Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 31/2017-T
Data da decisão: 2017-07-21  IMT Selo  
Valor do pedido: € 23.020,75
Tema: IMT e IS – Fundos de Investimento Imobiliário
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Decisão Arbitral

 

 

 

1. Relatório

Em 06-01-2017, A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na …, n.º…, …, …-… Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º…, na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e com o número de identificação fiscal …, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de liquidação de Imposto de Selo, no valor total de 23.020,75 €.

A Requerente começa por referir que o pedido de pronúncia arbitral tem como objetivo aferir se o artigo 236º - norma transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH) - da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, na medida em que determina a aplicação do atual Regime Transitório dos FIIAH “aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”, consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7 alínea a) e n.º 8 do artigo 8º do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

A Requerente menciona que, tendo em conta as alterações consagradas pela Lei do Orçamento de Estado para 2014 no Regime Tributário do FIIAH, solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a liquidação de IMT e de Imposto de Selo dos atos tributários de alienação pelo Fundo B… do prédio urbano sito na …, n.º…, …, …, inscrito na matriz predial urbana n.º…, fração …, da união das freguesias de … e …, Lisboa. E refere que caso o regime tributário dos FIIAH não tivesse sido alterado, nunca teria solicitado as liquidações.

A Requerente alega que os atos tributários de liquidação de IMT e de Imposto de Selo referiam-se a um prédio urbano que integrava o património do Fundo B…, à data da entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, ou seja, abrangidos pelo artigo 236º.

A Requerente refere que o único requisito da isenção à data em que adquiriu o imóvel em causa e em que tal isenção se consumou, era o de que os prédios adquiridos pelos FIIAH se destinassem a ser arrendados para habitação permanente, conforme artigo 8º números 7 e 8 do Regime Tributário dos FIIAH. E que a alteração do referido regime veio dispor que a alienação de prédios propriedade dos FIIAH ou a liquidação do próprio FIIAH, antes de decorrido o prazo de três anos, contado a partir da data da entrada dos prédios relevantes no património dos FIIAH, nos termos do n.º 16 do artigo 8º, conduz à caducidade da isenção. Entende assim a Requerente que estas alterações visaram estabelecer um regime de caducidade das isenções inexistente à data em que os fatos tributários se verificaram e que vieram afetar uma isenção já cristalizada na ordem jurídica da Requerente, em violação do consagrado no artigo 103º n.º 3 da CRP. A Requerente invoca, assim, que as liquidações em causa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e devem ser declaradas nulas.

Em suma, alega a Requerente que: “não estando, contudo legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária da Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103º (Sistema Fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa”.

Por outro lado, a Requerente refere ainda que o artigo 236º (norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014), ao estender a aplicação do atual regime tributário dos FIIAH aos prédios que tivessem sido adquiridos antes de 01-01-2014, (contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 01-01-2014), estaria a violar de forma direta e inequívoca o princípio da não retroatividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado.

A Requerente invoca ainda a inconstitucionalidade do artigo 236º n.º2 da referida Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, previsto no artigo 103º n.º 3 da CRP. A Requerente junta um parecer assinado pelos Professores Doutores C… e D…, que corrobora a tese de inconstitucionalidade defendida pela Requerente.

Por fim, a Requerente pede que seja declarada a nulidade das liquidações de IMT e Imposto de Selo objeto do pedido arbitral com base na sua inconstitucionalidade, ou, subsidiariamente, serem anuladas as liquidações, e que seja condenada a AT a reembolsar a Requerente pela totalidade do montante do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Foi designada como árbitro único, em 06-03-2017, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21-03-2017.

A AT apresentou resposta, em 03-05-2017 (dentro do prazo legal para o efeito).

A AT defende que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IMT e Imposto de Selo controvertidas deve ser julgado improcedente.

A Requerida começa por referir que a alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro não veio alterar os pressupostos, condições de atribuição ou de reconhecimento de um benefício fiscal, mas tão só e apenas o período de tempo para efeitos de comprovação do cumprimento de um requisito previamente estabelecido. E assim, não se tratava de uma situação de reconhecimentos de direitos mas apenas de procedimentos de prova de direitos, cuja atribuição estaria anteriormente regulada.

Quanto à suposta inconstitucionalidade da norma contida no artigo 236º do regime tributário dos FIIAH, a Requerida alega que está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, nos termos do n.º 2 do artigo 266º da CRP, do n.º 1 do artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo e do artigo 55º da Lei Geral Tributária (LGT). Assim, invoca a AT que não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade.

Já quanto à inconstitucionalidade invocada pela Requerente, a Requerida refere que não estamos perante uma circunstância de retroatividade, uma vez que a lei nova não veio simplesmente determinar que os imóveis anteriormente adquiridos fossem objeto de tributação em sede de IMT e de Imposto de Selo. O que a lei nova veio fazer foi, segundo a AT, densificar critérios já previstos na lei antiga.

