Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 32/2022-T
Data da decisão: 2023-01-10  IMI  
Valor do pedido: € 209.660,52
Tema: IMI - Terrenos para construção. Revisão oficiosa do ato tributário. Determinação do VPT.
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SUMÁRIO:

I. O tribunal arbitral é materialmente competente para apreciação da legalidade do ato de liquidação de tributo que tenha sido objeto de pedido de revisão oficiosa, interposto ao abrigo do artigo 78.º n.º1 da LGT, indeferido tacitamente.

II. A errónea fixação de um valor patrimonial tributário, não obstante a sua previsão legal como ato destacável, pode ser apreciada em processo de impugnação de liquidação que o assumiu como matéria coletável quando esteja em causa erro de direito na determinação da lei aplicável nos termos do artigo 78.º n.º 1 da LGT;

III. O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção.

IV. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção a avaliação deve ser efetuada nos termos do artigo 45.º do CIMI que dispõe sobre o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

V. Não tem aplicação no cálculo do VPT dos terrenos para construção a aplicação do coeficiente de localização (Cl), na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI.

 

***

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., anteriormente com a designação social de B..., S.A., com o número de identificação fiscal ..., e com sede na ..., n.º ..., ..., em ... (doravante designada por Requerente), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, no dia 21-01-2022, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)), 

 

2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por Requerida ou AT).

 

3. Com a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende, “(…) na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado em 27 de Agosto de 2021 que aqui se junta como Documento 1 e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, com vista anulação parcial dos actos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) nºs 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019... e 2019..., com referência aos anos de 2016, 2017, 2018, 2019, no montante global de € 209.660,52 (…)”, com fundamento na declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.

 

Assim, peticiona a Requerente ao Tribunal Arbitral Coletivo que: 

a) Sejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI (…) identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

b) Seja a AT condenada a reembolsar a Requerente do valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 209.660,52 (…) e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido” sendo que, “a título subsidiário, e sem prescindir, requer:

a) Seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei for‐ mal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos pronta‐ mente anulados, com todas as consequências legais”.

 

Afigura-se-nos que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação dos atos tributários de liquidação de IMI, por via da declaração de ilegalidade e a anulação da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa oportuna e previamente apresentado.

 

4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi apresentado no dia 21-01-2022 e aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD no dia 24-01-2022 e foi notificado à Requerida na mesma data.

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, foram as signatárias designadas como Árbitros, em 11-03-2022, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.

6. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos Árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 29-03-2022, tendo sido proferido despacho em 30-03-2022 no sentido de notificar a Requerida para apresentar Resposta e juntar o Processo Administrativo.

8. Em 11-05-2022 a Requerida apresentou a sua Resposta em que pugnou pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a sua absolvição de todos os pedidos

9. A Requerida não juntou aos autos o processo administrativo.

10. Em 17-05-2022, foram as Partes notificadas de despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18 do RJAT e concedendo às partes a possibilidade apresentarem alegações e para a Requerente querendo responder às exceções suscitadas pela Requerida.

11. Em 07-06-2022, a Requerente apresentou as suas alegações, remeteu para a fundamentação já exposta no PPA. E, acrescentando que “entende, deste modo eu não deverá proceder a argumentação, a título de defesa por excepção, aduzida pela AT na sua Resposta”.

12. A Requerida não apresentou alegações escritas no prazo concedido.

13. Por despacho de 29 de setembro foi prorrogado o prazo por dois meses.

14. Por despacho de 28 de novembro foi prorrogado o prazo por dois meses.

 

 

II. SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES

 

II. 1. Posição da Requerente

 

Segundo alega a Requerente, “em parte, as liquidações de IMI (…) tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção de que a Requerente era titular á data dos factos tributários in casu – i.e. ocorrendo o facto tributário de IMI, a 31 de Dezembro de cada ano ‐, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adoptada pela AT nos períodos de tributação em apreço, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto (…)”.

A Requerente entende que tais liquidações de IMI de 2016, 2017, 2018 e 2019 tiveram por base um valor patrimonial tributário (VPT) incorretamente determinado, o que levou a apresentar em 27 de Agosto de 2021, pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI supra identificadas.

 

A Requerente, entende que para avaliação dos terrenos para construção a AT não poderia ter aplicado os coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto, e de vetustez, por não fazerem parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do CIMI.

 

 

II.2. Posição da Requerida

 

Segundo entende a Requerida, “a Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT)”. Defende a Requerida que “a origem do diferendo que opõe a Requerente à Autoridade Tributária diz respeito à fórmula de cálculo do valor patrimonial do terreno para construção devidamente identificados no pedido de pronúncia arbitral”.

Assim, entende a Requerida, que são as seguintes questões a serem apreciadas pelo Tribunal Arbitral:

−A questão de aferir a admissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais;

 - A questão de saber se os pedidos de revisão oficiosa são tempestivos;

− A questão de saber se o ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica;

− A questão de saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;

− A questão de saber se Administração Tributária pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, ou apenas os que tenham ocorrido há́ menos de cinco anos”.

Alega ainda a Requerida que “o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos três anos posteriores ao do ato tributário, previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária”, citando o teor de algumas decisões arbitrais e, “tendo em conta as datas dos atos de liquidação sub judice, conclui-se que o pedido de revisão oficiosa apresentado em 27.08.2021 é parcialmente, intempestivo”.

Neste âmbito, alega a Requerida que “o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral” sendo que, “(…) se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher”.

Assim, defende a Requerida que “não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação”, “ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente”, citando para reforço da sua posição diversa jurisprudência e concluindo que “(…) por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT”.

Nestes termos, conclui a Requerida que “uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação”.

Conclui a Requerida pela improcedência do PPA, porque a pretensão arbitral não tem sustentação legal.

 

 

III. SANEAMENTO

 

1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

2. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, a), artigos 5.º e 6.º, do RJAT.

3. Pelo exposto, o processo não enferma de nulidades.

 

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

 

IV. 1. Dos factos provados

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

A. A Requerente é uma sociedade anónima com o objeto social de compra e venda de imóveis, sendo proprietária de diversos imóveis incluindo terrenos para construção.

B. A Requerente, à data das liquidações objeto do pedido, denominava-se B..., S.A.

C. No âmbito da sua atividade, a Requerente é proprietária dos seguintes imóveis (Doc. nº 4 junto com o PPA):

ARTIGO MATRICIAL

FREGUESIA

TIPO DE IMÓVEL

Artigo U-...

