Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 95/2022-T
Data da decisão: 2022-10-04  IVA  
Valor do pedido: € 48.004,76
Tema: IVA – caducidade do direito à liquidação – SGPS – direito à dedução - conceito de actividade económica.
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DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A..., SGPS, S.A.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em
28-04-2022, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

1.1.   A..., SGPS, S.A., com número de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., nº ... a ..., no Porto (doravante designada por Requerente), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 18-02-2022, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).

 

1.2.   A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que sejam anulados os actos de liquidação adicional de IVA nºs..., ..., ... e ..., referentes ao IVA dos períodos 1703T (no montante de EUR 46.213,57), 1706T (no montante de EUR 337,04), 1709T (no montante de EUR 364,29) e 1712T (no montante de EUR 1.089,86), no montante total de EUR 48.004,76, com fundamento na sua ilicitude, por erro sobre os elementos de facto.

 

1.3.   O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 21-02-2022 e foi notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.   A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em
08-04-2022, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.   Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.   Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 28-04-2022, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para “nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional”.

 

1.7.   Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.8.   Em 01-06-2022 a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído a mesma no sentido de que “(…) a) Deverá a ser dispensada a prova testemunhal por inútil, ou, não se entendendo assim (…) b) Deverá a Requerente ser notificada para i. indicar sobre que factos (constantes no pedido arbitral) incidirá a inquirição (…) e c) Deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

1.9.   Em 02-06-2022, a Requerida juntou o processo administrativo.

 

1.10. Por despacho arbitral de 03-06-2022 foi a Requerente notificada “(…) para, no prazo de 5 dias a contar da notificação do presente despacho, informar se mantem interesse na inquirição das testemunhas apresentadas no pedido arbitral e, em caso afirmativo, indicar sobre que factos mencionados no pedido irá incidir a inquirição das referidas testemunhas”.

 

1.11. Em 06-06-2022 a Requerente apresentou requerimento no sentido de “(…) informar que mantem interesse na inquirição das testemunhas apresentadas no pedido arbitral, e indicar que a matéria de facto que se pretende que seja objeto de depoimento testemunhal corresponda à vertida nos articulados n.º 64, e n.ºs 78 a 84 do pedido de pronúncia arbitral, relativamente à interferência, por parte da Requerente, na gestão das sociedades por si participadas”.

 

1.12. Por despacho arbitral de 08-06-2022 foram ambas as Partes notificadas que “(…) no âmbito do processo arbitral, a reunião prevista no artigo 18º, nº 1, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) se encontra agendada para o próximo dia 27 de Junho de 2022, pelas 14:30, e de que a inquirição das testemunhas arroladas terá lugar na mesma”.

 

1.13. Adicionalmente, foi a Requerente notificada para “(…) no prazo de 5 dias a contar da notificação do presente Despacho Arbitral informar o CAAD se as testemunhas serão apresentadas nas instalações do CAAD no Porto e/ou em Lisboa” e ambas as Partes notificadas “(…) para, no prazo acima referido informarem o CAAD sobre a sua vontade em se deslocar às instalações do CAAD, no Porto ou em Lisboa ou, em alternativa, se pretendem participar na diligência on-line, via WEBEX”.

 

1.14. Em 14-06-2022 a Requerente apresentou requerimento no sentido de “(…) questionar o (…) Tribunal Arbitral Singular e a contraparte, sobre a possibilidade de [as Testemunhas] (…) participarem na diligência por videoconferência, via WEBEX” e que “(…) na ausência de qualquer impedimento, o respetivo mandatário prefere participar na diligência presencialmente, nas instalações do CAAD, em Lisboa”.

 

1.15. Por despacho arbitral de 14-06-2022 veio o Tribunal Arbitral esclarecer o seguinte:

 

I. A Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março (…) , na sua redação actual (…), estabelece no seu artigo 6º-E, nº 1 que no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos (…) tribunais arbitrais (…) regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo, referindo-se no seu nº 2 que as audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem inquirição de testemunhas, realizam-se: a) Presencialmente, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, na sua redação atual; ou, sem prejuízo do disposto no n.º 5, através de meios de comunicação à distância adequados, nomeadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior e a sua realização por essa forma não colocar em causa a apreciação e valoração judiciais da prova a produzir nessas diligências (…).

II. No nº 3 do supra citado artigo é referido que em qualquer caso, compete ao tribunal assegurar a realização dos atos judiciais com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, de higiene e sanitárias definidas pela DGS.

III. Nos termos do disposto no nº 5 do referido artigo 6º-E, as partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.

Nestes termos, e de acordo com a prática que tem sido seguida nos Tribunais constituídos no CAAD, em matéria de diligências de inquirição de testemunhas (ou depoimento de parte), há a preferência pela realização deste tipo de diligência com a presença física no Tribunal Arbitral dos intervenientes, preferência essa que apenas é afastada quando as partes acordarem no sentido de tal afastamento ou quando as pessoas que devam depor, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde seja «considerados de risco» para efeitos da doença COVID 19.

A preferência pela prestação de depoimento no Tribunal terá em vista um melhor controle da veracidade e genuinidade dos depoimentos o que, através de meios de comunicação distância pode não ser possível assegurar de forma satisfatória.

         Assim entende este Tribunal Arbitral que as testemunhas deverão ser inquiridas no CAAD, em conformidade com o teor do despacho arbitral de 08-06-2022, devendo comparecer nas instalações do CAAD em Lisboa ou no Porto, em conformidade com a maior conveniência para a sua deslocação, excepto se abrangidas pelo direito de não deslocação acima referido”.

 

1.16. A Requerente, através de requerimento notificado em 27-06-2022, veio prescindir das testemunhas arroladas em sede de pedido de pronúncia arbitral e protestar a junção de documentos dado ter sido “(…) entretanto, (…) possível (…) localizar prova documental adicional, comprovativa da sua interferência na gestão das sociedades por si participadas - nomeadamente, da disponibilização àquelas de software de gestão – (…), o que, com a concordância do (…) tribunal, promove[ria] no decurso da (…) semana” seguinte.

 

1.17. Por despacho arbitral de 27-06-2022 foram ambas as Partes notificadas que a reunião agendada para esta data foi declarada sem efeito e que face ao requerimento apresentado pela Requerente (identificado no ponto anterior), foi esta notificada para “(…) no prazo de 5 dias, anexar os referidos documentos e a Requerida para se pronunciar sobre os mesmos no prazo de 5 cinco dias a contar da data da junção dos mesmos pela Requerente”.

 

1.18. Em 01-07-2022 a Requerente veio anexar ao processo a prova documental requerida previamente, num conjunto de 6 documentos, esclarecendo o seguinte:

 

         “a) Prova da disponibilização de software de gestão, pela Requerente, às suas participadas

1.º A Requerente contratou com a B... um software de gestão, quer comercial, quer de Recursos Humanos e análise de gestão de empresa aos mais variados níveis (controle de stocks, movimentos de fornecedores e de clientes, análises de rentabilidades, gestão de tesouraria, etc.), correspondente ao comumente designado como sistema integrado de gestão empresarial.

2.º A Requerente contratou seis licenças, pelo que o referido sistema opera a gestão de seis empresas em simultâneo, dentro do mesmo licenciamento. Isto é, é um licenciamento de grupo de empresas.

3.º Estas licenças de utilização de software certificado B... foram disponibilizadas às participadas (C... Lda., D... Lda., E... Lda., F... Lda. e G... Lda.), além da própria Requerente.

Perfazem, pois, seis licenças e seis utilizações, por seis diferentes empresas, sendo a correspondente fatura suportada pela Requerente, que disponibiliza o acesso ao software às participadas de forma gratuita, sem qualquer custo por parte destas.

4.º Junta, como Doc. 1, extratos B... nas contas de 2016 e 2017 da Requerente (duas componentes mensais que a B... debita relativamente à utilização do software de gestão pela Requerente e respetivas participadas).

5.º Junta, como Doc. 2, exemplos de faturas emitidas pela B...de 2016 e 2017, relativas à disponibilização à Requerente do referido software integrado de gestão empresarial, passiveis de cruzamento com os extratos juntos como Doc. 1

6.º Junta, como Doc. 3, fatura da H... (agente da B... que prestava assistência à Requerente), relativa a 2017, e na qual se verifica que há uma componente associada à Requerente (1ª linha da fatura) e uma componente adicional (2ª linha da fatura) que diz respeito às cinco licenças adicionais disponibilizadas pela Requerente às suas participadas, sendo a despesa inerente totalmente suportada pela Requerente.

7.º Junta, como Doc. 4, como exemplo, algumas faturas e outros documentos emitidos pelas participadas aos seus clientes, donde se constata que o respetivo software está sempre licenciado à Requerente (…), que o disponibiliza às suas participadas.

b) Prova de empréstimo à participada E..., disponibilizado para esta fazer face a acordo de pagamento a fornecedor homologado por transação judicial

8.º Aquando da aquisição de participação social na participada E... por parte da Requerente, em outubro de 2016, foi esta confrontada com um acordo homologado por sentença que obrigava a participada a cumprir uma transação judicial, tendo como consequência o pagamento do montante de € 32.500,00, acrescido da taxa de justiça no montante de € 714,00 (cf. Doc. 5).

9.º Correspondendo a uma das primeiras ações de participação na gestão da participada, e porquanto a participada não tinha disponibilidade financeira para cumprir com aquela obrigação, a Requerente aportou à participada a liquidez necessária ao cumprimento do referido acordo; caso não tivesse ocorrido a intervenção da Requerente (aportando o montante necessário), a disponibilidade de tesouraria da participada (E...) não teria permitido fazer o pagamento acordado (cf. Doc. 6)” (negrito e sublinhado nosso).

