Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 309/2014-T
Data da decisão: 2016-06-20  Selo  
Valor do pedido: € 26.136,60
Tema: IS - Verba 28. 1 da TGIS – Imóvel em propriedade total
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Decisão Arbitral

 

Requerentes: A…, S.A.

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I – RELATÓRIO

A…, S.A., contribuinte n.º …, com sede na Av. …, n.º …, … andar, em Lisboa, apresentou, em 31-03-2014, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º e dos artigos 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com a al. a) do art.º 99º e a al. d) do n.º 1 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – aplicáveis ex vi da al. a) do n.º 1 do artigo 10º do decreto-lei referido, um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista a:

{C}(i)     {C}{C}{C}{C}A anulação do ato tributário de liquidação do Imposto do Selo (IS), pela Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2012, e relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia das ... sob o n.º … (conforme o documento 14 junto à petição inicial e que aqui se dá por reproduzido), ato de liquidação notificado à Requerente através dos documentos 2012 …; 2012 …; 2012 …; 2012 …; 2012 …; 2012 …; 2012 …; 2012 …; 2012 …, 2012 …, 2012 … e 2012 …;

{C}(ii)   {C}{C}{C}{C}A condenação da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios correspondentes.

 

Em 04-06-2014, foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a Requerida AT- Autoridade Tributária e Aduaneira foi para apresentar resposta, o que fez em 06-07-2014.

Em 21/10/2013, foi solicitado às partes que apresentassem alegações escritas. O requerente apresentou alegações em 31/10/2013, tendo reiterado a argumentação já antes exposta na sua p.i.. A requerida não apresentou alegações.

As partes acordaram em prescindir da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT bem como da fase de alegações finais.

Em decisão emitida em 04-12-2014, o Tribunal anulou os actos tributários impugnados com base em recusa de aplicação, por inconstitucionalidade, da norma de incidência contida na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando interpretada no sentido de nela se incluírem os prédios em propriedade total compostos por partes susceptíveis de utilização independente.

O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) pedindo a fiscalização da constitucionalidade da norma recusada.

Tendo, em consequência, sido instaurado o processo 3015/2015 na segunda secção daquele Tribunal, veio o mesmo a pronunciar-se sobre o referido recurso através do acórdão n.º 620/2015, de 3 de Dezembro de 2015, no qual o Tribunal Constitucional julgou a norma recusada constitucional, e determinou a reforma da decisão recorrida em conformidade. 

Em cumprimento desse acórdão do Tribunal Constitucional, procede-se, na presente data, à reforma – dada a suspensão dos efeitos da notificação de arquivamento até ao proferimento do Acórdão do TC – da anterior decisão, em conformidade com o disposto no art. 80.º, n.º 2, da LTC.

 

II. ALEGAÇÕES DAS PARTES

 

A Requerente alegou, no essencial, o seguinte:

{C}-        {C}{C}{C}{C}A Requerente é proprietária do prédio urbano prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia das ... sob o n.º … e descrito como prédio em propriedade total com divisões susceptíveis de utilização independente e com afectação habitacional;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Por força da remissão operada pelo art.º 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo (CIS), para o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), é aplicável para efeitos de determinar a incidência do IS o art.º 13.º, n.º 3 do CIMI, pelo que é com base no valor patrimonial tributário de cada andar ou parte de prédio com utilização independente que se determina a sua sujeição a imposto;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Os actos de liquidação impugnados, ao tomarem como base para determinação da incidência o valor total do imóvel, assentam em erro sobre os pressupostos de facto e de direito da aplicação da verba 28.1 da TGIS;

{C}-        {C}{C}{C}{C} No caso do imóvel objecto das liquidações impugnadas, o valor patrimonial de cada uma das partes é inferior a 1 000 000 de euros, pelo que nenhuma das partes está sujeita a tributação pela verba 28.1 da TGIS;

{C}-        {C}{C}{C}{C}As liquidações impugnadas resultam também em violação do princípio constitucional da igualdade tributária, por tratarem os prédios habitacionais em propriedade total compostos por partes susceptíveis de utilização autónoma e com inscrição matricial separada de forma diferente daquela em que são tratados os prédios habitacionais constituídos em propriedade horizontal;

