Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 319/2018-T
Data da decisão: 2019-01-21  IRC  
Valor do pedido: € 742.211,39
Tema: IRC – Tributações Autónomas – Dedução de créditos fiscais de SIFIDE.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 06 de Julho de 2018, A... SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede na ..., ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designada “requerente”, enquanto sociedade dominante de Grupo (o Grupo Fiscal A...) sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), integrado pelas sociedades que enumera e identifica no cabeçalho da sua petição, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), bem assim dos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, visando: a declaração de ilegalidade e a anulação do indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada em 25 de Maio de 2017; a declaração de ilegalidade e anulação parcial da autoliquidação de IRC do Grupo Fiscal A... relativo ao exercício de 2014, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do benefício fiscal apurado no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”), no montante de € 742.211,39; ser-lhe reconhecido o direito ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados, até integral reembolso, desde 29 de Maio de 2015 quanto a € 490.405,40, e desde 1 de Setembro de 2015 quanto aos remanescentes € 251.805,99; subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso do mesmo montante e pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data.

 

  1. No dia 09-07-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 28-08-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 17-09-2018.

 

  1. No dia 16-10-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 08-11-2018, proferiu-se despacho pelo qual se dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, dado não estar requerida a produção prova para além da documental já integrada nos autos, inexistir matéria de excepção e vigorarem, no processo arbitral, os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado pelo art.º 21.º/1.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. Em 29 de Maio de 2015, a ora requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2014, tendo procedido à autoliquidação de tributação autónoma em IRC desse mesmo ano de 2014, no montante de € 742.211,39 (Doc. n.º 3, junto com a petição inicial).

 

  1. No cálculo do imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC, o sistema informático da AT assinala divergências (“erros”) que impedem que a requerente inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC deduzido, dentro das forças da colecta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de benefício fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do SIFIDE II.

 

  1. O montante de SIFIDE disponível no exercício de 2014 para utilização no final do exercício de 2014, já depois de subtraídos todos os consumos realizados até à data (até à última Modelo 22 apresentada) ascendia a € 6.056.394,71, conforme certificação acompanhada de Declarações da Comissão Certificadora do SIFIDE (Doc. n.º 6, junto com a P.I.).

 

  1. Montante que se mantinha disponível no final dos exercícios fiscais de 2015, de 2016 e de 2017, como é do conhecimento da AT, de acordo com as declarações Modelo 22 do Grupo Fiscal A... relativas aos exercícios desses anos (Doc. n.º 7, junto com a P.I. e Doc. avulso junto por requerimento, em 19-11-2018).

 

5- Encontram-se autuadas as declarações Modelo 22 individuais das sociedades do Grupo Fiscal da requerente (Doc. n.º 8, junto com a P.I).

 

6- A AT não apura nem apurou o lucro tributável no Grupo Fiscal A... e respectivas sociedades por métodos indirectos, tendo o mesmo sido apurado por via da apresentação da declaração Modelo 22 (Doc. n.º 3, junto com a P.I.).

 

7- As empresas integrantes do grupo fiscal na origem do SIFIDE não eram então (ou agora) entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições (Doc. n.º 9, junto com a P.I.).

 

8-   A declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC e respectiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à colecta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 (cfr. Doc. n.º 3), o SIFIDE ainda por deduzir à colecta de IRC.

 

9- Em 25 de Maio de 2017, a requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2014 (Doc n.º 4, junto com a P.I.).

 

10- A requerente foi legalmente notificada do indeferimento de tal reclamação, em 30 de Abril de 2018, por despacho do Senhor Director Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 20 de Abril de 2018 (Doc. n.º 5, junto com a P.I.).

 

11- A requerente pagou imposto de € 490.405,40 em 29 de Maio de 2015 (doc. 15 junto com a P.I.), tendo nesse exercício de 2014, feito pagamentos por conta de 304.389,00, como se alcança do campo 360 da declaração Modelo 22 (doc. 3 junto com a P.I.), não tendo sido reembolsada de qualquer quantia destes pagamentos.

 

12- Em 06 de Julho de 2018, a requerente apresentou o presente pedido de constituição do tribunal arbitral, sendo requerida a AT.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

B.1. – As posições das partes

 

1. A Requerente entende que o artigo 90.º, n.º 2 do Código do IRC (que prevê as deduções à colecta em IRC) abrange a colecta em IRC das tributações autónomas, pretendendo que lhe seja reconhecido o direito a deduzir os valores do benefício ao abrigo do SIFIDE à colecta produzida por tributações autónomas. Assim, aduz que deveria ter-lhe sido deferida a reclamação graciosa ante identificada e, consequentemente, reconhecida a ilegalidade do acto de autoliquidação supra identificado, que deverá ser anulado na parte que reflecte a não dedução à colecta do IRC, produzida pelas taxas de tributação autónoma, do benefício ao abrigo do SIFIDE, o que originou um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 742.211,39.

 

Para tanto, alega, em síntese:

            a) A conclusão de que a norma do Código do IRC que prevê as deduções à colecta em IRC (artigo 90.º, n.º 2) abrange a colecta em IRC das tributações autónomas, é uma exigência, em primeiro lugar, da própria letra da lei, tal como entendida pela própria AT e por avassaladora jurisprudência tributária: quer a AT, quer os tribunais arbitrais em dezenas de decisões arbitrais que deram razão à AT, entendem que a colecta da tributação autónoma em IRC é IRC, inclusive nos propósitos ou função que aquela serve (combate, através de tributação compensatória, a despesas e encargos de duvidosa empresarialidade, pelo menos na sua totalidade, mas não obstante deduzidas/os pelas empresas no apuramento do seu lucro tributável em IRC);

