Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 306/2016-T
Data da decisão: 2016-12-26  IRS  
Valor do pedido: € 27.058,21
Tema: IRS - Inimpugnabilidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa; Tributação de mais-valias na alienação onerosa de participações sociais em micro e pequenas empresas. Artigo 43º-3 do CIRS
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DECISÃO ARBITRAL

 

PARTES

 

Requerentes: A…, NF nº … e B…, NF nº …, residentes na Rua …, n.º…, ...º, …-… Lisboa.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

I.                   RELATÓRIO

 

a)      Em 03-06-2016, os Requerentes entregaram no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)      Os Requerentes pedem a anulação da liquidação de IRS do ano de 2012 – liquidação 2013 … – na parte da tributação autónoma das mais-valias do ano de 2012, não aceitando a tributação de 53 899,68 euros mas apenas de 27 016,09 euros, pedindo a anulação parcial de 26 883,59 euros, por força do regime do artigo 43º-3 do Código do IRS.

c)      Impugnaram graciosamente a liquidação, em Agosto de 2013. Obtiveram vencimento por decisão do mês de Outubro de 2013. Mas em Novembro de 2013 tal decisão foi revogada pela AT com o fundamento de que a sociedade cuja quota fora alienada não era uma pequena ou micro empresa, mas uma média empresa segundo a certificação do IAPMEI, não podendo beneficiar da exclusão do nº 3 do artigo 43º do Código do IRS.

d)      Em 04.01.2016 entregaram no SF de Lisboa –… um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78º da LGT, já decorridos mais de 2 anos sobre a data da revogação da decisão de deferimento da impugnação graciosa (datada de Novembro de 2013) e à data da entrega no CAAD (em 03.06.2016) do presente pedido de pronúncia, não tinham logrado obter uma decisão expressa da AT.

e)      É com base neste pedido de revisão oficiosa, que presumem indeferido nos termos do artigo 57º-1 da LGT, que vêm deduzir a presente impugnação.

f)       Pedem ainda a condenação da AT no reembolso das importâncias que pagaram, acrescidas dos juros indemnizatórios.

g)      Imposto liquidado pela alienação onerosa de uma quota na sociedade “C…, Lda”, mas que sustentam deveria ser apenas em 50% da mais-valia, uma vez que se trata de uma micro ou pequena empresa não cotada no mercado de valores mobiliários.

h)      Em 20.09.2016 os Requerentes juntaram ao processo uma decisão de deferimento do pedido de revisão oficiosa “que precedeu o pedido de pronúncia arbitral nos presentes autos”. Face à posição da AT, (invocando a inimpugnabilidade do acto indeferimento tácito, a inimpugnabilidade do acto de liquidação, a incompetência do TAS para apreciar o pedido de juros indemnizatórios e imputando aos Requerentes a responsabilidade pelas custas) vieram referir nas alegações: “… a decisão da AT de 09-06-2016 limitou-se à anulação parcial da liquidação, abstendo-se, contudo, de reconhecer o direito a juros indemnizatórios a que os Requerentes têm direito, nos termos legais. Acresce, que a concretização dos efeitos da referida decisão, por via do reembolso da importância indevidamente liquidada e paga, só se efetivou em 30 de Agosto do mesmo ano”. “Nestes termos, não só constituiu objecto de impugnação o ato de liquidação que ainda não havia sido anulado à data em que foi interposto o presente pedido de pronúncia arbitral, como se justifica o prosseguimento do processo, nos termos acima referidos, no que concerne ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, conforme peticionado.”

i)       Pugnando pela improcedência das excepções, concluem que o processo deve prosseguir para reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, devendo as custas ser imputadas à AT nos termos legais.

A CAUSA DE PEDIR

 

j)       Os Requerentes invocam a ilegalidade do acto impugnado, que consideram violar a lei, por eventual erro na aplicação do direito por parte da AT.

k)      Uma vez que a liquidação não está de acordo com o nº 3 do artigo 43º do Código do IRS.

l)       Referem a este propósito o seguinte: “relativamente à mesma questão e à mesma empresa, o CAAD proferiu já diversas decisões arbitrais, todas no sentido propugnado pelos requerentes, ou seja, de que se estava perante uma pequena ou micro empresa e que, portanto, a tributação das mais-valias deveria incidir apenas sobre 50% do valor de aquisição, relevando para o efeito os requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro (v.g., processos n.º 155/2014-T e 362/2014-T)”.Tal entendimento, de resto, repita-se, viria a ser expressamente acolhido pela própria AT, conforme despacho do respectivo Director-Geral de 24-04-2014, divulgado através da Circular n.º 7/2914, de 29 de Julho do mesmo ano”.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

m)   O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 28-06-2016.