 

Na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerida AT -Autoridade Tributária e Aduaneira pugna pela improcedência do pedido, alegando, em síntese, o seguinte:

{C}-        {C}{C}{C}{C}O Código do IMI, para o qual o art.º 67.º, n.º 2 do CIS remete, não trata de modo igual os prédios habitacionais em propriedade total compostos por partes susceptíveis de utilização autónoma e com inscrição matricial separada e os prédios habitacionais constituídos em propriedade horizontal;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Com efeito, nos termos do art.º 2º, n.º 4 do CIMI, as fracções de prédios em propriedade horizontal são consideradas prédios, enquanto as partes de prédios em propriedade total susceptíveis de utilização independente não são prédios;

{C}-        {C}{C}{C}{C}A propriedade plena e a propriedade horizontal não constituem realidades jurídicas substancialmente idênticas, justificando-se por isso que não recebam o mesmo tratamento fiscal;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Por outro lado, não é pela mera “autonomização matricial” que os 12 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente adquirem, por si só, o estatuto de prédio;

{C}-        {C}{C}{C}{C}A inscrição matricial dos andares susceptíveis de utilização independente e a atribuição de um valor patrimonial individual não só não afasta o valor patrimonial do respectivo prédio onde aqueles se encontram inseridos, como acaba por concorrer ou determinar o próprio valor patrimonial tributário do prédio urbano;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Assim, ter-se-á de haver por inconstitucional, por ofensa aos já aludidos princípios da legalidade tributária e da igualdade, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral no sentido propugnado pelo Requerente.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

 

Na decisão que agora é reformada, o Tribunal considerou que eram as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal:

{C}-        {C}{C}{C}{C}A aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade vertical formados por partes susceptíveis de utilização independente considerados como um todo;

{C}-        {C}{C}{C}{C}A constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e avaliadas separadamente, em face do princípio constitucional da igualdade tributária.

 

Afastada que ficou a segunda questão com a decisão do Tribunal Constitucional, resta a primeira questão.

 

IV – SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades no processo, pelo que nada obsta à apreciação do mérito do pedido.

 

V – FUNDAMENTAÇÃO

{C}1.      MATÉRIA DE FACTO

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

{C}-        {C}{C}{C}{C}A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia das ... sob o n.º …;

{C}-        {C}{C}{C}{C}O imóvel encontra-se descrito como prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente;

{C}-        {C}{C}{C}{C}No ano de 2012, o valor patrimonial tributário do prédio era de 2.613.660,00 euros, sendo este valor resultante da soma dos valores patrimoniais tributários das várias partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Nenhuma divisão susceptível de utilização independente com afectação habitacional tinha, no mesmo ano, um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 euros;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Em Julho de 2013, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo, pela verba 28.1 da TGIS, respeitante ao ano de 2012 e referente a cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente afectas a habitação do prédio em referência, totalizando 26 136,60 euros (documentos 1, 2, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 juntos com a petição inicial);

{C}-        {C}{C}{C}{C}A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado;

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos carreados pelo Requerente para o processo, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

Não existem factos considerados não provados relevantes para a decisão.

 

{C}2.      FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

{C}(i)                 {C}{C}{C}{C}Questão da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade total, considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial

 

É o seguinte o teor da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo:

28. “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional – 1%”

 

A Requerente sustenta que não cabem nesta previsão normativa os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando formados por partes susceptíveis de utilização independente e avaliadas separadamente para efeitos de IMI.

Como respaldo para esta sua conclusão, a Requerente parte do enunciado da verba 28 da TGIS, em que se dispõe que o Imposto do Selo incide “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI”.

Uma vez que, no caso de prédios em propriedade total compostos por partes susceptíveis de utilização independente, o IMI é liquidado sobre o valor patrimonial tributário das partes, também no IS deveria ser tomado como base de tributação o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes.