            b) E é também uma exigência do princípio da coerência e da interpretação sistemática: não se pode simultaneamente concluir (sem lei que, previamente, crie a dissonância) que quando o Código do IRC se refere à colecta do IRC no seu artigo 45.º, n.º 1, alínea a) (na redacção e numeração em vigor até 2013), aí se inclui a colecta da tributação autónoma em IRC e nuns artigos mais à frente (artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRC) concluir, em oposição, que a colecta do IRC não abrange a colecta da tributação autónoma em IRC;

            c) A natureza anti-abuso da tributação autónoma em IRC em nada é capaz de alterar esta conclusão. Não se pode, designadamente, pegar acriticamente no chavão “função anti-abuso da tributação autónoma em IRC”, para se negar a dedução de créditos fiscais em IRC a esta colecta, sem que se seja capaz de explicar por que razão o substituto do IRC de base (a tributação autónoma) haveria de ter um regime diferente para a sua colecta;

            d) Sendo a tributação autónoma IRC, porque visa atingir substitutivamente o rendimento real, não é pelo facto de ser deduzida a esta colecta da tributação autónoma em IRC um crédito por benefício fiscal (ou um pagamento por conta de IRC), que a tributação autónoma deixou de ser suportada. O imposto é suportado, o que há é paralelamente um crédito fiscal, adquirido por razões acolhidas pelo sistema fiscal, que opera por dedução à colecta do IRC. A colecta da tributação autónoma em IRC, sempre devida, é paga por acerto de contas com o crédito fiscal;

            e) Donde que a negação da dedução do SIFIDE à colecta em IRC das tributações autónomas viole as alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º; e desde 2014 passaram a ser as alíneas c) e d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC);

            f) O próprio regime do SIFIDE a propósito da previsão do benefício fiscal de dedução à colecta do IRC menciona “o montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC”;

            g) Relembra-se a identificação das (pelo menos) trinta e nove (39) decisões arbitrais produzidas até à data em que se concluiu pela natureza de IRC das tributações autónomas: processos n.ºs 187/2013-T, 209/2013-T, 210/2013 T, 246/2013-T, 255/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 292/2013-T, 298/13-T, 6/2014-T, 36/2014-T, 37/2014-T, 59/2014-T, 79/2014-T, 80/2014-T, 93/2014-T, 94/2014-T, 163/2014-T, 166/2014-T, 167/2014-T e 211/2014-T, 659/2014-T, 697/2014-T e 769/2014-T, 113/2015-T, 219/2015-T, 369/2015-T, 370/2015-T, 535/2015-T, 637/2015-T, 673/2015-T, 740/2015-T, 744/2015-T, 749/2015-T, 781/2015-T, 784/2015-T, 775/2015-T, 5/2016-T e 578/2016-T;

            h) Após a LOE 2016 em sede de benefícios fiscais continua a ser largamente maioritária a jurisprudência que afasta a pretensa imposição interpretativa (rectius, retroactiva) da LOE 2016 e continua a retirar (para factos tributários até 2015) o que dantes retirava nas normas sujeitas à sua interpretação;

            i) De parte alguma da LOE 2016 resulta identificada a norma que a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC visaria interpretar. O que constitui mais um forte sintoma de que se está perante uma novidade normativa, por oposição a visão interpretativa de norma velha;

            j) Quer o artigo 89.º, quer o artigo 90.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC, referem-se ao IRC, a todo o IRC (nenhuma ressalva fazem ou faziam), e ambos se inserem na mesma fase lógica da regulamentação da liquidação do IRC, pós obtenção da colecta primária (apurada de acordo com os antecedentes oitenta e oito artigos, onde se inclui o da tributação autónoma);

            k) Neste contexto (que é o real), como podem ambas as partes, 1 e 2, do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC (introduzido pela LOE 2016), serem simultaneamente interpretativas do que dispõem os artigos 89.º e 90.º do CIRC, em sentidos opostos? Como podem ser simultaneamente interpretativas (nos dizeres do artigo 135.º da LOE 2016) no sentido de que o IRC do artigo 89.º inclui também as tributações autónomas (parte 1 do n.º 21 do artigo 88.º), e no sentido oposto de que o IRC do artigo 90.º, pelo menos o do seu n.º 2, não inclui as tributações autónomas? Não podem, uma das duas prescrições, ou a da parte 1, ou a da parte 2, do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, não tem, e não tem necessariamente, por impossibilidade lógica, carácter interpretativo;

            l) Sabendo-se da esmagadora jurisprudência, acompanhada pela AT, no sentido da qualificação da colecta da tributação autónoma em IRC como possuindo a natureza de IRC, fácil é concluir que quem nesta dualidade de prescrições de sentido oposto tem natureza interpretativa é a parte 1. E que portanto, e necessariamente, a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC tem carácter inovatório (contra-corrente, no caso contra a inserção da colecta primária da tributação autónoma na colecta do IRC);

            m) Refira-se ainda que, uma norma como a introduzida pela LOE 2016 (o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC), que impede haja deduções à colecta sobre a colecta da tributação autónoma em IRC, é um dos tipos de norma que interfere com o quantum do imposto a pagar por referência ao facto tributário/exercício fiscal em concreto em causa. Pelo que, provocando aumento do imposto a pagar, como sucede, está sujeita à proibição de retroactividade prevista no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição;

            n) Julga-se ser de rejeitar que a LOE 2016 dite ao julgador como deverá ser julgada/interpretada a lei em vigor à data dos factos anteriores a 2016. Isto porque onde a Lei Fundamental proíbe que o legislador altere o passado normativo, não lhe é constitucionalmente admitido que o altere ditando à função soberana de julgar como deve ser entendido esse passado normativo. A proibição constitucional em causa não distingue entre mais imposto aplicável ao passado por força de lei dita interpretativa, e mais imposto aplicável por força de lei que tal não se arrogue;