... (...)

Terrenos para construção

Artigo U-...

...

 

 

D. O artigo U-... da freguesia ... (terreno de construção), foi inscrito na matriz predial em 21-11-2016, em resultado de ter sido apresentada a declaração modelo 1 de IMI n.º..., em 18-07-2016, com o motivo de Prédio Novo, tendo sido avaliado, em 04-06-2016, através da ficha de avaliação n.º ... e tendo sido aplicados os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto.

E. Em resultado da avaliação referida no ponto anterior foi fixado o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de EUR 23.662.720,00, notificado à Requerente em 07-10-2016, por meio do Ofício n.º..., não tendo esta contestado o mesmo.

F. O artigo matricial U-... encontra-se na situação de desativado desde 07-10-2020, por força da apresentação das seguintes três declarações modelos 1 de IMI:

i.        A declaração modelo 1 de IMI com o registo n.º ..., de 07-10-2020, com o motivo de prédio novo, Ficha de avaliação n.º..., avaliado em 03-11-2020 e que deu origem ao prédio U-... .

ii.      A declaração modelo 1 de IMI com o registo n.º..., de 16-11-2020, com o motivo de prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído, Ficha de avaliação n.º..., avaliado em 28-12-2020 e que deu origem ao prédio U-... .

iii.    A declaração modelo 1 de IMI com o registo n.º ..., de 07-10-2020, com o motivo de prédio novo – Divisão/união de prédios, Ficha de avaliação n.º..., avaliado em 03-11-2020 e que deu origem ao prédio U-... .

G. O artigo U-... da freguesia ... (terreno de construção), provém do artigo U-... da então freguesia dos ... (...) e foi inscrito na matriz em resultado de ter sido apresentada, em 16-06-2011, a declaração modelo 1 do IMI n.º ... da qual resultou a avaliação de 05-08-2011, titulada pela ficha n.º ..., na qual foram aplicados os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto.

H. Em resultado da avaliação referida no ponto anterior foi fixado o VPT de 
EUR 7.245.780,00, notificado à Requerente em 29-11-2011, por meio do Ofício n.º ... .

I. Com a alteração da divisão administrativa das freguesias do concelho de Lisboa em 2013, o prédio passou a ser designado pelo artigo U-... da freguesia do ... .

J. O artigo U-... encontra-se na situação de desativado desde 01-06-2018, por ter dado origem ao artigo U-..., referente a um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, após ter sido entregue a declaração modelo 1 de IMI com o registo n.º ..., em 30-10-2019, com o motivo de prédio novo e realizada a avaliação titulada pela ficha n.º ... .

L. A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de IMI relativos aos prédios com artigos matriciais identificados supra (Doc. n.º 2 junto com o PPA):

 

NOTA DE COBRANÇA

DATA

ANO A QUE RESPEITA

MONTANTE (EUR)

DATA LIMITE PAGAMENTO

2016 ...

04-03-2017

2016

112.264,18

Abril/2017

2016 ...

Julho/2017

2016 ...

Novembro/2017

2017 ...

08-03-2018

2017

211.165,57

Abril/2018

2017 ...

Julho/2018

2017 ...

Novembro/2018

2018 ...

23-03-2019

2018

183.579,88

Abril/2019

2018 ...

Julho/2019

2018 ...

Novembro/2019

2018 ...

12-02-2020

2018

38.346,71

Março/2020

2019 ...

10-04-2020

2019

250.681,71

Abril/2020

2019 ...

Julho/2020

2019 ...

Novembro/2020

 

M. As liquidações de IMI identificadas no ponto anterior tiveram por base, para efeitos de determinação do VPT e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os VPT dos terrenos para construção de que a Requerente era titular em 31 de dezembro de cada um dos anos a que respeitam as liquidações objeto do pedido, valores que estavam fixados segundo a fórmula que considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto (Doc. n.º 4 junto com o PPA).

N. No decorrer do ano 2020, a AT corrigiu a fórmula de cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, mas não corrigiu, nos anos a que respeitam as liquidações em crise (2016, 2017, 2018 e 2019), os VPT´s dos referidos terrenos para construção tendo mantido, consequentemente, as liquidações de IMI objeto do pedido arbitral.

O. A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de IMI supra identificadas (Doc. n.º 5 junto com o PPA).

P. A Requerente no dia 27 de Agosto de 2021 (em conformidade com o registo n.º RH...PT – Doc. n.º 3, junto com o PPA), apresentou um pedido de revisão oficiosa daqueles actos tributários. (Doc. n.º. 1 junto com o PPA).

Q. O referido pedido de revisão oficiosa não foi objeto de qualquer decisão expressa dentro do prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT.

R. A Requerente apresentou, o pedido de pronúncia arbitral em 21-01-2022, que foi aceite em 24-01-2022.

 

 

IV. 2. Fundamentação da decisão da matéria de facto 

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT).

No que se refere à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica.

 

 

IV. 3. Dos factos não provados

 

Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

 

V. MATÉRIA DE DIREITO

 

thema decidendum do presente pedido de pronuncia arbitral consiste em saber se na determinação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção deverão ser tomados em consideração os coeficientes de afetação e de localização a que se refere o artigo 38.º do Código do IMI.

 

Porém, antes de proceder à análise e decisão desta questão de direito temos de nos debruçar sobre as questões que a Requerida suscita na Resposta.

 

 

V. 1. A inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais e a tempestividade do pedido de revisão oficiosa.

 

Defende a Requerida no art.º 14 e seg. da Resposta “que a letra da lei, artigo 78.º da LGT, não abrange os atos de avaliação patrimonial, os quais, nem são atos tributários nem são atos de apuramento da matéria tributável”. E que “não verifica qualquer erro no ato de liquidação, o qual em cumprimento da lei foi determinado com base no VPT constante na matriz predial”.

