Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 315/2014-T
Data da decisão: 2015-04-11  IRS  
Valor do pedido: € 811.603,95
Tema: IRS - Transformação de sociedades; norma anti-abuso (art. 38.º, n.º 2 da LGT)
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Acórdão Arbitral

Processo n.º 315/2014-T

 

Os árbitros José Poças Falcão, árbitro presidente do Tribunal Arbitral coletivo, José Coutinho Pires e João Menezes Leitão, árbitros vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente Tribunal Arbitral, acordam:

 

I. Relatório[1]

 

1. A…, contribuinte n.º … e B..., contribuinte n.º … (a seguir, os Requerentes), residentes na Rua … Coimbra, apresentaram em 01.04.2014, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), relativamente ao ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2013 …, respeitante a 2009, respetivas demonstração de liquidação de juros e de acerto de contas, com saldo apurado a pagar de €811.603,95.

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo o Senhor Juiz Doutor José Poças Falcão, com as funções de Árbitro Presidente, e os Senhores Drs. José Coutinho Pires e João Menezes Leitão, como árbitros vogais, que aceitaram o encargo.

 

3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 11.06.2014.

 

4. No requerimento de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), os Requerentes pedem a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2013 … e respetivas demonstração de liquidação de juros n.º 2013 … e demonstração de acerto de contas n.º 2013 …, no que concerne à tributação da mais-valia auferida em 2009 com a alienação das participações detidas pelos Requerentes na sociedade C...-…, SA, com fundamento em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto entendem que não estão preenchidos os requisitos legais de que depende a aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no art. 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

 

5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência, por não provado, do pedido de pronúncia arbitral.

 

6. Em 15.12.2014, conforme consta da competente ata, procedeu-se à produção de prova testemunhal, com inquirição das testemunhas D... e E..., arroladas pelos Requerentes.

 

7. Os Requerentes e a Requerida apresentaram alegações escritas sucessivas respetivamente em 6.1.2015 e em 20.1.2015.

Com as suas alegações, os Requerentes apresentaram dois documentos, tendo a Requerida oposto-se à respetiva junção aos autos, porquanto “a superveniência e/ou impossibilidade de junção de tais documentos em momento próprio, ou seja, com a apresentação do pedido arbitral, não foi deduzida pelos Requerentes pelo que a sua junção deve ser indeferida (cf. artigo 10.º, n.º 2, als. c) e d) do RJAT, bem como o artigo 423º, nº 1 e 3 do CPC e o artigo 86.º, nº 1 do CPTA)” (cfr. n.º 23 das respetivas alegações).

Verifica-se, porém, que os documentos assim apresentados pelos Requerentes, conforme se invoca nas respetivas alegações (n.º 29), resultam dos depoimentos prestados em audiência (tendo a testemunha D... sido mesmo especificamente questionada pela AT sobre a existência de algum comprovativo do falhanço da submissão da candidatura da C...-…, SA ao concurso aberto pela Câmara Municipal de Coimbra), pelo que, por terem interesse para a decisão da causa, se admite, nos termos do art. 16.º, al. e) do RJAT e do art. 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, a respetiva junção aos autos.

 

8. O Tribunal Arbitral fixou, por último, ao abrigo do n.º 2 do art. 21.º do RJAT, como data limite para a prolação e notificação da decisão final o dia 11.04.2015.

 

9. O Tribunal arbitral é competente para julgar o pedido de pronúncia arbitral (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e encontram-se devidamente representadas, não ocorrem nulidades nem foram invocadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

 

II. Thema decidendum

 

10. O thema decidendum prende-se com apurar, em ordem à apreciação da legalidade do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2013 … e respetivas demonstração de liquidação de juros e de acerto de contas, a verificação, em concreto, dos pressupostos estabelecidos no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT) para a aplicação da cláusula geral anti-abuso em relação à alienação onerosa das participações sociais detidas pelos Requerentes na sociedade C...-…, SA à sociedade C... – …, Lda, conforme correção efetuada pela AT, assente na desconsideração da alteração da forma societária daquela sociedade C...-…, SA, que conduziu à tributação da mais-valia correspondente nos termos resultantes da indicada liquidação adicional de IRS.

 

III. Decisão da matéria de facto

 

11. Relativamente à matéria de facto, importa observar, a título prévio, em face das diversas alegações constantes da PI, que a factualidade relevante se delimita em razão das várias soluções plausíveis da questão de Direito que se deva considerar controvertida (para recorrer à feliz formulação que constava do n.º 1 do art. 511.º do anterior Código de Processo Civil), pelo que o tribunal não tem que se pronunciar sobre todas as alegações realizadas, mas sim selecionar os factos que são efetivamente relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

a) Factos provados:

 

12. Nestes termos, examinada a prova documental apresentada, os depoimentos testemunhais produzidos e o processo administrativo tributário junto (a seguir, PA), o tribunal fixa os factos que se consideram provados como segue:

 

I. A sociedade comercial por quotas “C... – …, Lda.”, NIPC …, foi constituída em 21.10.1998, com o objeto social de fabrico, comércio e certificação de componentes elétricos e eletrónicos, com o capital social de PTE 400.000$00 (€1.995,19), representado por quatro quotas com o valor nominal de PTE 100.000$00 (€498,80) cada uma, pertencentes aos sócios A... (aqui Requerente), B... (aqui Requerente), F... e G... (cfr. cópia da certidão permanente junta quer como doc. n.º 4 quer como doc. n.º 15 à PI).

II. Em 25.10.1999, os sócios F... e G... cederam as respetivas quotas na indicada “C... – …, Lda”, respetivamente ao Requerente A... e à Requerente B..., que passaram, assim, a ser os únicos sócios da sociedade (conforme docs. n.ºs 4 e 15 à PI).

III. Em 27.11.2001, a sociedade “C... –, Lda.” procedeu ao aumento, por incorporação de resultados, e à redenominação em euros, do seu capital social, o qual ficou distribuído em quatro quotas iguais, no valor nominal de €1.250,00 cada uma, pertencentes aos Requerentes (cfr. a indicada certidão junta como docs. n.ºs 4 e 15 à PI, insc.4).

IV. Em 22.06.2004 foi efetuado novo aumento do capital social da sociedade, que passou de €5.000,00 para €200.000,00, sendo distribuído em quatro quotas iguais de €50.000,00 cada uma, pertencentes aos Requerentes (cfr. a indicada certidão junta como docs. n.ºs 4 e 15 à PI, insc. 5).

V. A sociedade C...- P… S.A., NIF …, que tinha como sócios a "C... - …, Lda" e os Requerentes A... e B... foi transformada em sociedade anónima por deliberação de 28.2.2007, conforme Insc. 6 - AP. 7/2007… no respetivo registo comercial (cfr. certidão junta como doc. n.º 14 à PI).

VI. Por contrato de divisão e cessão de quotas datado de 11.12.2009, conforme documento a fls. 93 e seguintes do PA e certidão junta como docs. n.ºs 4 e 15 à PI, o Requerente marido cedeu a H... (pai da Requerente mulher) uma quota na “C... – …, Lda.”, no valor de €100,00, por preço idêntico ao valor nominal, e a Requerente mulher cedeu duas quotas na “C... – …, Lda.” a I..., no valor de € 100,00, e a J... (mãe da Requerente mulher), no valor de €100,00, por preços idênticos ao respetivo valor nominal, passando o capital social da “C... – …, Lda”, antes da sua transformação em sociedade anónima, a possuir a seguinte distribuição:

                                    Sócio

Participação social

%

Requerente Marido

99.900,00

49,95

Requerente Mulher

99.800,00

49,90

H...

100

0,05

Ângelo Paulo Ventura

100

0,05

Maria Cármen Silva

100

0,05

TOTAL

200.000,00

100

 

VII. Por contrato de transmissão de ações datado de 28.12.2009, o Requerente A... vendeu 99.900 ações de que era titular na “C... – …, SA” à “C... – G…, Lda” pelo preço de €3.596.400,00 (€36,00 por cada ação de €1) a pagar no prazo máximo de 24 meses a contar da data da celebração do contrato (cfr. o contrato de transmissão de ações que se encontra junto como doc. n.º 18 à PI e a fls. 161 e 162 do PA).

VIII. Por contrato de transmissão de ações datado de 28.12.2009, a Requerente B... vendeu 99.800 ações de que era titular na “C... –…, SA” à “C... – G…, Lda” pelo preço de €3.592.800,00 (€36,00 por cada ação de €1) a pagar no prazo máximo de 24 meses a contar da data da celebração do contrato (cfr. o contrato de transmissão de ações igualmente junto como doc. n.º 18 à PI e a fls. 163 a 164 do PA).

IX. O valor da venda das referidas ações (no montante total de €7.189.200,00), que ficou de ser pago em 24 meses, não foi até à presente data pago aos Requerentes (facto reconhecido no n.º 38 da PI).

X. Nem os Requerentes, na qualidade de vendedores, nem a C... – G…, Lda., na qualidade de adquirente, entregaram a declaração modelo 4 prevista no art. 138.º do CIRS (cfr. Indicação, não impugnada, constante do projeto de aplicação da cláusula anti-abuso a fls. 34 do PA).

XI. Na sequência da AP.1/2010…, com base em ata da Assembleia Geral datada de 21.12.2009, que se encontra junta a fls. 96 e segs. do PA, verificou-se a inscrição registal da transformação da “C... –…, Lda”, NIPC …, em sociedade anónima com a firma “C... – …, SA”, com os estatutos sociais constantes do PA a fls. 109 a 113, bem como a fls. 242 a 246, sendo o capital social de €200.000,00 e a sede na Rua …, lote …, …, na … (cfr. a indicada certidão junta como docs. n.ºs 4 e 15 à PI, insc. 8).

XII. No Relatório Justificativo da Transformação da “C...– …, Lda.” em “C... – ..., SA”, datado de 20.10.2009 (cfr. doc. n.º 25 junto à PI e fls. 103 e seguintes do PA), consignou-se, em sede de “Motivos”, o seguinte:

São diversos os motivos que ocorrem no sentido de se justificar a transformação da sociedade em sociedade anónima.

A transformação da sociedade em sociedade anónima e consequente reformulação da sua estrutura acionista, encontra-se alinhada com as intenções de crescimento e procura adaptar-se aos novos desafios com os quais a empresa se tem deparado.

A sociedade anónima é do tipo característico da empresa de maior dimensão especialmente dirigido para a movimentação de grandes volumes de capitais. Simultaneamente, é regida por uma disciplina jurídica que proporciona uma ampla flexibilidade, quer ao nível da sua estrutura acionista, quer ao nível das opções referentes à sua administração. Efetivamente, a lei confere aos titulares de partes sociais, neste tipo societário, uma margem de manobra na própria regulamentação da sua empresa que não se verifica nos demais tipos de sociedades comerciais, designadamente nas sociedades por quotas.