E, uma vez que nenhuma das partes consideradas separadamente na inscrição matricial integrantes dos prédios em causa nos autos tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros, nenhum Imposto do Selo poderia incidir sobre essas mesmas partes.

A questão da aplicabilidade da verba 28.1 aos prédios em propriedade total composta por partes com utilização independente foi, entretanto (ie, posteriormente à prolação da decisão que agora se reforma) objecto de várias decisões do Supremo Tribunal Administrativo (vejam-se os acórdãos: de 09-09-2015, proc. n.º 47/15de 24-05-2016, proc. nº 1352/15; de 24-05-2016, proc. n.º 01344/15; de 04-05-2016, proc. Nº 1504/15; de 04-05-2016, proc. nº 0172/16, entre outros).

No acórdão de 09-09-2015, proferido no processo n.º 47/15, que tomamos como base da nossa decisão nos presentes autos, pronuncia-se aquele Tribunal nos seguintes termos:

Tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do IMI, segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não parece, (…), que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.

Neste contexto, se a lei exige, relativamente ao IMI, a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, exigirá, nos mesmos termos, relativamente à regra de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

Pelo que, o IS, no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, só poderia incidir em determinada fracção se esta, eventualmente, tivesse um VPT superior a € 1.000.000,00.

E, mais se diga, que foi esse inclusive o entendimento adoptado pela ATA.

Com efeito, esta (ATA) também emitiu notas de liquidação individualizadas, referentes a cada uma das fracções susceptíveis de utilização autónoma, demonstrando que, na sua opinião, as aludidas fracções, apesar de juridicamente não constituídas em propriedade horizontal, seriam, para todos os efeitos, independentes entre si.

Todavia, olvidou a ATA que não poderia, em virtude do enquadramento previamente vertido, proceder ao somatório dos VPTs individuais das fracções previamente mencionadas, almejando um valor que já caísse na base de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

Isto quando o próprio legislador estabeleceu uma regra diferente no âmbito do Código do IMI que, tal como previamente referido, é o Código aplicável às matérias não reguladas no Código do IS, no que se refere à Verba n.º 28 da TGIS.

Resumindo, o critério estabelecido pela ATA, de considerar o valor do somatório dos VPT individuais atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, servindo-se do facto de que o prédio não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra, aos olhos do presente tribunal, sustentação legal, sendo, nomeadamente, contrário ao critério aplicável em sede de IMI e, por remissão (nos termos mencionados supra), em sede de IS.

Neste contexto, considera o presente tribunal que o critério defendido pela ATA viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, e, bem assim, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

Paralelamente, note-se que o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI não efectua qualquer distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical.

Como tal, e uma vez que se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, a ATA não pode tratar situações materialmente iguais de forma diferente.”

Em resumo, a doutrina do STA nesta matéria é a de que tratar de forma desigual, no âmbito do IS, as fracções em propriedade horizontal e as partes de prédio em propriedade total corresponderia a tratar de forma desigual situações materialmente idênticas, o que não é lícito à luz do princípio da igualdade tributária. Além disso, a própria Administração Tributária e Aduaneira reconhece que implicitamente que as duas realidades são idênticas, quando liquida IS sobre as partes individualmente e não sobre o prédio como um todo.

Mas o Tribunal acrescenta ainda:

“(…)A presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI,  - «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».

Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário».

Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

No caso em apreço, o[s] prédio[s] em causa encontrava[m]-se, à data relevante dos factos, constituído[s] em propriedade total e tinha[m] […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].

Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.”

É esta a doutrina que aqui também se acolhe, em consonância com a toda a vasta e unânime jurisprudência arbitral anterior, pelo que cumpre concluir que as liquidações de imposto de selo impugnadas são ilegais, por violação da lei de imposto, ao incidirem sobre partes independentes de prédios em propriedade total mas tomando por base o valor patrimonial tributável da soma das mesmas partes.

 

VI. DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Verificada a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados, pelos fundamentos expostos, e tendo a Requerente pago na totalidade o imposto liquidado, tem a Requerente direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, à restituição do imposto indevidamente pago.

