Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 321/2017-T
Data da decisão: 2017-12-07  IRS  
Valor do pedido: € 17.634,61
Tema: IRS - Compensação paga por revogação de contrato de trabalho - Antiguidade - ACT do Sector Bancário - Alínea b) do nº 4 do artigo 2º do Código do IRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

PARTES

 

Requerentes: A…, NIF … e B…, NIF …, residentes na Rua …, …, …, …-… …;

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)

 

I.                   RELATÓRIO

 

a)      Em 11-05-2017, os Requerentes, entregaram no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)      Os Requerentes pedem a anulação da liquidação (adicional) do IRS nº 2017…, de 13.01.2017, da qual resultou imposto a pagar por parte dos Requerentes no valor de €17.634,61, incluindo os juros compensatórios (dezassete mil seiscentos e trita e quatro euros e sessenta e um cêntimos), relativa ao ano de 2013. 

c)       Mais peticionam a condenação da AT no reembolso da importância paga, acrescida dos juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.

A CAUSA DE PEDIR

                                                                                    

d)      O Requerente marido, celebrou com a instituição bancária onde à data trabalhava, em 30 de Abril de 2013, um acordo de revogação do contrato de trabalho dependente, que celebrou em 22 de Setembro de 2008, onde se previa que a sua antiguidade seria reportada ao início da sua actividade no sector bancário, onde estava desde 1994.

e)      Na sequência da assinatura do acordo de revogação do contrato de trabalho, o Requerente marido recebeu uma compensação no valor de € 67.389,05.

f)       Em consonância com o contrato de trabalho, a instituição bancária, considerou 19 anos de antiguidade e face ao artigo 2º, número 4, alínea b) do CIRS, apenas considerou excluídos desta norma 14 552,90 euros, não efectuando a retenção na fonte de IRS, como rendimento da categoria A do IRS, sobre a parte remanescente.

g)      No entanto, a AT, em Abril de 2016, através de um procedimento de inspecção, veio concluir que o número de anos “multiplicador” a que se refere a alínea b) do nº 4 do artigo 2º do Código do IRS, não eram os 19 anos, mas sim o número de anos (ou fracção) em que o Requerente marido trabalhou na instituição de crédito que assumiu a posição de “entidade devedora”, daqui resultando a liquidação adicional aqui em dissonância.

h)        Considera que o cômputo da “antiguidade” relevante para apurar o multiplicador a que se alude na alínea b) do nº 4 do artigo 2º do Código do IRS será o que resulta do contrato de trabalho e do instrumento de regulação colectiva do sector bancário, tal como sufragado pelos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.05.2004 (processo 06002/01) e em Acórdão de 21 de Setembro de 2010.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

i)       O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 19-05-2017.

j)       Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 04-07-2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

k)      O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 21-07-2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

l)       Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 21-07-2017 que aqui se dá por reproduzida.

m)   Logo em 21-07-2017 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 03.10.2017. Juntou ainda o PA composto por 1 ficheiro digitalizado com 38 1/53 folhas e laudas escritas.

n)      Não se realizou a reunião de partes do artigo 18º do RJAT. As partes produziram alegações escritas, os Requerentes em 06.11.2017 e a Requerida em 15.11.2017, ambas pugnando pelo que já tinham referido em sede de pedido e de resposta, respectivamente.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

o)      Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

p)      Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos do inciso m) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD.

q)      Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto, não contestado, da data do pagamento do imposto aqui impugnado ter terminado em 01 de Março de 2017 e o pedido de pronúncia ter entrado no CAAD em 11 de Maio de 2017.

 

 

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DOS REQUERENTES

 

r)       Os Requerentes discordam da leitura da lei - alínea b) do nº 4 do artigo 2º do Código do IRS - que a AT adoptou em sede do procedimento de inspecção ao abrigo do artigo 46º do RCPIT, que culminou com a liquidação adicional de IRS de 2013, aqui em discussão.

s)      Refere textualmente que o Banco outorgante do acordo de revogação “... obrigou-se a pagar, e pagou, ao Requerente marido, a título de compensação pecuniária global devida pela cessação do contrato de trabalho a quantia de €67.389,05 (sessenta e sete mil, trezentos e oitenta e nove euros e cinco cêntimos), conforme Cláusula Segunda do Acordo de Revogação”. E que, por referência à mencionada compensação pecuniária de natureza global, estabeleceram as partes na Cláusula Décima Quarta, número 2, o seguinte: “tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17. a do ACT do Sector Bancário ("ACT) e atenta a interpretação sustentada nos acórdão oso Tribunal Central Administrativo Sul de II de Maio de 2004 (processo 06002/01) e, em especial, de 21 de Setembro de 2010 (Processo 03478/10), ambos os outorgantes reconhecem o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador pela contagem do seu tempo de serviço em entidades bancárias indicadas na referida cláusula do ACT, para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 2º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 108º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro”.