E refere ainda que “o eventual erro do ato de liquidação consubstanciar-se-ia na consideração, à data, de um qualquer VPT diferente do que, à data, constava na matriz predial, o que poria em causa a validade dos atos administrativos ou tributários de diversa natureza que para diferentes efeitos assumem como referencial o valor patrimonial tributário de um imóvel constante da matriz predial e com isso ficaria em risco o princípio da certeza e segurança jurídica, princípio basilar de um estado de direito”. E terminam por concluir que “não está legalmente prevista a revisão oficiosa de atos de fixação do valor patrimonial tributário”

A Requerente por seu lado defende “O objecto do pedido de pronúncia arbitral são os actos tributários de liquidação de IMI referentes aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, os quais materializam as avaliações efectuadas ao longo dos anos e não, como quer fazer crer a Requerida, os meros actos de fixação do VPT dos terrenos para construção in casu, que poderiam ter sido impugnados autonomamente. A este respeito, o objecto do presente processo arbitral é a apreciação da (i)legalidade dos actos de liquidação de IMI referentes aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 com fundamento em erróneacolecta de imposto determinada pela Requerida, e não a mera reclamação ou impugnação dos actos de fixação dos VPTs dos terrenos para construção - não obstante ser precisamente a errónea fixação destes valores que, enquanto base tributável para determinação da colecta de IMI, esteve na base da ilegalidade desta mesma colecta”.

 

Vejamos.

 

A possibilidade de revisão oficiosa de atos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI, enquanto atos destacáveis.

Porém o CPTA no art.º 51, n.º 1 e em conformidade com o artigo 148.º do CPA, alargou o conceito de ato contenciosamente impugnável, destacando a eficácia externa do ato, isto é, a virtualidade de o ato produzir efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares, independentemente de poder tratar-se de mero ato procedimental.

O segmento inicial do artigo 51.º, n.º 1 do CPTA abre assim caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de atos procedimentais, e não apenas de atos que ponham termo ao procedimento ou a uma fase autónoma desse procedimento, e aboliu, desse modo, o requisito de definitividade horizontal.

Também a parte final do artigo 51.º, n.º 3 do CPTA ressalva as “ilegalidades que digam respeito (…) a ato que lei especial submeta a um ónus de impugnação autónoma”, abrange os casos em que a lei avulsa que regule o procedimento específico em causa imponha especialmente o ónus da impugnação contenciosa de um certo ato procedimental, de modo a que as ilegalidades em que ele incorra não possam ser invocadas na reação jurisdicional que venha a ser dirigida contra a decisão final do procedimento, não bastando, por isso, a mera menção, em lei especial, de que certo ato procedimental é passível de impugnação administrativa.

Por outro lado, e atendendo ao regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, pode admitir-se a possibilidade de revisão da iniciativa do sujeito passivo.

Ora num Estado de Direito assente no princípio da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, o qual exige que a AT arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei), no princípio da justiça e no princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), a coerência entre os atos de liquidação de IMI, AIMI, IMT e Imposto do Selo emitidos relativamente a um mesmo imóvel (que pressupõe que os mesmos se baseiem no mesmo VPT) deverá ser assegurada através do cumprimento, por parte da AT, do seu dever de sanar oficiosamente os eventuais vícios no cálculo do VPT à luz da lei (como aliás impõe o adequado funcionamento da AT), e não através de uma restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça consubstanciada na obliteração da possibilidade do sujeito passivo de se socorrer a um meio processual previsto na lei (o pedido de revisão oficiosa) para reagir contra atos de liquidação de imposto contaminados por uma determinação da matéria coletável incorreta e ilegal, por erro exclusivamente imputável à AT.

A “estabilidade” na ordem jurídica assegurada por uma tal restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça resultaria em nada mais do que permitir à AT que continuasse a arrecadar quantias de imposto que não são exigíveis nos termos da lei (em violação do princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), o que não é de aceitar.

Os serviços da Requerida procederam à avaliação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção com base na interpretação errada dos preceitos legais aplicáveis, mormente do artigo 45.º e do artigo 38.º do CIMI. É de salientar que a AT reconheceu que estava a avaliar erradamente os terrenos para construção, corrigindo esse erro a partir do ano de 2020.

Com efeito, deu-se por provado, como invocado no PPA, que na avaliação dos terrenos para construção sobre os quais incidiram as ditas liquidações, foram aplicados coeficientes de avaliação, como o coeficiente de localização, como se se tratasse da avaliação de prédios urbanos edificados o que aumentou significativamente o resultado do VPT fixado em cada uma das avaliações.

A Requerida defende que o pedido de revisão oficiosa do ato de avaliação dos terrenos para construção só seria possível através do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, no prazo de três anos. Todavia, este Tribunal Arbitral considera que o prazo de revisão oficiosa aplicável é de quatro anos como determina o n.º 1 do artigo 78.º da LGT. 

E isto porque o artigo 78.º n.º 1 da Lei Geral Tributária determina: “1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

O n.º 4 do artigo 78.º da LGT dispõe: “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”

Como resulta da consulta dos documentos juntos a estes autos, esta norma do n.º 4 do artigo 78.º não se verifica aplicável uma vez que não consta de qualquer documento junto, qualquer autorização emitida pela entidade com competência para tal e não se verifica peticionada pelo SP em qualquer documento nomeadamente no pedido de revisão oficiosa apresentada em 27-08- 2021 dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras ... (Doc. n.º 1junto aos autos com o PPA).

Caso existisse essa autorização emitida pelo Chefe do Serviço de Finanças, mencionada no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, então poderíamos admitir que o a revisão oficiosa em causa nestes autos tinha de ser decidida com base no disposto nessa norma e então o prazo para a revisão oficiosa abrangeria os atos de liquidação de IMI relativa aos últimos 3 anos, ou seja apenas 2017, 2018 e 2019. Como tal não sucedeu temos de admitir que o pedido de revisão oficiosa da iniciativa única do contribuinte terá de ser integrado no disposto no artigo 78.º n.º 1 da LGT, sob pena de este Tribunal Arbitral fazer uma errada aplicação do direito. Ora se este Tribunal arbitral está submetido à Lei e ao Direito não se vislumbra qualquer justificação para decidir com base no disposto no artigo 78.º, n.º 4 da LGT, sob pena de proferir uma decisão ilegal.

Considerando esta nossa posição, impõe-se que procedemos a uma análise detalhada do artigo 78,º n.º 1 da LGT e do seu enquadramento no ordenamento jurídico tributário vigente, fazendo uma análise da doutrina e jurisprudência mais relevante.

Desde a entrada em vigor da LGT é inquestionável que a revisão dos atos tributários por iniciativa da entidade que os praticou pode ter lugar:

- por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;

- por iniciativa da administração tributária, nos quatro anos após a liquidação (tendo sido pago o tributo), com fundamento em erro imputável aos serviços.