n)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 10-08-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

o)      O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 26-08-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

p)      Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 26-08-2016 que aqui se dá por reproduzida.

q)      Logo em 26-08-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT.

r)       Por despacho de 26.09.2016 foi conferido à AT o prazo suplementar de 15 dias (contados após o dia 30.09.2016) uma vez que os Requerentes, no decurso do prazo da resposta apresentaram o requerimento referido em h) deste relatório. Respondeu em 14.10.2016. Juntou o PA tributário composto por 17 ficheiros informatizados.

s)      Por despacho de 24.10.2016 o TAS questionou as partes sobre se prescindiam da reunião do artigo 18º do RJAT e uma vez que foram aduzidas excepções na resposta, se davam o assentimento à tramitação processual subsequente apenas com a produção de alegações escritas e sucessivas. Ambas as partes aceitaram expressamente esta proposta de tramitação processual conforme requerimentos de 25.10.2016.

t)       Em 21.11.2016 o TAS fixou o prazo de 10 dias para alegações escritas e sucessivas das partes.

u)      Em 25.10.2016 os Requerentes apresentaram alegações escritas. Em 14.12.2016 a Requerida também apresentou contra-alegações escritas.

v)      Não se realizou, conforme acima descrito, a reunião de partes do artigo 18º do RJAT.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

w)    Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

x)      Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos do inciso q) e r) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual (SGP) do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes. Igualmente quanto à tramitação processual subsequente o TAS seguiu o que resulta da posição expressa das partes como se escreve nas alíneas s) a u) supra.

y)      Excepções dilatórias - O processo arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto dos Requerentes terem apresentado no CAAD o presente pedido de pronúncia em 03.06.2016 com fundamento na presunção de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS apresentado à AT em 04.01.2016, não tendo sido adoptado uma decisão ou uma qualquer pronúncia nos 4 meses subsequentes (artigo 57º - 1 da LGT).

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DOS REQUERENTES

 

O pedido de pronúncia

 

z)      Os Requerentes discordam da liquidação de IRS do ano de 2012 – liquidação 2013 … – na parte da tributação autónoma das mais-valias, não aceitando a tributação de 53 899,68 euros mas apenas de 27 016,09 euros, pedindo a anulação parcial de 26 883,59 euros, pugnando pela aplicação do regime do artigo 43º-3 do Código do IRS.

aa)  Uma vez que, à data da alienação das quotas (em Novembro de 2012) “estavam preenchidos todos os requisitos enumerados no n.º 2 do artigo 2.º do DL n.º 372/2007, de 06/11, para se dever considerar estar-se perante uma pequena empresa”.

bb)  “No decurso do ano de 2015, os requerentes tiveram conhecimento de que a justeza da sua posição fora sufragada em dois processos arbitrais (proc. n.º 155/2014-T e 362/2014-T) relacionados com dois colegas da requerente - mesma situação, mesma empresa e mesmo imposto e também pela própria AT na Circular n.º 7/2014, de 29 de Julho”.

cc)  E referem que “Em virtude de a AT se ter pronunciado sobre a reclamação graciosa em Novembro de 2013, os impugnantes aguardaram pelo decurso do prazo de dois anos (artigo 9.º, 2 do CPA e 13.º, 2, do NCPA) para apresentar um Pedido de Revisão, ao abrigo e nos termos do artigo 78.º da LGT, que deu entrada nos Serviços da AT em 04-01-2016”.

dd)      E concluem: “Ao não ter sido proferida até … Maio de 2016 … qualquer decisão por parte da AT é de presumir, nos termos legais (artigo 57.º, 1, da LGT), o indeferimento tácito para efeitos de impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral, pelo que se interpõe o presente pedido”.

 

Quanto às excepções aduzidas pela AT na Resposta

 

Inimpugnabilidade do acto de indeferimento tácito

 

ee)  Referem que “… a Requerida não deixa de apontar a manifesta possibilidade de ser indeferido o pedido de revisão inicialmente apresentado, com fundamento na inexistência do dever de decisão ao abrigo do artigo 56.º, n,º 2, al. a), da LGT, e que o pedido apresentado em segundo lugar teria como finalidade “abrir a via contenciosa pela via do indeferimento tácito, ultrapassando a limitação do período dos dois anos previsto no artigo 56.º, n.º 2 da LGT.”

ff)    E continuam: “Ou seja, a AT mostra ter compreendido perfeitamente o intuito do pedido de revisão apresentado em Janeiro de 2016, não se vendo que possa constituir motivo de censura, como parece pretender sugerir aquela Resposta, o facto de os contribuintes procurarem assegurar o recurso à justiça, em caso de indeferimento, muito especialmente com o fundamento da inexistência do dever de decidir, de um pedido de revisão de uma situação tributária manifestamente injusta e reconhecidamente ilegal”.