 

1.19. A Requerida não se pronunciou sobre o teor dos documentos ora anexados pela Requerente apesar de devidamente notificada para o efeito (vide ponto 1.17., supra).

 

1.20. Por despacho arbitral datado de 18-07-2022, foram ambas as Partes notificadas que “(…) este Tribunal Arbitral, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…)” veio determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, a contar nos termos legais e designar o dia 30-09-2022 para efeitos de prolação da decisão arbitral, devendo a Requerente até à data da prolação da decisão arbitral proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a acontecer em 15-09-2022).

 

1.21. Em 20-07-2022, a Requerente apresentou as suas alegações, concluindo como no pedido e anexou substabelecimento.

 

1.22. Em 13-09-2022, a Requerida apresentou as suas alegações, remetendo para o que referiu na sua Resposta e concluindo que o pedido “(…) deve ser julgado improcedente, (…) por não provado, e, consequentemente, [ser] absolvida a Requerida de todos os pedidos com as legais consequências”.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.   A Requerente começa por referir que, em 25-11-2021 [2], “(…) foi notificada dos atos de liquidação adicional de IVA nºs ..., ..., ... e ..., referentes ao IVA dos períodos 1703T, 1706T, 1709T e 1712T, e respetivamente no valor de
€ 46.123,57 [3], € 337,04, € 364,29 e € 1.089,76 [4], com o valor global combinado de € 48.004,76, os quais constituem o objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral (…)
”.

 

2.2.   Prossegue a Requerente referindo que “(…) é uma sociedade comercial de direito português que se dedica, no essencial, à gestão de participações sociais noutras sociedades, assim como a prestação de serviços técnicos de administração e gestão”.

 

2.3.   Segundo refere a Requerente, “no decurso do ano de 2021, (…) foi objeto de um procedimento de inspeção tributária levado a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto” tendo o procedimento de inspeção “(…) natureza interna, âmbito parcial (IRC e IVA), incidi[do] temporalmente sobre o exercício de 2017, e dele resultou o relatório de inspeção tributária (…) em que se fundamentam as liquidações ora impugnadas (…)”.

 

2.4.   Alega a Requerente que “a inspeção tributária focou-se, essencialmente, naquele que foi o motivo que levou a sua credenciação” ou seja, a “análise do reporte de IVA em períodos sucessivos (mais de dois anos consecutivos, 2016 e 2017) sem que tenha sido efetuado o pedido de reembolso (…)”, tendo a Inspeção Tributária entendido (conforme refere no RIT) “(…) que nos períodos compreendidos entre janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2017, a Requerente apenas praticou operações ativas no 3º trimestre de 2015, e que a quase totalidade do IVA que sustenta o reporte invocado na declaração periódica (…) do 1º trimestre de 2017 resulta do IVA deduzido no 2º trimestre de 2015 (…)”.

 

2.5.   Adicionalmente, refere a Requerente que “a Inspeção Tributária verificou ainda que, apesar de [a Requerente] apenas ter declarado ter praticado operações ativas no 3º trimestre de 2015, (…) vem deduzindo regularmente o IVA suportando na aquisição de diversos bens e serviços (…)”, concluindo a Requerida que “(…) da conjugação destes dois pontos, que todo o IVA deduzido pela Requerente nos períodos compreendidos entre 2014 e 2017, não confere o direito à dedução (…) porquanto (…) a Requerente não terá prestado quaisquer serviços técnicos, de análise de novos negócios de coordenação e acompanhamento da abordagem comercial das suas participadas, em suma, de gerir essas participações sociais”.

 

  1. Segundo entende a Requerente, “esta asserção da Inspeção Tributária assenta no facto de, no período compreendido entre 2014 e 2017, a Requerente não ter procedido à emissão de qualquer fatura às suas participadas” e ter considerado que “(…) a participação da Requerente nas suas associadas não foi acompanhada de uma interferência direta ou indireta na questão destas sociedades” e que “os serviços por si adquiridos foram, exclusivamente utilizados na mera atividade de gestão de participações sociais, não sendo esta, por si só, considerada uma atividade económica”.

 

  1. Assim, segundo a Requerente, a Inspeção Tributária determinou que “o IVA suportado pela Requerente, nos períodos anteriores a 2017, correspondente ao reporte de IVA invocado na DP do 1º trimestre de 2017, fosse corrigido a favor do Estado na DP desse período e que o restante IVA suportado, deduzido em cada uma das DP enviadas relativamente ao ano de 2017, fosse eliminado do campo 24 onde foi incluído pela Requerente”, “redundando assim nas liquidações objeto destes autos, que por força e em consequência da declaração da respetiva ilicitude, deverão ser anuladas pelo (…) tribunal arbitral (…)”.

 

  1. Esclarece a Requerente que, “em sede de audição prévia, veio (…) invocar a caducidade da (vasta) maioria das correções (…) projetadas (…) bem como comprovadamente demonstrar a dedutibilidade do IVA suportado, termos em que as correções se encontrariam prejudicadas por erro sobre os fundamentos de facto”.

Da caducidade das liquidações

 

  1. A Requerente refere que, em sede de direito de audição, veio arguir a caducidade das correções projetadas no PRIT, as quais se vieram a materializar, sem alterações, nas liquidações que constituem o objeto dos presentes autos, tendo a Requerida referido (em sua defesa) que “a contagem do prazo de caducidade obedece ao previsto no nº 3 do art. 45º da LGT, pelo que a AT não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação estabelecido no nº 1 do referido normativo podendo assim efetuar correções às declarações relativas ao período em relação ao qual é utilizado o crédito de imposto que, no caso em análise foi acumulado até ao período de 2017.12T, inclusive (…)”.

 

  1. Ora, segundo entende a Requerente, “tal posição, por consistir num inadmissível deturpar do normativo invocado, não poderá proceder” porquanto, como procura demonstrar, “(…) o prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida se inicia concomitantemente com o prazo para exercício do respetivo direito à dedução, ou seja, na data em que foram emitidas as faturas concretamente em causa (…)” mas, “consideradas as datas de emissão das faturas aqui em causa (…) e a data em que foram notificadas as liquidações objeto destes autos (…), verifica-se que, quanto ao IVA deduzido pela Requerente, com exceção do relativo a 2017, transcorreu o prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida, antes de a notificação das liquidações impugnadas ter sido efetuada”.

 

  1. Assim, alega a Requerida que como “(…) a caducidade constitui causa extintiva [da] relação jurídica tributária (…)”, “se impõe a anulação parcial das liquidações impugnadas, na proporção em que correspondam ao IVA dedutível em 2014, 2015 e 2016, cujo direito de liquidação adicional se encontra prejudicado por caducidade”.

 

  1. E, refere a Requerente, que “(…) ainda que aquele prazo de caducidade se contasse a partir do momento em que foi apresentada cada uma das declarações periódicas relativas aos períodos em causa, sempre se verificaria a mesma caducidade” porquanto, segundo entende a Requerente, “(…) resulta do normativo (…) que o direito à liquidação do IVA (…) deduzido pela Requerente relativamente ao ano de 2014 caducou no passado dia 01-01-2019; ao ano de 2015 caducou no passado dia 01-01-2020; ao ano de 2016 caducou no passado dia 01-01-2021; ao ano de 2017 caducaria no próximo dia 01-01-2022” reiterando que “a caducidade (…) constitui causa extintiva relação jurídica tributária (…)” e que, por isso, “(…) devem as liquidações impugnadas ser parcialmente anuladas, na parte correspondente ao IVA deduzido naqueles períodos (todos as trimestres relativos a 2014, 2015 e 2016)”.

 

Do direito à dedução do IVA suportado

 

  1. A este respeito, refere a Requerente que “(…) entendeu a Inspeção Tributária que o IVA deduzido pelo Requerente entre 2014 e 2017 não confere o direito à dedução à luz do disposto no nº 1 do art. 20º do IVA, na medida em que a gestão de participações não deverá, por si só, ser considerada uma atividade económica na aceção da Sexta Diretiva” sendo assim considerada quando “(…) a par da tomada de participações, se verifique uma interferência direta ou indireta pelo sujeito passivo na gestão das sociedades participadas, na medida em que tal interferência implique a realização de transações sujeitas ao IVA (…), tais como, por exemplo, o fornecimento de serviços administrativos, contabilísticos e informáticos”.

 

  1. Alega a Requerente que “a Inspeção Tributária apurou que, entre 2014 e 2017, a Requerente não emitiu quaisquer faturas às suas participadas (…)” tendo deduzido “desse facto, (…), que a Requerente não prestou quaisquer serviços às suas participadas naquele período, e que, assim, não terá tido intervenção direta ou indireta na gestão destas, daí saindo prejudicado o seu direito à dedução do IVA suportado naqueles períodos”.

 

  1. Ora, segundo entende a Requerente, esta “(…) emitiu faturas às suas participadas, relativamente a serviços de acompanhamento e gestão, nos anos de 2018 e 2019 (…), demonstrando-se assim que esta, efetivamente, presta serviços daquela natureza às sociedades por si participadas” sendo que, “(…) de acordo com a jurisprudência citada no RIT (…), a ausência de faturas num dado ano não determina, por si só, que um agente económico não [tenha] desenvolvido uma determinada atividade económica”.