t)       E acrescenta: “Os Requerentes entendem, desde logo, que a própria letra da norma distingue os dois conceitos: por um lado, o conceito de antiguidade (incluindo a expressão: pelo número de anos ou fracção de antiguidade); por outro lado, o conceito de anos ao serviço do devedor: número de anos ou fracção (...) de exercício defunções na entidade devedora, nos demais casos.”

u)      E concluem: “significa que o legislador previu duas possibilidades: o valor isento de tributação é alcançado de uma de duas formas: a) Multiplicando-se a média das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas 12 meses anteriores à cessação do vínculo, pelo número de anos (ou fracção) de antiguidade; b) Multiplicando-se a média das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas 12 meses anteriores à cessação do vínculo, pelo número de anos (ou fracção) de exercício de funções na entidade devedora nos demais casos.”

v)      Termina pedindo que se declare como não tributável, a título de rendimentos do trabalho dependente, em sede de IRS, o valor de 56 273,35 euros, tendo em conta o vício de violação de lei que a liquidação adicional encerra, face à leitura que propugna das normas contidas no nº 4 do artigo 2º do Código do IRS.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

w)    Dissentindo do ponto de vista dos Requerentes, a Requerida propugna por outra leitura dos normativos em causa, expressando textualmente o seguinte:

·         “... entende a AT que a antiguidade a contabilizar, para efeitos do nº 4 do artigo 2º do CIRS, é a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação do contrato de trabalho, não sendo de ponderar, na aplicação do referido preceito legal, a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e a nova entidade patronal tenham acordado ser de considerar em eventuais futuras “indemnizações”, por contrato de trabalho ou que decorra de instrumentos de regulamentação colectiva”.

·         “O conceito de antiguidade – antiguidade per si, sem qualquer qualificativo – em sede laboral não comporta uma especial densidade científica que o afaste significativamente do sentido da linguagem corrente: traduzindo, tal como noutros contextos jurídicos, um intervalo juridicamente relevante, com efeitos diversos, entre um determinado termo inicial e um determinado termo final”.

·         “Apesar de os instrumentos de regulamentação colectiva – mas não apenas estes – aduzirem vários qualificativos à antiguidade laboral, a verdade é que o Código do Trabalho não define o que seja “antiguidade” nem apresenta uma qualificação unívoca dela, constatando-se, contudo, à saciedade, a prevalência da noção de “antiguidade na empresa”, incluindo em matéria de cessação do contrato de trabalho”.

·          “Conforme o artigo 339.º do Código do Trabalho de 2009 (artigo 383.º do Código do Trabalho de 2003), interpretando a expressão “indemnização” também como “compensação”, em matéria de cessação do contrato de trabalho podem os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho regular os critérios de definição de indemnizações (compensações) e os prazos de procedimento e de aviso prévio, podendo ainda regular os valores de indemnizações (compensações) mas, neste caso, dentro dos limites fixados no Código – matérias excluídas da disponibilidade das partes no contrato de trabalho”. “Da caducidade do contrato de trabalho, do despedimento por causas objectivas, da substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento ou da resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador – isto é, das situações que dão origem às referidas compensações ou indemnizações – tem de distinguir-se o acordo de distrate/revogação do contrato individual de trabalho, em que não está limitada a liberdade contratual e, assim, a autonomia negocial entre as partes, podendo estas acordar entre si contrapartidas pecuniárias várias pela cessação contratual, porventura traduzidas numa compensação pecuniária global que, não tendo de respeitar limites legais, está na inteira disponibilidade das partes”. E conclui:

·         “Analisando o conteúdo dos acordos colectivos de trabalho do sector bancário, que contém aquela clausula 17.ª (sob a epígrafe “Determinação da antiguidade”), importa concluir que, para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, tais instrumentos não incidem sobre as compensações/indemnizações por caducidade do contrato de trabalho, por despedimento por causas objectiva, por resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador ou por acordo de distrate/revogação do contrato de trabalho – matérias que, bem vistas as coisas, estão portanto arredadas dos efeitos normativos emergentes de tal cláusula 17.ª, tão simplesmente por não integrarem “todos os efeitos previstos” em tais instrumentos.”