E, no decorrer dos anos de vigência desta norma a jurisprudência é, persistentemente e repetitivamente interpretada no sentido de afirmar que a revisão oficiosa a pedido do contribuinte formalizado dentro dos quatro anos seguintes ao ato de liquidação a rever poder ser realizada pelo órgão competente da Administração Tributária. 

Para uma interpretação do artigo 78.º da LGT na sua íntegra, temos ainda de salientar que os órgãos da Administração Tributária, integram a Administração Pública a qual prossegue o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, estando, os seus órgãos e agentes, subordinados à Constituição e à lei - cfr. o art. 266.º n.ºs 1 e 2 da CRP, sendo que o respeito pelo princípio da legalidade, está expressamente, imposto à Administração Tributária no art. 55.º da LGT, a par entre outros princípios para do das garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários. 

Determina o artigo 266.º n.º 2 da CRP que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”, a LGT no art.º 55.º dispõe que “a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”.

Assim, a AT deve pautar a sua atuação no respeito pelos princípios da justiça, devendo nortear-se por critérios de isenção e imparcialidade, mesmo que tais diligências sejam contrárias ao interesse financeiro do Estado.

Sobre esta questão do prazo da revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte se pronunciaram, Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 3.ª Edição, 2003 pág. 407, afirmando que “Mesmos nos casos em que neste art.º 78.º, em que se refere que a revisão é da iniciativa dos serviços, nada impede que os interessados requeiram à administração tributária a revisão dos actos tributários, uma vez que tudo o que pode ser feito oficiosamente pode ser feito a pedido dos interessados. Aliás, os termos utilizados no n.º 6 deste art.º 78.º, em que se refere que “Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização” (atual n.º 7), na redação da Lei 55-B/2004 de 30 de dezembro.

E continuam afirmando, pág. 408 que “Na sequência de um pedido de revisão formulada por um interessado, num caso de revisão oficiosa, a administração tributária terá de se pronunciar sobre o pedido, por força do preceituado no art.º 55, n.º 1 da LGT. No caso de se verificarem os pressupostos da revisão, a administração tributária terá de proceder à mesma, por imposição dos princípios da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, que devem nortear a sua actividade (arts. 266.º, n.º 2, e 55.º da L.G.T.). Na verdade, mesmo que se entenda que, em geral, aadministração não tem o dever de revogar actos anteriores ilegais, depois do decurso do prazo para a sua impugnação contenciosa com fundamento em vícios geradores de anulabilidade, essa revogação não pode deixar de ser obrigatória quando for imposta por um específico dever de eliminação de uma situação criada pelo acto ilegal. É isso sucede no caso de ter havido a cobrança de um tributo ilegal, pois a devolução da quantia indevidamente paga corresponde a um dever de justiça e a administração tem um genérico dever de actuar em conformidade com os princípios da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.)” e acrescentam ainda que “Por outro lado, as decisões da administração tributária proferidas na sequência de um pedido de revisão formulado por um interessado são contenciosamente controláveis [arts. 95.º, n.º 1, alínea d), da L.G.T. e 97.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P.T.]. (229) 12 — No n.º 6 prevê-se que o pedido do contribuinte para revisão do acto tributário ou da matéria tributável interrompe o prazo para efectivação da revisão. Esta interrupção tem como efeito que se começa a contar um novo prazo, idêntico ao inicial, a partir do momento da efectivação do pedido”.

E mais afirmam ainda, na pág. 410, que “(...) o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a administração tributária o pode efectuar, previstos no art. 78 da L.G.T. Porém nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas por erro imputável aos serviços (parte final do n.º 1 deste art.º 78), por injustiça grave ou notória (n.º 3) ou duplicação de colecta (n.º 5)”.

E, estes autores na mesma obra, na 4.ª edição de 2012, mencionam na pág. 704 que “A revisão do acto tributário (…) constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de administração administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração”.

Nos termos expostos a atividade da Administração Tributária está, por força da Constituição subordinada à lei, como resulta do disposto no artigo 266.º n.º 2 da CRP.

Daí que entendemos que o artigo 78.º da LGT, ao ser interpretado, de modo objetivo, contém todas as garantias concedidas aos sujeitos das relações jurídico-tributárias de defesa e reposição da legalidade. Assim, num Estado de Direito só esta interpretação permite o equilíbrio entre os poderes tributários do Estado e a defesa dos interesses dos contribuintes porque o princípio da legalidade da ação administrativa significa agir de harmonia com o Direito. E, o princípio da não arbitrariedade dá-lhe uma maior força, impondo que a Administração, atue de acordo com o conjunto de todos os princípios jurídico normativos e que por consequência tenha de expurgar do sistema jurídico os atos tributários ilegais que sejam lesivos dos direitos dos contribuintes, independentemente de o impulso processual ser da autoria da Administração Tributária ou do sujeito passivo.

O procedimento tributário tem de ser estruturado servindo objetivamente o princípio de uma distribuição dos encargos tributários feita nos moldes legalmente previstos, assegurando a realização das necessidades financeiras do Estado e com respeito pelos interesses legítimos e pelos direitos dos contribuintes.

O princípio da igualdade é um dos princípios integrante do princípio mais amplo da justiça tributária, com ténues fronteiras com o princípio da capacidade económica, com positivação no texto constitucional.

O princípio da igualdade, na definição tradicional, comporta uma dupla vertente: a vertente material, como igualdade na lei e a vertente formal como, igualdade perante a lei. A igualdade na lei, significa que o direito de todos os cidadãos tem a que os órgãos competentes para aplicar o Direito, utilizem os mesmos critérios hermenêuticos e valorativos na aplicação da lei. Na segunda dimensão, o princípio da igualdade significa que todos os cidadãos têm o direito a submeter-se a normas idênticas, estando dirigido aos órgãos com competências legislativas. 

A igualdade na tributação, significa que todos os cidadãos devem igualmente ser tributados de acordo com a sua capacidade económica e deve ser entendida como generalidade ou universalidade da tributação.

Estabelecidas estas linhas gerais de orientação, focando o fundamento de revisão dos atos tributários traduzido, pelo legislador, na menção do “erro imputável aos serviços”, julgamos seguro, quanto ao seu preenchimento, desde logo, afirmar que tal imputabilidade não se reporta, como no direito civil, ao estado normal da pessoa que lhe permite discernir a importância e efeitos dos seus atos e, muito menos, tem a ver com a “capacidade de culpa”, penalista.