 

  1. Desde logo, segundo a Requerente, “(…) haverá que levar em conta que a gestão de participações sociais, pela própria natureza, pode ser exercida de forma direta e indireta, não sendo, por isso, necessariamente refletida em faturas emitidas às sociedades participadas” e, “em segundo lugar, e de acordo com o entendimento do TJUE (…) o direito à dedução do IVA uma vez adquirido, subsiste mesmo que a atividade económica projetada não dê origem a operações tributáveis”.

 

  1. Assim, defende a Requerente que “a administração ativa de participações sociais, pela sua própria natureza, pode atravessar períodos em que a interferência na gestão das participadas se afigura desnecessária, ineficiente, ou mesmo contraproducente - mas tal não determina, por si só, que aquela atividade de administração de participações sociais não seja exercida”.

 

  1. Segundo a Requerente, “afirma a jurisprudência (…) do TJUE que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela DIVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo”, citando para o efeito diversos Acórdãos daquele Tribunal.

 

  1. E, acrescenta a Requerente que “a amplitude do direito à dedução em IVA é tão grande, que (…) este deve inclusive ser concedido no tocante às chamadas atividades preparatórias, não se exigindo que a atividade tenha já começado para se poder deduzir o IVA, podendo ser deduzido relativamente a este tipo de atividades”, sendo que, “como a jurisprudência do TJUE salienta, é a aquisição de bens pelo sujeito passivo, agindo nessa qualidade, que determina a aplicação do sistema do IVA e, portanto, do mecanismo de dedução” porquanto “o sujeito passivo atua nessa qualidade quando age para os fins da sua atividade económica (…)”.

 

  1. Considera ainda a Requerente que “(…) como se conclui no Caso Intiem, o mecanismo da dedução do IVA regulado pela Sexta Diretiva deve ser aplicado de tal forma que o seu âmbito de aplicação corresponda, na medida do possível, ao âmbito das atividades profissionais do sujeito passivo”, sendo que, “como nota o TJUE, o principio da neutralidade do IVA, no que se refere à carga fiscal da empresa, exige que as despesas de investimento efetuadas para as necessidades e objetivos de uma empresa sejam consideradas atividades económicas conferindo um direito à dedução do IVA imediato”.

 

  1. Segundo alega a Requerente, “importa ainda notar que, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, o princípio da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida caso os requisitos substanciais tenham sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais” sendo que, “neste contexto, de acordo com o TJUE, desde que a AT disponha dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das operações, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito à dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito”.

 

  1. Em resumo, da jurisprudência do TJUE resulta claro que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas do Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito”.

 

  1. Adicionalmente, entende a Requerente que “(…) para além dos elementos já constantes da inspeção e respetivo RIT (…), cumpre (…) atender a outros que cabalmente demonstram uma interferência, por parte da Requerente, na gestão das sociedades por si participadas”, procurando demonstrar a existência dessa interferência na gestão através da junção de documentos com o pedido (e também através do que juntou subsequentemente, em substituição da prova testemunhal, inicialmente apresentada com o pedido mas da qual veio posteriormente a prescindir).

 

  1. Nestes termos, segundo alega a Requerente, “atenta a factualidade exposta, a prova ora carreada aos autos e aquela que ainda há a produzir, cumprirá concluir, sumariando, por um lado, que a mera ausência de faturas num dado ano, do sujeito passivo às suas participadas, não determina, nem pode determinar, por si só, a ausência de efetiva atividade de gestão das participações sociais detidas, porquanto essa atividade se pode consubstanciar, em dados períodos, numa ausência de operações ativas” e, “por outro, verifica-se que, nos períodos sob escrutínio pela Administração Tributária, a Requerente participou ativamente na administração das suas participadas, nomeadamente através da supressão de carências de tesouraria, interferindo direta e indiretamente  na respetiva gestão, sendo evidente que, a partir de 2018 e 2019, a Requerente emitiu faturas as suas participadas, relativas a serviços de acompanhamento e gestão, que são demonstrativas do exercício ativo, pela Requerente, de uma atividade económica na aceção da Sexta Diretiva, consubstanciada na gestão das suas participadas” (sublinhado nosso).

 

  1. Concluindo a Requerente que “não podendo o direito à dedução do IVA ser coarto senão nos casos expressamente permitidos pelas normas Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, e não sendo este um desses casos, deverá também por este fundamento serem anuladas as liquidações ora impugnadas, com fundamento na sua ilicitude, por erro sobre os elementos de facto”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.   A Requerida, na resposta apresentada, defendeu-se por impugnação tendo começado por referir que remete e dá “(…) como integralmente reproduzida a factualidade assente no Relatório de Inspecção tributária (…) que compõe o processo administrativo instrutor (…), salientando-se, apenas, os factos mais relevantes para a boa decisão da causa”.

 

3.2.   Prossegue a Requerida referindo que “a Requerente foi constituída em dezembro de 2011 e tem como objecto social a gestão de participações socias noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, assim como a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas das sociedades em que detenha participações (…)” e, “na medida em que reveste a forma de SGPS, está sujeita ao regime jurídico especifico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (…)”.

 

3.3.   Refere a Requerida que “a coberto da Ordem de Serviço Interna nº OI2019..., a Requerente foi objecto de uma acção de inspecção levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária (de ora em diante SIT) da Direcção de Finanças do Porto” tendo “a referida acção de inspecção (…) âmbito parcial ou univalente, incidindo sobre o IRC do período de 2017 (…)” e sobre o IVA, motivada pela necessidade de “(…) análise dos reportes de IVA efectuados pela Requerente, em períodos sucessivos (mais de dois anos consecutivos: em 2016 e 2017) sem que tenha sido efectuado o pedido de reembolso”.

 

3.4.   Continua a Requerida referindo que “no âmbito da acção inspectiva (…) identificada constataram os SIT que, no exercício em análise (2017) a sociedade A... SGPS, S.A., era detentora (…)” de diversas participações sociais (que identifica), e que “através da análise às declarações periódicas de IVA (…) entregues pela sociedade [verificou-se] que a ora Requerente apenas praticou operações activas no 3° trimestre do ano de 2015 e que a quase totalidade do IVA subjacente ao reporte efectuado na declaração periódica (…) do 1º trimestre de 2017 resulta do IVA deduzido no 2º trimestre de 2015, conforme quadros resumo que constam do Projecto do RIT e do RIT (…)” que reproduz (sublinhado nosso).

 

3.5.   Esclarece a Requerida que “por forma a analisar e comprovar as verificações supra mencionadas, a 24-03-2021, foi solicitado ao sujeito passivo inspeccionado, (…), o envio de elementos contabilísticos e prestação de esclarecimentos, no prazo de 10 dias (…)”, tendo estes sido remetidos à Requerida em “04 de junho de 2021, (…) através de email” mas “da análise das declarações fiscais remetidas pelo sujeito passivo, bem como, dos elementos contabilísticos e esclarecimentos prestados, verificaram os SIT que parte substancial do crédito de IVA invocado na DP do 1.º Trimestre de 2017 (2017/03T), provém de 2 facturas (…), no montante total de € 205.410,00 (…) emitidas pela sociedade I..., S.A (…) e pelo advogado J... (…)”.

 

  1. Assim, concluíram os SIT “(…) que todo o IVA deduzido nos períodos 2014 a 2017, não confere direito à dedução à luz do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA porquanto, no lapso temporal em análise (2014 a 2017) a ora Requerente não emitiu qualquer factura às suas participadas” tendo entre 2014 e 2017 somente emitido “(…) duas facturas, ambas relativas a clientes que não as sociedades entidades participadas”.

 

  1. Adicionalmente, entenderam os SIT que “(…) não se verificando que a participação da ora Requerente nas associadas tenha sido acompanhada de uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações (…) os serviços por si adquiridos foram, exclusivamente utilizados na mera actividade de gestão de participações sociais, que não é, por si só, considerada uma actividade económica, tal como tem sido entendido pela jurisprudência nacional e comunitária”, “pelo que os SIT efectuaram as correcções (…), consubstanciadas na não aceitação do IVA suportado em períodos anteriores a 2017, correspondente ao reporte de IVA invocado na DP do 1º trimestre de 2017 e na eliminação do campo 24 do restante IVA deduzido em cada uma das DP enviadas para o ano de 2017”.

 

  1. Reitera a Requerida que tais “(…) correcções foram plasmadas do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, notificado ao sujeito passivo em 04-10-2021, (…), mais se notificando a ora Requerente de que no prazo de 15 dias poderia, querendo, exercer o direito de audição (…)”, o qual foi exercido pela Requerente em 02-11-2021.

 

  1. Refere a Requerida que “analisados os argumentos aduzidos pela Requerente, entenderam os SIT não subsistirem razões para alterar o sentido do Projecto de Relatório razão pela qual se converteu o mesmo em definitivo”, tendo este sido notificado à ora Requerente em 18-04-2021, através de Ofício registado.

 

  1. Segundo a Requerida, “vem a Requerente alegar, à semelhança do que já tinha feito em sede de direito de audição do Projecto de RIT, a caducidade das liquidações (…)” alegando estar “em causa nos presentes autos (…) as correcções já descritas (…), efectuadas pela inspecção tributária, referentes aos períodos de 17/03T, 17/06T, 17/09T e 17/12T, (…), que dizem respeito à não aceitação do IVA suportado em períodos anteriores a 2017, correspondente ao reporte de IVA invocado na DP do 1 ° trimestre de 2017 e na eliminação do campo 24 do restante IVA deduzido em cada uma das DP enviadas para o ano de 2017”.