            o) Ao excluir a interpretação oposta da lei antiga por quem de direito (os tribunais, no limite) que não gerava esse imposto, origina a lei nova, necessariamente (e outro não é o seu objectivo), imposto. Com o que a pretensão da sua aplicação ao passado viola também, necessariamente, a proibição constitucional de retroactividade em matéria de imposto. O aplicador da Constituição estará a escancarar a janela àquilo (proibição de retroactividade em matéria de imposto) a que a Constituição fechou a porta;

            p) Em matéria protegida pela proibição constitucional de retroactividade da lei, tem de ficar, por definição, reservada em exclusivo ao órgão de soberania independente que são os tribunais, a fixação do alcance da lei. Dito de outro modo, nestas matérias que beneficiam da protecção constitucional reforçada contra o poder legislativo que é a proibição de retroactividade das leis, é co-natural àquela protecção que o princípio da separação do poder legislativo face ao poder judicial tem de ser levado ao extremo de se impedir que o primeiro diga ao segundo como há-de interpretar a lei;

            q) Em suma, como se expressou no acórdão n.º 172/00 do Tribunal Constitucional, o reforço constitucional da protecção contra o poder legislativo que se contém na proibição de retroactividade das suas leis, é um reforço da segurança jurídica e da protecção da tutela da confiança que se não compagina com interferências no processo de aplicação da lei pelos órgãos nela investidos, o que afasta a admissibilidade de leis interpretativas nas matérias sob aquela protecção constitucional;

            r) Em conclusão, entende a requerente que a atribuição pelo artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) de natureza interpretativa também à parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, configura uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa;

            s) E por violação, também, do princípio da separação entre poderes legislativo e judicial e do princípio da independência do poder judicial, reforçados que são sempre que se esteja perante matéria sujeita à proibição constitucional de retroactividade de novas leis, em articulação com os artigos 2.º, 111.º, n.º 1, 203.º e 288.º, alíneas j) e m), todos da Constituição;

            t) Sobre isto já se pronunciou o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31 de Maio de 2017, que julgou inconstitucional a norma aqui em causa, e este juízo de inconstitucionalidade foi já reafirmado num outro processo, na decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 11/2018, confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018;

            u) Da mesma inconstitucionalidade padece a atribuição pelo artigo 233.ºda LOE 2018 (Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro) de natureza interpretativa, rectius retroactiva, ao aditamento ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, do segmento normativo “ainda que essas deduções resultem de legislação especial”, introduzido pela mesma LOE 2018 (pelo seu artigo 231.º);

            v) Num cenário em que, apesar de todos os argumentos expostos acima, se entenda não ser possível efectuar a dedução dos benefícios fiscais aos montantes devidos a título de tributações autónomas, argumentando-se que, apesar de na sua essência as tributações autónomas serem IRC, a sua liquidação não tem enquadramento na norma de liquidação do IRC consagrada no artigo 90.º do Código do IRC (o que apenas como mera hipótese teórica se concebe), então a requerente solicita, a título subsidiário, que seja anulada a autoliquidação do período de tributação de 2014 da requerente e respectivo Grupo Fiscal, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de a mesma ter sido liquidada e cobrada sem base legal para o efeito;

            w) A requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido, pelo que, declarada a ilegalidade da (auto)liquidação na parte aqui peticionada, a requerente tem direito não só ao respectivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da LGT e do artigo 137.º, n.º 6 do Código do IRC, a juros indemnizatórios calculados sobre os seguintes montantes e a partir das seguintes datas, até integral reembolso dos montante do imposto (tributações autónomas em sede de IRC) indevidamente pagos: juros sobre € 490.405,40 indevidamente pagos em 29 de Maio de 2015 (Doc. n.º 15), contados desde esta data, e juros sobre os remanescentes € 251.805,99, que deveriam ter sido reembolsados até 31 de Agosto de 2015 (Doc. n.º 3 e artigo 104.º, n.º 6, do CIRC), contados desde 1 de Setembro de 2015, num total de base de incidência dos juros de € 742.211,39;

            x) Acresce que o erro de que padece a (auto)liquidação contra a qual se reclama resulta de erro dos Serviços sobre os pressupostos de direito que condicionou informaticamente o preenchimento da declaração (Modelo 22) de autoliquidação, como supra se referiu, agravado ainda pelo indeferimento da reclamação graciosa (Doc. n.º 5).

 

2. Em plano diametralmente oposto, afirma a AT que permitir devaneios interpretativos que redundariam na admissibilidade de dedução de benefícios fiscais ou pagamento especial por conta à colecta das tributações autónomas – à semelhança daquilo que a lei permite à colecta do IRC – como pretende a Requerente, amputa inexoravelmente as tributações autónomas naquilo que foram os princípios e fins em que assentou a sua criação pelo legislador.

 

Sustenta a sua posição alegando, em suma:

            a) A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes. Num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código, i. e., tendo como base o lucro e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC;

            b) Donde resulta que o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto;

            c) O traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas;

            d) A posição defendida pela AT tem um apoio explícito no disposto no n.º 5 do art.º 90.º do CIRC – através do qual o legislador fornece uma indicação clara de que o montante do imposto liquidado, ao qual são efectuadas as deduções referidas no n.º 2 do mesmo artigo, não inclui o montante correspondente às tributações autónomas –, ao estatuir que as deduções que são imputadas aos sócios ou membros de entidades abrangidas pelo regime da transparência fiscal estabelecido no art.º6.º (entidades que estão sujeitas ao pagamento das tributações autónomas, por força do art.º12.º) são «deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo»;

            e) No que tange à dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º), quando se trata de benefícios ao investimento – como é o caso do SIFIDE -, tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois, quanto mais elevado foi o lucro/matéria colectável do IRC maior será a capacidade para efectuar a dedução. A não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir entre os objectivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria colectável e da colecta - o lucro;