De facto, as vantagens que se retiram da manutenção da estrutura administrativa simplificada subjacente a uma sociedade por quotas, não superam as vantagens que se poderão alcançar pela criação de uma entidade mais operacional a todos os níveis.

Esta importante mudança insere-se num contexto de readaptação da empresa ao mercado em que atua e às suas intenções de crescimento sustentado, tendo em vista o aumento da sua atuação no mercado nacional e internacional. Esta alteração não afetará, contudo, a atividade da empresa, a sua relação com colaboradores, fornecedores e clientes e com outros que com ela colaborem, direta ou indiretamente.

Deverá ainda acrescentar-se que, para além das vantagens de que goza, no nosso mercado, o tipo de “Sociedade Anónima”, em razão da maior credibilidade comercial, proporcionadora de novas e melhores possibilidades de negócio, a transformação afigura-se como uma adequação jurídica às circunstâncias atuais em que se encontra a C...-…, Lda.”.

XIII. Segundo o Relatório e Contas de 2009 da C... - …, SA, com data de 31.12.2009, verificou-se em 2009 uma diminuição das vendas, com uma redução de, aproximadamente, 22% do volume de negócios (Cfr. o Relatório e Contas de 2009 junto como doc. n.º 5 à PI).

XIV. Em 28.05.2010, os Requerentes entregaram a sua declaração periódica de rendimentos Modelo 3 do IRS, referente ao exercício de 2009, juntamente com o anexo G1, em que se menciona a alienação de 199.700 ações da C... – C… S.A., ao preço unitário de €36,00, no total de €7.189.200,00, com valor de aquisição de €57.500,00, considerando-se que a mais-valia se encontra excluída de tributação em IRS nos termos do artigo 10.°, n.º 2, alínea b) do Código do IRS, por força do disposto no artigo 43.°, n.º 6, alínea b), do mesmo Código (cfr. doc. n.º 20 junto à PI).

XV. Na sequência da AP.118/2010…, verificou-se a inscrição registal da alteração da firma da sociedade “C... – …, SA”, NIPC …, para C...-C…, SA (cfr. a indicada certidão junta como docs. n.ºs 4 e 15 à PI, insc. 9).

XVI. Conforme inscrição 12, AP14/2012…, a sociedade C...- C…, SA, NIPC …, alterou o seu objeto social para “Desenvolvimento, industrialização, fabrico, colocação no mercado e/ou colocação ao serviço ou instalação em obra de construção, de produtos elétricos e/ou eletrónicos eco-eficientes” (cfr. a indicada certidão junta como docs. n.ºs 4 e 15 à PI).

XVII. Pelo anúncio de procedimento n.º …/2012, publicado no DR, II Série, de ….3.2012, o Município de Coimbra lançou um concurso público de concessão de obras públicas, com o preço base de €26.886.792,45, com o prazo contratual de 180 meses, cujo objeto consistia no “financiamento, conceção e execução das obras públicas de reparqueamento da iluminação pública exterior do Município de Coimbra, cabendo ao concessionário: - Substituir todas as luminárias instaladas na rede de iluminação pública, por equipamento de tecnologia “Light Emitting Diode (LED); - Integrar todas as novas luminárias num sistema centralizado de gestão que possibilite manobrar os horários de funcionamento, controlar a luminosidade, detetar avarias, em cada luminária individualmente considerada ou para grupos de luminárias; - Manter e conservar os equipamentos substituídos durante o período de concessão; prestação de serviços energéticos, durante o período da concessão” (cfr. doc. n.º 11 junto à PI).

XVIII. A “C... – C… S.A.” não conseguiu participar no concurso público indicado no número anterior devido a uma falha na submissão da proposta na plataforma Vortal resultante de não possuir certificado qualificado por falta de finalização do respetivo processo de pedido (cfr. a comunicação da Vortal Info PT de 26.12.2014, junto como doc. n.º 1 às alegações dos Requerentes).

XIX. A sociedade “C... – G…, Lda”, NIPC …., que até 2012 tinha como únicos sócios os Requerentes e como objeto social “Compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e como atividades acessórias o arrendamento de bens próprios ou alheios; gestão de bens imóveis próprios ou alheios. Promoção imobiliária. Aluguer de máquinas e equipamentos industriais”, foi objeto de transformação, por deliberação de 25 de setembro de 2013, em sociedade anónima gestora de participações sociais com a firma “C... –…, SGPS, S.A.”, com o objeto social de gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas e com o capital social de €50.000,00 (cfr. a certidão junta como doc. n.º 17 à PI, insc. 4 AP38/2013…).

XX. A sociedade C... - …, SA, depois denominada C...- C… SA, NIPC …, faz parte de um grupo informal de empresas liderado pelos Requerentes com a seguinte composição (cfr. facto reconhecido nos n.ºs 11 e 27 da PI, acolhido no n.º 4.4 da resposta):

NIPC

Firma

Atividade

Requerente marido

Requerente mulher

C... – …, Lda (depois SA)

Fabricação de componentes eletrónicos

Sócio-gerente

Sócio-gerente

C...- P… S.A. (1)

Atividades de engenharia

Membro conselho de administração

Membro conselho de administração

C...- G…, Lda. (2)

Compra e venda bens imobiliários

Sócio-gerente

Sócio-gerente

A…–…, S.A.(3)

Fabricação de componentes eletrónicos

Administrador

Vogal

E…, SA.

(4)

Comércio por grosso de máquinas

Membro conselho de administração

Membro conselho de administração

(1) A 28/02/2007 a C... – P…, Lda., é transformada em C...- P…, S.A

(2) A 31/10/2013 a C... – G…, Lda. foi transformada em C... – …, SGPS, S.A..

(3) Constituída em 18/07/2007

(4) Constituída em 16/09/2010.

 

XXI. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012012…, da Direção de Finanças de Coimbra, os Requerentes foram alvo de uma ação de inspeção para análise das operações de alienação de partes de capital realizadas no exercício de 2009 (cfr. documento a fls. 32 e segs. do PA e ordem de serviço a fls. 75 do PA; cfr. igualmente o consignado nos n.ºs 45 e 46 da PI).

XXII. Na sequência desta ação inspetiva, os Requerentes foram notificados, em 13.12.2012, pelo Ofício n.º …, de 7.12.2012, do projeto de aplicação da cláusula geral anti-abuso e para exercer, no prazo de 30 dias, o direito de audição prévia (cfr. doc. n.º 21 junto à PI e fls. 80 e segs. do PA).

XXIII. Neste projeto de aplicação da cláusula anti-abuso refere-se, designadamente, o seguinte:

2. Os atos ou negócios jurídicos a seguir descritos, bem como a entrega Modelo 3 de IRS para 2009, onde declararam as mais-valias obtidas, ocorreram entre a Proposta de Lei 16/XI de 22/04/2010 e a Lei n.º 15/2010 de 26/07, aprovada na data de 09/06/2010, que introduz a alteração ao regime de tributação das mais-valias mobiliárias.

3. As vendas das quotas efetuadas aos pais de B..., H... e J..., bem como as vendas das quotas a I... foram efetuadas através de documento particular datado de 11 de dezembro de 2009, mas apenas foram registadas na conservatória na data de 20 de maio de 2010. A certificação das fotocópias apresentadas, também foi efetuada na data de 20 de maio de 2010, através do Registo Online dos Atos dos Advogados.

4. A Ata n.º 27, da transformação em sociedade anónima, encontra-se datada de 21 de dezembro de 2009, mas foi registada na 2ª Conservatória do Registo Predial e Comercial da … na data de 20 de maio do 2010, quando nos termos do n.º 2 do art. 15° do Código do Registo Comercial o prazo para registo destes atos é de 2 meses. A certificação dos documentos apresentados neste registo também foi efetuada na data de 20 de maio de 2010, através do Registo Online dos Atos dos Advogados.

5. Os documentos anexos à ata de transformação da sociedade e que são obrigatórios ao abrigo do Código das Sociedades Comerciais, apresentam diversas incongruências, nomeadamente o "Relatório Justificativo da Transformação da C...- …, Lda. em C...- … S.A" datado de 20 de outubro de 2009, designadamente quanto às datas em que pretensamente ocorreram e as datas que constam nos documentos:

5.1. No ponto 1. Preâmbulo refere que, o capital social encontra-se repartido em 4 quotas iguais com valor nominal de € 50.000,00 cada, repartidas em igual valor pelos sócios A... e K... quando, na alínea a) do ponto 5. Descrição da operação refere que a transformação em sociedade anónima mantém o capital social de €200.000,00, representado por 200.000 ações ordinárias nominativas, atribuídas aos quotistas ficando divididas por A... (99.900 ações), K... (99800 ações), I... (100 ações), J... (100 ações) e H... (100 ações).

5.2. Para a transformação da sociedade não apresenta, no relatório justificativo, motivos correntes para estes atos, como aumento de capital, através da entrada de novos investidores, a dispersão de capital, ou uma gestão independente. Ao contrário, com a alteração do modelo societário em apreciação, não se verificou qualquer alteração no funcionamento da empresa, mantendo a mesma atividade, o mesmo capital, a mesma detenção de capital, o que é perfeitamente identificável uma vez que as ações são nominativas e, mantendo também a mesma gestão, porquanto os gerentes da sociedade por quotas são igualmente os administradores da sociedade anónima, A... e K....

5.3. O Relatório justificativo da transformação, datado de 20 de outubro de 2009, analisa e anexa, segundo o subscritor, um balanço especialmente preparado para os efeitos da transformação, relativo a 30 de outubro de 2009, ou seja relativo a período temporal ainda não ocorrido, face à datação do mesmo Relatório.

Desta forma, ou o Balanço não tem como referência 30 de outubro de 2009 ou o relatório não foi elaborado a 20 de outubro 2009.

6. Apesar da transformação em sociedade anónima ter sido, supostamente efetuada na data de 21 de dezembro de 2009, o termo de aceitação da nomeação para o cargo de fiscal único, só foi efetuado na data de 18 de maio de 2010 pela sociedade de Revisores Oficiais de Contas.

7. Pela transmissão das ações de A... e de B... para C... – G …, Lda, quer a titularidade do capital, quer a gestão da empresa, ficaram nas mesmas pessoas, na medida em que os sócios e os gerentes da empresa adquirente são os sujeitos passivos, A... e B.... (...)

9. O valor dos contratos não foi pago na data da sua realização, ficando este de ser efetuado integralmente no prazo máximo de 24 meses a contar da data da sua celebração a 28 de Dezembro de 2009. Analisada a declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) da empresa C...- G…, Lda, NIPC …, para o exercício de 2011, verificou-se que aqueles montantes ainda se encontram em dívida na data de 31 de dezembro de 2011, o que prova que aqueles movimentos foram meramente escriturais.