 

  1. Quanto à alegada caducidade das liquidações, entende a Requerida que “na temática em apreço, está em causa o exercício do direito à dedução do IVA e consequente(…) [recuperação] do reporte acumulado em exercícios sucessivos”, “situação que encontra respaldo na lei no nº 3 do art.º 45º da LGT, que prevê expressamente que o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”, entendendo a Requerida que “de harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do CIVA, o direito à dedução de IVA nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período”, sendo que “sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso será deduzido nos períodos de imposto seguintes (…), mas se passarem 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistindo crédito a favor do contribuinte este poderá solicitar o seu reembolso (…) ou efectuar o seu reporte para períodos seguintes”.

 

  1. Ora, prossegue a Requerida, referindo que “(…) tendo a Requerente efectuado sucessivos reportes de IVA sem efectuar o pedido de reembolso, e tendo a inspecção tributária detectado tal situação, foi instaurada acção inspectiva com o objectivo de a analisar”, resultando evidente “(…) que o exercício do direito à dedução do imposto suportado a montante, que integra o mecanismo de apuramento do imposto devido, não pode ser dissociado na sua análise do imposto liquidado”, concluindo que “face à factualidade do caso sub judice, as conclusões a que chegaram os SIT não poderiam ser outras”.

 

  1. Assim, não tendo a Requerente no período em análise emitido qualquer factura às suas participadas, entenderam os SIT que “(…) no período em causa (…)”, “(…) a participação da Requerente nas associadas [não] tenha sido acompanhada de uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações (…) o que redunda na asserção necessária que os serviços adquiridos pela Requerente foram exclusivamente utilizados na mera actividade de gestão de participações sociais, que (…) não é por si só considerada actividade económica”.

 

  1. Nestes termos, refere a Requerida que “tem de se concluir que seria manifestamente contrário ao princípio da justiça o entendimento que admitisse a faculdade de o contribuinte efectuar sucessivos reportes de IVA e vir a pedir o seu reembolso (que arrecadará há mais de 4 anos) e se impedisse à AT, no âmbito da análise efectuada à conta-corrente do contribuinte, a possibilidade de corrigir o imposto a favor do Estado”.[5]

 

  1. Assim, defende a Requerida que “qualquer decisão que sufrague a tese da Requerente, no sentido de interpretar o prazo de caducidade, tal e qual aquela propõe fazer para os casos de reporte de créditos de reembolso de IVA, deverá ser julgada inconstitucional” “porquanto, viola o principio da legalidade (…) e da primazia do Direito Comunitário – por referência às Directivas IVA (…) – na medida em que distorce o princípio da neutralidade inerente ao funcionamento do IVA, colidindo frontalmente com o corolário da indisponibilidade dos créditos tributários (…) na medida em que, aceita a acumulação de “supostos” e “alegados” créditos de IVA, reportando-os ad eternum, sem que as Administrações Fiscais possam fiscalizar a sua legitimidade, pondo em causa (…) o principio da neutralidade inerente ao IVA”.

 

  1. Acresce que “(…) tal interpretação – a sufragada pela Requerente – é per si manifesta e frontalmente violadora dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança (…), do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (…), da independência e vinculação à legalidade dos tribunais (…) e da própria vinculação da administração à legalidade”, culminando segundo refere a Requerida “(…) num lacerar do princípio da eficiência fiscal, que visa garantir que o sistema fiscal seja adequado à satisfação das necessidades financeiras do Estado e também a prossecução de todos os seus objetivos políticos, qualquer que seja a sua natureza”.

 

  1. Adicionalmente, quanto ao argumento invocado pela Requerente de que “(…) o facto de não serem emitidas facturas num determinado período não determina, por si só, que um agente económico não desenvolva certa actividade económica” e que “(…) a gestão de participações sociais pode ser exercida de forma directa e indirecta e que o direito de dedução do IVA, uma vez adquirido, subsiste mesmo que a actividade económica projectada não dê origem a operações tributáveis”, entende a Requerida que “também neste ponto não lhe assiste qualquer razão (…)” desde logo porque “no âmbito do direito de audição por si exercido relativamente ao projecto de RIT, poderia e deveria a Requerente ter junto provas concretas da alegada efectiva gestão das participações sociais das suas associadas, o que não fez (…) pese embora tal tarefa não se mostrasse revestida de extrema dificuldade (…) uma vez que, a ser como a Requerente alega facilmente poderia ter junto aos autos documentos comprovativos por exemplo de prestação de serviços técnicos, de análise de novos negócios, de coordenação e acompanhamento da abordagem comercial das participadas, em suma, qualquer documento que atestasse a existência dessa participação”.

 

  1. Com efeito, entende a Requerida que “a prova junta pela Requerente nada tem a ver com o caso sub judice, encontrando-se a mesma fora do âmbito temporal em análise e sem apresentar qualquer correlação, com os inputs que originaram a dedução da quase totalidade do IVA cujo direito foi invocado nas declarações periódicas dos períodos em análise (…)” pelo que reitera que a conclusão não poderia ter sido diferente, porquanto entende que “(…) a Requerente não cumpriu o princípio do ónus da prova, que implica que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo”.

 

  1. Assim, reitera a Requerida que “a conclusão a que chegou não poderia ter sido outra, que a de considerar que os serviços por si adquiridos pela Requerente, foram, exclusivamente, utilizados na mera actividade de gestão de participações sociais, não sendo esta, por si só, considerada uma actividade económica”, “conclusão que se encontra em harmonia com o entendimento da jurisprudencial nacional e comunitária, do qual destacamos a título de exemplo o Acórdão do TJUE de 16 de julho de 2015, caso Larentia/Minerva e Marenave Schiffahrt, processos n.ºs C 108114 e C 109/14 (…)”, que a Requerida parcialmente cita.

 

  1. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) cremos ter ficado demonstrado que a AT cumpriu com a lei e com todos os princípios jurídicos aplicáveis ao caso concreto, fazendo uma correcta interpretação e aplicação de todos os preceitos legais, no estrito cumprimento do princípio da legalidade que impera na sua actuação (…)”.

 

  1. Por último, e no que diz respeito à prova testemunhal apresentada pela Requerente, entende a Requerida que “atendendo à matéria em dissídio e, na medida em que a qualificação jurídica da matéria é meramente de direito, a mesma é da competência do tribunal, não sendo passível de prova testemunhal, pelo que, (…), a solicitada inquirição das testemunhas constitui um acto manifestamente inútil e, como tal, proibido por lei”, opondo-se à inquirição mas, “caso se entenda ser necessário ouvir a[s] testemunha[s] arrolada[s] (…), deverá a Requerente ser notificada para, desde já, indicar sobre que factos (constantes no pedido arbitral) incidirá a inquirição”.

 

  1. A Requerida conclui a Resposta referindo que “(…) deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.   O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea e) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.   O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.   Não foram suscitadas na Resposta quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.   Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.      MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.   Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.   A Requerente é uma sociedade comercial de direito português, constituída em Dezembro de 2011, que tem como objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, assim como a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenha participações ou com as quais tenha celebrado contratos de subordinação, bem com a entidades terceiras (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 5 e 6 anexados pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.4.   O seu capital social ascende a EUR 8.050,00, tendo sido realizado em numerário e em espécie (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 5 e 6 anexados pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.5.   A Requerente, enquanto SGPS, está sujeita ao regime jurídico específico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), aprovado pelo Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 318/94, de 24 de Dezembro e pelo Decreto-Lei nº 378/98, de 27 de Novembro.

 

5.6.   Enquanto SGPS, a Requerente detinha, por referência ao ano sobre o qual incidiu a inspeção tributária (2017), as seguintes participações sociais (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 5 e 6 anexados pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida):

ENTIDADE

NIPC

PARTICIPAÇÃO (%)

DETENÇÃO DESDE

C..., Lda.

...

57,14

10-01-2014

G... Unipessoal, Lda.

...

100

21-01-2015

D..., Lda.

...

95

10-04-2015

E..., Lda.

...

54,57

28-12-2016

F...–, Lda.

...

100

03-01-2017

 

5.7.   Em matéria de IRC, a Requerente é considerada um sujeito passivo residente, que exerce a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, sendo tributada pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional, estando enquadrada para efeitos de determinação da matéria colectável, nas regras da alínea a) do nº 1 do artigo 15º do Código do IRC (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 5 e 6 anexados pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.8.   Em matéria de IVA, a Requerente é um sujeito passivo registado desde 01-07-2014 no regime normal, de periodicidade trimestral, com o CAE 64202 “Act. Sociedades Gestoras de Participações Sociais não Financeiras” (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 5 e 6 anexados pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.9.   Para os anos de 2014, 2015, 2016 e 2017 não foi obtida evidência de que a Requerente tenha celebrado, com as sua participadas (individualmente ou em conjunto), qualquer contrato de prestação de serviços de administração e/ou gestão ou de outra natureza não tendo havido, por isso, o débito de quaisquer serviços da Requerente às suas participadas.

 

5.10. Para os anos de 2016 e 2017 foi obtida evidência que a Requerente terá contratado com a empresa B... um software de gestão [quer comercial, quer de Recursos Humanos e análise de gestão de empresa aos mais variados níveis (controle de stocks, movimentos de fornecedores e de clientes, análises de rentabilidades, gestão de tesouraria, etc.), correspondente ao comumente designado como sistema integrado de gestão empresarial], tendo a Requerente contratado seis licenças (a operar em seis empresas em simultâneo, dentro do mesmo licenciamento) e disponibilizadas à Requerente e às participadas (C... Lda., D... Lda., E... Lda., F... Lda. e G... Lda.), (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 1 e Doc. nº 4 anexados pela Requerente com o requerimento apresentado em 01-07-2022, e não “contestados” pela Requerida).