            f) Compulsadas as normas que regiam o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (Lei n.° 55-A /2010, de 31 de Dezembro (artigo 133.°) a vigorar entre 2011 e 2015), vulgo SIFIDE, nas circunstâncias de tempo que relevam para os presente autos, verificamos que, segundo o artigo 4.º, os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos "aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência" e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de colecta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas «poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato»;

            g) Pois bem, a coleta a que se refere o artigo 90° quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria colectável que conste nessa liquidação/autoliquidação [cf. artigo 90.°, n.° 1, alínea a) do CIRC];

            h) Relativamente às tributações autónomas, reiterando que estas são apuradas de forma autónoma e distinta do apuramento processado nos termos do artigo 90° do CIRC, pertence ao plano das evidências que o mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.° do CIRC visa impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.°, se não introduzam entorses afectadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita '‘normal” do imposto não saia gorada;

            i) Duma interpretação teleológica e sistemática da lei resulta claro que o n.º 1 do artigo 90.º - que encerra o procedimento de liquidação – se aplica quer ao IRC quer às tributações autónomas. Já o n.º 2 do mesmo artigo – que encerra a forma de liquidação – reporta-se aos casos da matéria colectável referida no art.º 15.º do CIRC ou seja ao IRC;

            j) O legislador do regime do SIFIDE, ao fazer essa referência expressa ao montante apurado nos termos do artigo 90.° do Código do IRC, está a reportar-se à colecta de IRC propriamente dita para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas precisamente porque não entram no apuramento nem do lucro tributável, nem da matéria colectável, e, como consequência, não concorrem para o IRC liquidado;

            l) O resultado das tributações autónomas, apurado de forma autónoma/independente/separada não concorre para a colecta do IRC, pelo contrário, há-de acrescer ao IRC liquidado para efeitos de apuramento do valor a pagar ou a recuperar. Note-se a este propósito que são desde logo devidas tributações autónomas (agravadas) no caso de sujeitos passivos que apresentem prejuízos fiscais;

            m) Não é possível admitir a dedução de benefícios fiscais à colecta de tributação autónoma, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária. Admitir esta possibilidade leva a que um sujeito passivo pudesse efectuar a dedução a título de SIFIDE ou outros benefícios fiscais ao montante de tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas subvertendo por completo a função dessas tributações na prevenção ou evitação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados;

            n) Os benefícios fiscais são normas absolutamente excepcionais no sistema fiscal, na medida em que encerram uma derrogação ao princípio da igualdade tributária, resultante do artigo 13.º CRP. Só podem sobreviver portanto a um juízo de inconstitucionalidade se a derrogação que trazem ao princípio da igualdade se mostrar necessária, adequada e proporcionada à tutela dos fins extrafiscais em jogo;

            o) Admitir que os contribuintes de IRC possam neutralizar as taxas de tributação autónoma de que são devedores mobilizando benefícios fiscais como o SIFIDE redundaria em reconhecer que a promoção do investimento em ciência por parte das empresas deveria prevalecer sobre o princípio da igualdade tributária mesmo quando estão em causa pagamentos e operações que indiciam as mais graves práticas de planeamento abusivo e evasão fiscal;

            p) A interpretação da lei na qual se escora a Requerente degrada o princípio da igualdade tributária num princípio menor do sistema e permite que empresas que realizam despesas confidenciais, práticas remuneratórias evasivas ou operações com territórios offshore se furtem por inteiro às consequências que a lei lhes associa, desde que a sua actividade envolva despesas relevantes de investigação e desenvolvimento (I&D);

            q) O legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC com o conteúdo mencionado limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes. Acolheu, portanto, a única leitura possível em face do acervo constitucional aplicável às realidades aqui em jogo:

i. distinção entre as figuras da tributação autónoma e o IRC;

ii. aplicação do n.º 1 do artigo 90.º a ambas as realidades;

iii. aplicação do artigo 90.º n.º 2 unicamente ao IRC;

iv. remissão do regime do SIFIDE e restantes benefícios fiscais para o artigo 90.º refere-se aos montantes apurados no artigo 90.º n.º 2.

            r) Pelo que, permitir devaneios interpretativos que redundariam na admissibilidade de dedução de benefícios fiscais (ou pagamento especial por conta) cfr. já decidido exaustivamente pelo tribunal arbitral, entre outros nos processos n.º 113/2015-T; 535/2015-T; 639/2015-T; 535/2015-T; 670/2015-T; 722/2015-T; 736/2015-T; 745/2015-T; 746/2015-T; 750/2015-T; 751/2015-T; 752/2015-T; 767/2015-T; 769/2015-T; 780/2015-T; 781/2015-T; 784/2015-T; 784/2015-T; 174/2016-T todas elas corroborando a tese pugnada pela Requerida, à colecta das tributações autónomas – à semelhança daquilo que a lei permite à colecta do IRC – como pretende a Requerente, amputa inexoravelmente as tributações autónomas naquilo que foram os princípios e fins em que assentou a sua criação pelo legislador;

            s) Considerando a douta jurisprudência arbitral arvorada pela Requerente, interpretar o normativo vigente para as tributações autónomas no sentido que se propugna na falácia acolhida e defendida por aquela, mais não é do que, repise-se, uma interpretação ab-rogante travestida de impulso legiferante, podendo constituir, em última análise, uma violação ao princípio da separação de poderes;

            t) O Orçamento de Estado para 2016 aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, atribuindo ao mesmo com carácter interpretativo, onde:

«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.»;

            u) No que ao efeito interpretativo conferido pelo artigo 135.º constante da Lei do Orçamento de Estado para 2016, apelemos à boa jurisprudência exarada, entre inúmeros outros, nos processos arbitrais n.ºs 722/2015 –T CAAD; 727/2015 – T CAAD; 785/2016 T CAAD e, bem assim, no voto vencido lavrado pela insigne Conselheira Fernanda Maçãs no processo n.º 5/2016 T CAAD;

            w) Posto isto, resulta que o próprio efeito interpretativo conferido por aquela Lei seria, per si, desnecessário, porquanto, conforme se demonstrou, nenhuma outra interpretação seria passível de ser efectuada tendo em consideração a teleologia e hermenêutica jurídica das normas em apreço, como aliás resulta expressamente dos acórdãos supra citados, o que confere total legalidade, constitucionalidade e, acima de tudo, autenticidade aquele caracter interpretativo;

            v) Em face do exposto, e para dirimir de vez as interpretações divergentes que têm vindo a ser feitas pela jurisprudência a Lei n.º 114/2017 de 29 de dezembro (Orçamento de Estado para 2018), em concreto o seu art.º 233.º, o qual alterou o n.º 21 do art.º 88.º do CIRC e que dispõe que «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.», reafirmando-se a natureza interpretativa daquele preceito;

            x) As tributações autónomas, ao respaldo do que vem escorado na douta jurisprudência arbitral e na argumentação da AT, pese embora se tratar de uma colecta em IRC, distingue-se por incidir não sobre os lucros mas, antes sim, sobre despesas incorridas pelo sujeito passivo ou por terceiros que com ele tenham relações;

            z) As tributações autónomas, enquanto instrumento fiscal anti-abusivo, esvaziar-se-iam de qualquer conteúdo prático-tributário na eventualidade de se acolher a tese defendida pela Requerente;

            aa) A admissibilidade de uma interpretação desta estirpe permitiria uma inadmissível limitação da liberdade de conformação da iniciativa do legislador, que ao criar as tributações autónomas o fez com um propósito que pertence ao plano das evidências, i.e.,

a) a luta contra a evasão fiscal;

b) a intenção de tributar rendimento de terceiros cujo acréscimo de rendimento, de outra maneira, se subtrairia à tributação;

c) a penalização, pela via fiscal, do pagamento de rendimentos considerados excessivos face à conjuntura de crise económica de que, ainda hoje, existem resquícios.

            bb) É igualmente improcedente o argumento que tem vindo a ser esgrimido (V., Decisão no proc.º 740/2015-T) no sentido de que remeter o teor da expressão, contida na regulamentação do SIFIDE II aprovado pelo art.º 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (n.º 1 do Art.º 4.º): «… montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC e até à sua concorrência…», apenas para a colecta do IRC apurada com base na matéria colectável que tem origem no lucro significaria fazer uma interpretação restritiva das normas sobre benefícios fiscais e que o art.º 10.º do EBF não prevê explicitamente a possibilidade de interpretação restritiva;

            cc) Ainda que o art.º 10.º do EBF admita interpretação extensiva e proíba a analogia na interpretação das normas sobre benefícios fiscais, não proíbe o recurso à interpretação restritiva e, por isso mesmo, em situações objectivamente fundamentadas não está afastada a sua utilização, como acontece neste caso, dado que a interpretação restritiva até encontraria respaldo e plena justificação na preservação dos objectivos e da filosofia que subjazem aos benefícios fiscais ao investimento em geral e ao SIFIDE, RFAI e CFEI em particular, dados os efeitos perversos que podem ser alcançados com a possibilidade de dedução do crédito de imposto às colectas das tributações autónomas em IRC;

            dd) Refuta-se igualmente o argumento desenvolvido na Decisão Arbitral proferida no proc.º n.º 740/2015-T , segundo o qual a norma interpretativa do n.º 21 do art.º 88.º do Código do IRC, na parte em que se refere a «efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», “apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída” não pode ter relevância em matéria de dedução do SIFIDE, RFAI e CFEI porque tal constituiria uma interpretação restritiva do art.º 4.º do respectivo regime que consta de norma especial de um diploma avulso, como é o do SIFIDE II, e que «E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil)…», em primeiro lugar, porque a norma (art.º 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 Março) que atribui carácter interpretativo limita-se a fixar um entendimento que já tinha apoio na letra e na ratio da lei e, em segundo lugar, como assinalou NUNO SÁ GOMES as normas que regulam benefícios fiscais têm natureza excepcional e não natureza especial;

            ee) É igualmente de afastar o argumento de que a aplicação do disposto no n.º 21 do art.º 88.º ao SIFIDE, RFAI e CFEI não seria compaginável com o princípio constitucional da protecção da confiança, na medida em que este instrumento de benefício fiscal teve em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-01-2011 e 31-12-2015, o benefício obtido a contrapartida do comportamento desejado e incentivado, sendo certo que o legislador se limitou a acolher, clarificando-a, um entendimento que sempre teve aplicação pela generalidade dos contribuintes e que se extraía das disposições legais vigentes;

            ff) Assim seria, efectivamente, se o disposto no n.º 21 do art.º 88.º tivesse carácter inovador, o que como se viu não tem;

            gg) A liquidação em causa não provém de qualquer erro dos Serviços mas decorre directamente da aplicação da lei, pelo que não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.

 

B.2. APRECIAÇÃO

            Para que se perceba o quão exaustivamente as partes discutiram a questão ora em análise a profusão de argumentos que esgrimiram, fez-se a exposição integral dos argumentos de uma e outra.

            Chegou a altura de tomar uma decisão.

            Começamos por transcrever as normas aplicáveis do Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE) II, aprovado pelo artº. 133º. da Lei nº. 55-A/2010, de 31 de Dezembro:

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem: 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000. 

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do Artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior. 

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato. 

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano. 

6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000. 

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no Artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do Artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. 

Artigo 5.º

Condições 

Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o Artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições: 

a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos; 

b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.

 

Ora, resumindo as posições das partes, podemos dizer que para a requerente, a expressão “podem deduzir ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência”, significa o montante de IRC apurado com base no lucro tributável adicionado do montante de IRC apurado com base em tributações autónomas, sendo que ambos são pagos de uma só vez e ao mesmo tempo; para a requerida a mesma expressão significa apenas o montante de IRC apurado com base no lucro tributável.