x)      Refere o seguinte: “o problema jurídico objecto dos autos não se circunscreve a saber qual o conceito de antiguidade a atender na aplicação da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, á luz da estatuição do n.º 2 do artigo 11.º da LGT”, “bem pelo contrário, a questão prende-se com o facto de saber-se se aquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, enquanto detentora de um sentido próprio do conceito de “antiguidade na empresa” que se comprova existir, pode ser permeável a outras qualificações de antiguidade acordadas em instrumentos jurídicos de natureza negocial, bilaterais ou colectivos, que imponham à entidade devedora da prestação pecuniária referida nessa norma uma antiguidade maior do que a correspondente à duração da relação contratual outorgada por tal entidade”.

y)      E continua referindo: “Tendo presente que “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes (…) não vincula a administração tributária” de acordo com o n.º 4, do artigo 36.º da LGT – norma que abrange, naturalmente, por maioria de razão, as qualificações das partes incidentes sobre o objecto negocial -, a questão terá de obter a sua solução na integral interpretação jurídica de todo o normativo implicado pela expressão “número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora”, contida na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.”

z)      “Também a doutrina mais relevante sobre o tema, a propósito da antiguidade a considerar na aplicação do nº 4 do art. 2º do CIRS, entende que ““Não é oponível à administração fiscal o clausulado ACTV sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando à garantia dos benefícios inerentes à antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjectiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do art.º. 2.º, uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual o tempo de antiguidade relevante é, tão só, o tempo de antiguidade “adquirido” na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação”. (Fiscalidade 13/14, Manuel Faustino e Outros, “Sobre o sentido e alcance da nova redacção do artigo 2º, nº 4 do CIRS)”.

aa)  Dissentindo ainda do sentido propugnado nos acórdãos do TCAS invocados pelos Requerentes, aduz a Requerida a “anotação que, pela sua fundamentação, merece ser aqui destacada (cfr. Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS), de Cláudia Reis Duarte e Filipe Fraústo da Silva em Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012)”.

bb)  Entende que a jurisprudência do TCAS invocada pelo Requerente merece ainda outro reparo quando “sem mais, estende a noção de “antiguidade” do trabalhador bancário ao estabelecido no ACT”, referindo textualmente a propósito da cláusula 2ª do ACT do Sector Bancário então vigente:

·         “Para que o aludido ACT possa ser aplicável, é necessário que o trabalhador em causa seja filiado num dos aludidos sindicatos e que a instituição de crédito seja subscritora do aludido Acordo”.

·         “Acontece que, no caso concreto, o Requerente não provou, nem tão pouco alegou, a sua filiação a qualquer dos mencionados sindicatos, o que, só por si, é motivo excludente da invocação da cláusula 17ª do ACT”.

bb)  Propugna pela improcedência do pedido, com a sua absolvição, considerando a inexistência de qualquer desconformidade com a lei, no que alude aos actos aqui em causa.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Apreciar-se-á se a liquidação em causa padece de alguma ilegalidade que obste à sua manutenção na ordem jurídica.

 

Cumpre referir que muita da matéria aduzida pela Requerida em sede de resposta e que se reproduziu em no Relatório supra, não consta da fundamentação da decisão adoptada que levou ao apuramento da liquidação adicional de IRS, como se pode retirar da leitura dos factos provados e não provados (parte III desta decisão), onde será expressa a fundamentação do relatório de inspecção que esteve na origem na liquidação aqui em discussão.

 

E como tal o TAS poderia nem se pronunciar sobre essa temática, que abordará por mera cautela.

 

É consabido que tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido, não pode ser depois aduzido em sede de pleiteio, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vidé acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

 

Há ainda que observar que o TAS só pode decidir segundo “o direito constituído” conforme nº 2 do artigo 2º do RJAT. Nesta linha de pensamento, terá que se ter em conta a existência de acórdãos do TCA sobre o mérito da questão de fundo, sob pena de se sujeitar esta decisão ao recurso do nº 2 do artigo 25º do RJAT.

 

III.             MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, de resto não contestados pelas partes, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

Factos provados

 

1)                 Em 10 de Novembro de 2016, na sequência de um procedimento de inspecção realizado em 2016, ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI2016…, emitida na Direção de Finanças do Porto, veio a AT notificar os Requerentes de um projecto de correcções do relatório de inspecção, quanto ao IRS de 2013, quanto à matéria colectável, com o seguinte teor:

- Conforme artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral (ppa); artigo 1º da resposta; documento nº 2 junto com o ppa e página 7 do PA junto com a resposta.