 

5.11. Pela contratação do software referido no ponto anterior, a empresa de software B... debitou, nos anos 2016 e 2017, à Requerente os montantes totais de EUR 980,10 e
EUR 1.584,23, respectivamente, relativos à utilização pela Requerente e respetivas participadas, do software de gestão empresarial disponibilizado (em conformidade com informação constante do Doc. nº 2 anexado pela Requerente com o requerimento apresentado em 01-07-2022, e não “contestado” pela Requerida).

 

5.12. Ainda relativamente á assistência técnica em matéria informática, a empresa H..., Lda. (agente da B... que prestava assistência à Requerente), no ano 2017, facturou
EUR 810,45, relativos à assistência (B... 50 C PROFISSIONAL COMPLETE SUBSCRIÇÃO ANUAL) prestada à Requerente e EUR 669,74 relativos à assistência às suas participadas, sendo a despesa inerente totalmente suportada pela Requerente, sem ter sido efectuado qualquer redébito às respectivas participadas (em conformidade com informação constante do Doc. nº 3 anexado pela Requerente com o requerimento apresentado em 01-07-2022, e não “contestado” pela Requerida).

 

5.13. Foi obtida evidência de que a Requerente, por diversas vezes, nos anos de 2015, 2016 e 2017, efectuou empréstimos/adiantamentos às suas participadas de modo a garantir que as mesmas tinham a possibilidade de cumprir com diversos compromissos de natureza comercial, legal e tributária, dentro do âmbito das suas actividades (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 5 e 6 anexados pela Requerente com o requerimento apresentado em 01-07-2022, e não “contestados” pela Requerida), bem como em conformidade com os Docs. nº 8, 9, 10 e 11, anexados pela Requerente com o pedido.

 

5.14. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de natureza interna, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do Porto, legitimada pela Ordem de Serviço Interna nº OI2019..., emitida com âmbito parcial (IVA e IRC, para o período de 2017 (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 5 e 6 anexados pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.15. A referida acção inspectiva foi emitida tendo em vista a análise do reporte de IVA em períodos sucessivos (mais de dois anos consecutivos – 2016 e 2017), sem que tenha sido efectuado qualquer pedido de reembolso (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 5 e 6 anexados pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.16. No âmbito da acção inspectiva realizada foram solicitados, através da notificação 2021..., de 24-03-2021 (com o registo RF ... PT, repetido através do registo RF ... PT), para efeitos de análise e comprovação da informação constante das declarações fiscais de 2017, os seguintes elementos (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 5 e 6 anexados pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida):

 

5.17. Posteriormente, foram ainda solicitados pelos SIT, via email, os seguintes elementos/esclarecimentos:

 

5.18. Os SIT, no projecto de RIT, referem que “(…) entre janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2017, a empresa apenas declarou operações ativas na DP do 3º trimestre de 2015, no montante de € 17.500,00, sendo naturalmente esse o motivo que determina a situação de crédito permanente de imposto” porquanto, “apesar de apenas declarar ter praticado operações ativas no 3º trim. 2015, a A... SGPS vem deduzindo regularmente IVA suportado na aquisição de diversos bens e serviços, conforme se ilustra (…)” (em conformidade com informação constante do Doc. nº 5 anexado pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.19. OS SIT entenderam, no âmbito do procedimento inspectivo que o IVA deduzido pela Requerente, nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, tinha a seguinte origem:

 

 

 

5.20. E acrescentam os SIT na análise realizada que:

 

5.21. A Requerente foi notificada, em 04-10-2021, do Projecto de Correcções do Relatório da Inspecção Tributária (RIT), através de Ofício 2021..., de 30-09-2021 (com o registo RF ... PT), do qual constava em síntese o seguinte (em conformidade com informação constante do Doc. nº 5 anexado pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida):

 

5.22. Assim, naquele Projecto de Correcções, “em resultado das diligências efetuadas para cumprimento da ordem de serviço interna nº OI2019..., emitida para o sujeito passivo A..., SGPS, S.A. (…), propõem-se as seguintes correcções meramente aritméticas (em conformidade com informação constante do Doc. nº 5 anexado pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida):

I.1. IVA DEDUZIDO INDEVIDAMENTE”

ORIGEM DA DEDUÇÃO

ANO 2017

1º TRIMESTRE

2º TRIMESTRE

3º TRIMESTRE

4º TRIMESTRE

TOTAL

Reporte de períodos anteriores

45.825,73

 

 

 

45.825,73

IVA deduzido do período

387,64

337,04

364,29

1.089,96

2.179,03

TOTAL

46.213,57

337,04

364,29

1.089,86

48.004,76

 

5.23. Adicionalmente, foi ainda a Requerente notificada, através do Ofício identificado no ponto 5.21. de que, no prazo de 15 dias poderia, querendo, exercer o direito de audição, nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60º do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária), em conformidade com informação constante do Doc. nº 5 anexado pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida.

 

5.24. A Requerente apresentou, em 02-11-2021, nos serviços da Direção de Finanças do Porto, o seu direito de audição prévia, do qual constam os seguintes argumentos (apenas transcritos quanto à questão de IVA em análise) (em conformidade com informação constante do Doc. nº 7 anexado pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida):

 

 

5.25. Com o direito de audição, a Requerente anexou, para além de cópia do próprio projecto de RIT, cópia de facturas emitidas às suas participadas, em 2018 e 2019, de serviços de acompanhamento e gestão, emitidas a cada uma das suas participadas, sendo estas relativas a períodos fora do âmbito temporal da inspecção tributária (em conformidade com informação constante do Doc. nº 7 anexado pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.26. Os SIT procederam à análise dos argumentos apresentados pela Requerente, em conformidade com o descrito no ponto anterior, tendo concluído o seguinte (em matéria de análise das questões de IVA) (em conformidade com informação constante do Doc. nº 6 anexado pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida):

 

 

5.27. Assim, por entenderem os SIT não subsistirem razões para alterar o sentido do Projecto de Relatório, este converteu-se em definitivo (em conformidade com informação constante do Doc. nº 6 anexado pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.28. A Requerente foi notificada, em 18-04-2021, do RIT final, através de Ofício Nº 2021..., de 16-11-2021(com o registo n.º RF ... PT) no qual se mantinham as correções aritméticas identificadas no ponto 5.22., supra (em conformidade com informação constante do Doc. nº 6 anexado pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.29. A Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional de IVA nºs ..., ..., ..., ..., datados de 25-11-2021, relativos aos períodos de 1703T (no montante de EUR 46.213,57), de 1706T (no montante de EUR 337,04), de 1709T (no montante de EUR 364,29) e de 1712T (no montante de EUR 1.089,86), no total de
EUR 48.004,76 (em conformidade com informação constante dos Doc. nº 1 a 4 anexados pela Requerente com o pedido e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.30. A Requerente apresentou, em 18-02-2022, o presente pedido de pronúncia arbitral, no qual veio solicitar a anulação dos actos de liquidação adicional de IVA identificados no ponto anterior.

 

5.31. Com o pedido de pronúncia arbitral a Requerente anexou:

 

5.31.1.   Cópia de documentos comprovativos de transferências bancárias, datadas de 2015 e 2016, a favor das suas participadas (em conformidade com informação constante do Doc. nº 8 anexado pela Requerente);

5.31.2.   Cópia de documentos comprovativos de transferências bancárias, datadas de 2017, a favor das suas participadas (em conformidade com informação constante do Doc. nº 9 anexado pela Requerente);

5.31.3.   Cópia de documentos comprovativos de transferências bancárias, datadas de 2017, a entidades identificadas no pedido como sendo fornecedores das participadas, para pagamento de alegados serviços prestados por estas entidades às sociedades participadas (em conformidade com informação constante do Doc. nº 10 anexado pela Requerente);

5.31.4.   Cópia do “balancete de fecho” relativo ao ano de 2017, no qual estão evidenciados empréstimos às sociedades participadas (em conformidade com informação constante do Doc. nº 11 anexado pela Requerente).

 

5.32. Com o requerimento apresentado em 01-07-2022 a Requerente veio anexar ao processo a prova documental requerida previamente, num conjunto de 6 documentos:

 

5.32.1.   Cópia de extratos B..., relativos aos anos de 2016 e 2017 (mês de fecho), referentes a débitos da utilização, pela Requerente e respectivas participadas, do software de gestão, quer comercial, quer de Recursos Humanos e análise de gestão de empresa aos mais variados níveis (controle de stocks, movimentos de fornecedores e de clientes, análises de rentabilidades, gestão de tesouraria, etc.), correspondente ao vulgarmente designado como sistema integrado de gestão empresarial (Doc. nº 1 do referido requerimento);

5.32.2.   Cópia de facturas emitidas pela B..., em 2016 e 2017, relativas à disponibilização à Requerente do referido software integrado de gestão empresarial (Doc. nº 2 do referido requerimento);

5.32.3.   Cópia de fatura da H... (agente da B... que prestava assistência à Requerente), relativa a 2017, e na qual se verifica que há uma componente associada à Requerente (1ª linha da fatura) e uma componente adicional (2ª linha da fatura) que diz respeito às cinco licenças adicionais disponibilizadas pela Requerente às suas participadas, sendo a despesa inerente totalmente suportada pela Requerente (Doc. nº 3 do referido requerimento);

5.32.4.   Cópia de facturas e outros documentos emitidos por algumas das participadas aos seus clientes, em 2016 e 2017, onde se constata que o respetivo software está sempre licenciado à Requerente (Doc. nº 4 do referido requerimento);

5.32.5.   Cópia de documento (documento de homologação de transação judicial) que suporta a necessidade de empréstimo à participada E..., disponibilizado para esta fazer face a acordo de pagamento a fornecedor homologado pela referida transação judicial e respetivo comprovativo de transferência efectuada em 2016 (Doc. nº 5 e 6 do referido requerimento),

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.33. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes, incluindo o processo administrativo.