gg)  Concluindo: “Assim, como bem se pode extrair da resposta da Requerida no presente processo, justificado se mostrou o receio dos Requerentes de que a AT, visando afastar uma decisão sobre o mérito do pedido, invocasse, relativamente ao pedido de revisão entregue em 20-03-2015, a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 56,º da LGT, ou, seja, precisamente, a inexistência do dever legal de decidir”.

hh)  E terminando o seu raciocínio: “A apresentação em Janeiro de 2016 de um novo pedido de revisão oficiosa não se traduz numa mera exposição ou petição atípica, mas visa efeitos práticos que, no essencial, se traduzem em garantir aos Requerentes o acesso à justiça tributária que, de outra forma, lhes estaria vedado perante uma sempre possível resposta da AT no sentido da inexistência do dever de decidir ou eventualmente, meramente silente. Como de resto não deixa de reconhecer a Requerida, ainda que daí extraia conclusão precisamente avessa à aplicação da justiça, designadamente, por via de acesso aos tribunais”.

 

Inimpugnabilidade do acto de liquidação

 

ii)     A propósito da revogação do acto de liquidação em 09.06.2016, referem que “… à data em que foi proferida a decisão anulatória a que a Requerida faz referência, havia sido já apresentado o pedido de pronúncia arbitral que originou o presente processo”. “Todavia, reconhecida a flagrante ilegalidade do ato de liquidação anulado através da referida decisão, o qual teve na sua génese erro de direito, exclusivamente imputável à Administração Tributária, foi pedido, e devia ter sido reconhecido, o direito a juros indemnizatórios”. “Tal direito não foi, porém, reconhecido. E, quanto a esta matéria, pretende a Requerida, que o presente processo não constitui meio próprio para os Requerentes serem ressarcidos de pagamento indevido decorrente de erro da Administração”.

jj)     E concluem: “Nestes termos, não só constituiu objeto de impugnação o ato de liquidação que ainda não havia sido anulado à data em que foi interposto o presente pedido de pronúncia arbitral, como se justifica o prosseguimento do processo, nos termos acima referidos, no que concerne ao reconhecimento do direitos a juros indemnizatórios, conforme peticionado”.

 

Incompetência do TAS para apreciar o pedido remanescente de juros indemnizatórios

 

kk)  Propugnam pelo seguinte: “julgada improcedente a exceção quanto à inimpugnabilidade do ato de liquidação e determinado o prosseguimento do processo para conhecimento do mérito da causa, como se requer, fica prejudicada a questão da incompetência do Tribunal quanto ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios”. “Com efeito, deverá ser julgado procedente o pedido no que concerne ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, contados nos termos legais, conforme se peticiona”.

Quanto às custas processuais

 

ll)     Segundo os Requerentes, uma vez que devem julgar-se improcedentes as excepções aduzidas pela AT, deve o processo prosseguir para reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios e as custas processuais devem ser imputadas à Requerida, nos termos legais.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Inimpugnabilidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º …2016…, apresentado em 04.01.2016

 

mm)                    A Requerida alegando o seguinte: “… posteriormente ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido em 08-11-2013, e em momento anterior ao dia 04-01-2016, data da apresentação do pedido de revisão cujo indeferimento tácito os Requerentes presumem, foi entregue no Serviço de Finanças de Lisboa …, em 20-03-2015, o pedido de revisão oficiosa instaurado sob o n.º …2015… (de 20.03.2015)”,

nn)  Acrescenta, concluindo “ … encontrando-se pendente de apreciação o pedido de revisão n.º …2015… (de 20.03.2015), a mera repetição, no dia 06-01-2016, do mesmo pedido baseado nos mesmos fundamentos com vista a alcançar o mesmo efeito jurídico (quiçá com intuito, apenas, de abrir a via contenciosa pela via do indeferimento tácito, ultrapassando a limitação do período dos dois anos previsto no artigo 56.º, n.º 2 da LGT) não impõe à AT um dever legal de decidir, mas tão só um dever de pronúncia, nos termos n.º 1 do artigo 56.º da LGT”.

oo)  E termina: “E inexistindo dever legal de decisão não há que lançar mão à presunção de indeferimento tácito “para efeitos de impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral”, como pretendem os Requerentes”. “Pelo que, estamos “in casu” perante uma situação de impugnabilidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado no dia 04-01-2016”.