Quanto aos juros indemnizatórios, o artigo 43º da LGT estipula que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Quanto à existência, no caso, de erro imputável aos serviços, este erro considera-se verificado, segundo jurisprudência uniforme do STA (vejam-se, neste sentido, os Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09) sempre que procederem a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral 218/2013-T, já citado).

Por conseguinte, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, calculados sobre os montantes de imposto indevidamente pagos, decorridos desde a data do pagamento indevido até à integral restituição do montante pago.

 

VII. DECISÃO

 

Pelos fundamentos expostos, julga-se totalmente procedente o pedido de anulação dos actos de liquidação impugnado e decide-se:

{C}1.      {C}{C}{C}{C}Anular os actos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pela Requerente.

{C}2.      {C}{C}{C}{C}Condenar a Autoridade Tributária, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, a restabelecer a situação que existiria se os actos de liquidação anulados não tivessem sido praticados, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, através da restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos e o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 26 136,60 euros.

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1530,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 20 de Junho de 2016

 

 

O Árbitro Único

 

 

(Nina Aguiar)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PROCESSO ARBITRAL N.º 309/2014-T - CAAD

           

DECISÃO ARBITRAL{C}{C}{C}{C}{C}[1]

 

 

Requerentes: A…, S.A.

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I – RELATÓRIO

 

{C}1.        {C}{C}{C}{C}Pedido

A…, S.A., contribuinte n.º …, com sede na Av. …, n.º …, … andar, em Lisboa, apresentou, em 31-03-2014, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º e dos artigos 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com a al. a) do art.º 99º e a al. d) do n.º 1 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – aplicáveis ex vi da al. a) do n.º 1 do artigo 10º do decreto-lei referido, um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista a:

{C}(iii)           {C}{C}{C}{C}A anulação do ato tributário de liquidação do Imposto do Selo (IS), pela Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2012, e relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia das ... sob o n.º … (conforme o documento 14 junto à petição inicial e que aqui se dá por reproduzido), ato de liquidação notificado à Requerente através dos documentos:

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C}2012 …

{C}-             {C}{C}{C}{C} 

{C}(iv) {C}{C}{C}{C}{C}A condenação da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios correspondentes.

 

A Requerente alega, no essencial, o seguinte:

{C}-        {C}{C}{C}{C}A Requerente é proprietária do prédio urbano prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia das ... sob o n.º … e descrito como prédio em propriedade total com divisões susceptíveis de utilização independente e com afectação habitacional;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Por força da remissão operada pelo art.º 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo (CIS), para o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), é aplicável para efeitos de determinar a incidência do IS o art.º 13.º, n.º 3 do CIMI, pelo que é com base no valor patrimonial tributário de cada andar ou parte de prédio com utilização independente que se determina a sua sujeição a imposto;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Os actos de liquidação impugnados, ao tomarem como base para determinação da incidência o valor total do imóvel, assentam em erro sobre os pressupostos de facto e de direito da aplicação da verba 28.1 da TGIS;

{C}-        {C}{C}{C}{C} No caso do imóvel objecto das liquidações impugnadas, o valor patrimonial de cada uma das partes é inferior a 1 000 000 de euros, pelo que nenhuma das partes está sujeita a tributação pela verba 28.1 da TGIS;

{C}-        {C}{C}{C}{C}As liquidações impugnadas resultam também em violação do princípio constitucional da igualdade tributária, por tratarem os prédios habitacionais em propriedade total compostos por partes susceptíveis de utilização autónoma e com inscrição matricial separada de forma diferente daquela em que são tratados os prédios habitacionais constituídos em propriedade horizontal;

 

  1. Resposta

 

Na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerida AT - Autoridade Tributária e Aduaneira pugna pela improcedência do pedido, alegando, em síntese, o seguinte:

{C}-        {C}{C}{C}{C}O Código do IMI, para o qual o art.º 67.º, n.º 2 do CIS remete, não trata de modo igual os prédios habitacionais em propriedade total compostos por partes susceptíveis de utilização autónoma e com inscrição matricial separada e os prédios habitacionais constituídos em propriedade horizontal;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Com efeito, nos termos do art.º 2º, n.º 4 do CIMI, as fracções de prédios em propriedade horizontal são consideradas prédios, enquanto as partes de prédios em propriedade total susceptíveis de utilização independente não são prédios;