 

Dos factos não provados

 

5.34. Não ficou provado, através da cópia dos documentos que a Requerente anexou com o pedido e com as cópias dos documentos anexados com o requerimento apresentado em 01-07-2022, que tenha prestado às sociedades participadas, em 2014, 2015, 2016 e 2017, serviços técnicos de administração e gestão que se traduziram numa actividade económica para efeitos de IVA, conforme se analisará no Capítulo 6. desta Decisão.

 

5.35. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.      MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.   No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente refere que a Requerida, no âmbito da inspeção tributária realizada na Requerente para “análise do reporte de IVA em períodos sucessivos (mais de dois anos consecutivos, 2016 e 2017) sem que tenha sido efetuado o pedido de reembolso (…)”, entendeu “(…) que nos períodos compreendidos entre janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2017, a Requerente apenas praticou operações ativas no 3º trimestre de 2015, e que a quase totalidade do IVA que sustenta o reporte invocado na declaração periódica (…) do 1º trimestre de 2017 resulta do IVA deduzido no 2º trimestre de 2015 (…)”, sendo que “(…) apesar de [a Requerente] apenas ter declarado ter praticado operações ativas no 3º trimestre de 2015, a Requerente vem deduzindo regularmente o IVA suportando na aquisição de diversos bens e serviços (…)”, tendo a Requerida concluído no RIT que (…) todo o IVA deduzido pela Requerente nos períodos compreendidos entre 2014 e 2017, não confere o direito à dedução (…) porquanto (…) a Requerente não terá prestado quaisquer serviços técnicos, de análise de novos negócios de coordenação e acompanhamento da abordagem comercial das suas participadas (…)” (sublinhado nosso).

 

6.2.   Neste âmbito, entende a Requerente que se verifica, por um lado, a caducidade das correções constantes do RIT, no que diz respeito ao ano de 2014, 2015 e 2016 e, em consequência, das respectivas liquidações adicionais de IVA objecto do pedido de pronúncia arbitral porquanto o direito a liquidar imposto relativo ao ano de 2014 teria caducado no dia 01-01-2019, o direito a liquidar imposto relativo ao ano 2015 teria caducado em 01-01-2020, o direito a liquidar imposto relativo ao ano 2016 teria caducado em 01-01-2021, sendo que só o direito a liquidar relativo ao ano 2017 iria caducar em 01-01-2022.

 

6.3.   Por outro lado, e no que diz respeito ao IVA que a Requerida alega ter sido deduzido indevidamente pela Requerente por dizer respeito à dedução de imposto respeitante a despesas incorridas pela Requerente sem que as mesmas estejam relacionadas com a interferência directa ou indirecta na gestão das participadas da Requerente, também discorda a Requerente dessa posição porquanto alega que, “nos períodos sob escrutínio pela Administração Tributária, a Requerente participou ativamente na administração das suas participadas, nomeadamente através da supressão de carências de tesouraria, interferindo direta e indiretamente na respetiva gestão, sendo evidente que, a partir de 2018 e 2019, a Requerente emitiu faturas as suas participadas, relativas a serviços de acompanhamento e gestão, que são demonstrativas do exercício ativo, pela Requerente, de uma atividade económica na aceção da Sexta Diretiva, consubstanciada na gestão das suas participadas” (sublinhado nosso).

 

6.4.   Ainda neste âmbito, alega a Requerente que (…) de acordo com a jurisprudência citada no RIT (…), a ausência de faturas num dado ano não determina, por si só, que um agente económico não [tenha] desenvolvido uma determinada atividade económica” porquanto “(…) haverá que levar em conta que a gestão de participações sociais, pela própria natureza, pode ser exercida de forma direta e indireta, não sendo, por isso, necessariamente refletida em faturas emitidas às sociedades participadas” e, “em segundo lugar, e de acordo com o entendimento do TJUE (…) o direito à dedução do IVA uma vez adquirido, subsiste mesmo que a atividade económica projetada não dê origem a operações tributáveis” (sublinhado nosso).

 

6.5.   Assim, defende a Requerente que “a administração ativa de participações sociais, pela sua própria natureza, pode atravessar períodos em que a interferência na gestão das participadas se afigura desnecessária, ineficiente, ou mesmo contraproducente - mas tal não determina, por si só, que aquela atividade de administração de participações sociais não seja exercida”.

 

6.6.   Nestes termos, face à posição assumida por cada uma das Partes e tendo em consideração o pedido arbitral formulado pela Requerente, haverá que decidir, em primeiro lugar, se aquando da realização da inspecção tributária em 2021 se verificava (ou não) a caducidade do direito à liquidação (como alega a Requerente), relativamente aos anos 2014, 2015 e 2016, por decurso do prazo legal de quatro anos, a que a proceder inviabilizaria a possibilidade de a Requerida ter procedido às correcções ao direito à dedução exercido pela Requerente naqueles anos (liquidando adicionalmente o montante de IVA aqui impugnado) implicando, de imediato, a anulação de algumas das referidas liquidações adicionais, sendo analisadas apenas a(s) relativa(s) ao ano 2017 propriamente dito.[6]

 

6.7.   No caso de não proceder a caducidade do direito à liquidação relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016, a análise prosseguirá quanto às razões que determinaram a não aceitação das deduções de IVA efectuadas pela Requerente, nos anos 2014, 2015, 2016 e 2017, sendo necessário determinar se, naqueles anos, a Requerente exerceu ou não, de forma directa ou indirecta, qualquer actividade de gestão das suas participações sociais.

 

6.8.   Preliminarmente refira-se que, aceitou este Tribunal o requerimento da Requerente, notificado em 27-06-2022, nos termos do qual a Parte veio prescindir das testemunhas arroladas em sede de pedido de pronúncia arbitral e protestar a junção de documentos, que anexou através de requerimento apresentado em 01-07-2022, tendo invocado ter sido “(…) entretanto, (…) possível (…) localizar prova documental adicional, comprovativa da sua interferência na gestão das sociedades por si participadas - nomeadamente, da disponibilização àquelas de software de gestão – (…)” e, relativamente aos quais a Requerida foi devidamente notificada, através do despacho arbitral datado de 27-06-2022 para, no âmbito do princípio do contraditório, “(…) se pronunciar sobre os mesmos no prazo de 5 cinco dias a contar da data da junção dos mesmos pela Requerente”.

 

6.9.   Neste âmbito, e de forma sucinta, cite-se o Acórdão do TCAN (nº 00034/20.9BEPNF-S2, de 15-04-2021, Relator Paulo Moura), nos termos do qual se refere que “o CPPT quanto à produção de prova documental é deveras parcimonioso (…) referindo no n.º 3 do artigo 108.º (…)” que “com a petição, o impugnante oferece os documentos de que dispuser, arrola testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes. (…). Por sua vez, o Código de Processo Civil, já contém maior desenvolvimento quanto a esta matéria, sendo que (…) o art.º 423.º (…) diz (…)” que “1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”. (…). Sobre este assunto, veja-se a anotação feita ao artigo 108.º pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa [7] refere [que] (…) com a petição deve ser apresentada toda a prova que for possível, juntando-se os documentos e requerendo-se, desde logo, a realização das diligências que o impugnante pretende ver realizadas. Pode ser feita, posteriormente, a junção de documentos, até ao encerramento da discussão da causa na 1.ª instância, que ocorrerá com o termo do prazo para as alegações previstas no art. 120.º deste Código. (...). No entanto, os documentos destinados a provar factos posteriores à apresentação de petição ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo (…). Poderão também ser requeridas provas não referidas na petição inicial no caso de ocorrências supervenientes, como por exemplo, a impossibilidade de realizar diligências requeridas, ou provas cuja necessidade só surge em face do conteúdo das informações oficiais ou posição assumida pela Fazenda Pública. Com este mesmo entendimento, pronunciou-se abundantemente a jurisprudência dos tribunais superiores, em especial o Supremo Tribunal Administrativo (…) [por] exemplo o Acórdão do 02/04/2009 (…), proferido no processo n.º 0685/08. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.10. Assim, tendo em consideração o acima exposto, e dada a ausência de comentários da Requerida, admitiu-se a junção dos referidos documentos, apresentados em 01-07-2022.

 

6.11. Passemos agora a analisar as questões associadas com o pedido de pronúncia arbitral.

 

Enquadramento geral do direito à dedução

 

6.12. Em termos gerais, o direito à dedução do IVA é um elemento fundamental do regime deste imposto, sendo apenas possível ser limitado nos casos expressamente previstos pela Diretiva do IVA (Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro).

 

6.13. O IVA, enquanto imposto indireto, plurifásico, de matriz comunitária, pretende tributar, essencialmente, as actividades económicas efectuadas por um sujeito passivo, pretendendo, em regra, que apenas os consumidores finais sejam efectivamente onerados por este imposto.

