária e Aduaneira junta um documento, em que se refere tratar-se de «MAPAS DE APOIO À CONCRETIZAÇÃO DA DECISÃO» «REVISÃO DE ATOS TRIBUTÁRIOS», relativo ao «Período: 2016».

O documento referido não está previsto em qualquer disposição legal como meio para determinar o valor da causa, pelo que tratar-se-á de um documento interno da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que o que dele possa resultar não tem relevo para esse efeito.

Por outro lado, o documento reporta-se ao período de 2016 e é a liquidação relativo ao período de 2015 que é impugnada no presente processo.

De qualquer modo, não se encontram no documento referido os valores que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à matéria tributável de IRC no montante global de € 219.101.373,92, mas o Requerente apenas impugna aquela correcção em IRC quanto ao montante de € 201.467.982,67, isto é, com arredondamento até às centésimas, 91,95%, do montante global de correcções em matéria de IRC.

Pela «demonstração da liquidação de juros» verifica-se que foi considerado em falta o valor de € 5.660.868,30 (que será o IRC que entendeu corresponder à totalidade das correcções de IRC), pelo que liquidou € 491.953,71 de juros compensatórios: no total, relativamente às correcções de IRC foi liquidado o montante de € 6.152.821,01.

Impugnando o Requerente 91,95% das correcções, o valor correspondente será de € 5.657.518,92.

 Assim, de harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 5.657.518,92.

 

Lisboa, 02-07-2019

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(António Martins)

 

 

 

(Gustavo Courinha)

 



( [1] ) Apenas complementado com as consequências da decisão anulatória a nível de atribuição de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia indevida, se for caso disso.

( [2] ) Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

–   de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;

–   de 19-06-2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289;

–   de 09-10-2002, processo n.º 600/02;

–   de 12-03-2003, processo n.º 1661/02.

               

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

–   MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;

–   MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

( [3] )                Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.

                Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que «tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável».

                .

 

[4]              MANUEL H. DE FREITAS PEREIRA, Relações entre a fiscalidade e a contabilidade, em Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, volume IV, página 953.

[5]              Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07; de 5-2-2003, processo n.º 01648/02; de 25-6-2008, processo n.º 0291/08; e de 21-11-2012, processo n.º 0809/12.

[6] Essencialmente neste sentido, ANTÓNO MARTINS, A evolução da tributação das pessoas coletivas: a propósito da relação normativa entre o resultado contabilístico e o resultado tributável desde a Contribuição Industrial até à atualidade, em Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano IX, 2016, tomo 4, página 78.