 

Inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRS n.º 2013 …

 

pp)  Refere a Requerida que “o pedido de revisão oficiosa n.º …2015…, apresentado no dia 20-03-2015, foi parcialmente deferido por despacho da Direção de Serviços do IRC, datado de 09-06-2016, o qual determinou a correcção da liquidação de IRS de 2012, excluindo de tributação o saldo das mais-valias apuradas em 50%, com fundamento na verificação dos requisitos previstos no n.º 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS”.

qq)  E acrescenta: “Sendo que a decisão já se encontra concretizada, tendo sido emitido o reembolso, no montante de € 27.058,21, pago aos Requerentes por transferência interbancária em 30-08-2016”.

rr)    Conclui: “Desta forma, a presente acção arbitral carece de objecto, porquanto foi eliminado da ordem jurídica o acto de liquidação na parte que os Requerentes o consideravam lesivo, tendo estes obtido o efeito jurídico pretendido, mediante a prolação da decisão num procedimento administrativo de revisão oficiosa por si desencadeado”. “Donde resulta que o acto de liquidação de IRS de 2012 é inimpugnável por inexistir um direito ou interesse que deva ser legalmente protegido, nos termos do artigo 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da LGT”.

 

Incompetência material do Tribunal Arbitral quanto ao pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

ss)   Refere a Requerida: “… perante a demonstrada e indubitável inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRS n.º 2013 … que impede o prosseguimento do processo para conhecimento da existência dos vícios ao mesmo imputados, já não estamos perante um pedido de reconhecimento de direito a juros indemnizatórios que se encontre em conexão com um pedido de declaração de ilegalidade de algum dos actos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT”.

tt)     E conclui: “Donde resulta que, no âmbito duma acção arbitral não são permitidas decisões de condenação ou de reconhecimento de direitos que não decorram da decisão proferida ao abrigo dos poderes declaratórios, com fundamento em ilegalidade, fixados no artigo 2.º RJAT”.

uu)  E uma vez que “… in casu, a única questão ainda susceptível de apreciação judicial prende-se com um pedido autónomo de juros indemnizatórios, porquanto não virá a ser proferida pelo Tribunal Arbitral qualquer declaração de ilegalidade do acto de liquidação”, conclui: “… resulta que, não se insere no âmbito das competências do Tribunal Arbitral a apreciação autónoma do pedido de reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, formulado no petitório da presente acção arbitral”.

vv)  Acrescenta que “caso o Tribunal Arbitral decidisse pela improcedência das excepções invocadas, … determinando o prosseguimento da acção para conhecimento da questão respeitante ao pedido de juros indemnizatórios, relembra-se que os Requerentes identificam como objecto do pedido de pronúncia arbitral o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado no dia 04-01-2016, nos termos do artigo 78.º da LGT”, “… o pagamento dos juros indemnizatórios seria enquadrável no n.º 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, prazo que ainda não decorreu”.

 

Quanto às custas processuais

 

ww)   A Requerida considera que “as custas que venham a ser fixadas são responsabilidade dos Requerentes, pois a constituição do Tribunal Arbitral só aos mesmos é imputável”.

xx)  Pela razão de que “o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral é o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º …2016… (entregue em 04.01.2016) que foi apresentado quando já se encontrava em apreciação o pedido de revisão n.º …2015… (apresentada em 20.03.2015), o qual veio a ser expressamente decidido no sentido propugnado pelos Requerentes”.

yy)  Uma vez que “… este 2.º pedido de revisão é uma mera repetição do pedido de revisão n.º …2015…, mas possibilitou aos Requerentes a dedução de acção arbitral pela via do indeferimento tácito, ultrapassando a limitação do período dos dois anos, previsto no artigo 56.º, n.º 2 da LGT, no decurso da decisão da reclamação graciosa”.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Seguindo a ordem acima indicada, tendo em conta a resposta da AT (e porque o TAS deve apreciar, em primeiro lugar, as excepções enquanto factos impeditivos, modificativos ou extintivos do pedido do Requerente), as questões a dirimir são as seguintes:

 

  • A inimpugnabilidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 04.01.2016, que era o objecto imediato do pedido de pronúncia;
  • A inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRS n.º 2013 … que era o objecto mediato do pedido de pronúncia;
  • A incompetência material do TAS quanto ao pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
  • Caso nenhuma das excepções invocadas deva ser julgada procedente, apreciar-se-á depois o regime das custas processuais face ao deferimento parcial da revisão oficiosa apresentada pelos Requerentes em 20.03.2015 e bem assim o pedido remanescente relativo aos juros indemnizatórios a que a AT não deu provimento.

 

III.             MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, de resto não contestados pelas partes, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

Factos provados

 

1)                 Os Requerentes durante o ano de 2012 alienaram as quotas que detinham na sociedade C…, Lda. à sociedade D…, SGPS, SA, tendo declarado, no quadro 8, campo 801, do Anexo G da declaração modelo 3 do IRS apresentada em 2013, como valor de realização o montante de € 226.395,00 e como valor de aquisição o montante de € 22.500,00, bem como, no quadro 8-A, que a entidade a que respeitava a alienação era uma micro ou pequena empresa – artigos 2º e 3º do pedido de pronúncia e artigo 3º da resposta.