A Requerida indica ainda as seguintes decisões arbitrais favoráveis à AT: 320/2015-T, 689/2015-T, 694/2016-T, 705/2015-T, 706/2015-T, 707/2015-T, 708/2015-T, 709/2015-T, 710/2015-T, 717/2015-T, 729/2015-T, 735/2015-T, 61/2016-T, 62/2016-T, 63/2016-T, 76/2016-T, 85/2016-T, 93/2016-T, 121/2016-T e 165/2016-T.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida refere que o mesmo deve ser julgado improcedente, uma vez que não se afiguram devidos, atento o facto dos requisitos previstos na alínea c) do n.º 3 do artigo 43º da LGT não se encontrarem preenchidos.

Por fim, a AT requer a dispensa de junção do processo administrativo.

Em 10-05-2017, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerente para vir informar se estava de acordo com a dispensa da junção de processo administrativo, se estava ou não de acordo com a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, assim como de alegações.

A Requerente veio, em 11-05-2017, informar que não se opunha à dispensa da junção do processo administrativo, à dispensa da reunião e à dispensa de alegações.

Em 31-05-2017, este tribunal proferiu despacho a ordenar a notificação da Requerida para indicar se estava ou não de acordo com a dispensa da reunião e com a dispensa da apresentação de alegações pelas partes.

A AT juntou requerimento em 01-06-2017, a informar que não faria oposição à dispensa da reunião e da apresentação de alegações.

Em 05-06-2017, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião e a dispensar a apresentação de alegações, atendendo ao facto de não existir necessidade de produção de prova adicional para além da documental já incorporada no processo, ao facto de vigorarem os princípios da economia processual e a proibição da prática de atos inúteis, e à posição expressa pelas partes. No mesmo despacho designou-se como data para a prolação da decisão o dia 21-07-2017, além de se ter advertido e a Requerente para até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

A Requerente juntou ao processo o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente em 23-06-2017.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

Embora a Requerente não tenha requerido expressamente a cumulação de pedidos, o pedido arbitral tem por objeto dois impostos e verifica-se identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito.

Neste caso a cumulação de pedidos é admissível, nos termos dos artigos 104º do CPPT e 3º do RJAT, pelo que se admite.

 

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. Em 05-08-2013, a Requerente adquiriu a fração CD do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de … e … sob o artigo …, sito na …, n.º…, …, … .
  2. A referida fração foi adquirida beneficiando da isenção de IMT ao abrigo da alínea a) do n.º 7 do artigo 8º do regime jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional.
  3. Em 19-02-2016, a supra mencionada fração foi alienada.
  4. Em 18-10-2016, a AT emitiu a liquidação de IMT n.º … no valor de 19.924,75 €, e a liquidação de Imposto de Selo n.º … no valor de 3.096,00€, juntas ao pedido arbitral como documento 1, na sequência de declaração da Requerente para o efeito, tendo em vista a alienação do imóvel pela Requerente.
  5. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IMT e da liquidação de Imposto de Selo supra referidas, em 19-10-2016, conforme documento 2 junto ao pedido arbitral.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e nos factos admitidos por acordo.

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se são ou não legais as liquidações de IMT e Imposto de Selo em crise, emitidas pela AT na sequência de declaração da Requerente, ao abrigo do artigo 8º do Regime Tributário dos FIIAH, alterado pelo artigo pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014), e do artigo 236º n.º 2 da mesma lei.

Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 689/2015-T, 694/2016-T, 705/2015-T, 706/2015-T, 707/2015-T, 708/2015-T, 709/2015-T, 710/2015-T, 717/2015-T, 729/2015-T, 735/2015-T, 61/2016-T, 62/2016-T, 63/2016-T, 76/2016-T, 85/2016-T, 93/2016-T, 121/2016-T, 164/2016-T, 165/2016-T, 288/2016-T, 419/2016-T, 559/2016-T, 615/2016-T, 617/2016-T, 691/2016-T, 32/2017-T e 105/2017-T.

3.2. Questão do enquadramento da isenção de IMT e da caducidade da isenção

A Lei do Orçamento de Estado para 2009, Lei n.º 64-A/2008 de 31 de dezembro, aprovou o Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, que dispõe no seu artigo 8 n.º 7 que:

“7 - Ficam isentos de IMT:

a) as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de inv4estimento referidos no n.º 1;

b) a aquisição de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimentos referidos no n.º 1”.