{C}-        {C}{C}{C}{C}A propriedade plena e a propriedade horizontal não constituem realidades jurídicas substancialmente idênticas, justificando-se por isso que não recebam o mesmo tratamento fiscal;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Por outro lado, não é pela mera “autonomização matricial” que os 12 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente adquirem, por si só, o estatuto de prédio;

{C}-        {C}{C}{C}{C}A inscrição matricial dos andares susceptíveis de utilização independente e a atribuição de um valor patrimonial individual não só não afasta o valor patrimonial do respectivo prédio onde aqueles se encontram inseridos, como acaba por concorrer ou determinar o próprio valor patrimonial tributário do prédio urbano;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Assim, ter-se-á de haver por inconstitucional, por ofensa aos já aludidos princípios da legalidade tributária e da igualdade, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral no sentido propugnado pelo Requerente.

 

  1. Reunião prevista no artigo 18º do RJAT e alegações

 

As partes acordaram em prescindir da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT bem como da fase de alegações finais.

 

II – QUESTÕES A DECIDIR

 

São as seguintes as questões a decidir pelo Tribunal:

{C}-        {C}{C}{C}{C}A aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade vertical formados por partes suscetíveis de utilização independente considerados como um todo, com a consequência de que o valor patrimonial tributário a ter em conta para efeitos de incidência do imposto será, em caso de resposta afirmativa, o valor patrimonial tributário do prédio;

{C}-        {C}{C}{C}{C}A constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, se interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e avaliadas separadamente, em face do princípio constitucional da igualdade tributária.

 

III – SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades no processo, pelo que nada obsta à apreciação do mérito do pedido.

 

IV – FUNDAMENTAÇÃO

 

{C}3.      {C}MATÉRIA DE FACTO

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

{C}-        {C}{C}{C}{C}A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia das ... sob o n.º …;

{C}-        {C}{C}{C}{C}O imóvel encontra-se descrito como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;

{C}-        {C}{C}{C}{C}No ano de 2012, o valor patrimonial tributário do prédio era de 2.613.660,00 euros, sendo este valor resultante da soma dos valores patrimoniais tributários das várias partes suscetíveis de utilização independente com afectação habitacional;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Nenhuma divisão suscetível de utilização independente com afectação habitacional tinha, no mesmo ano, um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 euros;

{C}-        {C}{C}{C}{C}Em Julho de 2013, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo, pela verba 28.1 da TGIS, respeitante ao ano de 2012 e referente a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação do prédio em referência, totalizando 26 136,60 euros (documentos 1, 2, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 juntos com a petição inicial);

{C}-        {C}{C}{C}{C}A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado;

Os factos provados baseiam-se nos documentos carreados pelo Requerente para o processo, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

Não existem factos considerados não provados relevantes para a decisão.

 

{C}4.      {C}FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

{C}(ii)               {C}{C}{C}{C}Questão da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos em propriedade total, considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial

 

É o seguinte o teor da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo:

28. “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional – 1%”

A Requerente sustenta que não cabem nesta previsão normativa os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando formados por partes suscetíveis de utilização independente e avaliadas separadamente para efeitos de IMI.

Como respaldo para esta sua conclusão, a Requerente parte do enunciado da verba 28 da TGIS, em que se dispõe que o Imposto do Selo incide “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI”.

Uma vez que, no caso de prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente, o IMI é liquidado sobre o valor patrimonial tributário das partes, também no IS deveria ser tomado como base de tributação o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes.

E, uma vez que nenhuma das partes consideradas separadamente na inscrição matricial integrantes dos prédios em causa nos autos tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros, nenhum Imposto do Selo poderia incidir sobre essas mesmas partes.