2)                 Em 20-07-2013 foi emitida a liquidação de IRS n.º 2013…, no valor de € 54.074,30, procedendo a AT à tributação das mais-valias respeitantes à alienação das partes de capital na sua totalidade – artigo 8º do pedido de pronúncia e artigo 4º da resposta.

3)                 Em 19-08-2013 os Requerentes apresentaram uma reclamação graciosa, a qual foi deferida por despacho datado de 25-10-2013, com fundamento na sua ilegalidade por violação do disposto no artigo do artigo 43.º- 3 do CIRC que determina a tributação das mais-valias em 50%. – artigos 9º e 10º do pedido de pronúncia e artigo 5º da resposta.

4)                 Em 08-11-2013 a AT revogou o despacho de deferimento referido no número anterior com o fundamento de que a empresa cuja quota foi alienada não era uma pequena ou micro empresa – artigo 11º do pedido de pronúncia e artigo 6º da resposta.

5)                 Em 20-03-2015, os Requerentes apresentaram, no Serviço de Finanças de Lisboa …, um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, da “liquidação de mais-valias no valor de € 54.074,30 cobradas no seu IRS/2012”, cujo procedimento foi instaurado no dia 23-03-2015 sob o n.º …2015… – artigo 7º da resposta e posição global dos requerentes ao nível das alegações.

6)                 Em Novembro de 2013, os Requerentes receberam uma nota de citação (processo executivo n.º …2013…) para pagar a quantia de € 27.058,21 euros a título de IRS de 2012 (mais-valias) que foi integralmente paga em Dezembro de 2013 – documentos nºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia e artigos 14º e 15º do pedido de pronúncia.

7)                 Em 04-01-2016 os Requerentes apresentaram, no Serviço de Finanças de Lisboa …, um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, da “liquidação de mais-valias no valor de € 54.074,30 cobradas no seu IRS/2012”, cujo procedimento foi instaurado no dia 06-01-2016 sob o n.º …2016… – documento nº 13 em anexo ao pedido de pronúncia, artigo 17º do pedido de pronúncia e artigo 9º da resposta.

8)                 Em 03-06-2016 os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo no SGP do CAAD.

9)                 Em 20.09.2016 os Requerentes anexaram ao processo um requerimento juntando “aos autos … recente decisão de deferimento do pedido de revisão oficiosa que precedeu o pedido de pronúncia arbitral nos presentes autos” – requerimento registado em 20.09.2016 no SGP e parte final do artigo 12º da reposta.

10)             A AT na resposta registada no SGP do CAAD em 14.10.2016 informou que “o pedido de revisão oficiosa n.º …2015…, apresentado no dia 20-03-2015, foi parcialmente deferido por despacho da Direcção de Serviços do IRC, datado de 09-06-2016, o qual determinou a correcção da liquidação de IRS de 2012, excluindo de tributação o saldo das mais-valias apuradas em 50%, com fundamento na verificação dos requisitos previstos no n.º 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS, improcedendo, apenas, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios” – artigo 11º da resposta e PA junto com a resposta.

11)             A decisão de deferimento parcial referida no número anterior foi notificada aos Requerentes mediante ofício da Direcção de Finanças de Lisboa n.º …, datado de 08-09-2016 e a decisão foi executada através do documento único de correcção que originou a emissão do reembolso, no montante de € 27.058,21, pago por transferência interbancária em 30-08-2016 – conforme PA, artigos 12º e 13º da resposta e posição global concordante dos Requerentes em sede de alegações.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

A inimpugnabilidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 04.01.2016 (que era o objecto imediato do pedido de pronúncia)

 

Provou-se que “em 20-03-2015, os Requerentes apresentaram, no Serviço de Finanças de Lisboa…, um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, da “liquidação de mais-valias no valor de € 54.074,30 cobradas no seu IRS/2012”, cujo procedimento foi instaurado no dia 23-03-2015 sob o n.º …2015…e queem 04-01-2016 os Requerentes apresentaram, no Serviço de Finanças de Lisboa…, um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, da “liquidação de mais-valias no valor de € 54.074,30 cobradas no seu IRS/2012”, cujo procedimento foi instaurado no dia 06-01-2016 sob o n.º …2016…”.

 

A Requerida aduz que “ … encontrando-se pendente de apreciação o pedido de revisão n.º …2015…(de 20.03.2015), a mera repetição, no dia 04-01-2016, do mesmo pedido baseado nos mesmos fundamentos com vista a alcançar o mesmo efeito jurídico (quiçá com intuito, apenas, de abrir a via contenciosa pela via do indeferimento tácito, ultrapassando a limitação do período dos dois anos previsto no artigo 56.º, n.º 2 da LGT) não impõe à AT um dever legal de decidir, mas tão só um dever de pronúncia, nos termos n.º 1 do artigo 56.º da LGT”.