A Lei do Orçamento de Estado para 2014, Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, aditou ao supra referido artigo 8º os seguintes números:

“14 – Para efeitos do disposto nos n.º 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados a arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 – Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.º 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5º, ou caso o FIIAH seja objeto0 de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

Por outro lado, o artigo 236º (norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da referida Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, dispõe que:

“1 – O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 – Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”

No caso dos presentes autos, a fração cuja transmissão motivou as liquidações em crise de IMT e Imposto de Selo, foi adquirida em 05-08-2013, beneficiando nessa operação e nessa data de isenção de pagamento de IMT, ao abrigo da alínea a) do n.º 7 do artigo 8º do regime especial supra referido.

Importa desde já referir que aderimos à fundamentação constante das decisões do CAAD dos processos n.º 710/2015-T e 288/2016-T, quando estas referem que a aludida norma já pressupunha que o imóvel fosse destinado ao arrendamento para habitação permanente para poder beneficiar de tal isenção. Assim, entendemos que a obrigatoriedade de destinar o imóvel para arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, mas sim um requisito do próprio regime fiscal dos FIIAH. O que é acrescentado pela alteração da Lei do OE para 2014 é o prazo que as entidades têm para destinar os imóveis a arrendamento habitacional.

Com efeito, dificilmente se mostra comprovado existir uma violação de expectativas jurídicas da parte da Requerente, nem sequer na vertente da proibição da norma fiscal retroativa. Efetivamente, foi apenas a alienação da fração pela Requerente, posterior à entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, que provocou a tributação ao abrigo da norma já em vigor no momento da alienação. Este aspeto invoca a posição do Tribunal Constitucional de prevalência, como facto gerador de imposto, do momento da alienação dos bens e não do momento da respetiva aquisição. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010 de 03-03-2010.

Seguindo de perto as decisões do CAAD proferidas nos processos n.º 710/2015-T e 288/2016-T, não está sequer em questão a retroatividade da lei aplicada, mas sim o facto da fração em apreço ter sido alienada sem que tenha cumprido o seu destino – afetação ao arrendamento habitacional permanente. E que alienada que seja a fração, esse destino já não possa ser cumprido, pelo que não se cumpriu o requisito estabelecido para que a isenção de IMT seja aplicável.

Tal como referem as decisões do CAAD dos processos 710/2015-T e 288/2015-T, “em suma, a Requerente adquiriu e alienou uma fração. E fê-lo sem que a tenha arrendado entre a data da aquisição e da alienação. Todavia, beneficiou, na data da respetiva aquisição, do benefício fiscal de não pagamento de IMT e IS aplicável à aquisição de frações destinadas exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. Benefício cujo regime foi regulamentado pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, tendo a alienação acima referida ocorrido precisamente em momento posterior à entrada em vigor da referida lei. Nessa medida, entendemos que a liquidação de IMT em crise, bem como a de IS que tem como fundamento a mesma factualidade, são legais ao abrigo das normas do Regime Especial acima citadas”.

3.3. Da inconstitucionalidade do artigo 236º n.º 2 da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro

A Requerente refere ainda que o artigo 236º (norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014), ao estender a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH aos prédios que tenham sido adquiridos antes de 01-01-2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 01-01-2014, “está a violar de forma direta e inequívoca o princípio da não retroatividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado”.

A Requerente invoca ainda a inconstitucionalidade do artigo em que assentam as liquidações em crise, artigo 236º n.º 2 da referida Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro. E junta um parecer assinado pelos Professores Doutores C… e D…, que corrobora a tese de inconstitucionalidade defendida pela Requerente.

O n.º 2 do artigo 236º (norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da referida Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, dispõe que: “2 – Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando--se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”

Os autores do parecer junto concluem que “a norma do artigo 236º, n.º 2, da Lei do OE de 2014 é uma norma autenticamente retroativa, pois ordena a aplicação dos novos pressupostos das isenções – arrendamento e não alienação num prazo de 3 anos, sob pena de estas ficarem “sem efeito” – a aquisição e a atos (isto é, a factos tributários) anteriores à sua entrada em vigor e que completaram antes desta”.

No entanto, sem pôr em causa o mérito jurídico dos autores do parecer, aderimos à posição maioritária das decisões do CAAD, no sentido em que os pressupostos para a isenção de IMT constam do artigo 8º n.º 7 alínea a) do regime jurídico dos FIIAH aprovado pela Lei n.º 64-A/2008 de 31 de dezembro, que refere que ficam isentos de IMT “as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1”. E não terá sido a Lei do Orçamento de Estado de 2014, ao aditar o artigo 236º n.º 2 ao referido regime jurídico que veio criar novos pressupostos. Este n.º 2 apenas veio mencionar que o disposto nos números 14 a 16 do artigo 8ª (caducidade das isenções), é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se nesses casos o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014. Com efeito, este artigo apenas veio concretizar que caducidade das isenções constante dos números 14 a 16 do artigo 8º também se aplica a prédios adquiridos antes de 1 de janeiro de 2014. No entanto, o pressuposto para a isenção de IMT - prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente - estaria já consagrado na lei aquando da aquisição do imóvel.