2)                 Em 25 de Novembro de 2016 os Requerentes exerceram o direito de audição prévia e em 03 de Janeiro de 2017 receberam o relatório e conclusões finais, tendo recebido, sequentemente em 13 de Janeiro de 2017 a demonstração de liquidação (adicional) do IRS nº 2017…, de 13.01.2017, da qual resultou imposto a pagar no valor de €17.634,61, incluindo os juros compensatórios (dezassete mil seiscentos e trita e quatro euros e sessenta e um cêntimos) – conforme artigos 9º a 11º do ppa e documentos nºs 1, 3 e 4 juntos com o ppa.

3)                 Consta da fundamentação do relatório da inspecção tributária acima referido, notificado aos Requerentes em 03 de Janeiro de 2017, o seguinte:

“Ordem de serviço de âmbito parcial — IRS ao exercício de 2013

1-No decurso de um procedimento de inspeção efetuado à empresa C…, NIPC: …, verificou-se que no ano em questão em sede de IRS foram detetadas irregularidades designadamente com o pagamento de indemnizações devido a processos de redução de efetivos por reestruturação do banco que se passa a descrever:

1.1 - A entidade bancária, em 2013, rescindiu o contrato de trabalho com o seu colaborador A… tendo acordado o pagamento de uma indemnização no montante de 67.389,05 €

1.2 - Da análise efetuada aos documentos apresentados pela instituição de Crédito, para comprovar a antiguidade da colaboradora, verificou-se que o C… considerou para a contagem de antiguidade o tempo de serviço prestado em toda a atividade bancária, ou seja, incluindo a antiguidade obtida em anterior entidade patronal.

2 - Nos termos do nº 4 do artigo 2º do Código do IRS, ficam sempre sujeitas a tributação as importâncias auferidas "...na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com caráter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora ...”

3 - De acordo com a informação vinculativa de Outubro de 2010 (Procº …/10), a lei fiscal exige que a antiguidade a contabilizar seja a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação de contrato de trabalho. não sendo de ponderar, na aplicação do nº 4 do artigo 2º do Código do IRS, a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e nova entidade patronal tenham acordado ser de considera-la em eventuais futuras indemnizações.

...

Da consulta às aplicações informáticas da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), constatou-se que os sujeitos passivos em análise apresentaram a declaração rendimentos modelo 3 do IRS do ano de 2013, conforme é estabelecido nos artigos 57º e 60º do Código do IRS, onde declararam, no anexo A da declaração modelo 3 de IRS as verbas abaixo mencionadas:

...

Do facto ocorrido e nos termos da legislação já anteriormente citada, considera-se que foi omisso no anexo A da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS do ano de 2013 a importância de 40,029100 € conforme a seguir se indica

...

...

Relativamente aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo, importa fundamentalmente perceber que os factos em apreciação, não são de carácter laboral, no qual se integram os argumentos descritos, mas sim de carácter tributário, cujo enquadramento não depende da vontade das partes.

Assim, não será o facto do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário, estabelecer um conceito de antiguidade, e a própria norma invocada (artigo 17º) estabelece que: "1. Para todos os efeitos previstos neste acordo" (sublinhado nosso), que o mesmo prevaleça sobre as normas tributárias nomeadamente quando na alínea b) do nº 4 do artigo 2º do CIRS, expressamente refere: “... número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora ...” (sublinhado nosso).

Atendendo à evolução do sector bancário, nas últimas décadas o direito laboral terá procurado salvaguardar os direitos dos trabalhadores, pelo que, em processo de recrutamento externo, em que determinado funcionário, aliciado por melhores condições, troca de entidade patronal, será normal e aceitável, que acorde com a nova entidade patronal que, para efeitos indemnizatórios, o conceito de antiguidade abranja todo o período de atividade do sector bancário.

Contudo aquela liberdade contratual não se poderá sobrepor a uma norma de tributação (geral e abstrata) cuja interpretação literal permite afirmar que a antiguidade prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2º do CIRS, é a antiguidade na entidade devedora

Admitindo o contrário, e na sequência de alterações da entidade patronal, por rescisão do contrato de trabalho, independente da origem na entidade patronal ou no funcionário, este poderia, e consequentemente não sujeitar a tributação, ser indemnizado pelos mesmos anos de antiguidade, situação que é salvaguardada, considerando o período em cada entidade devedora.