 

6.14. O mecanismo para obter a neutralidade do imposto será aquele que permite que um sujeito passivo possa deduzir, ao imposto que liquidou ao seu cliente, o IVA que suportou quando adquiriu bens e serviços para realizar essa operação tributável garantindo-se, desta forma, que esse imposto suportado não irá constituir encargo para esse agente.

 

6.15. O exercício do direito à dedução tem, assim, de atender às condições substantivas e formais previstas no Código do IVA, isto é:

 

6.15.1.   Em termos de condição substantiva, para que o IVA seja passível de ser dedutível é necessário que estejamos perante um sujeito passivo de IVA e que os bens ou serviços adquiridos tenham sido utilizados para os fins das suas operações tributáveis;

6.15.2.   Em termos de condição formal, é necessário que o imposto suportado seja mencionado em facturas que cumpram com os requisitos legais presentes no Código do IVA, passadas em nome e na posse do sujeito passivo.

 

6.16. Mas, para além das referidas condições, existe ainda um limite temporal para que o direito à dedução seja exercido, conforme refere o artigo 98º nº 2 do Código do IVA ao dispor que “sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução (…) só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução (…)”, direito este que, de acordo com o previsto no artigo 22º, nº 1 do Código do IVA “(…) nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º (…)”.[8]

 

6.17. Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso apurado a favor do sujeito passivo será deduzido nos períodos de imposto seguintes (nº 4 do referido artigo 22º do Código do IVA) mas, se passarem 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistindo um crédito a favor do sujeito passivo (superior a EUR 250), este poderá solicitar o seu reembolso (nos termos do nº 5 do referido artigo 22º do Código do IVA).

 

Da caducidade do direito à liquidação

 

6.18. Em termos gerais, como prevê o artigo 94º nº 1 do Código do IVA, só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45º e 46º da LGT, sendo que o nº 1 daquele artigo 45º da LGT refere que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro” (sublinhado nosso).

 

6.19. De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 45º da LGT, no que a esta análise interessa, “em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito” sendo que, nos termos do disposto no nº 4 do mesmo artigo, “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado (…), caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto (…)” (sublinhado nosso).

 

6.20. Assim, em termos gerais, o direito à liquidação por parte do Estado tem algumas limitações temporais para ser exercido, tendo em conta razões de segurança jurídica que informam a determinação legal de limitação do período de tempo em que tais actos podem ser praticados.

 

6.21. Em consequência, é necessário determinar qual o momento da exigibilidade do imposto (ou o facto tributário) tendo em conta a parte final do referido nº 4 do artigo 45º da LGT, sendo que o nº 3 do mesmo artigo estabelece que, em caso de ter sido efectuada dedução ou crédito de imposto, a data de início do prazo de caducidade é a do exercício desse direito.

 

6.22. Citando CASALTA NABAIS “(…) quando segue o seu regime geral, o IVA apresenta-se como um imposto sobre o consumo em que o montante da dívida de cada sujeito passivo é apurado através do chamado método de dedução do imposto do crédito do imposto ou método indirecto subtractivo, nos termos do qual esse montante nos é dado pela diferença entre o montante que resulta da aplicação da taxa ao valor das vendas ou prestações de serviços, durante determinado período, e o montante do imposto suportado nas aquisições efectuadas durante o mesmo período. (...) O art. 10° da VI Directiva (...) transposto pelos arts. 7° e 8° do CIVA, distingue entre o facto gerador do imposto e a exigibilidade do imposto. Enquanto aquele (facto gerador) é o facto cuja verificação preenche as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto, originando assim a relação jurídica de IVA e, por conseguinte, os múltiplos poderes e deveres em que a mesma se desdobra, a exigibilidade consiste no direito que a administração fiscal tem de poder fazer valer, a partir de certo momento, o pagamento do imposto”.[9] [10]

 

6.23. No caso em análise, partindo da factualidade dada como provada no Capítulo 5. desta Decisão, verifica-se que:

 

6.23.1    Estamos perante actos de liquidação adicional de imposto, praticados na sequência de uma inspecção tributária, realizada em 2021, motivada pela necessidade de “(…) análise do reporte de IVA em períodos sucessivos (mais de dois anos consecutivos, 2016 e 2017) sem que tenha sido efetuado pedido de reembolso”;

6.23.2.   As liquidações adicionais de IVA (datadas de 25-11-2021) resultantes das correções efectuadas, pela Requerida, referentes aos períodos de 17/03T, 17/06T, 17/09T e 17/12T, dizem respeito à não aceitação do IVA suportado em períodos anteriores a 2017 (2014, 2015 e 2016), correspondente ao reporte de IVA invocado na DP do 1 ° trimestre de 2017, no montante de EUR 45.825,73 (corrigido a favor do Estado naquela DP) e na eliminação do campo 24 do restante IVA deduzido em cada uma das DP enviadas para o ano de 2017, no montante de EUR 2.179,03 (respectivamente, EUR 387,64, EUR 337,04, EUR 364,29 e EUR 1.089,86), no montante total de EUR 48.004,76.[11]

 

6.24. Assim, no âmbito do procedimento inspectivo realizado em 2021, com referência ao ano de 2017, foram apuradas, pela Requerida, as diferenças a favor do Estado identificadas no ponto anterior, tendo em consideração a análise documental efectuada sendo que, só em consequência dessa análise foi possível à Requerida corrigir o reporte de IVA, liquidando adicionalmente o IVA que, segundo a Requerida, foi indevidamente deduzido pela Requerente, nos anos analisados (2014, 2015, 2016 e 2017).

 

6.25. Como se refere no Acórdão do STA nº 0303/07, de 12-07-2007 (Relator Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), com as necessárias adaptações, a propósito da necessidade de verificação dos pressupostos do direito ao reembolso em matéria de IVA (reembolso esse que se assume como um dos mecanismos para se recuperar IVA, a favor do sujeito passivo, mas não sendo o único)“(…) a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação” podendo efectuar-se “(…) correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade”.

 

6.26. Ou seja, segundo o referido Acórdão, “o prazo de caducidade do direito liquidação, actualmente previsto no art. 45.º da LGT, reporta-se a actos de liquidação de tributos, que são actos que declaram uma obrigação tributária” ([12]) sendo que “é apenas em relação a estes actos de liquidação, em sentido estrito, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais actos podem ser praticados. Não é esse, porém, o caso dos actos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente. Por outro lado, o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efectuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efectuados reembolsos indevidos (…), mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido. Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir. Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45º. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.27. Adicionalmente, no caso, tratando-se, na sua maioria, de um excesso reportado dos anos de 2014, 2015 e 2016, não podemos considerar que a Requerida podia, à data da entrega das DP’s relativas aos períodos de imposto dos anos de 2014, 2015, 2016 (períodos onde foi apurado a maior parte do montante reportado), mediante uma simples leitura ou análise de cada uma das declarações apresentadas, aperceber-se das eventuais incorrecções que acabou por detectar, no âmbito do procedimento inspectivo, com recurso a informação adicional que solicitou à Requerente, no decurso da acção inspectiva.[13]

 

6.28. Em consequência, e seguindo o pendor decisório do Acórdão acima citado nos pontos 6.25. e 6.26., com as necessárias adaptações, conclui-se, assim, que não há suporte jurídico para entender que a Requerida estava limitada pelo prazo de caducidade do direito de liquidação, ao apreciar a natureza dos pressupostos do montante de IVA reportado de períodos anteriores a 2017, pelo que se entende não se verificar a caducidade das liquidações respeitantes aos anos de 2014, 2015 e 2016 invocada pela Requerente no pedido, sendo assim negativa a resposta a dar à questão enunciada no ponto 6.6., supra.

 

6.29. Face às conclusões obtidas na análise realizada nos pontos anteriores, tendo-se concluído pela inexistência de caducidade do direito à liquidação, nos termos acima analisados, passemos de seguida à análise da questão associada à alegada impossibilidade de dedução do IVA suportado, pela Requerente, nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, relativamente a serviços que, segundo a Requerida não foram prestados às empresas participadas pela Requerente porquanto entende a Requerida que a Requerente não demonstrou, que nos referidos anos, tivesse uma interferência directa ou indirecta na gestão de cada uma das sociedades em que tinham uma participação de capital.

 

Breve enquadramento das SGPS

 

6.30. O conceito de sociedade holding é genericamente utilizado para aludir quer a sociedades que se limitam a gerir de forma passiva carteiras de títulos, numa lógica de repartição de risco, quer a sociedades que detêm participações de controlo e que intervêm ativamente na gestão das suas participadas, prestando-lhes ou não serviços remunerados.

 

6.31. Para o efeito, é habitual distinguir, entre outras modalidades, entre a holding pura e a holding mista e entre a holding financeira e a holding de direção:

 

6.31.1.   No primeiro caso, o critério distintivo reside no caráter exclusivo do seu objeto social, sendo que a holding pura se dedica unicamente à detenção de participações sociais e a holding mista tem igualmente por objeto actividades de natureza comercial e industrial.

6.31.2.   No segundo caso, o critério diferenciador reside no fim a que se destina a gestão das participações sociais, sendo que a holding de direção visa, mais do que a mera detenção de participações sociais, o enquadramento e direção das sociedades participadas (podendo, complementarmente à sua actividade principal, prestar, em determinadas circunstâncias, serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que possua participações ou com as quais tenha celebrado contratos de subordinação), enquanto que a holding financeira está vocacionada apenas para a rentabilização do investimento concentrado nas participações.