            Com a introdução em 2011 do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDEII) que foi aprovado pelo citado artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2011) pretendeu-se, como referido no seu artº. 2º., apelar às empresas tendo em vista que as mesmas realizassem 'despesas de investigação', com vista à aquisição de novos conhecimentos científicos ou técnicos e 'despesas de desenvolvimento' através da exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de fabrico, assim prestando à comunidade empresarial e também a elas próprias servições que permitiriam aumentar a sua rentabilidade.

            No presente processo, a requerida entende que, com estes fundamentos pretenderia o legislador que apenas fossem deduzidos os custos do SIFIDE se e quando essas despesas originassem lucros tributáveis e só nessa medida é que os créditos fiscais por esses inventivos fiscais poderiam ser deduzidos.

            Porém, um ponto inicial a ter em conta é de que as tributações autónomas previstas no artº. 88º. do CIRC são impostos em sede de IRC, pois que se inserem quanto à sua liquidação e forma de pagamento neste imposto, na respectiva colecta, apenas tendo específicas bases de incidência e específicas taxas aplicáveis, que não desvirtuam a sua incidência em sede de IRC.

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere que os montantes em que se traduz o SIFIDE devem ser deduzidos apenas aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência e que, na falta ou insuficiência de colecta, apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato e que a colecta a que se refere o artigo 90.º, quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria colectável que conste da declaração em que se traduz essa liquidação, isto é, na autoliquidação, nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea a) do CIRC. Só que esta interpretação restritiva não tem um mínimo de correspondência verbal no texto da lei.

Desde logo, o argumento esgrimido pela AT de que o SIFIDE é deduzido, e apenas, à colecta assim apurada com base na matéria colectável, dado o disposto no artigo 5º, alínea a), da lei reguladora do SIFIDE, pois que as tributações autónomas são determinadas de forma autónoma e distinta do apuramento levado a efeito nos termos que decorrem do artigo 90.° do CIRC, tendo como consequência não haver dedução possível. Este entendimento baseia-se na circunstância de, contrariamente ao disposto no artigo 12.° e na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.°- A do CIRC, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 90.° inexiste qualquer referência a tributações autónomas, o que, desde logo, face à natureza dual do sistema, levanta fundadas objecções quanto à consideração do valor das tributações autónomas para efeitos das deduções previstas no n.º 2 do citado artigo 90.°. Por isso, conclui a requerida que seria contrário ao espírito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do artigo 90.° do CIRC, fosse retirado, ou pelo menos desvirtuado, às tributações autónomas o carácter anti-abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC.

Deste modo, a questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se os créditos fiscais que, no ano de 2014, foram reconhecidos à Requerente, em sede de SIFIDE, podem ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante colecta de IRC.

Convém referir desde já que as tributações autónomas previstas no CIRC (artigo 88.º do CIRC) e a colecta por elas proporcionada constitui colecta do imposto respectivo, estando sujeita à generalidade de normas previstas CIRC, que lhe é aplicável.

É que, quanto ao IRC, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Mas, a solução desta questão conceitual da natureza da colecta proveniente das tributações autónomas previstas no CIRC não permite resolver a questão de saber se os créditos provenientes do SIFIDE podem ser deduzidos a essa mesma colecta.

Na verdade, o diploma que aprovou o SIFIDE e cuja parte essencial acima transcrevemos, não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência». O n.º 3 do mesmo artigo confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Deste modo, a questão sub judice é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é «apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à colecta proveniente das tributações autónomas.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código.

Consequentemente, ele também se aplica à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90.º. As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável, assenta na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se preveem no Capítulo V do mesmo Código que são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

 Por isso, sendo para o artigo 90.º, inserido neste Capítulo V, que se remete no artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE, não se vê suporte legal para efectuar uma distinção entre a colecta proveniente das tributações autónomas e a restante colecta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável.

O facto de o artigo 5.º do SIFIDE afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, pois a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas determinada por métodos directos.

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas anti-abuso que assumem algumas tributações autónomas, uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente anti-abuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização. É que não pode considerar-se a dedução dos créditos fiscais derivados dos incentivos como SIFIDE II como qualquer forma de neutralizar essas normas relativas às tributações autónomas, em violação de qualquer suposto princípio da igualdade fiscal, mas antes como forma de dar plena e efectiva realização aos incentivos fiscais subjacentes ao SIFIDE II.

Até porque os investimentos em investigação e desenvolvimento podem demorar muitos anos a produzir lucros e a interpretação restritiva da AT é desmotivadora para as empresas aderirem a estes incentivos fiscais, pela incerteza de virem ou não a poder tirar proveito de tais investimentos.

Também não se vislumbra como possa ser relevante, para afastar a dedutibilidade do benefício à colecta global de IRC, a evolução histórica do CIRC, pois que ao tempo em que foi elaborado o SIFIDE, já existiam as tributações autónomas nos termos em que existem hoje e mesmo assim o artigo 4.º deste diploma que define a colecta relevante para aplicação da dedução do benefício fiscal limitou-se a consignar a possibilidade de “deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência”, sem excluir as tributação autónomas.

Por fim, também não se vê como pode, do facto referido pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua resposta, de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE ser «expressamente limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência» concluir-se que «o crédito fiscal só será dedutível caso haja lucro tributável», pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas. É certo que, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, as tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objeto de deduções. Mas, também é certo que, como está ínsito naquela afirmação, essas tributações autónomas apenas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às de aumento das receitas fiscais são, na perspectiva legislativa e como se referiu, de enorme importância, como se infere do facto de estes benefícios serem indicados como estando especialmente excluídos do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC, norma esta que visa claramente atrair as empresas para a investigação e desenvolvimento que o pais tanto carece.

Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas, atento o acordo com o FMI que determinou a sua intervenção no âmbito das finanças públicas.

Por isso, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

Neste sentido podem citar-se todos os acórdãos arbitrais referidos pelo requerente e ainda os acórdãos proferidos nos processos arbitrais 769/2014-T e 490/2017-T.

Um último argumento esgrimido pela requerida foi o aditamento de um nº. 21 ao artigo 88º do CIRC, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento para 2016), que dispõe o seguinte:

“21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

Por sua vez, o artº. 135º da mesma Lei estabeleceu que "a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos nº.s 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa".

Contudo, não obstante se tratar de lei que se proclamou como tendo natureza interpretativa, a sua aplicação ao caso em concreto implicaria a cobrança retroactiva de impostos, a qual é vedada pelo artigo 103º., nº 3, da Constituição da República Portuguesa. Efectivamente, nos termos do artº. 13º CC, a lei interpretativa é retroactiva, aplicando-se aos factos passados (facta praeterita) e apenas ressalvando os litígios já terminados (causae finitae). Ora, as leis fiscais apenas se podem aplicar para o futuro, atenta a consagração constitucional da proibição da irretroactividade da lei fiscal (artº. 103º, nº3, da Constituição). O artº. 12º, nº1, da Lei Geral Tributária determina consequentemente que "as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos".

Sublinhe-se, ainda, a respeito da aplicação desta norma, o que refere o Acórdão do CAAD nº 5/2016-T:

“A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento para 2016), aditou ao CIRC os n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º, tendo sido reconhecida pelo legislador natureza interpretativa às normas aí contidas.

O n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, prevê o seguinte:

«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado».

Da análise desta norma podemos retirar as seguintes conclusões:

i) Ela não altera o regime jurídico do SIFIDE nem do RFAI;

ii) Ela não tem por objeto a interpretação autêntica de normas contidas no SFIDE nem no RFAI;

iii) Mantém-se válida a previsão, contida no SIFIDE, das deduções “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”;

iv) Mantém-se válida a previsão, contida no RFAI, das deduções “à coleta de IRC”;

v) Não é alterada a natureza das “taxas de tributação autónoma”;

vi)  Não é alterado o procedimento e forma de liquidação;

vii) Passam a estar expressamente vedadas deduções ao montante de tributações autónomas apurado, o que não impede que sejam feitas deduções à coleta de IRC (que inclui o resultado das tributações autónomas) previstas no SIFIDE e no RFAI.

(…)

Deste modo, a norma contida no n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, à qual foi atribuída natureza interpretativa, não obsta a que sejam deduzidos à coleta de IRC (ou seja, à globalidade da coleta apurada por aplicação do artigo 90.º do CIRC) montantes ao abrigo do SIFIDE e do RFAI. Com efeito, o intérprete e aplicador da lei pode discordar das opções do legislador, o que não pode é alterar as soluções legislativas adotadas. Ora o legislador refere-se no RFAI à dedução “à coleta do IRC” e no SIFIDE refere-se à dedução “ao montante apurado nos termos do Artigo 90.º do Código do IRC”, o que, em ambos os casos, é manifestamente distinto de “dedução à matéria coletável de IRC”. O legislador poderia, quer no RFAI quer no SIFIE, ter adotado esta solução; a verdade é que não o fez, e não cabe ao intérprete corrigir a mão do legislador. Como afirma José de Oliveira Ascensão, «[p]or mais desejável que se apresente uma alteração do sistema normativo, essa alteração pertence às fontes de direito, não ao intérprete. Este capta o sentido da fonte como ele objectivamente se apresenta no momento actual, não lhe antepõe qualquer outro sentido. Razões ponderosas de segurança e de defesa contra o arbítrio alicerçam esta conclusão». Deste modo, para que as deduções previstas no RFAI e no SIFIDE deixem de ser feitas à coleta do IRC (para a qual concorrem também as tributações autónomas) o legislador, caso assim o entenda, deve alterar os regimes jurídicos especiais que as preveem.”

 

É também este o nosso entendimento, pelo que tudo quanto deixamos dito anteriormente sobre a dedutibilidade do créditos fiscais emergentes do SIFIDE se mantém, pois o diploma que rege estes incentivos ao investimento ficou intocado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento para 2016).

Face ao que se deixa exposto, se conclui que a autoliquidação de IRC do grupo fiscal requerente relativa ao exercício de 2014, na parte em que não foi efectuada dedução das quantias referentes ao SIFIDE ao montante de taxas de tributação autónoma, enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, o mesmo sucedendo com a decisão da reclamação graciosa, na parte em que não reconheceu essa ilegalidade.

 

 

B.3 DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Refere a este respeito, o artigo 43º, nº 1 da Lei Geral Tributária que são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Sendo que este direito é reconhecido em processo arbitral, por força do artigo 24º, nº 5 do RJAT.

Veja-se então se é possível entender pela existência de erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária.

Verifica-se, no caso em apreço, que a declaração de autoliquidação foi formulada pela própria Requerente e não directamente pela Autoridade Tributária, ora Requerida.

Contudo, é de ter em conta que a Requerente, na formulação da declaração em causa, se encontrou limitada pelos serviços informáticos através dos quais a declaração é formulada, serviços esses disponibilizados pela Autoridade Tributária, e em relação aos quais não pode a Requerente efectuar qualquer alteração.

Por outro lado, é também claro que, existindo recurso prévio por via administrativa, e tendo a Requerente já apresentado a respectiva explicação no que se reporta à impossibilidade informática de apresentar a declaração nos termos correctos, deveria a Autoridade Tributária ter corrigido o erro em causa, o que não fez, persistindo nos mesmos fundamentos.

Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do artº. 43º da LGT.

Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária que não é legalmente devida, entende-se que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 742.211,39, que serão contados desde 29-05-2015, quanto a € 490.405,40 pagos pela requerente e desde 1/9/2015, quanto aos remanescentes € 251.805,99, que deveriam ter sido reembolsados até 31 de Agosto de 2015, nos termos do artº. 104º., nº. 6 do CIRC, em ambos os casos até ao integral reembolso dessas mesmas quantias.

 

*

C. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, do Grupo Fiscal A..., relativas ao exercício de 2014, no que respeita ao montante de taxas de tributação autónoma em IRC de € 742.211,39, com a sua consequente anulação nesta parte, por ilegal afastamento da dedução à colecta das despesas de investimento feitas ao abrigo do programa SIFIDE II, com todas as consequências legais.

b) Consequentemente, anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo demandante, com fundamento em ilegalidade atento o decidido em a).

c) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir ao requerente os montantes de imposto indevidamente pago, sendo todas as quantias restituídas, acrescidas de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor de €742.211,39, que serão contados desde 29-05-2015, quanto a € 490.405,40 e desde 1/9/2015, quanto aos remanescentes € 251.805,99, até ao integral reembolso dessas mesmas quantias.

d) Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 742.211,39 (setecentos e quarenta e dois mil, duzentos e onze euros e trinta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 10.710,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Janeiro de 2019

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

vencido conforme declaração anexa

 

 

O Árbitro Vogal

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio Nora)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

Votei vencido na presente decisão porquanto, pelos argumentos constantes, entre outras, das decisões que fizeram vencimento nos processos arbitrais 34/2016T, 174/2016T, 122/2016T, 567/2016T, 587/2016T e 192/2017T, considero que o artigo 90.º/2 do CIRC, na redacção anterior à entrada em vigor da redacção dada pela Lei 7-A/2016, de 30 de Março, deve ser objecto de uma interpretação correctiva, limitando a sua abrangência ao IRC stricto sensu, excluindo, portanto, as tributações autónomas e mantendo assim o seu sentido original, que era aquele que o mesmo tinha antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.

Não está, assim, e desde logo, qualquer questão de interpretação retroactiva da redacção dada pela Lei 7-A/2016, de 30 de Março ao art.º 88.º/21 do CIRC.

Não contende com o entendimento exposto, julga-se, nem a natureza de IRC reconhecida às tributações autónomas na decisão que fez vencimento (conforme referido em várias sedes, as tributações autónomas deverão ser entendidas como integrando o IRC lato sensu, implicando todavia a sua própria natureza uma distinção relevante com o IRC tradicional, ou stricto sensu, incluindo na matéria sub iudice), nem considerações a respeito da interpretação correctiva, dado que, por um lado, aquela é admissível genericamente em direito fiscal (verificados, como se entende ser o caso, os respectivos pressupostos), e, por outro, não está em causa a aplicação da mesma a matéria de benefícios fiscais, mas à norma do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC aplicável.

A questão que se está a colocar, decorre – exclusivamente – da falta de perspectiva do legislador aquando da introdução das tributações autónomas no CIRC, que não permitiu que se apercebesse de todas as implicações de tal operação, o que levou a que, entre outros[1], o artigo 90.º/2 do CIRC se tivesse mantido inalterado e que a tenha que ser a jurisprudência a, casuisticamente, ir determinando as partes do regime do IRC que se  aplica às tributações autónomas[2].

De resto, a posição que fez vencimento sustenta a conclusão – totalmente avessa à presunção de um legislador razoável – de que será possível proceder-se às deduções previstas no artigo 90.º/2 do CIRC à colecta de tributações autónomas relativas a despesas não documentadas ou a pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal privilegiado, entre outras.

A estas duas questões, que a posição acolhida na decisão que fez vencimento não dá resposta, acrescenta-se uma outra – igualmente desconsiderada naquela – que é a de, entre as várias finalidades subjacentes às tributações autónomas, decorrentes, para além do mais, da sua heterogeneidade essencial, assomar a prevenção da fraude e evasão fiscais (notoriamente na tributação autónoma sobre despesas não documentadas e sobre pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal privilegiado), o que também não foi devidamente considerado.

Por fim, e como relevado já na decisão do processo 192/2017T, considero que a interpretação correctiva sugerida tem apoio na letra da lei, ao nível do disposto nos n.ºs 11 e 12 do artigo 88.º do CIRC aplicável, de onde, para além do mais e ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, se deverá retirar a conclusão, sob pena de total inutilidade do disposto naquele n.º 12, de que, por norma, não eram, pelo menos desde a entrada em vigor das referidas normas, já admissíveis deduções à colecta de tributações autónomas, ressalvados os casos especialmente previstos na lei, como acontece com esse referido n.º 12.

Assim, atenta a natureza e a teleologia próprias das tributações autónomas, tal como desenvolvido nas decisões arbitrais supra-citadas, bem como a evolução histórica da sua emergência no quadro do IRC, não tenho quaisquer dúvidas que aquela norma não foi criada, nem mantida, tendo em vista a sua aplicação às tributações autónomas, carecendo, por isso, de ver a sua letra interpretada correctivamente, no sentido acima apontado.

 

 

José Pedro Carvalho (Presidente - Vencido)

 

 



[1] O que levou à introdução de sucessivos remendos no regime do IRC, como acontece, p. ex., com os actuais artigos 12.º, 23.º-A/1/a), 117.º/6, 120.º/9, para além do artigo 88.º/21, introduzido pela referida Lei 7-A/2016, de 30 de Março.

[2] Cfr., p. ex. Acs. do STA de 12-04-2012, proferido no processo 077/12 (aplicação das tributações autónomas a entidades isentas de IRC), e de 06-04-2016, proferido no processo 01613/15 (não dedutibilidade da colecta de tributações autónomas à colecta de IRC).