Efetivamente a imputação dos erros, aos serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT), é independente e prescinde da demonstração da culpa dos serviços/agentes, envolvidos na emissão do ato errado.

Improcede assim a alegada inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais e atempestividade do pedido de revisão oficiosa.

 

 

V. 2. Sobre a inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais e da impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT.

 

Na Resposta a AT invoca que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral. Refere “Que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. 

Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente”.

 

A Requerida nos art.º 24 e seg. da Resposta defende que:

“O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. 

E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação, Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente”.

Assim, estes argumentos invocados pela Requerida consubstanciam-se na inimpugnabilidade, no Tribunal Arbitral da reclamação graciosa que tem como objeto atos de liquidação do VPT, considerando em síntese que estes constituem atos autónomos que deveriam ser impugnados autonomamente no prazo estabelecido e não o poderiam ter sido impugnados em pedido de revisão oficiosa.

E, defende ainda que se esses atos de fixação do VPT não foram impugnados no prazo estabelecido se consolidaram na ordem jurídica 

 

Vejamos.

 

O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a formação da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 27-08-2021 e por objeto mediato as liquidações de IMI referentes aos anos de, 2016, 2017, 2018 e 2019 incidentes sobre terrenos para construção em cuja avaliação do VPT foi efetuada nos termos do artigo 45.º do CIMI foram, segundo a própria Requerente e foram indevidamente aplicados os coeficientes de localização e de afetação, bem como a majoração de 25% prevista no artigo 39.º n.º 1, do mesmo Código.

Nesta matéria concordamos com o decidido no Proc. n.º 465/2021-T, que transcrevemos: 

“Com efeito, o artigo 86.º, n.º 1, da LGT determina que a avaliação direta é suscetível de impugnação contenciosa autónoma, prevendo também o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais tributários podem ser impugnados no prazo de 90 dias após a sua notificação, com fundamento em qualquer ilegalidade. 

Na verdade, por força do previsto no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é uma avaliação direta e, por isso, “susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa”, depois de esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão (artigo 86.º, 1 e 2 da LGT). 

Por sua vez, no artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, é estabelecido que “os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade”, determinando o seu n.º 7 que “a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação. Os preceitos transcritos são reafirmados no Código do IMI com a exigência, no seu artigo 77.º, de se esgotarem previamente os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, impondo aos interessados, como condição de impugnabilidade, o ónus de requererem uma segunda avaliação nos termos do artigo 76.º do mesmo Código. De onde se conclui, como consignado, por exemplo, na decisão arbitral proferida no processo 487/2020-T, que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos. Assim, continua a referida decisão arbitral, que se acompanha, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT”.

Estamos de acordo com a natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais, pelo que continuamos a transcrever a decisão proferida no Proc. n.º 465/2021-T quando menciona: “há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, estava previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos acórdãos de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-02-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16 e de 10-05-2017, processo n.º 0885/16”.

Assim, como concluído no referido processo 487/2020-T, uma vez que os vícios dos actos de avaliação invocados pelas Requerentes não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI e AIMI.

Trata-se, em conclusão, de um mecanismo específico do sistema fiscal quanto às condições de acesso à via contenciosa que em nada contende com o princípio da legalidade previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República.

Na verdade – concordando mais uma vez com a decisão proferida no citado processo arbitral 487/2020-T – este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento. Por outro lado, continua a referida decisão arbitral, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

As Requerentes vieram contestar em 2021 (quer administrativamente, com o pedido de revisão oficiosa, quer através do pedido arbitral) erros cometidos em atos de avaliação que, como supra se dá por demonstrado, ocorreram em 2013, 2018 e 2019, muito depois do prazo legal de 30 dias para requerer uma segunda avaliação e muito depois do prazo de três meses que tinham para deduzir impugnação judicial. Por isso, tal como consignado na jurisprudência citada, o presente tribunal arbitral considera também, concordando com a Requerida, que as liquidações de IMI e AIMI impugnadas pela Requerente não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros cometidos nas avaliações dos terrenos para construção sobre os quais as ditas liquidações incidiram. Acrescendo, como se lembra no dito processo 487/2020-T, que num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adotaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador. Em coerência com as posições acabadas de descrever, sufragadas pela jurisprudência dominante, segundo a qual os atos de avaliação de valores patrimoniais tributários previstos no CIMI são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos, o pedido de pronúncia arbitral deveria considerar-se extemporâneo e, tal como pede a Requerida, deveria esta ser absolvida da instância, com todas as consequências legais”.

E entendemos que em determinadas situações e condições, as leis tributárias permitem que, excecionalmente, haja um desvio à referida regra e possam anular-se liquidações de IMI incidentes sobre o valor patrimonial tributário de prédios em que o único vício que lhe é imputado esteja justamente na determinação desse valor, ou seja, na avaliação fiscal desses prédios.

Esta excecionalidade está prevista no artigo 78.º da LGT, que tem a qualidade de lei dotada de primado legislativo, o que condiciona o conteúdo normativo do Código do IMI e do CPPT. 

Assim, o artigo 78.º, n.º 1 da LGT admite, a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, ao dispor: “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

 

Atendendo ao exposto este tribunal arbitral considera verificados os requisitos da referida excecionalidade e como tal declara que os atos de avaliação para determinar o VPT dos terrenos para construção podem ser objeto de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT e que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser objeto de Pedido de Pronúncia Arbitral, não se tendo consolidado na ordem jurídica.

 

 

V. 3. Sobre a alegada violação do princípio constitucional da igualdade tributária 

 

A Requerente pede que: 

“Seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegali‐ dade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos pronta‐ mente anulados, com todas as consequências legais”.

E refere a Requerida na Resposta, (cfr. o art.º 59.º da Resposta) que pede a Requerente que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, por violação do princípio da legalidade tributária. “O que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da igualdade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada. Sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a usa impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo”.

E acrescenta que “Face ao exposto conclui-se não só, por um lado, que não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade tributária”. (...) “Mas também que a prevalecer a argumentação dos Requerentes, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente. (…). Finalmente cumpre referir que a atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38º ou do 45º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção”.

Considerando que face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência reiterada do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes utilizados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes.

 

 

V. 4. A proibição legal de pronúncia arbitral conforme a equidade 

 

Os tribunais arbitrais julgam de acordo com o direito constituído, estando-lhes vedado o recurso à equidade – artigo 2.º n.º 2 do RJAT.