A questão de direito que aqui está em causa é a da interpretação do termo “prédio urbano” constante da verba 28 e da subrubrica 28.1 da TGIS, no sentido de saber se nesse conceito se incluem as partes, consideradas separadamente na inscrição matricial, integrantes de prédio em propriedade total.

Sobre esta questão se pronunciou o tribunal arbitral constituído no processo n.º 14/2014-T, nos termos que a seguir se reproduzem e que se subscrevem inteiramente:

“É certo que o Código do IMI determina (artigo 12º, n.º 3) que as partes de prédio suscetíveis de utilização independente sejam consideradas separadamente na inscrição matricial, cabendo-lhes um valor patrimonial tributário próprio.

Mas diz por outro lado o artigo 7º, n.º 2, al b) do mesmo Código que, no caso de prédio formado por partes economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

Portanto, mesmo para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário, o Código do IMI não equipara partes de prédio suscetíveis de utilização independente a prédios, mas separa claramente o prédio e as partes de prédio. E só é prédio – para o IMI, no caso de prédios em propriedade total – o todo e não as partes.

(…)

Posto isto, há que partir do artigo 1º, n.º 6 do Código do IS, segundo o qual, para efeitos deste imposto, “o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.

O artigo 2º, n.º 1 do CIMI, por seu turno, define prédio como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”.

Sendo os prédios urbanos classificados como “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros”, conjugada esta classificação com a definição constante do art.º 2º, n.º 1, conclui-se que os prédios habitacionais são necessariamente edifícios ou construções incorporados ou assentes numa fração de território.

Apesar desta definição, segundo o n.º 4 do artigo 2º, as frações autónomas no regime de propriedade horizontal são havidas como prédios para efeitos do imposto, mas o mesmo não é possível dizer das partes de prédios em propriedade total consideradas separadamente na inscrição matricial, pois elas nem cabem na definição do art.º 2º, n.º 1 nem são expressamente consideradas como tal.

As partes de prédios em propriedade total consideradas separadamente na inscrição matricial não são, pois, prédios para efeitos do IMI, não o sendo, também, por conseguinte, para efeitos do Imposto do Selo. E assim sendo, o facto tributário do IS não pode ser outro senão a propriedade do prédio considerado no seu todo, pois este é um prédio, no sentido do artigo 2º, n.º 1 do CIMI.”

Improcede, portanto, o pedido de anulação das liquidações em crise fundado em erro nos pressupostos de Direito, concretizado na inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade total com partes consideradas separadamente na inscrição matricial.

 

{C}(iii)             {C}{C}{C}{C}Questão da constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido de abranger os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando formados por partes consideradas separadamente na inscrição matricial, em face do princípio constitucional da igualdade tributária

 

Esta mesma questão foi também apreciada no laudo arbitral citado, nos termos que a seguir se transcrevem e se acolhem:

“O princípio da capacidade contributiva não se encontra expressamente consagrado na Constituição da República Portuguesa. No entanto, a sua vigência no ordenamento constitucional português tem sido afirmada quer pela doutrina quer pela jurisprudência, tendo como principal fundamento o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13º da Constituição (neste sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal Constitucional: n.ºs 106/2013, 437/2006, 84/2003, 211/2003, 452/2003 e 601/2004, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13º da CRP postula que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente (acórdão do TC n.º 437/2006).

No entanto, para aferir a igualdade ou diferença entre duas realidades diferentes, do ponto de vista tributário, é necessário um parâmetro – “o critério que há de servir de base à comparação” – o qual é dado pela capacidade contributiva (acórdão do TC n.º 197/2013).

A capacidade contributiva constitui, pois – a par de outras vertentes ou funções do princípio (veja-se o acórdão do TC n.º 197/2013) – o critério através do qual há que comparar diferentes sujeitos passivos, para efeitos de determinar se os mesmos devem receber tratamento tributário idêntico ou diferente.

Desta maneira, o princípio da capacidade contributiva (numa das suas vertentes) concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária (acórdão do TC n.º 84/2003), pressupondo o tratamento tributário igual em relação a pessoas com a mesma capacidade contributiva e um tratamento tributário desigual em relação a pessoas com diferente capacidade contributiva.