A sociedade C...- G …, Lda encontra-se coletada com a atividade de compra e venda de bens imobiliários, CAE 68100, desde 2008-09-24, mas desde a sua constituição que não se apurou a compra de qualquer imóvel, nem se afigura nas declarações anuais de informação fiscal e contabilística, qualquer indício do exercício da atividade mas verifica-se no exercício de 2011 que auferiu rendimentos de dividendos provenientes da participação de capital.

10. A transformação da sociedade por quotas com simplicidade de forma, numa sociedade anónima com estrutura complexa e dispendiosa não teve os objetivos comuns a este tipo de transformação, como a gestão independente dos detentores de capital, a dispersão do capital ou o aumento deste através da entrada dos novos investidores, mas teve como objetivo a exclusão de tributação das vendas das participações sociais, o que não aconteceria se a sociedade mantivesse o tipo societário por quotas. Para esta conclusão concorreram o facto dos atos realizados pelos contribuintes terem sido registados após o conhecimento da proposta de lei, que alterou a tributação das mais valias mobiliárias, de não terem tido a validação de entidades ou pessoas estranhas à empresa, dispensando a intervenção do revisor oficial de contas, conforme deliberação em Ata n.º 27 e ainda pelas incongruências atrás descritas entre as datas constantes nos documentos anexos ao registo.

Concluindo, verificamos que, através de um conjunto de operações e atas jurídicos que conduziram a alteração do tipo societário, os rendimentos obtidos nestas alienações foram excluídos de tributação, o que não aconteceria se as sociedades mantivessem o tipo societário por quotas”.

“As alienações das partes sociais detidas pelos sujeitos passivos, caso não tivesse existido alteração do tipo societário, originariam mais valias sujeitas a tributação nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 10° do Código do Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares no montante de €7.131.700,00, tributada à taxa de 10%, nos termos do art. 72° do mesmo diploma. Por efeito da transformação da sociedade não se apuram mais valias, dado que foram consideradas como excluídas de tributação nos termos do n.º 2 do art.º 10° do CIRS por serem ações detidas pelos seus titulares há mais de 12 meses, por remissão da alínea b) do n.º 6 do art.º 43° do mesmo código”.

XXIV. Os Requerentes exerceram em 8.1.2013 o direito de audição prévia conforme doc. n.º 22 junto à PI, que aqui se dá por reproduzido.

XXV. Por despacho de 20.09.2013, a Subdiretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (em substituição legal do Diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira) autorizou a aplicação da cláusula geral anti-abuso, com vista à desconsideração da operação de transformação da sociedade “C...-…, Lda.” em sociedade anónima e consequentemente à tributação em sede de IRS das mais-valias dos Requerentes, provenientes da alienação das ações desta sociedade, conforme informação n.º …, de 04.06.2013, da DSPCIT (cfr. doc. a fls. 45 e segs. do PA e anexo 2 no doc. n.º 23 junto à PI).

XXVI. Em 06.11.2013, os Requerentes foram notificados do relatório final de inspeção (“RIT”), que apurou impostos em falta (IRS), no montante de € 713.170,00, resultante da tributação dos rendimentos de mais-valias, do exercício de 2009, à taxa especial de 10% (cfr. notificação a fls. 1 do PA e RIT junto a fls. 21 e segs. do PA e como doc. n.º 24 à PI), de cujo conteúdo importa destacar as seguintes passagens com relevo para a decisão (cfr. pp. 25 a 27 do PA):

Os contribuintes A... e B... declararam no anexo G1 da modelo 3 de IRS para o exercício de 2009, destinado às mais-valias não tributadas, a alienação onerosa de ações detidas durante mais de 12 meses pelo valor de € 7.189.200,00. Por tal facto foi aquela alienação excluída de tributação em sede de IRS, nos termos do art. 10°, n.° 2, alínea a) do CIRS, por força do disposto no art. 43°, n.º 6, alínea b) daquele código.

Com data de 28 de dezembro de 2009, A... e B..., na qualidade de gerentes de C... – G…, Lda, celebram consigo próprio, contrato de transmissão das ações que detinham na sociedade C... - …, S.A., NIPC …. As ações vendidas, provinham de quotas adquiridas em 1998 e 1999, e dos seus aumentos de capital em 2001 e 2004, tendo as mesmas sido transformadas em ações com data reporte a 21 de dezembro de 2009.

Apesar da venda das ditas ações terem sido efetuadas por documento particular, contrato de transmissão de ações, e por esse facto terem sido realizadas sem a intervenção de notários, conservadores e oficiais de justiça ou de instituições de crédito e sociedades financeiras, nem os alienantes, nem os adquirentes das ditas ações entregaram a modelo 4 a que estavam obrigados, nos termos do art. 138° do CIRS.

Consultados os dados da Conservatória do Registo Predial e Comercial da …, verificou-se o aumento de n.º de sócios para 5 (necessários à transformação da sociedade), o relatório justificativo da transformação da sociedade, a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, bem como os restantes procedimentos obrigatórios para a sua transformação foram todos registados na data de 20 de maio de 2010.

Por outro lado, os documentos anexos à ata de transformação apresentam incongruências de datas que indiciam que os mesmos foram realizados em datas posteriores às que neles se encontram inscritos, como por exemplo, o relatório justificativo datado de 20 de outubro de 2009 analisa e anexa o balanço relativo a 30 de outubro de 2009.

Apesar da transformação ter sido registada com data de 21 de dezembro de 2009, a aceitação para o cargo de Fiscal Único pela sociedade de revisores oficiais de contas, só foi efetuada a 18 de maio de 2010, 2 dias antes da data do registo na conservatória.

Da referida transformação de sociedades por quotas em sociedade anónima, não se apuram motivos correntes a este tipo de transformação, nomeadamente gestão independente, aumento de capital, entrada de novos investidores ou dispersão de capital, pois não houve aumento de capital e quer o capital, quer a gestão, continuaram na posse das mesmas pessoas, A... e B..., pois estes são também os administradores na sociedade que agora detém as ações.

Acresce ainda o facto de, nos contratos de transmissão das ações datados de 28 de dezembro de 2009, o prazo de pagamento daqueles valores (€7.189.200,00) ser de 24 meses, quando pela análise da declaração anual de Informação Contabilística e Fiscal (IES) da empresa C... – G…, Lda, NIPC …, para o exercício de 2012, se verificar que aqueles montantes ainda se encontravam em dívida na data de 31 de dezembro de 2012.

Aos atos ou negócios jurídicos atrás descritos, assim como a entrega da modelo 3 de IRS para 2009, aonde os contribuintes declaram as mais valias com estas vendas, foram registados entre a Proposta de Lei n.º 16/XI de 22/04/2010 e a Lei n.º 15/2010 de 26/07, aprovada na data de 09/06/2010, que introduz a alteração ao regime de tributação das mais valias mobiliárias.

Por se verificar que os contribuintes em análise, através de uma sucessão de operações e atos jurídicos, coordenados entre si, que conduziram à alteração do tipo societário, alienaram partes de capital que, tendo sido excluídas de tributação não o seriam se a sociedade mantivesse o tipo societário por quotas, concluímos encontrarmo-nos perante um abuso das normas jurídicas. (...)

Pelos factos expostos resulta que, os rendimentos de mais-valias obtidos pelos sujeitos passivos passam a estar sujeitos a tributação, por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 10° do CIRS, pela diferença positiva entre o valor de realização, determinado de acordo com as regras estabelecidas no art. 44° e o valor de aquisição, determinado nos termos dos art. 45° e 48°, acrescido das despesas necessárias e efetivamente praticadas com a alienação, conforme art. 51°, todos do CIRS.

Assim, devem ser desconsiderados os valores declarados no anexo G1 da modelo 3 de IRS para 2009, como alienação onerosa de ações não tributadas e corrigir-se como mais valias tributadas no anexo G da referida declaração.

Nos termos do art. 72° do CIRS aplica-se a taxa de 10% sobre a mais valia obtida, apurando-se imposto em falta, no valor de € 713.170,00, assim obtido:

Data da alienação

Valor da realização

Data de aquisição

Valor de aquisição

Mais-valia apurada

IRS em falta

2009/12

€7.189.200,00

1998/10

€57.500,00

€7.131.700,00

€713.170,00

 

XXVII. Em dezembro de 2013, os Requerentes foram notificados do ato de liquidação de IRS n.º 2013 …, da demonstração de liquidação de juros n.º 2013 …, e da demonstração de acerto de contas n.º 2013 …, respeitante ao exercício de 2009, com saldo a pagar no montante de €811.603,95 e data limite de pagamento em 02.01.2014 (cfr. docs. n.ºs 1 a 3 juntos à PI, que se dão por reproduzidos).

 

b) Factos não provados:

 

13. Com relevo para a decisão, consideram-se não provados os seguintes factos:

 

i) Face à quebra do volume de negócios da "C... - …, Lda.", que se vinha verificando desde o ano 2008, e que se acentuou ao longo do ano de 2009, resultante em grande medida da diminuição das encomendas da sua principal cliente (a L… Portugal, que no ano de 2009 representou 87,75% do seu volume de vendas), bem como do plano de crescimento definido para o grupo empresarial onde esta sociedade se inseria, o Conselho de Administração da "C... -…, Lda.", sentiu a necessidade de definir uma nova estratégia para a sociedade – alegação objeto do n.º 15 da PI.

ii) Atendendo à dimensão que o grupo “informal” de sociedades em que se integrava a "C... - …, Lda." pretendia alcançar, com vista a passar para um volume de negócios de 40/50 milhões de euros até 2015, o que, para acontecer, tornava necessário que o grupo conquistasse um grande negócio que lhe desse visibilidade, aconselhava-se a alteração do tipo societário das sociedades por quotas para sociedades anónimas, por uma questão de imagem de mercado – alegações constantes dos n.ºs 27, 28, 30 e 31 da PI.

iii) As sociedades do grupo começaram a ser preparadas, ainda antes de 2009, para captar investimentos externos e consequentemente ceder capital social – alegação constante do n.º 32 da PI.

iv) A venda, pelo preço global de € 7.189.200,00, das ações que os Requerentes detinham na "C...-…, S.A." à sociedade “C... – G…, Lda." “tinha como objetivo permitir que a “C... – G… Lda.”, agora “C...-…, SGPS, S.A. ", captasse investimento externo, pois a compra daquela sociedade, não seria mais do que um trunfo para credibilizar/valorizar os seus ativos e assim conseguir mais e melhores investidores” – alegação constante dos n.ºs 36 e 37 da PI.

v) O facto de a C...- C…, SA não ter conseguido concluir a sua candidatura ao referido concurso público, pelos motivos mencionados acima (vd. facto provado sub XVIII), fez com que, “por um lado não tivesse gerado o lucro espectável para distribuir pelos acionistas, designadamente à “C... – …, SGPS, S.A.”, e por outro lado não tivesse valorizado, o que impediu a sua principal acionista (“C... – …, SGPS, S.A.”) de captar investimentos externos, e consequentemente de liquidar a sua dívida para com os Requerentes” – alegações constantes dos n.ºs 42 e 43 da PI.