Relativamente à informação vinculativa referida (n.º 1818/10 de 10/10/2010): importa referir que a sua aplicação será apenas à situação que lhe deu origem, contudo aquela contraria a posição do sujeito passivo, porquanto refere que, "Exigindo a lei fiscal. específica e expressamente, que a antiguidade a contabilizar seja a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação de contrato de trabalho, não é de ponderar na aplicação do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e a nova entidade patronal tenham acordado ser de considerá-la em eventuais futuras "indemnizações"”

As próprias restrições de não sujeição do valor da indemnização, nomeadamente a decorrente da criação de novo vínculo, conforme prevê a parte final da alínea b) do n.º 4 e o n.º 5, ou do usufruto do mesmo benefício (não sujeição), conforme prevê o n.º 7, todos do artigo 2º do CIRS, permitem concluir pela impossibilidade de considerar que o espírito daquela norma consagre uma antiguidade correspondente a todo o período de atividade no sector bancário, como defende o sujeito passivo.

Estas restrições evidenciam, que a preocupação do legislador ao não sujeitar a tributação uma parte da indemnização recebida pela extinção de uma relação laboral, resultam numa compensação pelo eventual período subsequente, em o trabalhador não possuindo novo vínculo laboral se veja privado dos rendimentos do trabalho dependente, que o vínculo extinto lhe garantia e por isso as restrições referidas (n.º 5 e n.º 7 do artigo 2º do CIRS).

Este espírito é reforçado, quando se verifica que estas indemnizações só ocorrem, quando a extinção do vínculo laboral, resulta do interesse da entidade patronal, uma vez que quando se verifica por via de uma "transferência", ou seja por interesse do trabalhador, não existe qualquer indemnização, como aliás o sujeito passivo refere ter ocorrido, quando iniciou o seu vinculo laboral com o "C…”.

Face ao exposto não terá, como é o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, o legislador previsto enquadramentos similares (não sujeição) para situações distintas (extinção do vínculo por iniciativa da entidade patronal, com direito a indemnização ou por iniciativa do funcionário, sem direito a indemnização), o que se traduz, no caso em apreço em questionar a compensação, por via da não sujeição a tributação, de uma antiguidade noutras entidades, quando a extinção do vínculo naquelas ocorreu por iniciativa do funcionário.

Finalmente o sobre esta matéria se pronunciou a Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (DSIRS), cuja informação nº 415/2016, sancionada pela Sra. Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 21/03/2016, se suporta em parecer emitido pelo Centro de Estudos Fiscais (CEF)) o qual conclui:

...

“6 - Tudo a comprovar uma única e necessária conclusão final: a letra e o espírito da lei reclamam, sem margem de dúvida, que o inciso "número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora" seja juridicamente interpretado com o sentido seguinte: “número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções decorrentes, em qualquer destas situações, da duração do vínculo contratual com a entidade devedora.”

...

Face ao exposto, relativamente à importância auferida pelos trabalhadores do setor bancário, a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho, abrangidos pelo ACT, pagas pela última entidade, é aplicável a regra de exclusão prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2º do CIRS, tendo em consideração, para efeitos do respetivo cálculo, apenas o número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na última entidade devedora dos rendimentos,

De acordo com este entendimento é de manter a correcção inicialmente proposta no projeto de relatório endereçado ao sujeito passivo, à matéria coletável para efeitos IRS exercício de 2013 - no montante de 40.029,00€.”

- conforme folhas 38 a 41 do PA junto pela AT com a resposta.

4)                 Em 01 de Março de 2017 os Requerentes procederam ao pagamento do montante referido em 2) dos factos provados – conforme artigo 15º do ppa e documento nº 5 junto com o ppa.

5)                 Em 11-05-2017, os Requerentes entregaram no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

A norma objecto de discussão neste processo está contida no nº 4 do artigo 2º do Código do IRS, a saber (realçamos a parte específica da norma que é objecto de leitura dissonante e usamos a versão do Código que consta do site da AT):

 

“4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa colectiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação: (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

 

a). Pela sua totalidade, tratando-se de gestor público, administrador ou gerente de pessoa colectiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente; (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

 

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

 

Ou seja, em concreto, o segmento da norma que é objecto de dissídio é o multiplicador que a lei estabelece: “…número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos”.

 

A AT entende que este multiplicador é o número de anos de antiguidade na empresa, na entidade devedora, na entidade patronal que paga a indemnização e que surge como parte no acordo de revogação do contrato de trabalho com o trabalhador. Na prática entende que é sempre o número de anos de exercício de funções na entidade devedora (patronal) que revoga o contrato de trabalho, o multiplicador relevante.