 

E conclui: “e inexistindo dever legal de decisão não há que lançar mão à presunção de indeferimento tácito “para efeitos de impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral”, como pretendem os Requerentes”. “Pelo que, estamos “in casu” perante uma situação de impugnabilidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado no dia 04-01-2016”.

 

Em primeiro lugar cumpre verificar que em 08.11.2013 a AT revogou a decisão que tinha deferido a reclamação graciosa apresentada em 19.08.2013 (alíneas 3) e 4) dos factos provados).

 

Em segundo lugar há que verificar que o pedido de pronúncia com base do indeferimento tácito da revisão oficiosa apresentada em 04.01.2016, entrou no CAAD em 03.06.2016 (alínea 8) da matéria assente).

 

Em terceiro lugar acontece que só em 20.09.2016 os Requerentes juntaram aos autos a decisão que lhes foi notificada, na pendência deste processo (alínea 9) dos factos provados) e que a AT só em 14.10.2016 entregou no processo a Resposta informando do deferimento parcial da revisão oficiosa de 20.03.2015 (alíneas 10) e 11) da matéria provada).

 

Ora bem, com estes factos assentes, parece-nos que não assiste razão à Requerida. Com efeito, com base na própria norma invocada para alegar a falta do dever de decidir a revisão oficiosa apresentada em 04.01.2016, - a alínea a) do nº 2 do artigo 56º da LGT – verifica-se que se havia um procedimento relativamente ao qual não lhe era imposto o dever de decidir, era o que foi apresentado em 20.03.2015, uma vez que é notório que entre a data da revogação da decisão de deferimento da reclamação graciosa (revogação datada de 18.11.2013) e entre a data da sua apresentação (20.03.2015) não tinha decorrido o prazo mínimo de 2 anos a que se alude na alínea a) do nº 2 do artigo 56º da LGT. E, por isso, nunca podia permitir aos Requerentes avançar para os meios contenciosos com base na presunção de indeferimento.

 

O mesmo não se pode afirmar quanto ao pedido de revisão oficiosa apresentado em 04.01.2016. De facto, nada impedia, antes pelo contrário, que a AT apreciasse, formulando uma decisão de mérito, este pedido e pronunciando-se quanto ao anterior no sentido de que não tinha o dever legal de o decidir.

 

Configura-se, pois, assertivo, no caso, que os Requerentes tenham reapresentado o pedido de revisão oficiosa em 04.01.2016, visando, como referem “abrir a via contenciosa pela via do indeferimento tácito, ultrapassando a limitação do período dos dois anos previsto no artigo 56.º, n.º 2 da LGT.”.

 

Não deixará de ser de difícil percepção porque é que, mesmo considerando o pedido de revisão oficiosa apresentado em 20.03.2015, só após a pendência do pedido de pronúncia, foi adoptada uma decisão e só em 08.09.2016 foi notificada aos Requerentes (alínea 11) da matéria assente).

 

O que verdadeiramente parece ocorrer é uma inutilidade superveniente da lide com reflexo ao nível da responsabilidade pelas custas.

 

Improcede, nesta linha de pensamento, esta excepção.

 

 

 

 

Inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRS n.º 2013 … que era o objecto mediato do pedido de pronúncia

 

Refere a Requerida que “o pedido de revisão oficiosa n.º …2015…, apresentado no dia 20-03-2015, foi parcialmente deferido por despacho da Direção de Serviços do IRC, datado de 09-06-2016, o qual determinou a correcção da liquidação de IRS de 2012, excluindo de tributação o saldo das mais-valias apuradas em 50%, com fundamento na verificação dos requisitos previstos no n.º 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS”.

 

E acrescenta: “sendo que a decisão já se encontra concretizada, tendo sido emitido o reembolso, no montante de € 27.058,21, pago aos Requerentes por transferência interbancária em 30-08-2016”.

 

Pelo que conclui: “desta forma, a presente acção arbitral carece de objecto, porquanto foi eliminado da ordem jurídica o acto de liquidação na parte que os Requerentes o consideravam lesivo, tendo estes obtido o efeito jurídico pretendido, mediante a prolação da decisão num procedimento administrativo de revisão oficiosa por si desencadeado”. “Donde resulta que o acto de liquidação de IRS de 2012 é inimpugnável por inexistir um direito ou interesse que deva ser legalmente protegido, nos termos do artigo 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da LGT”.

 

Não se configura assistir razão à Requerida, porquanto, na data da interposição do presente pedido de pronúncia (03.06.2016) o acto de liquidação existia na ordem jurídica (é datado de 09.06.2016 o acto que deferiu parcialmente a revisão oficiosa e só foi notificado em 08.09.2016, logo só tem eficácia após esta data).