 

c) Motivação da decisão da matéria de facto

 

14. A decisão sobre a factualidade dada como provada resultou do exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do procedimento administrativo tributário, bem como do reconhecimento de factos efetuado pelos Requerentes na PI, tudo conforme especificado nos pontos do probatório acima enunciados.

 

15. Quanto aos factos dados como não provados, refira-se preliminarmente que, como se escreveu no acórdão do TCA Norte de 12.2.2015, proc. n.º 00122/02-Coimbra (onde se invoca outra jurisprudência), “a prova não pode resultar de uma avaliação fragmentada, isolada, antes tem de se empreender uma ponderação global com todas as conexões e conjugação entre os meios de prova apresentados” – “o julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção”

Pois bem, os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Requerentes, D..., funcionário da C...- C…, SA desde 2003, como Diretor de Produção e Gestor de produtos relacionados com a iluminação, e L..., ROC das sociedades que fazem parte do grupo C..., devidamente analisados e conexionados nos termos de uma ponderação global, não permitem senão concluir pela não demonstração dos factos a que se reportam as alegações dos Requerentes acima indicadas no n.º 13, como se passa a explicitar.

 

16. Assim, quanto às alegações da definição pelo “Conselho de Administração” (sic) da C... - …, Lda de uma “nova estratégia para a sociedade”, de um “plano de crescimento definido para o grupo empresarial” (alínea i) dos factos não provados), e da conquista de um “grande negócio” que desse visibilidade à sociedade (alínea ii) dos factos não provados) como factor determinante da transformação societária realizada (alínea ii) dos factos não provados), comece-se por observar que os documentos n.ºs 6 e 13 apresentados a tal respeito pelos Requerentes se mostram insuficientes e inconsistentes para fundar tais asserções.

O doc. n.º 6 junto à PI é simplesmente o balancete geral de 2009 da sociedade  “C... – …, Lda”, pelo que nada evidencia quanto a um plano de crescimento ou a uma nova estratégia para a sociedade (naquilo que poderia depor quanto à quebra de vendas verificada em 2009 pela C... – …, Lda, a matéria já se encontra dada como provada no n.º XIII do probatório).

O doc. n.º 13, com que os Requerentes pretendem comprovar a “estratégia de crescimento” do grupo “sustentada em Investimentos Externos” e “o objetivo de alcançar um volume de negócios de 50 milhões de euros, em 2015”, para o que se aconselhava “a alteração do tipo societário das sociedades por quotas para sociedades anónimas, por uma questão de imagem de mercado” (cfr. n.ºs 29 e 31 da PI), é uma apresentação, alegadamente efetuada à Caixa Geral de Depósitos, com data de 29.11.2010. Deste modo, este elemento documental é posterior à data (Dezembro de 2009) em que, segundo configurado pelos Requerentes, tiveram lugar os atos de transformação societária da C... – …, Lda e de alienação de ações (cfr. os factos provados sub VII, VIII e XI), pelo que não possui préstimo para a comprovação das invocadas motivações na base da transformação societária. Destarte, este documento não contém qualquer referência à transformação societária da C... – …, Lda como elemento relevante e/ou significativo no âmbito do plano de crescimento ou da estratégia de investimento. Este documento também não dá qualquer destaque especial à iluminação pública (cfr. facto provado sub XVII), que é tratada em conjunto com outras soluções eco-eficientes que seriam desenvolvidas pelo grupo societário, o que impede corroborar a alegação de um grande negócio que desse visibilidade à sociedade e que conduzisse à necessidade de alteração da sua forma jurídica (alínea ii) dos factos não provados). Igualmente, neste doc. n.º 13 não é sequer feita menção à C... – G…, Lda como sociedade componente do grupo societário em causa (“Universo C...”) pela qual se captaria investimentos externos (cfr. alínea iv) dos factos não provados). Por fim, nele não se alude a investidores externos, mas simplesmente quanto a plano de investimentos a “Capitais Próprios Autofinanciamento: 5.841.584€” e “Capitais Alheios (Banco): Dívidas a Instituições de Crédito: 402.836€” e a “sistemas de incentivos à Investigação e Desenvolvimento Tecnológico” e “sistemas de incentivos à inovação”.

Acrescente-se que o Relatório Justificativo da Transformação (que constitui, de qualquer modo, documento elaborado pelos próprios Requerentes, como tal insuficiente para a demonstração da realidade das afirmações nele efetuadas) faz apenas menções genéricas sobre os motivos justificativos para a adoção da forma de sociedade anónima, sem indicação de elementos específicos e concretos determinativos da transformação societária da C... – …, Lda. (vd. o facto constante do n.º XII do probatório).

Neste âmbito, cabe também convocar os depoimentos das testemunhas, arroladas pelos Requerentes, D... e L.... Questionado o primeiro sobre se, nas reuniões com a Câmara Municipal de Coimbra em que participou, a questão da transformação societária tinha sido abordada, referiu que não[2]; questionado o segundo sobre “se houve algum investidor que exigisse esta transformação em sociedade anónima?”, declarou que: “Que exigisse, que exigisse não. Não tenho conhecimento que algum investidor exigisse a transformação em sociedade anónima”[3].

Nesta sequência, a alegação de que “as sociedades do grupo começaram a ser preparadas, ainda antes de 2009, para captar investimentos externos e consequentemente ceder capital social” (vd. alínea iii) dos factos não provados), para além de não mostrar qualquer sustentação consistente nos meios de prova produzidos[4], é incompatível com os factos provados.

Desde logo, importa destacar que, em sede de probatório, o único elemento a este propósito pertinente concerne à transformação em sociedade anónima da C... – P… S.A., NIF … (cfr. facto provado sub V), a qual, porém, ocorreu em 28.02.2007, o que, como nota a Requerida (vd. n.º 13 da resposta e n.º 21.3 das alegações), é efetuado em momento anterior ao ano em que se verificou a quebra do volume de negócios da C... – …, Lda (cfr. facto provado sub XIII) que seria, na alegação dos Requerentes, o factor determinativo da reorganização do grupo (vd. alínea i) dos factos não provados). Pelo contrário, o que o probatório evidencia é que, para além das operações, datadas do final de 2009, de transformação em sociedade anónima e subsequente venda das ações da C... – …, SA (cfr. factos provados n.ºs VII, VIII e XI), todas as alterações societárias verificadas em outras empresas do Grupo ocorreram anos depois, com a constituição em 16.09.2010 da E..., S.A. (cfr. facto provado sub XX), e, sobretudo, com a transformação societária da C...-G…, Lda em SGPS que apenas teve lugar em 31.10.2013 (cfr. facto provado n.º XIX), já depois da própria notificação aos Requerentes do projeto de aplicação da cláusula geral anti-abuso (cfr. facto provado n.º XXII).

Por isso, não foram convincentes, não permitindo fundar no Tribunal a convicção da realidade do afirmado, as declarações da testemunha E... quando apontou, para além da ausência de acréscimo de custos, como motivo da transformação da C... – …, Lda em sociedade anónima “uma questão de uniformização” (“todas as outras sociedades que entretanto foram sendo constituídas no seio do… digamos, do grupo, detidas pelos mesmos acionistas, já o foram enquanto sociedade anónima. (…) E, portanto, eu diria que para além da questão do custo, há aí também uma questão de uniformização, uma vez que todas as outras sociedades tidas pelos dois acionistas que controlam o grupo, digamos assim, eram também elas sociedades anónimas, sendo que todas elas eram de menor dimensão face à C…”; “isto fazia parte de um projeto alargado em que, digamos, se pretendia… tanto quanto eu entendo daquilo que aconteceu, se pretendia fazer o alinhamento de todas as sociedades, transformando todas as sociedades em sociedades anónimas e colocando-as por baixo de uma mesma mãe, digamos assim, que seria a SGPS”). Como se observa, a “uniformização” que justificaria a transformação societária datada de Dezembro de 2009 da C... – …, Lda efetivamente apenas se verificou em 2013 com a transformação em sociedade anónima gestora de participações sociais da C...-G…, Lda, precisamente a sociedade adquirente das participações na C... – …, SA, já depois da notificação dos Requerentes do projeto de aplicação da cláusula anti-abuso[5].

Este mesmo facto provado da transformação apenas em 2013 da sociedade C...- G…, Lda, que adquiriu as participações da C... – …, SA (cfr. factos provados sub VII, VIII, XI e XIX), conduziu a não ser dada como provada a alegação reportada na alínea iv) dos factos não provados. Acresce ainda a insuficiência da prova produzida pois as testemunhas D... e L... declararam nada saber sobre a matéria da alienação das ações por parte dos Requerentes[6].

Por outro lado, assumiu também relevo para as respostas negativas dadas nas alíneas i), ii) e v) dos factos não provados a circunstância de o concurso sobre iluminação pública da Câmara Municipal de Coimbra só ter sido lançado em Março de 2012 (cfr. facto provado n.º XVII), portanto, anos depois da operação de transformação em sociedade anónima da C... – …, Lda e da alienação das ações detidas nesta sociedade pelos Requerentes. Com efeito, pese embora a testemunha E… tenha falado em contactos e diligências junto da Câmara Municipal de Coimbra em 2009, o único elemento específico desenvolvido pela C...- C…, SA que apontou foi um “levantamento de todo o parque, das luminárias”, da “quantidade de luminárias” – “Sem a câmara nos ter solicitado o que quer que seja acerca disso. Mas nós sabíamos que se não fizéssemos esse levantamento nunca poderíamos propor à câmara porque não tínhamos dados…”. Deste modo, a aposta na área de iluminação pública com tecnologia LED e, em particular, na execução de obras de reparqueamento da iluminação pública exterior em Coimbra só se comprova no ano de 2012 e, mesmo aí, apenas nos termos de uma participação falhada no concurso aberto pela Câmara Municipal de Coimbra (cfr. factos provados sub XVII e XVIII), tudo, portanto, anos depois da concretização da operação de transformação em sociedade anónima da C... – …, Lda e da alienação de ações, que teria, na alegação dos Requerentes, como suporte justificativo a captação de investimentos externos para o efeito. A importância que os Requerentes alegam possuir a relação que se pretendia instituir com a Câmara Municipal de Coimbra para a substituição das luminárias de iluminação pública com lâmpadas de tecnologia LED (vd. alínea ii) e iv) dos factos dados como não provados) mostra-se, aliás, incompatível com a ligeireza verificada na submissão da proposta na plataforma Vortal pela falta de assinatura digital (cfr. o facto provado n.º XVIII).