 

O Requerente marido e ex-trabalhador dependente da entidade bancária entende que, à falta de definição na lei fiscal do que deve entender-se por “antiguidade”, por força do artigo 11º nº 2 da LGT, o que resulta do ACT do Sector Bancário e do próprio contrato que celebrou com a entidade bancária, mormente a cláusula 17ª do ACTV dos bancários, socorrendo-se de várias decisões do TCA Sul nesse sentido, deve atender-se à antiguidade que resulta do contrato de trabalho e do ACTV aplicável.

 

Em “Direito do Trabalho”, Pedro Romano Martinez, 2017 8ª Edição, página 423/424 refere-se: “A antiguidade do trabalhador encontra-se relacionada com vários aspectos. Em primeiro lugar, pode estar na dependência da duração do contrato de trabalho; neste caso, a antiguidade afere-se em função dos anos de serviço do trabalhador na empresa, como prescreve o nº 6 do artigo 112º do CT, desde o início do período experimental.

Pode distinguir-se a actividade na empresa, que corresponde aos anos de serviço junto do empregador; da antiguidade na actividade, indicando o número de anos que o trabalhador exerce certa actividade numa dada empresa; da antiguidade na categoria, representando o número de anos que o trabalhador tem naquela categoria. Se o trabalhador mudou de categoria, de posto de trabalho ou de actividade, a respectiva antiguidade não corresponderá à antiguidade na empresa.

A antiguidade pode ter consequências a vários níveis, cabendo destacar três aspectos.

 Primeiro, no que respeita à promoção do trabalhador, tanto no caso de promoções automáticas, ou mesmo, na hipótese de promoções acordadas, em que o empregador as propõe em função de um determinado número de anos de serviço.

Segundo, a nível retributivo, mesmo que a antiguidade não implique uma alteração na actividade, pode acarretar diferenças a nível salarial, nas chamadas diuturnidades, que consiste em parcelas que se acrescentam à remuneração, em função dos anos de serviço (artigo 262º nº 2 alínea a) do CT).

Terceiro, em matéria de despedimento. Em caso de despedimento, os anos de serviço são relevantes para determinar o montante da compensação ou da indemnização a que o trabalhador tem direito (conforme artigos 366º nº 1 e 391º nº 1 do CT,”

 

Ora, compulsando o ACTV dos bancários verifica-se que existem “promoções automáticas” e atribuição de “diuturnidades” além de outras situações onde releva a antiguidade. É natural que quem muda de instituição bancária, queira manter o seu nível de antiguidade, tendo em vista a progressão mais rápida na carreira e os aumentos salariais, por via das diuturnidades, que podem ocorrer por simples decorrência de uma maior antiguidade. Para além de uma melhor salvaguarda ao nível da compensação por despedimento por facto que lhe não seja imputável.

 

Podemos concluir, que no caso, o que foi acordado entre o banco e o Requerente marido, ao nível da cláusula contratual que estabeleceu que a sua antiguidade na empresa, seria equivalente à antiguidade no sector bancário, teve em vista acautelar vários aspectos relevantes da carreira profissional do contratado, perfeitamente sindicáveis, e não apenas estabelecer um regime de revogação do contrato que visasse um regime fiscal mais favorável.

 

 

 

O elemento literal da norma

 

O elemento literal da norma é sempre um elemento muito relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa.

 

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.

 

Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz).

 

“(...) há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador. Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente” (Hespanha).

 

Considera a AT que, tal como a norma está redigida, este segmento: “…número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos” deve ser lido da seguinte forma:

  • Número de anos ou fracção de antiguidade na entidade devedora (patronal);
  • Número de anos de exercício de funções na entidade devedora (patronal).

 

Muito embora sejam relevantes os comentários constantes da anotação ao acórdão do TCA sobre a antiguidade do sector bancário, parece-nos discutível que deva considerar-se que o legislador, atenta a forma como redigiu o texto da norma em causa, pretendesse que o conceito de “antiguidade” fosse apenas a obtida na entidade patronal (devedora) distratante.

 

S.m.o. com o raciocínio expendido pela AT, esvaziar-se-ia de conteúdo a norma, que ao conter a expressão “nos demais casos”, parece conduzir o intérprete à ideia de que aqui se estabelecem dois mecanismos diferentes para aferir, determinar, o multiplicador, conducentes a resultados diferenciados.