 

E a falta de resposta da AT, no prazo legal de 4 meses referido no nº 1 do artigo 57º da LGT, quer quanto ao pedido de revisão oficiosa interposto em 20.03.2015 (dando conta de que não tinha o dever de decidir este procedimento), quer quanto a interposto em 04.01.2016 (tomando uma decisão de mérito sobre a temática), motivou a situação descrita nos autos.

 

Até porque só após a pendência do pedido de pronúncia, foi adoptada uma decisão sobre o pedido de revisão oficiosa, notificada, percute-se, em 08.09.2016 aos Requerentes.

 

A lide processual quando se iniciou, em 03.06.2016, primeiro com o procedimento arbitral tributário e depois com o processo arbitral tributário, está perfeita nos seus elementos. Foi já depois de constituído do TAS (em 26.08.2016), na fase do processo arbitral tributário que a AT veio a notificar os Requerentes (em 08.09.2016) da decisão que adoptou quanto a um pedido de revisão oficiosa.

 

Como se referiu, o que verdadeiramente ocorre, é uma causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com eventual reflexo nas custas processuais.

 

Improcede, na leitura dos factos acima referida, a alegada excepção de inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRS n.º 2013 … que era o objecto mediato do pedido de pronúncia.

 

A incompetência material do TAS quanto ao pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios

 

Entende a Requerida que não estamos perante um pedido de reconhecimento de direito a juros indemnizatórios que se encontre em conexão com um pedido de declaração de ilegalidade de algum dos actos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, uma vez que parte do princípio que não é impugnável o acto de liquidação objecto deste processo, porque tinha sido afastado da ordem jurídica.

 

Mas como se verificou não procedeu a excepção aduzida, pelo que este argumento não pode sustentar a falta de competência do TAS, tal como é invocada, para apreciar o direito a juros indemnizatórios, enquanto parte integrante do pedido de revisão que não foi atendido.

 

Refere a Requerida que porque “… não virá a ser proferida pelo Tribunal Arbitral qualquer declaração de ilegalidade do acto de liquidação”, conclui: “… resulta que, não se insere no âmbito das competências do Tribunal Arbitral a apreciação autónoma do pedido de reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, formulado no petitório da presente acção arbitral”.

 

Mas não é isso que ocorre neste processo. A lide processual, a relação processual firmou-se correctamente com a entrada do pedido de pronúncia em 03.06.2016 e cristalizou-se com a constituição do TAS em 26.08.2016.

 

O facto da AT, na pendência do processo arbitral, ter adoptado a decisão que antes deveria ter adoptado no prazo legal de 4 meses (artigo 57º-1 da LGT), no caso, reconhecendo implicitamente o vício de ilegalidade de que padecia o acto impugnado, apenas conduz à inutilidade da lide e, só por esse motivo, não pode o TAS pronunciar-se sobre a legalidade do acto impugnado. Mas a ilegalidade da liquidação é facto reconhecido (implicitamente) pela AT no processo.

 

Naturalmente se a AT, no acto anulatório da liquidação, gerador da inutilidade superveniente da lide, não apreciou o direito a juros indemnizatórios ou não deu provimento ao pedido de juros indemnizatórios deduzidos pelo contribuinte, cumpre no processo (no caso, neste processo) apreciar esse desiderato, se a parte interessada o suscitar. Foi o caso.

 

Nesta circunstância, não está o TAS a apreciar um “pedido autónomo de juros”, mas sim a apreciar uma componente de um pedido feito, legalmente, perante um órgão jurisdicional, que ainda não foi sanado, totalmente, ao nível do pleiteio.

 

Por último a AT alega ainda outro fundamento de incompetência do TAS. Refere: “caso o Tribunal Arbitral decidisse pela improcedência das excepções invocadas, … determinando o prosseguimento da acção para conhecimento da questão respeitante ao pedido de juros indemnizatórios, relembra-se que os Requerentes identificam como objecto do pedido de pronúncia arbitral o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado no dia 04-01-2016, nos termos do artigo 78.º da LGT”, “… o pagamento dos juros indemnizatórios seria enquadrável no n.º 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, prazo que ainda não decorreu”.

 

Na verdade, só não será como refere a AT, tendo em conta que, em vez de apreciar o pedido de revisão oficiosa de 04.01.2016, o qual, como se verificou tinha o dever de decidir, apreciou efectivamente o de 20.03.2015, aquele que, face à alínea a) do nº 2 do artigo 56º da LGT, não tinha o dever de decidir, mas apenas de pronúncia.