Refira-se, ainda, no que concerne à alínea v) dos factos não provados, que não se mostrou conclusivo o depoimento testemunhal de D... apresentado a tal propósito, já que, quando interrogado sobre os motivos da não ocorrência dos investimentos externos, se limitou a declarar, em termos meramente opinativos e conjeturais, o seguinte: “não posso dizer porque é que o engenheiro […] tomou essa decisão, mas pelo que fomos falando e pelo decorrer do tempo, o concurso público teve um grande atraso”; “penso que tem a ver com o facto de termos ou não termos ganho o concurso e penso que seria uma mais valia a entrada de investidores depois do concurso ganho. Isto porque é mais fácil também, penso eu, negociar a entrada desses investidores”. Por seu lado, a testemunha E... limitou-se a declarar sobre o facto de não ter sido ainda paga a dívida do preço de aquisição das ações pela C...- G… que a “verdadeira motivação é que não há dinheiro para tirar para pagar”.

Por todos estes motivos, o Tribunal não considerou provadas as alegações acima indicadas nas alíneas i) a v) do n.º 13.

 

IV. Do Direito

 

A. Posição dos Requerentes

 

17. Para fundamentar, em termos de matéria de Direito, o seu pedido de declaração de ilegalidade da liquidação impugnada, os Requerentes alegam, no essencial, o seguinte na sua PI (e em que perseveram nas respetivas alegações):

a) A doutrina e a jurisprudência, de modo a facilitar a análise e a aplicabilidade da cláusula geral anti-abuso, tem decomposto o n.º 2 do art. 38.º da LGT em cinco elementos, respeitando quatro - meio, resultado, intelectual e normativo - aos requisitos de aplicação e o quinto (elemento sancionatório) à efetivação da cláusula (n.ºs 55 a 57 da PI);

b) No caso em apreço verificam-se, em relação aos identificados elementos, o seguinte: i) quanto ao elemento meio, a vantagem fiscal decorreu da transformação da sociedade por quotas "C...- …, Lda." em sociedade anónima, previamente à venda pelos Requerentes das participações societárias na aludida sociedade (n.º 60 da PI); ii) quanto ao elemento resultado, “se compararmos o negócio efetuado (venda de ações após transformação da sociedade em sociedade anónima) com o negócio equivalente de venda das quotas (que poderia ter sido feito sem a transformação prévia da sociedade), verificamos que aquele teve como resultado, a sujeição dessa venda a um regime fiscal mais vantajoso” pois “a prévia transformação da sociedade "C...- … Lda.” em sociedade anónima, teve como consequência que a mais-valia decorrente da venda das ações pelos Requerentes fosse excluída de tributação, nos termos do disposto no artigo 10.°, n.º 2 do Código do IRS, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.° 228/2002, de 31 de Outubro” (n.ºs 62 e 63 da PI).

c) Não estão, porém, verificados os demais elementos relativos à cláusula anti-abuso, porquanto, desde logo, não se encontra verificado o elemento intelectual, dado que “a transformação em sociedade anónima, da sociedade "C...- …, Lda.” tratou-se de um negócio jurídico inserido num vasto conjunto de atos e negócios jurídicos executados no âmbito de uma reorganização empresarial, que visava o crescimento do grupo” (n.º 66), “que visava a captação de investimento, que tem evidente justificação económica” (n.º 70 da PI), sendo que “a intenção de reestruturar o grupo “informal" de sociedades em que se insere a “C...- …, S.A.", manifestou-se através de outros atos, designadamente da transformação da “W… - …, Lda." em sociedade anónima, da constituição da “M... S.A. "e da transformação da “C...- G…, Lda." em SGPS, factos a que a Autoridade Tributária não atribuiu qualquer relevância” (n.º 68 da PI).

d) Do mesmo modo, não se encontra verificado o elemento normativo, pois “atenta a coexistência, até ao exercício de 2009, no ordenamento jurídico-tributário da tributação em sede de IRS dos ganhos decorrentes da venda de quotas com a não tributação em sede daquele imposto dos ganhos resultantes da venda de ações, parece não existir relativamente às mais-valias na venda de participações sociais, a intenção inequívoca de tributar” (n.º 80), e, assim, “a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, seguida da venda de ações sem sujeição a tributação não se trata de uma situação suscetível de aplicação da cláusula geral anti-abuso, uma vez que "se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações das quotas, deixa por tributar as mais-valias das ações ou as tributa com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por ações mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais (cfr. J.L SALDANHA SANCHES Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, página 182)” (n.º 81 da PI).

e) “no que se refere ao elemento sancionatório, atendendo a que a aplicação do mesmo depende da verificação cumulativa dos restantes elementos, a qual não ocorre no caso em análise, atenta a falta dos elementos intelectual e normativo, a Autoridade Tributária não poderia ter aplicado a cláusula geral anti-abuso, sob pena de violação do disposto no artigo 38.°, n.º 2 da LGT, o que determina a ilegalidade do despacho que admite a aplicação da mesma, bem como dos atos ora impugnados, decorrentes da aplicação da referida cláusula” (n.º 84).

 

B. Posição da Requerida

 

18. Pelo seu lado, a Requerida considera, na sua resposta (e reitera nas suas alegações), que “estão reunidos os pressupostos para aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no art. 38º do CPPT” (n.º 28 da resposta), para o que invoca o seguinte:

a) “Quanto ao elemento meio e resultado, os Requerentes aceitam que no caso em apreço se verificaram estes pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso, referentes à vantagem fiscal que não teria sido obtida sem aquela transformação societária prévia à referida alienação, uma vez que sem a prévia transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima os Requerentes não teriam auferido uma vantagem fiscal de € 713.170,00, correspondente ao imposto que incidiria sobre a alienação das suas quotas (10% sobre a mais valia obtida com a alienação pelo preço de € 7.189.200,00 referente a ações adquiridas pelo preço de € 57.500,00)”, já que “a venda daquela participação social em momento posterior ao da transformação societária sujeitou-a a um regime fiscal mais favorável ao poder beneficiar da exclusão tributária prevista no art. 10º, nº 2, alínea a) do CIRS, comparativamente com a tributação da mais-valia que seria apurada na venda das quotas da referida sociedade, sujeita à taxa especial de tributação autónoma de 10%, nos termos do nº 4 do art. 72º do CIRS, na redação do Decreto-Lei nº 192/2005, de 07/11” (n.ºs 31 e 32 da resposta).

b) Quanto ao elemento intelectual, que “pressupõe que a obtenção da vantagem fiscal tenha sido a principal motivação do contribuinte para a transformação societária em causa” (n.º 33 da resposta), e em que “cabe ao contribuinte comprovar, com um mínimo de razoabilidade, que as circunstâncias normalmente associadas a essa transformação se verificam também na situação em análise, de forma a poder concluir-se que a existir qualquer intenção fiscal esta afigura-se meramente secundária” (n.º 39 da resposta), verifica-se que “na situação em apreço não ocorreu qualquer daquelas circunstâncias susceptíveis de justificar as alegadas vantagens económicas associadas à reorganização empresarial, à procura de novos mercados e à captação de investimento, mantendo-se tudo como se não tivesse ocorrido a transformação societária, nem a posterior venda de ações” (n.º 40 da resposta).

c) “Em contrapartida, e no que respeita à motivação fiscal (...) a sua premência resulta especialmente revelada pelo seguinte”: i) “Os interesses particulares dos ora Requerentes, em sede de IRS, se sobreporem, de forma inequívoca, aos interesses das sociedades das quais são sócios gerentes”; ii) “Quanto ao momento da operação, também nenhuma vantagem económica justifica que a transformação tenha ocorrido num momento anterior à alienação das referidas participações sociais à C... – G…, Lda., até porque”: “esta sociedade não deixaria de efetuar a compra ainda que a forma societária permanecesse sob quotas, maxime por ser esse o seu próprio regime; (...) este negócio é um negócio celebrado consigo mesmo, estando os Requerentes simultaneamente na qualidade de alienantes e de representantes do adquirente (são ambos sócios e gerentes da C... – G…, Lda.); (...) o grupo familiar informal mantém-se, liderado pelos Requerentes” “[s]em prejuízo da criação de um passivo de mais de 7 milhões de euros na C... Lda. a seu favor” iii) “Mais, os Requerentes não identificam que investimentos externos foram captados pelo Grupo nem as cedências de capital social pretendidas, ocorridas antes e depois de 21/12/2009, o que não permite comprovar, por um lado, que a alteração societária estivesse efetivamente inserida na concretização de um plano do Grupo e, por outro, da sua oportunidade face ao momento em que ocorreu” (n.º 42 da resposta).

d) Quanto ao elemento normativo, importa concluir “se a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima motivada por razões essencialmente fiscais constitui um ato condenável face ao ordenamento jurídico tributário” (n.º 45). “Ora, na situação dos autos, a vantagem fiscal obtida decorre de uma transformação societária que em substância se encontra desprovida de qualquer justificação económica ou extra-fiscal” (n.º 49), pelo que “para efeitos do nº 2 do art. 38º da LGT a obtenção daquele resultado terá de ser considerado abusivo, uma vez que a intenção do legislador foi a de estimular o mercado de capitais e de contribuir para a sua consolidação, consistindo em atribuir um tratamento fiscal mais favorável às mais-valias não especulativas, ou seja, beneficiar os “ganhos de capital de longo prazo”, detidos por mais de 12 meses”, “sendo que em substância aquela transformação societária em causa não acompanhou o interesse público subjacente à criação daquela exclusão tributária”, antes “esse efeito foi “defraudado” uma vez que a alteração societária não acompanhou aquele interesse público mas, tão-somente, o interesse privado de obtenção de uma vantagem fiscal, o que, no contexto do ordenamento jurídico, se afigura contrário ao espírito da lei, sendo, por conseguinte, reprovável para efeitos de aplicação da CGAA” (n.ºs 50 a 52 da resposta).

e) “na análise ao elemento normativo de que depende a aplicação da CGAA quando a venda das participações sociais é precedida da sua transformação em sociedade anónima, importa verificar se aquela transformação societária correspondeu a uma efetiva transformação da realidade económica da sociedade, sem o que não se poderá concluir pela prossecução do interesse público subjacente à criação do correspondente tratamento fiscal mais favorável” (n.º 64). “Justamente, constata-se que a alienação de ações ora controvertida beneficiou de um regime fiscal de exclusão tributária sem que, na prática, a transformação societária correspondesse, ainda que minimamente, ao interesse público na criação de sociedades anónimas” (n.º 65). “É que, conforme sobejamente demonstrado, àquela nova roupagem jurídica não correspondeu qualquer alteração substancial traduzível numa nova realidade económica, inexistindo, por conseguinte, um novo modelo societário nos termos preconizados pelo legislador fiscal” (n.º 66), pelo que “a alteração meramente formal de modelo societário deve ser encarada como uma forma artificiosa de obtenção de uma vantagem fiscal” (n.º 67).

f) Adita ainda a Recorrida que: “a interpretação normativa do n.º 2 do artigo 38.º da LGT segundo a qual a ineficácia no âmbito tributário dos atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos à «obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios (…)» implica a necessária existência de uma absoluta intenção, do legislador, de tributar determinado facto tributário, tal não se verificando na situação de exclusão de tributação, in casu então prevista no artigos 10.º, n.º2 alínea a) do Código do IRS e a que se acede via (então) artigo 46.º, alínea b) do mesmo Código (através de transformação de sociedade em momento imediatamente anterior à venda), é inconstitucional, por violadora dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva, da legalidade e da indisponibilidade do crédito (cf. respetivamente, artigos 103.º, 13.º e 104.º da CRP)”.