Ora, acontece que o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade.

 

Pelo exposto, não tem cabimento a invocação pela Requerida do princípio da proibição legal do julgamento segundo a equidade e o tribunal arbitral limitar-se-á a apreciar estritamente as questões de legalidade segundo o direito constituído.

 

 

V. 5. O regime da anulabilidade dos atos administrativos

 

A Autoridade Tributária alega, a propósito do regime da anulação administrativa, que por efeito do artigo 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo máximo de cinco anos a contar da respetiva emissão, para concluir que encontrando-se já precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixa valor patrimonial tributário, este ato encontra-se sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.

Semelhante argumentação assenta num evidente equívoco.

O novo CPA passou a distinguir entre revogação e anulação administrativa, fazendo corresponder cada uma destas figuras às duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e de revogação anulatória. A anulação administrativa prevista no atual CPA, ainda que com diferentes condicionalismos, não é, por conseguinte, mais do que o antigo instituto da revogação do ato administrativo por iniciativa da Administração, ou a pedido do interessado, mediante a interposição reclamação graciosa ou recurso administrativo, a que se referiam os artigos 138.º e seguintes do CPA de 1991.

O decurso do prazo para a Administração proceder à anulação administrativa de um ato administrativo não sana os vícios de que o ato possa padecer, mas implica apenas que os seus efeitos se tornam definitivos, adquirindo a força jurídica de caso decidido ou caso resolvido

Significando que o ato administrativo, que o ato administrativo tem “uma função estabilizadora, já que a decisão, mesmo ilegal, não sendo nula (em regra, de legalidade aparente), se consolida dentro de um prazo relativamente curto como "caso decidido" (se não tiver havido impugnação), assegurando ainda a auto-vinculação da Administração e a limitação dos respectivos poderes de revogação (segurança jurídica), designadamente quanto a decisões constitutivas de direitos para os destinatários (protecção da confiança legítima”(cfr. Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, 5.º edição, Coimbra, 2017, pág. 165).

O caso decidido, no entanto, apenas releva na relação entre a Administração e o particular, e não impede que o interessado lance mão dos meios processuais de impugnação contenciosa contra o ato administrativo, ainda que a Administração não possa já anulá-lo administrativamente.

A anulação administrativa, quando ocorra, apenas tem como consequência que o particular deixa de ter interesse processual em impugnar o ato judicialmente. E caso a anulação administrativa se verifique na pendência de um processo de impugnação judicial, haverá lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Assim se compreende que o mesmo artigo 168.º do CPA, no seu n.º 3, declare que quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.

A consolidação na ordem jurídica do ato administrativo anulável só opera, por conseguinte, quando tenha decorrido o prazo legalmente previsto para o interessado deduzir o competente meio processual de impugnação, na medida em que só pelo decurso desse prazo é o ato se torna inimpugnável jurisdicionalmente.

Qualquer outra solução constituiria um absurdo, confundindo a atividade administrativa com a função jurisdicional e contrariando flagrantemente o princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Uma vez que a anulação administrativa é um ato administrativo que se desenrola no âmbito de procedimento administrativo, e cuja prática se encontra na exclusiva disponibilidade da Administração, é claro que as vicissitudes quanto à possibilidade de o ato ser anulado ainda no âmbito do procedimento, não interfere em nada com o direito processual dos interessados recorreram a uma instância jurisdicional.

 

E, assim, não só os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário se não encontram sanados com o caso decidido, como também o contribuinte não está impedido de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de IMI, com fundamento na errónea quantificação do valor patrimonial tributário.

 

 

V. 6. Da ilegalidade parcial da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) 

 

A Requerente alegou que “no cálculo do correspondente valor patrimonial tributário de “terreno para construção”, deverão ser desconsiderados os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto, e adoptado, em regra geral, a seguinte fórmula de cálculo: Vt = Vc x A x % do valor das edificações autorizadas ou previstas, conforme resulta claro do método de determinação deste valor para “terrenos para construção” nos termos do artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data dos factos tributários para efeitos destes imposto – i.e. em cada dia 31 de Dezembro dos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019”. 

A Requerida, contra-alegou, defendendo que as liquidações foram efetuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de dezembro do respetivo ano os quais, pois por força do decurso do tempo, já́ não podem ser objeto de anulação administrativa por se encontrarem consolidados na ordem jurídica. 

 

Vejamos.

 

A questão que se coloca é saber de os coeficientes de qualidade, conforto, afetação e localização, previstos nos artigos 38.º, 39.º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redações da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro), eram aplicáveis na determinação do VPT dos prédios classificados como “terrenos para construção”. 

Para a determinação do VPT dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI, que tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à construção bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no artigo 42.º, n.º 3, do Código do IMI, mas não os coeficientes previstos na expressão matemática contida no artigo 38.º do Código do IMI.

Esta interpretação resulta da leitura conjugada das normas previstas nos artigos 42.º, n.º 3, e 45.º do Código do IMI, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro), que estabelecem o seguinte:

Da análise do quadro legal aplicável aos presentes autos, em concreto as normas previstas nos artigos, 38, 39.º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redações da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.

No capítulo VI do CIMI, secção II, constam as normas jurídicas aplicáveis às operações de avaliação com vista à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos. Os normativos do artigo 38.º do CIMI estabelecem que:

“1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv, em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

3 - Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º (Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)

4 - A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos”. (Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março).

Os artigos 39.º a 44.º do CIMI definem, estabelecem e regulamentam os aspetos e critérios a ter em consideração na avaliação dos prédios urbanos edificados, cujas espécies estão fixadas no n.º 1 do artigo 38.º do CIMI (habitação, comércio, indústria e serviços).

As regras e critérios para avaliação dos terrenos para construção constam do artigo 45.º do CIMI, cujos normativos, na sua redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, estabeleciam que:

Artigo 45.º do CIMI (Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

“1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente”. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12).

O artigo 42.º, para que remete o n.º 3 deste artigo 45.º, em relação ao que aqui interessa, estabelece o seguinte:

Artigo 42.º (Coeficiente de localização)

(...)

“3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º ”.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes. 

Assim sendo, sob pena de uma dupla incidência sobre a localização do terreno, na fórmula final de cálculo do VPT de um terreno não há que aplicar o coeficiente de localização.