Em decorrência do princípio da capacidade contributiva, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (Acórdão do TC n.º 197/2013).

É esta dimensão do princípio da capacidade contributiva, como proibindo o tratamento tributário diferente de pessoas com a mesma capacidade contributiva e o tratamento tributário igual de pessoas com capacidade contributiva diferente, que interessa particularmente ao caso vertente.

Está em causa, mais concretamente, a diferença de tratamento dada, pelo Código do IS na verba 28.1 da TGIS, aos prédios em propriedade horizontal e aos prédios em propriedade total, compostos por partes consideradas separadamente na inscrição matricial.

Vimos anteriormente que as frações autónomas de prédios em propriedade horizontal são consideradas prédios para efeitos de IMI (art.º 2º, n.º 4 do CIMI), sendo-o também, por força do artigo 1º, n.º 6 do Código do IS.

Sendo assim, o IS da verba 28.1, no caso de prédios em propriedade horizontal, só pode aplicar-se se o valor patrimonial tributário da fração autónoma for igual ou superior a 1.000.000 de euros. Por outro lado, o valor resultante da soma dos valores patrimoniais tributários das diversas frações habitacionais não pode ser tido em conta para efeitos de aplicação do imposto.

Mesmo que uma única pessoa seja proprietária de todas as frações de um prédio em propriedade horizontal, e que a soma dos valores patrimoniais das frações habitacionais do prédio seja igual ou superior a 1.000.000 de euros, tal proprietário não ficará sujeito a IS sobre esse património.

Ora, entre as duas situações descritas – prédio habitacional em propriedade horizontal e prédio habitacional em propriedade total composto por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial – não existe nenhuma diferença substancial, sendo a diferença apenas formal. Diferença formal que não afeta, de nenhum modo, a capacidade contributiva dos respetivos proprietários. 

Com efeito, a propriedade de um prédio habitacional em propriedade total, composto por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, com um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros, não revela nenhuma especial capacidade contributiva que a propriedade de várias frações autónomas habitacionais, em que a soma dos valores patrimoniais tributários seja igual ou superior a 1.000.000 de euros, não revele também.

(…)

Outro entendimento, que procure desconsiderar a identidade substancial económica entre as situações de prédios em propriedade horizontal e de prédios em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, e atender apenas à diferença formal entre ambas as situações, resultaria numa violação do princípio da substância sobre a forma, que teria como consequência uma violação do princípio constitucional da capacidade contributiva.”

Nestes termos, há que concluir pela procedência do pedido de anulação das liquidações impugnadas fundado em violação do princípio constitucional da igualdade tributária pela norma de incidência constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando interpretada no sentido de que nela se incluem os prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial.

 

{C}V.                {C}{C}{C}{C}DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Verificada a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados, pelos fundamentos expostos, e tendo a Requerente pago na totalidade o imposto liquidado, tem a Requerente direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, à restituição do imposto indevidamente pago.

Quanto aos juros indemnizatórios, o artigo 43º da LGT estipula que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Quanto à existência, no caso, de erro imputável aos serviços, este erro considera-se verificado, segundo jurisprudência uniforme do STA (vejam-se, neste sentido, os Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09) sempre que procederem a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral 218/2013-T, já citado).

Por conseguinte, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, calculados sobre os montantes de imposto indevidamente pagos, decorridos desde a data do pagamento indevido até à integral restituição do montante pago.

 

VI. DECISÃO

 

Pelos fundamentos expostos, o presente Tribunal decide:

  1. Anular os atos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pela Requerente.
  2. Declarar a Autoridade Tributária obrigada, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, a restabelecer a situação que existiria se os atos de liquidação anulados não tivessem sido praticados, adotando os atos e operações necessários para o efeito, através da restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos e o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 26 136,60 euros.

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1530,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 4 de Dezembro de 2014.

 

 

O Árbitro Único

 

 

(Nina Aguiar)

 

 

 

 



[1] Decisão Arbitral anulada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 620/2015, de 3 de Dezembro de 2015.