 

C. Apreciação jurídica do Tribunal

 

19. A matéria controvertida nos presentes autos, como acima se delimitou, prende-se com verificar a presença na situação sub judice dos elementos de que o legislador fez depender a aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no n.º 2 do art. 38.º da Lei Geral Tributária (cfr. igualmente o disposto no art. 63.º do CPPT).

Como é sabido, determina o n.º 2 deste art. 38.º que: “São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”.

Esta disposição legal, na esteira do estudo de GUSTAVO LOPES COURINHA, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos para a sua Compreensão[7], tem sido correntemente objeto de uma aplicação em termos analíticos, centrada na deteção, na situação que esteja em apreciação, de cinco elementos, “correspondendo quatro deles aos requisitos de aplicação da CGAA e um à respetiva estatuição da norma” a saber, “a forma utilizada – elemento meio; a vantagem fiscal e a equivalência económica obtidas - elemento resultado; a motivação do contribuinte – elemento intelectual; a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida – elemento normativo; a efetivação da Cláusula – elemento sancionatório”, sendo que estes elementos “embora devam ser tratados autonomamente, pelo menos do ponto de vista doutrinal, não deixarão com frequência (...) de auxiliar-se mutuamente”, pois a “fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro”.

Na jurisprudência, pode convocar-se como exemplo da adoção deste esquema analítico, o leading case representado pelo acórdão de 15.02.2011 do TCA Sul, proferido no âmbito do processo n.º 04255/10, que acolheu o entendimento (já objeto da decisão de 1.ª instância) segundo o qual: “A previsão da norma em análise consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são: 1-O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos atos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 2-O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da atividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 3-O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos atos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal; 4-Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte atua com manifesto abuso das formas jurídicas (cfr. art°. 63, n° 2, do C.P.P. Tributário). Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos atos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal (...). O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão”.

Também a jurisprudência arbitral tributária deste CAAD se tem orientado por esta decomposição do art. 38.º, n.º 2 da LGT em cinco elementos, como se pode exemplificar pelos acórdãos proferidos nos processos 139/2013-T e 106/2014-T.

Pois bem, são precisamente estes elementos que presidem às posições apresentadas e à discussão desenvolvida pelas partes nos presentes autos, conforme resulta da descrição acima efetuada (n.ºs 17 e 18).

Em consequência, na apreciação subsequente, este Tribunal orientar-se-á igualmente pelo indicado esquema analítico, o qual, independentemente da sua valia dogmática, possui utilidade prática para o enquadramento na cláusula geral anti-abuso objeto do n.º 2 do art. 38.º da LGT destas operações de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas seguidas da alienação onerosa das ações.

Importa, porém, ter bem presente que o vetor decisivo na verificação da legitimidade da aplicação da cláusula geral anti-abuso é sempre a apreciação casuística das circunstâncias que estão presentes na situação fiscalmente relevante em julgamento. Como se escreve no citado acórdão do TCA Sul proferido no proc. n.º 04255/10 “a questão de determinar se algum expediente em particular é “puramente artificial” deve ser resolvida nos tribunais domésticos caso a caso”. Assim, o juízo sobre a resolução do litígio depende, de modo muito estreito, das circunstâncias fácticas em presença e dos contornos materiais da situação sub judice, pelo que cada julgamento exige uma abordagem específica em atenção à determinação do caso concreto, o que impede configurar soluções contraditórias já que não se está num campo em que, para decisão das controvérsias, operem critérios gerais de subsunção estrita das realidades a categorias jurídico-abstratas.

 

20. De qualquer modo, sem prejuízo desta advertência que explica a análise subsequente, vai-se recorrer aqui, como se disse, ao indicado esquema analítico de elementos de aplicação da cláusula anti-abuso, dado que é nele que as partes moldaram as suas posições e argumentos.

Ora, a este respeito, o que se encontra essencialmente em apreciação nos presentes autos, atendendo ao modo como as partes delimitaram os termos do litígio (vd. supra n.ºs 17 e 18), é a concretização em relação à situação sub judice dos elementos intelectual e normativo exigidos para a aplicação da cláusula anti-abuso.

Assim, não se controverte nos autos o “elemento resultado”, em que se trata de “demonstrar que o sujeito logrou, pelos seus atos (...), a verificação de uma certa vantagem fiscal e a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do ato normal tributado”[8]. De facto, como acima se citou (n.º 17), os Requerentes reconhecem, na PI (n.ºs 62 e 63), bem como nas alegações (n.º 52) que: “Quanto ao resultado, em si, comparando o negócio efetuado (venda das ações após transformação da C...- …, Lda. em sociedade anónima) com o negócio equivalente de venda das quotas (que seria feito sem a transformação prévia desta sociedade), não restam dúvidas que a opção realizada teve como resultado a aplicação do disposto no artigo 10.º, n.º 2 do Código do IRS, na redação do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, e que significou a obtenção de um regime fiscal mais vantajoso do que se tivesse mantido a forma jurídica da sociedade por quotas, caso em que o rendimento obtido seria considerado uma mais-valia, nos termos do disposto no artigo 72.º, n.º 4, do Código do IRS, na redação do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro”.

E, na verdade, é indubitável que a venda das participações sociais após a transformação da C... – …, Lda em sociedade anónima (cfr. factos provados sub VII, VIII e XI) envolveu uma manifesta vantagem fiscal, dada a exclusão de tributação nos termos do artigo 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, a qual não teria lugar em face da manutenção da forma jurídica de sociedade por quotas e subsequente venda das quotas, que determinaria, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, a tributação do correspondente rendimento de mais-valias à taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4 do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro.

 

21. No que concerne ao elemento intelectual, que se prende com a motivação fiscal do contribuinte, no sentido de que os atos ou negócios jurídicos praticados foram essencial ou principalmente dirigidos à obtenção de uma vantagem fiscal, impõe-se concluir, em face da matéria fáctica dada como provada e como não provada, que se encontra preenchido tal elemento na situação sub judice.

Com efeito, não se demonstrou (cfr. os factos dados como não provados supra n.º 13) que a transformação societária da C... – …, Lda, em sociedade anónima, que possibilitou a alienação das ações à C... – G…, Lda (cfr. factos provados sub VII, VIII e XI) tenha ocorrido no contexto de uma reorganização empresarial que visava o crescimento do grupo informal liderado pelos próprios Requerentes em que a sociedade C... – …, Lda se inseria e à captação de investimento externo. A invocada “aposta na área de negócios dos sistemas eco-eficientes, baseados em eletrónica de potência e dos sistemas de iluminação eco-eficientes para a aplicação em infraestruturas de iluminação pública” só encontrou manifestação efetiva – e mesmo aí fracassada – em 2012 com o concurso público aberto pela Câmara Municipal de Coimbra (cfr. factos provados sub XVII e XVIII). Repare-se, também, que a própria alteração do objeto social da C... – C…, SA, para compreender a colocação no mercado e/ou colocação ao serviço ou instalação em obra de construção, de produtos elétricos e/ou eletrónicos eco-eficientes, só ocorreu em 2012 (vd. facto provado sub XVI; cfr. igualmente objeto social original indicado em I). Por outro lado, aquele que, na alegação dos Requerentes (cfr. aliás o facto dado como não provado na alínea iv) do n.º 13), seria seguramente um vetor decisivo para tal reorganização, já que se trata da própria sociedade adquirente das ações, a C... – G…, Lda só foi objeto de transformação em sociedade anónima gestora de participações sociais em 25 de setembro de 2013 (vd. facto provado sub XIX), como se disse (vd. supra n.º 16) já depois da própria notificação aos Requerentes do projeto de aplicação da cláusula geral anti-abuso (cfr. facto provado n.º XXII). A transformação datada de Dezembro de 2009 da C... - …, Lda em sociedade anónima, em face dos factos provados e não provados, não se enquadrou, pois, em qualquer projeto de investimento ou de reorganização empresarial.

O que emerge, fulcralmente, dos factos provados é que os Requerentes procederam, com data de Dezembro de 2009, à transformação em sociedade anónima da C... - …, Lda. e à venda das respetivas ações à C... – G…, Lda (vd. factos provados sub VII, VIII e XI), que constituía, então, uma sociedade por quotas, detida pelos Requerentes, que tinha como objeto a compra e venda e gestão de imóveis (vd. facto provado n.º XIX), o que torna injustificável a necessidade, por razões de “imagem de mercado” e de reorganização, de adotar a estrutura jurídica de sociedade anónima, pois precisamente a sociedade que estaria destinada à abertura do seu capital a investidores externos, para tal detendo os ativos relevantes do grupo (vd. a alegação dada como não provada na alínea iv) do n.º 13), não consistia, afinal, senão numa sociedade por quotas, que passou, aliás, por força desta operação, a ter uma dívida significativa de €7.189.200,00, até à data não liquidada (vd. facto provado sub IX).

Nestes termos, não se comprovando as motivações “económicas” alegadas para a operação com data de Dezembro de 2009 de transformação em sociedade anónima da C... - …, Lda. e de venda das respetivas ações à C... – G…, Lda., in re ipsa fica manifesto o escopo essencialmente fiscal da operação. A aquisição da vantagem fiscal emerge, assim, como o fator determinante da operação, explicando e justificando ex se a resolução dos Requerentes à adoção da conduta sob exame.