Sobre a ora questão submetida a apreciação, é de mencionar o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 21 de setembro de 2016 proferido no processo n.º 01083/13, que subscrevemos: “Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto. Para a determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as caraterísticas de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, mas não outras caraterísticas ou coeficientes”.

Também é de referir que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, no Proc. 016/10, de 03/07/2019 decidiu: “na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto”.

A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo tem apontado neste sentido, designadamente: 

Acórdão de 05-04-2017, proferido no Processo 01107/16: “Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI”;

Acórdão de 28-06-2017, proferido no Processo º 0897/16 “II – Os coeficientes de afetação e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já́ está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45.º do CIMI”). 

- Acórdão de 16-05-2018, Processo 0986/16: “O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”;

- Acórdão 23-10-2019, proferido no Processo 170/16.6BELRS 0684/17: “os coeficientes de localização, qualidade e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”

- Acórdão de 13-01-2021, proferido no Processo 0732/12.0BEALM 01348/17: “Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto”.

Não se verifica uma razão válida para não aderir ao decido pelo Supremo Tribunal Administrativo, e conclui-se que, também no caso concreto, pela utilização analógica dos critérios estabelecidos para a avaliação dos prédios urbanos edificados na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não previstos na norma específica do artigo 45.º, do Código do IMI, constitui erro na aplicação do direito, suscetível de alterar a base tributável e o cálculo do imposto.

                                                                                                                    
Afastada assim a aplicação dos coeficientes previstos no art. 38.º do CIMI, merece, todavia, especial referência a questão da localização, pois a consideração desta característica dos prédios está prevista quer no art. 45.º, quer no 38.º, do CIMI. Concordamos com a jurisprudência, que cremos ser pacífica, segundo a qual na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação autónoma do coeficiente de localização previsto no art. 38.º do CIMI, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do art. 45.º do CIMI. De outro modo, o fator localização relevaria, por duas vezes, na determinação do VPT dos terrenos para construção”.

No mesmo sentido existem várias decisões do CAAD de que mencionamos as proferidas nos Processos n.º 41/2021-T; n.º 760/2020-T, n.º 487/2020-T, n.º 485/2020-T e n.º 483/2020-T, que acolhemos.

A jurisprudência consolidada do STA aponta no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, o qual constitui a norma específica que regula essa matéria, pelo que não há́ lugar à consideração dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º

 

Face ao exposto concluímos que a avaliação dos terrenos para construção em apreço devia ser efetuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação mencionados no artigo 38.º do CIMI.

 

 

VI. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 45.º DO CIMI 

 

Face a conclusão a que se chega no plano do direito infraconstitucional, fica prejudicado o conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada pela Requerente.

De mencionar, que não releva na decisão  deste Tribunal Arbitral o facto de o art. 45.º do CIMI, após a redação que lhe foi dada pelo Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2021), ter consagrado expressamente a aplicação do coeficiente de localização na fórmula para determinação do VPT dos terrenos para construção, dado que essa nova redação não tem, carácter interpretativo, procedendo a uma clara alteração das regras até então vigentes, com o estabelecimento expresso da fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção.

Em face de todas as razões enunciadas, impõe-se concluir que os VPTs fixados para os terrenos para construção supra identificados enfermam de ilegalidade, por violação do artigo 45.º do CIMI, dada a aplicação indevida de critérios fixados nos artigos 38.º do CIMI e a duplicação do coeficiente de localização previsto no artigo 42.º do CIMI, razão pela qual os VPTs fixados para os terrenos em causa não podem fundar a realização dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2016 a 2019, tendo estes de ser parcialmente anulados, nos termos peticionados, o que se determina.

 

Perante o exposto, concluímos pela procedência do pedido de anulação parcial dos atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

 

VII. REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS EM EXCESSO E PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente além do pedido de declaração da ilegalidade parcial dos atos tributários aqui impugnados, pede o reembolso do IMI liquidado em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante total do imposto indevidamente pago, no montante de  EUR 209.660,52, considerando a verificação do erro na liquidação efetuada pela AT.

Os pedidos à restituição do imposto indevidamente pago e de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios são meros pedidos acessórios do pedido principal anulatório, sendo uma consequência automática, ope legis, da procedência do pedido anulatório.

O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

No caso dos autos, verifica-se que na fixação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção a AT praticou um erro de direito, porquanto, foram aplicados os coeficientes de localização, afetação, qualidade e de conforto, o que se traduziu na aplicação da fórmula aritmética prevista no artigo 38.º do CIMI, quando os terrenos para construção deviam ter sido avaliados em função das normas específicas do artigo 45.º do CIMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. 

Considerando o erro praticado, na avaliação do VPT dos terrenos para construção que motivaram os atos de liquidação de IMI dos anos de 2016 a 2019 supra identificados, foi fixado um valor patrimonial tributário de valor excessivo, tendo a Requerente pago IMI em valor superior ao que seria exigível se o VPT tivesse sido corretamente fixado, erro que a própria AT já reconheceu.

Assim, e de acordo com o disposto artigo 24.º b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1 a) do RJAT.

Sendo que estas normas jurídicas relativas a juros indemnizatórios correspondem à concretização do direito de indemnização que tem a sua base na CRP. O artigo 22.º da CRP determina que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. 

Assim, para a reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago e de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

Nos termos do artigo 43.º, n.º 3, c) da LGT, nos casos de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão. Cfr, neste sentido o Acórdão do STA de 29-06-2022, proferido no Proc. n.º 093/21.7BALSB e o Acórdão do STA de 26-05-2022 proferido no Proc. n.º 0159/21.3BALSB, que decidiram que os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, e não desde a data do pagamento indevido do imposto.

Deste modo e considerando que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27-08-2021 os juros indemnizatórios contar-se-ão a partir do termo do ano posterior à apresentação da referida revisão, fixando-se o dia 28-08-2022 como termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios.

 

 

VIII. DECISÃO

 

a) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral;

b) Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago no valor global de 
EUR 209.660,52;

c) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios;

d) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

 

IX. VALOR DO PROCESSO

 

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 209.660,52.