Veja-se que no presente caso, o imóvel não foi destinado a arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos, mas foi antes alienado. E por essa razão é que a Requerente apresentou declaração à AT para efeitos de emissão da liquidação de IMT e Imposto de Selo, dado que o destino dado ao imóvel não foi o arrendamento habitacional, tendo-se verificado a caducidade da isenção de que tinha beneficiado aquando da aquisição do referido imóvel.

Assim, como se lê na decisão do CAAD proferida no processo n.º 164/2016-T, “não é possível concluir que a obrigatoriedade de destinar o prédio a arrendamento para habitação permanente constitui um requisito introduzido pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro. Tal obrigação já constava expressa e concretamente no art. 8º, n.º 7 e 8 do regime jurídico dos FIIAH na sua versão inicial”.

Assim e em conclusão, não existe, a nosso ver, qualquer violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal ou agravamento da posição fiscal da Requerente, e não se coloca em causa a inconstitucionalidade da referida norma.

3.4. Aplicação do regime à situação da Requerente

A Lei do Orçamento de Estado para 2014 veio estabelecer um novo requisito para a isenção: caso a afetação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no período de três anos após a entrada do imóvel no fundo, o fundo deverá requerer a liquidação de IMT que não foi liquidado.

Contudo, não foi isso que se verificou neste caso. As liquidações de IMT e Imposto de Selo em causa não tiveram por base a sua manutenção no fundo por um período igual ou superior a três anos sem que tivesse havido afetação a arrendamento para habitação permanente. De facto, as liquidações basearam-se no facto de o imóvel ter sido alienado. Alienada que seja a fração, esse destino, arrendamento para habitação permanente, já não pode ser cumprido, pelo que não se cumpriu o requisito estabelecido para que a isenção de IMT seja aplicável.

Com efeito, entendemos que não têm caráter inovador os efeitos resultantes da alienação do prédio que constam do artigo 8º n.º 15 e 16 do regime jurídico dos FIIAH, pois já resultavam do artigo 8º n.º 7 e 8 do referido regime. Assim, não se coloca em causa a inconstitucionalidade de tal norma (artigo 8º n.º 15 e 16 do regime jurídico dos FIIAH, aditada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro).

O prédio supra referido foi adquirido em 05-08-2013, beneficiando da isenção de IMT prevista no artigo 8º n.º 7 alínea a) do regime jurídico dos FIIAH, uma vez que a Requerente declarou que o imóvel em causa seria destinado a arrendamento para habitação permanente.

A decisão do CAAD proferida no processo n.º 164/2016-T refere que “(…) o que está em causa (…) consiste no facto de não ter sido dada a utilização que alicerçou a isenção, a afetação ao arrendamento para habitação permanente e não uma questão de prazo. O que afasta a questão da violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal”.

A referida decisão expõe ainda que “em resumo, a atribuição do benefício fiscal não exige uma mera intenção declarada, no momento da celebração da escritura pública de compra e venda, de afetação do prédio a arrendamento habitacional permanente, mas a efetiva afetação. Ora, se a Requerente manifestou essa intenção, mas não chegou a proceder a tal afetação ou pelo menos, não a prova nestes autos, tem de improceder o pedido”.

O douto parecer que a Requerente junta pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma, mas numa situação diversa daquela aqui ocorrida, que é o caso em que a caducidade da isenção ocorre quando o imóvel adquirido com isenção não foi destinado a arrendamento no prazo fixado pela norma cuja inconstitucionalidade se invoca.

Ora, no presente caso, as liquidações de IMT e de Imposto de Selo não tiveram origem no decurso deste prazo sem que o Fundo tivesse afetado a fração a arrendamento, mas pelo facto de ter sido alienada a fração.

Não está portanto em causa na situação sub judice qualquer aplicação retroativa de norma que venha a introduzir novo regime de caducidade das isenções, tal como foi decidido na decisão do CAAD do processo n.º 32/2017-T.

Entendemos, portanto, que a norma em crise não padece de inconstitucionalidade.

Terá pois que improceder o pedido da Requerente e será de concluir que as liquidações de IMT e Imposto de Selo em apreço são legais, ao abrigo da alínea a) do n.º 7 do artigo 8º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional.

 

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de IMT no valor de 19.924,75 € e de Imposto de Selo no valor de 3.096,00 €.

 

5. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 23.020,75 €.

 

6. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 €, devidas pela Requerente.

Notifique.

Lisboa, 21 de julho de 2017.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

Suzana Fernandes da Costa