É isto, na verdade, o que resulta dos factos provados (vd. factos provados sub VII, VIII, IX, X, XI e XIX), sendo certo que o apuramento da motivação fiscal se tem de fazer na base de factos objetivos concretamente apreensíveis, pois, na ausência de confissão expressa, só assim se podem detetar estados subjetivos. Ora, é imediata e direta a apreensão, com base num juízo de razoabilidade e de normalidade, a que, naturalmente, os Requerentes não eram alheios, do evidente ganho fiscal, em sede de não tributação do acréscimo patrimonial auferido, efetuado com a transformação societária da C... - …, Lda. em sociedade anónima e com a subsequente alienação das ações à C... – G…, Lda, sociedade também detida pelos Requerentes. No caso, esta motivação fiscal é mesmo particularmente patente porquanto, efetivamente, o registo da transformação societária da C... - …, Lda, de que, como é sabido, depende a respetiva oponibilidade a terceiros (cfr. art. 14.º do Código de Registo Comercial), apenas teve lugar em maio de 2010 (cfr. n.º XI do probatório), ou seja, entre a apresentação da Proposta de Lei 16/XI, que visou consagrar “a regra geral de tributação das mais-valias mobiliárias e a concomitante revogação do regime de exclusão de tributação atualmente vigente em sede de IRS” (publicada no DAR em 30.4.2010) e a Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, que concretizou a alteração do regime de tributação das mais-valias mobiliárias que constava da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, na anterior redação resultante do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de outubro.

Em suma, impõe-se reconhecer que a operação realizada pelos Requerentes de transformação da C... - …, Lda em sociedade anónima e de subsequente alienação das respectivas participações sociais à sociedade C... – G…, Lda, por eles controlada, possuiu como essencial ou principal motivação e objetivo a obtenção de vantagens fiscais – tratou-se aí, portanto, de atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos à eliminação de impostos que seriam devidos (art. 38.º, n.º 2 da LGT).

 

22. Cabe, seguidamente, destacar que, para além destes elementos, o que é absolutamente decisivo e, como tal, de indispensável verificação na situação em julgamento, é a deteção de uma atuação abusiva ou em fraus legis, portanto, nos termos da emaranhada formulação normativa constante do art. 38.º, n.º 2 da LGT, a adoção de “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas”. O ponto nodal da aplicação do disposto no art. 38.º, n.º 2 da LGT é, na verdade, a qualificação como abusiva ou fraudulenta da conduta ou operação (una ou plúrima) sob apreciação. Depara-se, por isso, com uma prática de evasão fiscal, com uma atuação extra legem de poupança fiscal, que se pretende contrariar por via da cláusula geral anti-abuso, quando “apesar de não haver uma violação direta da lei, verifica-se o exercício abusivo de um direito por parte do sujeito passivo ou a adoção por este de um comportamento em fraude à lei (fraus legis), isto é, um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal”[9].

Surge aqui o mencionado “elemento meio” de aplicação da cláusula anti-abuso que “corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i. e. o(s) atos(s) ou negócio(s) jurídicos(s) cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal” e que se afere pelo “nível de incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico-prático final do contribuinte, entre o fim para que é empregue concretamente essa forma adotada e a causa que lhe é própria”[10].

Singularmente, escreve-se na PI sobre este elemento meio, como acima se citou (n.º 17), o seguinte: “para a sua análise relevam os atos ou negócios jurídicos a que os contribuintes recorreram para obter uma vantagem fiscal” e “[n]o caso em apreço, a alegada vantagem fiscal decorreu da transformação da sociedade por quotas "C...-…, Lda." em sociedade anónima, previamente à venda pelos Requerentes das participações societárias na aludida sociedade” (n.ºs 59 e 60 da PI). Parece, assim, assumir-se a constatação in casu deste elemento. Todavia, nas alegações, os Requerentes, ao reportarem-se ao elemento meio, consignam, diferentemente, que “conforme decorre da prova produzida, a transformação em sociedade anónima trata-se de um ato racional e lógico inserido no âmbito de uma reorganização do grupo de sociedades liderado pelos Requerentes” pelo que “não se vislumbra, contrariamente ao que a Autoridade Tributária pretende fazer crer, a existência de meios artificiosos ou fraudulentos que justifiquem a aplicação da Cláusula Geral Anti-abuso” (n.ºs 72.º e 73.º das alegações).

Deve-se, pois, analisar aqui este elemento meio, em ordem à decisão sobre a legalidade da aplicação da cláusula anti-abuso.

Esta análise, diga-se imediatamente, em ordem à concretização do esquema analítico habitualmente adotado, e aqui também seguido, para a aplicação da cláusula anti-abuso (vd. acima n.º 19), tem, porém, que ser acompanhada, em simultâneo, da ponderação do dito elemento normativo, no qual se joga a “reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida”. Na verdade, é dogmaticamente insustentável pretender que, não obstante cumpridos todos os elementos meio, resultado e intelectual próprios da disposição anti-abuso, seria possível não se verificar o dito elemento normativo[11]. Só um ultrapassado e hoje inadmissível positivismo conceptualista poderia propiciar tal entendimento, do qual derivaria que se poderia reconhecer, ao mesmo tempo e sem contradição, a adoção pelo contribuinte de atos ou negócios jurídicos artificiosos, com abuso de formas jurídicas ou em fraude à lei, e a não reprovação ou aceitação dessa conduta pelo ordenamento jurídico. Deste modo, a autonomização do elemento normativo pode ser útil em ordem à explicitação destas matérias, mas dogmaticamente, para efeitos de resolução dos casos concretos, tem que se ter em conta que ele não é senão a destilação do segmento normativo do art. 38.º, n.º 2 da LGT que respeita aos “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas” em que se consubstancia, afinal, o elemento meio.

 

23. Remontando, agora, ao caso concreto sub judice, cuja determinação casuística, como se disse, é o elemento decisivo na aplicação da cláusula anti-abuso, impõe-se apurar, para concluir por uma prática abusiva, portanto, por uma operação realizada “por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas” como tal objeto de reprovação normativo-sistemática, por um lado, se se está perante uma montagem puramente artificial, desprovida de realidade económica, efetuada com o único fito de obter uma vantagem fiscal, e, por outro lado, se, apesar do respeito formal das condições previstas na regulação em causa, o objetivo pretendido por essa regulação não foi alcançado[12]. Estes dois elementos, com efeito, possibilitam verificar o carácter anómalo ou artificial do conjunto de atos ou negócios jurídicos praticados, em atenção à sua desconformidade com a realidade económica pressuposta em tais formas negociais, e a censura do ordenamento jurídico.

Pois bem, como já resulta do que acima se expôs (n.º 21), falecem inteiramente as justificações económicas empresariais apresentadas para a transformação da C...-…, Lda. em sociedade anónima. Tendo em atenção os factos dados como provados e como não provados (vd. supra n.ºs 12 e 13), não é possível reputar, como pretendem os Requerentes, que a transformação societária realizada constitui um ato racional e lógico inserido no âmbito de uma reorganização do grupo informal de sociedades, dado que tudo se limitou à transformação, datada de 2009, da sociedade por quotas C...-…, Lda. em sociedade anónima, para imediata alienação onerosa das ações, mas sem liquidação do correspondente preço, a uma outra sociedade por quotas detida pelos Requerentes, a C... – G…, Lda, a qual só veio a assumir a forma de sociedade anónima gestora de participações sociais após notificação para aplicação da cláusula anti-abuso. Não se verificou, com efeito, qualquer alteração na gestão e funcionamento da C... - …, pois manteve-se, então, a respetiva atividade, a administração pelos Requerentes, e não ocorreu a abertura do capital por entrada de investidores ou novos investimentos externos. Assim, o que se conclui é que a transformação da C... - …, Lda em sociedade anónima e a subsequente alienação das respetivas participações sociais à sociedade C... – G…, Lda, controlada pelos Requerentes, constituiu uma montagem artificial, alheia a um interesse empresarial ou económico, exclusivamente criada para evitar a tributação que seria devida pela alienação das partes sociais se essa transformação societária não tivesse ocorrido pela forma e com a data que os Requerentes lhe atribuíram.

No que concerne à reprovação normativo-sistemática da vantagem fiscal auferida, isso afere-se por força de uma comparação entre a configuração concreta da operação realizada e os desígnios do legislador subjacentes à norma de “exclusão tributária” então prevista na al. a) do n.º 2 do art. 10.º do CIRS. Com efeito, como esta norma possui uma finalidade bem marcada e claramente evidenciada pelo legislador, é essencial que a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima satisfaça a consistência própria e os interesses matérias subjacentes ao incentivo na adoção deste tipo societário, sob pena, precisamente, de tudo redundar num esquema puramente formal e artificioso por ausência do interesse económico e empresarial subjacente ao tratamento fiscal de favor em que redunda a exclusão tributária. Por outras palavras, para que possa ser considerado legítima e não abusiva a operação de transformação de uma sociedade em sociedade por ações em ordem ao aproveitamento da exclusão tributária objeto do então art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS é necessário que se tenha cumprido na situação em concreto o objetivo, o espírito e a teleologia subjacente à opção legislativa em causa nessa disposição[13].

Isto é, assim, porquanto, não obstante a sua configuração formal como “exclusão tributária” (explicável pelas condições legísticas a que se sujeitou a reforma da tributação do rendimento, com autonomização, no que aqui importa, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) em face do CIRS), a disposição constante do art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS não se justificava na estrutura normativa do imposto, mas constituía um benefício fiscal, como tal dirigido a prossecução de fins extra-fiscais (fundadamente ou não, não cabe aqui considerar) – cfr. art. 2.º, n.º 1 do EBF.

Consabidamente, como logo resultava do Preâmbulo do CIRS (n.º 12), esta regulação mais favorável das mais-valias mobiliárias de alienação de ações ajustava-se “em função do objetivo da política de desenvolvimento do mercado financeiro”, objetivo este que o legislador, depois de várias vicissitudes normativas, quis retomar com o Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de outubro, como resulta de, no Preâmbulo deste diploma, depois se referir que: “O regime de tributação dos rendimentos de mais-valias derivados da alienação onerosa de valores mobiliários, aquando da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi significativamente alterado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro”, se esclarecer que: “O presente decreto-lei vem dar execução à autorização concedida ao Governo pela Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, no sentido da reposição, no Código do IRS, das linhas essenciais do regime de tributação destes rendimentos (...) que vigoraram até à publicação da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro” – tudo isto, claro está, até à eliminação daquela disciplina de favor pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho.