 

 

X. CUSTAS 

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 4.284,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de janeiro de 2023

 

 

____________________________

(Regina Almeida Monteiro - Árbitro Presidente)

Relatora por inicialmente não ter sido possível a formação de maioria – artigo 40, n.º 1 da LAV

 

 

(Eva Dias Costa - Árbitro Adjunta

Vencida quanto a alguns dos fundamentos da decisão, conforme Declaração de Voto anexa

 

 

(Sílvia Oliveira - Árbitro Adjunta)

 

 Parcialmente vencida conforme Declaração de Voto anexa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

            Apesar de ter votado favoravelmente o sentido da decisão, que foi redigida pela Sra. Árbitro Presidente, nos termos do artigo 663.º, n.º 4, do CPC, discordo, em parte, da respectiva fundamentação.

1.     No que respeita à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, parece-me que o pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente se enquadraria quer no n.º 1 quer n.º número 4 do artigo 78.º da LGT, desde que quanto a este último, se demonstrasse estar,os diante de uma situação de injustiça e grave e notória. É verdade que o n.º 4 fala em atos de fixação de valores patrimonais e que o n.º 1 fala em liquidação, parecendo exluir aqueles e limitar-se à fase final do procedimento de liquidação. Porém, o facto de o n.º 1 do artigo 78.º fixar o prazo para o pedido de revisão, quando da iniciativa da AT, mesmo que espoletada pelo sujeito passivo, nos quatro anos posteriores à liquidação compreende-se se pensarmos que o legislador pretende estabilizar as relações jurídicas tributárias, mesmo aquelas que padecem de um vício anterior à liquidação stricto sensu, no mesmo prazo em que fixa aquilo que chama a caducidade do direito à liquidação. É por isso que, quando o imposto não tenha sido pago – e, por maioria de razão, quando ainda não tenha sido liquidado – o pedido de revisão oficiosa pode ser formulado a todo o tempo. Aliás, o número 1 começa por aludir genericamente a “atos tributários”, não se restringindo, pois, à liquidação stricto sensu e abrangendo todos os demais actos em matéria tributária, incluindo os de fixação de valores patrimoniais, praticados no procedimento de liquidação, lato sensu

2.     No que respeita à (in)impugnabilidade autónoma dos actos de liquidação, parece-me que o pedido de revisão oficiosa deveria ter tido como objeto a determinação da matéria colectável e que esta, a ser corrigida, importaria por sua vez a correção das liquidações em crise. Concedo, no entanto, que, no caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa incidisse sobre a fixação da matéria colectável e sobre as liquidações, stricto sensu, de IMI simultaneamente. Tanto mais que, como disse acima, a fixação do VPT é, em rigor, uma parte do procedimento de liquidação daquele imposto, lato sensu. A necessidade de reação prévia contra actos de fixação daqueles valores e a regra da inimpugnabilidade autónoma das liquidações com fundamento em vícios na fixação da matéria colectável compreende-se, numa situação normal, atento o nexo temporal e causal de uma e outra. Numa situação patológica, como é a sub judice, estando a AT obrigada, por força do princípio da vinculação da sua actividade à lei, a repor a legalidade uma vez reconhecido o erro e estando o prazo do sujeito passivo limitado aos quatro anos posteriores à liquidação, parece-me de admitir que os atos – o de fixação do VPT e os de liquidação – fossem atacados no mesmo pedido de revisão oficiosa, sob pena de se chegar à situação, inaceitável, de, alterada a matéria colectável, os actos de liquidação não poderem já ser revistos.  Consequentemente, não em todas as situações, mas numa situação como esta, julgo que é adequada a solução que foi adoptada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) nº 2765/12.8BELRS de 31-10-2019 (relator BENJAMIM BARBOSA) no sentido de que “a errada fixação do VPT (…) pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação”, ainda a Requerente devesse ter separado e individualizado os respectivos objectos.

 

(Eva Dias Costa)

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO [1]

 

Votei parcialmente vencida quanto ao vertido no ponto “V. 1. A inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais e a tempestividade do pedido de revisão oficiosa”, supra e, em consequência, parcialmente vencida quanto ao pendor decisório refletido na alínea a) do ponto “VIII. DECISÃO”, com os fundamentos que a seguir apresento.

 

I.       No pedido de pronúncia arbitral (ppa), a Requerente pretende, “(…) na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado em 27 de Agosto de 2021 (…)” a “(…) anulação parcial dos actos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) nºs 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019... e 2019..., com referência aos anos de 2016, 2017, 2018, 2019, no montante global de 
€ 209.660,52 (…)
”, com fundamento na declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, com a condenação na devolução do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.

II.     Adicionalmente, a Requerente no ppa refere que [por não se conformar "(…) com o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa por si apresentado, tacitamente presumido e, por conseguinte, com os atos de liquidação de IMI que lhe estão subjacentes, vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, e dos próprios actos de liquidação, requerendo a respectiva anulação" (sublinhado nosso).

III.   Tendo em consideração o alegado pelas Partes, a matéria dada como provada e a jurisprudência citada pela Requerente, que aqui se acompanha, defendida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) nº 2765/12.8BELRS de 31-10-2019 (relator BENJAMIM BARBOSA) no sentido de que “a errada fixação do VPT (…) pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação” e que “(…) a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro (…) que se traduziu (…) numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas”, teria entendido que, no caso, “(…) sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão [artigo 78º da LGT] (…)”, ou seja, no prazo de três anos e não no prazo de quatro anos, ao abrigo do nº 1 do referido artigo, como é defendido na decisão arbitral (sublinhado nosso).

IV.   Nestes termos, e em conformidade com o teor da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 487/2020-T, de 10-05-2021, que aqui se acompanha em tudo o que é idêntico ao caso em análise, teria entendido que “(…). O artigo 78.º da LGT estabelece [que] (…).4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. 5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade (…)” (sublinhado nosso).

V.     No caso, tendo em consideração os anos a que respeitam as liquidações em crise (2016, 2017, 2018 e 2019), e a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa (27-08-2021) teria entendido que o pedido de revisão oficiosa seria intempestivo relativo ao pedido de anulação das liquidações relativas ao ano 2016 e tempestivo quanto ao pedido de anulação das liquidações relativas aos anos 2017, 2018 e 2019.

VI.   Em consequência, teria entendido que seriam de manter as liquidações de IMI referentes ao ano 2016 (bem como de manter o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa na parte a que às mesmas se refere) e que seriam de anular as liquidações de IMI referentes aos anos 2017, 2018 e 2019 (conforme se decidiu na decisão arbitral, ainda que com fundamento diferente), sendo de anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa na parte a que às mesmas se refere), considerando assim parcialmente improcedente o ppa na parte respeitante ao ano 2016.

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente Declaração de Voto rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.