 

A leitura da lei defendida pela AT, parece conduzir, em termos práticos, a que o multiplicador seja sempre o mesmo, quer pelo critério da “antiguidade”, quer pelo critério dos anos de exercício de funções na entidade patronal que revoga o contrato de trabalho. E assim se interpretando a norma, estaremos perante resultados iguais para casos em que a lei parece prever mecanismos diferenciados.

 

Ou seja, para situações de direito e de facto diferentes é suposto que se estabeleçam soluções diferentes. E nesta linha de pensamento não parece dever falar-se de violação do princípio da igualdade material (isonomia) porque se trata de consagrar multiplicadores diferentes para expectativas diferenciadas, criadas com base em realidades jurídicas e factuais diferentes.

 

Este segmento da norma parece, assim, pretender considerar duas realidades distintas (com soluções diferenciadas) para apurar o multiplicador em causa: 

  •             Número de anos ou fracção de antiguidade (entendida esta em termos gerais, sem se adjectivar o tipo de antiguidade); ou
  • Número de anos ou fracção … de exercício de funções na entidade devedora.

 

É que a norma acrescenta a seguir à última expressão (ou exercício de funções na entidade devedora): “nos demais casos”, conduzindo à percepção de que contém dois mecanismos distintos para se obter o multiplicador, em alternativa, existindo desta feita, pelo menos, “dois” casos, distintos, contidos na previsão da norma. Que hão-de conduzir a resultados diferentes, seguindo os destinatários da norma o regime que concretamente lhes seja mais favorável.

 

Parece, pois, que esta leitura da lei (considerando a defendida pela AT) também é possível, face ao elemento literal da norma.

 

S.m.o. quando no estudo acima citado se refere (sublinhado nosso) “não é oponível à administração fiscal o clausulado do ACTV sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador”, afigura-se-nos que aqui não se trata de uma questão de oponibilidade de uma norma de fonte contratual à AT, mas tão-só e singelamente de interpretar a expressão “antiguidade”, através dos mecanismos que a lei fiscal prevê, ou seja, ex vi o artigo 11º nº 2 da LGT, socorrendo-se o intérprete da fonte de direito que melhor define esse conceito, no caso o ACT do sector bancário, por força do ordenamento jurídico-laboral concretamente aplicável ao caso. E, como acima se referiu, o termo “antiguidade” abrange um leque significativo de situações. Nada permitirá, ao intérprete, ter uma visão restritiva do significado abrangente, segundo o direito laboral, desta expressão.

 

Pode não se concordar com uma determinada leitura de uma norma, que a sua literalidade acolhe, mas estaremos apenas e só no âmbito da sua interpretação e no esforço de busca da leitura mais assertiva.

 

Por último e de forma determinante, as várias decisões citadas do TCA Sul são neste sentido (de relevar o conceito de antiguidade vertido no ACT dos bancários, quando se trata de trabalhadores desse sector e em revogações de contratos de trabalho), pelo que o TAS teria sempre que julgar segundo o “direito constituído”, devendo considerar-se a leitura da lei aí plasmada como a mais assertiva e geradora de segurança jurídica perante os cidadãos e os agentes económicos.

 

Tendo em conta a data de prolacção das decisões do TCA Sul em causa (2010, 2012 e 2013), se o legislador entendesse que a leitura da lei aí plasmada merecia reparo, já teria procedido à alteração ou correcção do texto da lei.

 

Há, no entanto, um aspecto que não pode deixar de se abordar. O trabalhador bancário quando ingressou na instituição bancária, provindo de outra, pode ter negociado uma saída por mútuo acordo e ter recebido uma indemnização pelo tempo de antiguidade que aí tinha. E não seria aceitável que, em momento ulterior, viesse a usar - outra vez - essa “antiguidade” para aumentar o multiplicador da compensação em caso de revogação do contrato de trabalho.

 

Em sede de instrução do procedimento do nº 2 do artigo 65º do Código do IRS, ou em sede de procedimento de inspecção, a AT pode socorrer-se dos registos das declarações IRS entregues de muitos anos anteriores e demais obrigações declarativas das entidades pagadoras. Pode obter-se informação específica junto, nomeadamente, da instituição bancária, a anterior e a actual, e ainda junto do contribuinte (princípio do inquisitório e princípio da colaboração).

 

Esta factualidade, poderia ser apurada, pela AT, em sede de instrução do procedimento a que acima se alude, obstando à aplicação da lei na leitura abrangente que aqui relevamos (caso se concluísse que existia uso indevido deste regime fiscal) através, nomeadamente, da aplicação da cláusula geral anti abuso do nº 2 do artigo 38º da LGT.

 

Âmbito pessoal da convenção colectiva versus princípio da filiação.