Sucede que o tipo (doutrinal) de sociedade anónima (cfr. arts. 271.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais), que satisfaz esse objetivo de “desenvolvimento do mercado financeiro” são as “sociedades abertas” em oposição às “sociedades fechadas”: as primeiras são “especialmente abertas aos mercados de capitais, designadamente aos mercados de bolsa, onde colocam ações e onde os investidores e os sócios adquirem e alienam ações”, constituindo “sociedades de substrato pessoal em geral muito amplo, com muitas e muito disseminadas ações, potenciando que pequeno número de acionistas (“acionistas empresários”), muitas vezes com muito menos de metade das ações, formem estáveis “grupos de controlo” (“capital dirigente”, contraposto ao “capital de poupança” – acionistas poupadores, ocasionais e especuladores, que adquirem ações para participarem na divisão dos lucros anuais e/ou ganharem com o aumento do seu valor entre o momento da compra e o da venda, pouco ou nada participando na vida societária”, ao passo que as segundas “sociedades por ações que, sendo embora típico-legalmente abertas, são compostas por um só acionista (sociedades-filhas) ou por um reduzido número de sócios, muitas vezes unidos por laços de confiança ou familiares, e que, consequentemente, apresentam com frequência cláusulas estatutárias limitando a transmissibilidade das ações”[14].

Ora, é pertinente ter presente esta distinção em relação a situações de transformação em sociedade anónimas de sociedades por quotas assentes exclusivamente em motivos fiscais, porquanto ela permite conferir se efetivamente a transformação societária realizada atingiu as finalidades visadas pelo legislador com o regime de exclusão tributaria então constante do art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS ou se, afinal, não obstante a adoção da forma de sociedade anónima, tudo se passou como se permanecesse, na sua estrutura essencial, o tipo antecedente de sociedade por quotas, dirigindo-se simplesmente a transformação societária, pela subsequente alienação das ações, a obstar à tributação que seria devida sobre as mais-valias realizadas. Sendo este último o caso, tem que se reconhecer a consubstanciação de uma prática abusiva, pois, não obstante o respeito formal das condições previstas na regulação em causa, não foi alcançado o objetivo pretendido por essa regulação. Como observa com razão a Requerida na sua resposta (n.º 64): “na análise ao elemento normativo de que depende a aplicação da CGAA quanto a venda das participações sociais é precedida da sua transformação em sociedade anónima, importa verificar se aquela transformação societária correspondeu a uma efetiva transformação da realidade económica da sociedade, sem o que não se poderá concluir pela prossecução do interesse público subjacente à criação do correspondente tratamento fiscal mais favorável”. De facto, a transformação em sociedade anónima que justifica a aplicação da exclusão tributária objeto do art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS não se pode traduzir num simples efeito ótico, num puro trompe l’oeuil.

Pois bem, é isso que se deteta na transformação societária da C... - …, SA, pois, para além da adoção da estrutura de sociedade anónima ter sido acompanhada da alienação das ações à C... – G…, Lda, sociedade por quotas integrada no mesmo grupo, que, seria, afinal, na alegação dos Requerentes, onde se daria a abertura do capital social e não na sociedade transformada (cfr. o facto provado n.º XIX; vd. igualmente a alegação mencionada na alínea iv) dos factos não provados), observa-se que, na sua estruturação concreta (cfr. os estatutos sociais reportados no facto provado sub XI), a C... - …, SA continuou uma sociedade perfeitamente “fechada”, como o evidencia o facto de o seu Conselho de Administração ser constituído apenas por dois Administradores, justamente os Requerentes (cfr. art. 9.º dos estatutos sociais) e de se prever a limitação à transmissão das ações seja entre sócios seja para com terceiros, que fica dependente do consentimento da sociedade e de direito de preferência (art. 4.º dos estatutos sociais).

Em conclusão, a transformação societária da C... - …, Lda. em sociedade anónima e a subsequente alienação das ações à C... – G…, Lda, destinou-se unicamente à obtenção de uma vantagem fiscal sem observância da finalidade visada pela norma de “exclusão tributária” das mais-valias de ações, o que, pelo seu carácter artificial, com abuso das formas jurídicas, não pode deixar de implicar a reprovação normativo-sistemática e, consequentemente, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 38.º da LGT, a estatuição de ineficácia fiscal da transformação realizada.

 

24. A transformação da sociedade por quotas C...- …, Lda. em sociedade anónima e a consequente alienação das respetivas participações à sociedade C... – G…, Lda detida pelos Requerentes traduziu-se, pois, numa atuação de evitação fiscal abusiva.

Conclui-se, deste modo, pela legalidade da atuação da AT ao aplicar, no caso, a cláusula anti-abuso prevista pelo n.º 2 do art. 38.º da LGT, porquanto os Requerentes, com a transformação da sociedade por quotas C...-…, Lda. em sociedade anónima e com a subsequente alienação das respetivas participações à sociedade C... – G…, Lda, procederam à adoção de meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas em ordem exclusivamente à não tributação das mais-valias obtidas, o que não seria alcançado sem a realização daqueles atos na data configurada.

Improcede, pois, a presente ação arbitral.

 

V. Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)           Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter os atos tributários impugnados nos autos;

b)           Condenar os Requerentes nas custas do processo.

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de €811.603,95.

 

VII. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €11.475,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo dos Requerentes, dada a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de abril de 2015.

Os Árbitros

 

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

José Coutinho Pires

 

 

 

João Menezes Leitão

 

 



[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efetuadas.

[2] Para além deste elemento de intervenção pessoal, esta testemunha não mostrou ter conhecimento direto dos motivos da transformação em sociedade anónima da “C… – …, SA”, pois, depois de ter referido que: “Na altura estavam a concorrer a um concurso” e “deparámo-nos com a dificuldade em termos dinheiro para conseguir fazer a obra”, “pois era uma obra que envolvia muito dinheiro” e “por essa altura [2009] começou a falar-se sobre isso”, quando questionado sobre havia alguma exigência do concurso nessa natureza jurídica da sociedade, declarou que: “Não, não era uma exigência em concreto, era algo que se pretendia fazer e que ele [o Requerente] já tinha feito noutras empresas, na C…-P…” e quando questionado pelas razões de a sociedade anónima permitir o aparecimento do dinheiro necessário, declarou simplesmente, de modo genérico e opinativo, que: “Normalmente, consegue-se dar outra imagem (...) e a ideia que tenho é que é a maneira mais fácil, pelo menos mais certa, mais fácil pode não ser, mais certa para conseguir captar capital externo, outros investidores que queiram participar e ao mesmo tempo salvaguardar também a posição do próprio acionista em relação aos acionistas que entram de novo”, tendo concluído com as afirmações de que: “Não tenho mais ideia do que isso, do dinheiro...”; “É a noção que eu tenho, uma noção geral; mas o Eng. … nisso sempre foi muito fechado”.

[3] Refira-se que esta testemunha, interrogada sobre se tinha conhecimento de algum investidor que quisesse adquirir o grupo ou alguma sociedade, disse simplesmente o seguinte: “Tive conversas com o Engenheiro que me falava em interessados; um Fundo falava em entrar no Grupo, mas admito que não foi definido em concreto onde é que o investidor ia entrar, admito que o investidor quisesse entrar em todas as funções. Mas isto sou eu a fazer suposições”; “O Eng. não libertava muita informação. Sei que teve uma oferta mas não quis vender”.

[4] Nas páginas da carta, datada de 12.1.2009, do Advogado Dr. …, que se mostram juntas como doc. n.º 2 às alegações, respeitante à “organização da empresa C…-…, Lda e seu relacionamento com as demais empresas com quem partilha direção (C…-P…, SA, A…-…, SA e C…-G…, Lda)” não se encontra qualquer referência à transformação em sociedade anónima da C…- …, Lda., ao contrário do que os Requerentes consignam no n.º 41 das suas alegações (“já se equacionava a reestruturação do grupo, que passava pela transformação da C…- C… em sociedade anónima”).

[5] Inquirida sobre “a necessidade de transformar esta sociedade [C.. – …, Lda] em SA em 2009” e sobre a transformação da C…- G…, Lda em SGPS em 2013, já depois da notificação do projeto de aplicação da cláusula anti-abuso, esta testemunha declarou não saber as razões disso (“Isso não lhe sei dizer”).

[6]  Mencione-se, em especial, que a testemunha M..., interrogada sobre a medida em que as justificações que invocava podiam servir para explicar a venda das participações, referiu: “As justificações foram para a transformação; quanto à venda não sei”.

[7] GUSTAVO LOPES COURINHA, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos para a sua Compreensão, Almedina, Coimbra, 2004, p. 165.

[8] GUSTAVO LOPES COURINHA, ob. cit., p. 176.

[9] JÓNATAS E. M. MACHADO, PAULO NOGUEIRA DA COSTA, Curso de Direito Tributário, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 421.

[10] GUSTAVO LOPES COURINHA, ob. cit., pp. 165 e 166.

[11] Embora em termos não inteiramente claros, parece ser esta posição de GUSTAVO LOPES COURINHA, ob. cit., pp. 185 e segs., pois escreve naquela p. 185: “Sempre que fique apurado, em matéria de facto, que os atos ou negócios levados a cabo pelo contribuinte são abusivos, porque permitiram obter os resultados fiscal e não fiscal equivalente (com prevalência daquele) e foram a tal dirigidos, entra-se no âmbito do último dos requisitos, que configura já uma questão de Direito – o elemento normativo”.

[12] Recorre-se, aqui, como se depreende, às orientações desenvolvidas pelo Tribunal de Justiça sobre proibição das práticas abusivas (cfr., entre vários outros, os acórdãos de 14.12.2000, C-110/99, Emsland-Stärke, n.ºs 51 e segs.; de 21.2.2006, Halifax e o., C-255/02, n.ºs 74 e 75; de 12.9.2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C-196/04, n.°s 55 e 56; de 22.5.2008, Ampliscientifica e Amplifin, C‑162/07, n.° 28).

[13] Como escrevem, significativa e expressivamente, DIOGO LEITE DE CAMPOS e JOÃO COSTA ANDRADE, Autonomia contratual e Direito Tributário (A norma geral anti-elisão), Coimbra, Almedina, p. 34: “Suponha-se (...) que se transforma uma sociedade por quotas em sociedade anónima só para obter vantagens fiscais; sem haver vantagem societária. Tratar-se-á de um ato contra o “espírito” do direito das sociedades, contra a boa fé, sancionado pela proibição do abuso de direito”. Vd. igualmente assim DIOGO LEITE DE CAMPOS/SUSANA SOUTELINHO, Direito do Procedimento Tributário, Coimbra, Almedina, 2013, p. 46.

[14]  Cita-se COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. II, Das sociedades, 4.ª ed, Coimbra, Almedina, 2013, p. 71, que assinala que esta tipologia doutrinal, “para lá dos ganhos taxinómicos-didáticos, releva para a interpretação e integração da lei e dos estatutos sociais”.