 

De qualquer forma, uma situação é o objecto imediato do pedido de pronúncia (o acto silente de indeferimento tácito da revisão oficiosa entregue em 04.01.2016) cuja apreciação fica prejudicada pelo TAS face à inutilidade superveniente da lide; e outra situação será o objecto mediato deste processo: a anulação da liquidação do IRS, face à ilegalidade de que possa padecer.

 

Ora, a ilegalidade da liquidação foi reconhecida pela AT, uma vez que se assim não fosse não a tinha anulado, pelo que o TAS tem que partir desse pressuposto: há uma liquidação ilegal, anulada nos termos em que foi anulada (com base num pedido de revisão oficiosa entregue em 20.03.2015) não tendo sido atribuído aos Requerentes juros indemnizatórios, que aliás peticionaram.

 

Ou seja, a ilegalidade da liquidação está provada nos autos, pela própria actuação da AT ao anulá-la. O TAS não pode apreciar a ilegalidade (porque seria inútil) mas tem o dever de apreciar o eventual direito remanescente: o direito aos juros indemnizatórios.

 

Improcede, pois, a excepção de incompetência do TAS para a apreciação do direito a juros indemnizatórios peticionados pelos Requerentes.

 

Custas processuais

 

Discute-se neste processo a responsabilidade pelas custas processuais, face à anulação da liquidação de IRS pela AT na pendência do processo arbitral, subsistindo apenas o conflito quantos aos juros indemnizatórios.

 

O Código de Processo Civil é de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por força da alínea e) do artigo 2º do CPPT e nº 1 do artigo 29º do RJAT.

 

Nos termos da alínea e) do artigo 277º do CPC é causa de extinção da instância “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

 

O Código de Processo Civil manteve, em matéria de custas, o princípio da causalidade: paga as custas a parte que lhes deu causa” … (Acórdão do STJ de 18.11.76 BMJ 261º-153). Este princípio continua expresso nas diversas normas do CPC actual que versam sobre esta temática.

 

Os nºs 3 e 4 do artigo 536º do CPC actual (que reproduz o artigo 450º do CPC de 1961) refere que: “3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.

“4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, …”.

 

Ora, no caso, a Requerida procedeu à “satisfação voluntária” da pretensão dos Requerentes, anulando a liquidação impugnada, pelo que lhe é assacada a responsabilidade pelas custas processuais.

 

Pedido de juros indemnizatórios

 

Provou-se que os Requerentes pagaram em Dezembro de 2013 o valor da liquidação de IRS no montante de 27 058,21 euros (alínea 6) da matéria assente).

 

Provou-se ainda que a AT anulou a liquidação objecto deste processo arbitral reconhecendo a sua ilegalidade face ao nº 3 e 4 do artigo 43º do Código do IRS (alínea 10) dos factos assentes).

 

Mais se provou que a AT apreciou o pedido de revisão oficiosa da liquidação que lhe foi entregue em 20.03.2015, apenas em Junho de 2016 (de que notificou os Requerentes em 08.09.2016), tendo pago aos Requerentes o montante em causa em 30.08.2016 (vidé alínea 11) da matéria assente).

 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

O nº 3 do artigo 43º da LGT refere na sua alínea c) que “são também devidos juros indemnizatórios … quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

Como resulta do teor literal destas normas, o direito a juros indemnizatórios depende do «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

No caso, os Requerentes pagaram o imposto liquidado, pelo que a anulação da liquidação, para além do dever de reembolso, pode acarretar o pagamento de juros indemnizatórios, caso tenha ocorrido atraso da AT, superior a 1 ano na apreciação do pedido de revisão oficiosa. Foi o caso.

 

Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3 alínea c) da LGT e 61.º do CPPT, contados desde a data em que apresentaram o pedido de revisão oficiosa (20.03.2015) até à data em que a AT lhes efectuou o reembolso do imposto indevidamente pago (em 30.08.2016).

 

 

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

 

  • Julgam-se improcedentes as excepções de inimpugnabilidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 04.01.2016; do acto de liquidação de IRS n.º 2013 … e de incompetência material do TAS quanto ao pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

  • Julga-se extinta a instância, absolvendo-se AT da instância por inutilidade superveniente da lide, na parte relativa ao pedido de anulação da liquidação de IRS do ano de 2012: 2013… e na parte relativa ao pedido de reembolso do imposto pago, objecto deste processo, com custas a cargo da Requerida (alínea e) do artigo 277º do CPC e nºs 3 e 4 do artigo 536º do CPC).

 

  • Julga-se procedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3 alínea c) da LGT e 61.º do CPPT, contados desde a data em que os Requerentes apresentaram o pedido de revisão oficiosa (20.03.2015) até à data em que a AT lhes efectuou o reembolso do imposto indevidamente pago (27.058,21 euros em 30.08.2016).

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 27.058,21 euros (valor anulado e reembolsado aos Requerentes).

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.530,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de Dezembro de 2016

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.