 

Muito embora esta fundamentação do acto recorrido não tenha sido produzida em sede própria – vidé factos provados – cumprirá referir algo sobre a matéria.

 

Alega a Requerida que “para que o aludido ACT possa ser aplicável, é necessário que o trabalhador em causa seja filiado num dos aludidos sindicatos e que a instituição de crédito seja subscritora do aludido Acordo”. “Acontece que, no caso concreto, o Requerente não provou, nem tão pouco alegou, a sua filiação a qualquer dos mencionados sindicatos, o que, só por si, é motivo excludente da invocação da cláusula 17ª do ACT”.

 

A ser assim, em sede de procedimento tendente a produzir a decisão nos termos do nº 2 do artigo 65º do Código do IRS ou do procedimento de inspecção, nada impedia a AT, no exercício dos poderes-deveres de que dispõe, de suscitar isso mesmo ao contribuinte, à ex-entidade patronal ou aos sindicatos que são parte do ACT.

 

Na declaração de IRS dos diversos anos é possível verificar se o trabalhador paga quotas a um sindicato. Depois a própria entidade bancária, em princípio, retém na fonte, desconta e paga ao Sindicato as quotizações dos seus trabalhadores, pelo que sempre poderia indicar qual o sindicato a que um certo trabalhador está adstrito, se lhe fosse solicitado.

 

Trata-se de factos que visam fundamentar uma decisão que deviam ser apurados antes da mesma ser adoptada.

 

Por outro lado, nada do que foi alegado pelas partes, nos leva a concluir que o Banco que pagou a compensação tenha tratado o Requerente marido de forma diversa dos demais trabalhadores que eventualmente tenham sido objecto de revogação do contrato de trabalho. Ou seja, será de presumir que ocorreu um comportamento geral e abstracto para todos os que haviam trabalhado em anteriores instituições bancárias.

 

O Banco ao aplicar as regras da cláusula 17º do ACT (que onerou os valores a pagar), indicia que ocorreu a aplicação do ACT em causa. E se não existisse filiação/vinculação do trabalhador distratante a um Sindicato, certamente o Banco seria o primeiro a ter interesse nesse desiderato, porque lhe reduziria o montante a pagar.

 

Mesmo que assim não fosse, percute-se, sempre esta matéria corporizará fundamentação do acto impugnado, aduzida a posteriori, que o Tribunal não pode ter em conta.

 

Pelo que, face ao exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral.

 

Pedido de condenação da AT no reembolso dos montantes pagos e no pagamento de juros indemnizatórios

 

Provou-se em 4. da matéria de facto assente que em 01.03.2017 os Requerentes pagaram o montante do IRS e juros que aqui vieram impugnar.

 

Anulando-se, como se vai anular, as liquidações adicionais aqui impugnadas de IRS e juros, por estarem em desconformidade com a lei, resulta que os Requerentes têm direito ao reembolso do montante pago a mais.

 

Pedem ainda a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da anulação das liquidações (IRS e juros) a que se vai proceder, há lugar a reembolso do imposto e juros pagos a mais, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a. Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b. Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c. Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

 

A ilegalidade das liquidações adicionais é imputável à Administração Tributária, que as emitiu com base em pressupostos de direito que não se verificavam: uma leitura da alínea b) do nº 4 do artigo 2º do Código do IRS que se configura como sendo restritiva, face à previsão da norma, na leitura acima propugnada.

 

No presente caso é de aplicar o regime do nº1 do artigo 43º da LGT.

 

Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde 01.03.2017, data do seu pagamento, quanto à quantia paga a mais de 17 634,61 euros.

 

Os juros indemnizatórios são devidos sobre a referida quantia, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data acima indicada e até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

 

·         Julga-se procedente o pedido de anulação da liquidação (adicional) do IRS nº 2017…, de 13.01.2017, da qual resultou imposto a pagar por parte dos Requerentes no valor de €17.634,61, incluindo os juros compensatórios (dezassete mil seiscentos e trita e quatro euros e sessenta e um cêntimos), relativa ao ano de 2013, anulando-se os actos de liquidação, por desconformidade com a alínea b) do nº 4 do artigo 2º do Código do IRS

·         Julgam-se ainda procedentes os pedidos de reembolso de 17 634,61 euros e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre este montante, desde 01.03.2017, até emissão da respectiva nota de crédito.

 

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 17 634,61euros, dada a anuência tácita na AT ao valor da utilidade declarado pelo Requerente no registo do pedido no SGP.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 224,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 07 de Dezembro de 2017

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.