 

6.32. No que diz respeito ao regime jurídico das SGPS (definido no Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de Dezembro, sucessivamente alterado), o mesmo estabelece que:

 

6.32.1.   As SGPS “têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas”;

6.32.2.   “A participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante” e,

6.32.2.   Considerando-se “que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano”.

 

6.33. Nos termos do artigo 4º do referido diploma legal, às SGPS é permitida “a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação” (nº 1) devendo aquela prestação de serviços “ser objecto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração” (nº 2) (sublinhado nosso).

 

6.34. Em síntese, resulta do regime jurídico das SPGS que a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de uma actividade económica, constitui o único objecto social que, legalmente, qualquer SGPS poderá ter e prosseguir, sem prejuízo de a respectiva actividade ultrapassar a simples aquisição, detenção e alienação de participações sociais.

 

6.35. Ora, caracterizado este tipo de sociedades que são as SGPS, importa analisar a questão do direito à dedução do IVA suportado (no caso, pela Requerente) e que foi objecto de correcção pelo facto de a Requerida ter considerado (em síntese), que a Requerente não conseguiu demonstrar que exerceu “(…) uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações (…) o que redunda na asserção necessária que os serviços adquiridos pela Requerente foram exclusivamente utilizados na mera actividade de gestão de participações sociais (…).

 

Do direito à dedução do IVA suportado pelas SGPS [14]

 

6.36. O mecanismo do crédito de imposto é um dos pilares do IVA, provavelmente o mais importante porquanto “o que faz do IVA um imposto sobre o valor acrescentado é a faculdade que se atribui a cada operador económico de deduzir ao imposto que liquida nas suas vendas o imposto incorrido nas suas compras, entregando ao estado apenas a diferença, quando o saldo seja positivo”, servindo para assegurar a neutralidade característica do IVA, evitando o efeito cumulativo, garantindo que o imposto é suportado em definitivo pelo consumidor final, sendo que o direito à dedução do IVA suportado a montante tem também um relevo especial no sistema deste imposto. [15]

 

6.37. O mecanismo do crédito de imposto e o direito à dedução estão regulamentados nos artigos 167º a 192º da Diretiva IVA (Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro) que, no essencial, prevê que os sujeitos passivos têm o direito a deduzir ao imposto liquidado num estado-membro o imposto que nesse mesmo estado tenham suportado na aquisição de bens ou serviços, desde que estes se destinem exclusivamente à realização de operações tributadas ou de operações com isenção completa.

 

6.38. Nos casos em que os bens e serviços adquiridos pelos sujeitos passivos de IVA e destinarem exclusivamente à realização daquelas operações o direito à dedução do imposto suportado a montante é integral mas, se se destinarem, indistintamente, à realização destas operações e de outras que não confiram direito à dedução, o imposto suportado a montante só é dedutível em parte, estabelecendo a Diretiva IVA diferentes métodos de cálculo para o efeito, ou seja, o direito à dedução nasce de uma relação de utilização - se os recursos forem utilizados em actividades que conferem direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente da natureza jurídica do sujeito passivo e do peso relativo dos rendimentos gerados por cada tipo de actividade.

 

6.39. Numa perspetiva subjetiva, o artigo 168º da Diretiva IVA estatui que o direito à dedução só pode ser exercido por quem seja sujeito passivo de IVA, tal como a própria Diretiva os define sendo, assim, titulares do direito à dedução os sujeitos passivos referidos no artigo 9º da Diretiva IVA, ou seja, as pessoas que de modo independente se dediquem a uma actividade económica continuada, qualquer que seja a sua natureza, assim como aqueles que realizem actos isolados, sempre que os estados-membros decidam considerá-los como sujeitos passivos nos termos do artigo 12º da Diretiva IVA. [16]

 

6.40. Numa perspetiva objectiva, o artigo 168º, alínea a), da Diretiva IVA estabelece que, por princípio, os sujeitos passivos podem deduzir o imposto suportado na aquisição de todos e quaisquer bens e serviços a outros sujeitos passivos, desde que estes sejam utilizados para as suas operações tributadas apenas ficando excluídos do direito à dedução os bens ou serviços que suscitem confusão entre a esfera pessoal e a esfera empresarial (aos quais alude o artigo 176º da Diretiva IVA). [17]

 

6.41. A existência de uma relação directa e imediata entre os bens e serviços adquiridos e uma ou várias actividades de fornecimento de bens ou de prestação de serviços que conferem o direito à dedução é, pois, em regra, indispensável para que o direito à dedução do IVA incorrido nos bens e serviços adquiridos seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão desse direito.

 

6.42. Mas, neste âmbito, o TJUE veio esclarecer que aquela relação directa e imediata não é exigível relativamente a cada output individualmente considerado, admitindo que tal conexão se verifique relativamente à actividade do sujeito passivo globalmente considerada pelo que, na ausência de um nexo operação a operação, o direito à dedução subsiste se se verificar uma ligação, directa e imediata, com o conjunto da actividade económica desenvolvida, na medida em que esta confira esse direito, ou seja, desde que exista aquela relação entre as aquisições a montante e as actividades tributáveis do sujeito passivo.

 

6.43. Nos casos em que todos os serviços adquiridos apresentam nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo fica com o direito de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços.

 

6.44. Por outro lado, admite-se igualmente o direito à dedução do IVA suportado, ainda que inexista um nexo directo e imediato entre a aquisição de serviços a montante e operações tributadas a jusante, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das despesas gerais do sujeito passivo e se apresentam como elementos constitutivos dos serviços tributados que presta, pois, estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo.

 

6.45. Neste âmbito, em face da jurisprudência do TJUE, tem cobertura legal a dedução por uma SGPS de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo directo e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo directo e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais de uma sociedade que tenham nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica de prestação de serviços.

 

6.46. O TJUE foi ainda mais longe na abordagem desta questão do nexo directo e imediato entre as aquisições e as operações tributáveis a jusante, tendo no acórdão Sveda (proferido em 22 de Outubro de 2015, no âmbito do processo C-126/14), desvalorizado a exigência de uso directo da aquisição dos bens ou serviços, concluindo que somente atendendo ao propósito último da aquisição se logrará atingir a racionalidade e a neutralidade do sistema do IVA.

 

6.47. Com efeito, o TJUE, ao desconsiderar a afectação imediata do input, atendendo à sua conexão final, considera, pois, suficiente um nexo indirecto, desde que se demonstre que os inputs integram o objetivo último de prossecução de uma actividade que confere o direito à dedução ou na medida em que o confira sendo que o TJUE tem, pois, vindo a acompanhar a tendência interpretativa que dá prevalência à neutralidade no sistema do IVA, afastando-se de fórmulas restritivas na sua aplicação concreta. [18]

 

6.48. Como já referido, no ordenamento jurídico nacional, o Código do IVA define no seu artigo 2º, nº 1, alínea a) que são sujeitos passivos do imposto, entre outros, “as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços (…)”, sendo que decorre do artigo 9º da Diretiva IVA que são genericamente considerados sujeitos passivos de IVA todos aqueles que, de modo independente, desenvolvam uma actividade económica, qualquer que seja o seu fim ou resultado.

 

6.49. Assim, a qualidade de sujeito passivo do imposto advém da realização das operações integradas no âmbito da incidência objectiva do imposto, as quais, antes de tudo o mais – ou seja, antes de serem qualificadas como transmissões de bens ou prestações de serviços – têm que consubstanciar uma actividade económica.

 

6.50. O exercício de uma actividade económica constitui, deste modo, o pressuposto em que assenta a incidência subjectiva e objectiva do IVA porquanto ninguém pode ser identificado como sujeito passivo que não leve a cabo uma actividade económica nem quando esta falte podemos estar em face de transmissões de bens ou prestações de serviços tributáveis.

 

6.51. Nestes termos, a delimitação da noção de actividade económica torna-se, assim, um exercício da maior importância na aplicação do imposto e um exercício particularmente delicado na medida em que o IVA, enquanto imposto geral de consumo, possui uma vocação de universalidade.

 

6.52. Em resumo, o que quer que constitua actividade económica tem que ser definido em termos tão amplos quanto possível, se quisermos garantir neutralidade e igualdade ao imposto.

 

6.53. Para o efeito, o artigo 9 da Diretiva IVA determina que se deve entender por actividade económica “qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas” (ou seja, independentemente da respectiva natureza).

 

6.54. Ora, em face de tão ampla noção de actividade económica, o TJUE tem vindo a ser chamado a fixar os limites do que se deve considerar ter ou não ter conteúdo económico sendo que um dos tipos de operações cujo conteúdo económico se revela controverso no âmbito do sistema IVA é o atinente às operações relativas a participações sociais, as quais se revestem de especial complexidade.

 

6.55. A qualificação destas operações como económicas ou não económicas tem consequências importantes na aplicação do IVA, senda a mais relevante o condicionar o direito à dedução.

 

6.56. Nesta matéria, o ponto de partida para o enquadramento das participações sociais em sede de IVA está no Acórdão Polysar, de 1991 (proferido em 20 de Junho de 1991, no âmbito do processo C60/90), em que o TJUE fixa o princípio de que a aquisição e detenção de participações sociais não representa verdadeira actividade económica porquanto uma sociedade que se limite a adquirir e gerir participações sociais não realiza genuínas transmissões de bens nem prestações de serviços mas meras aplicações de capitais.

 

6.57. Na perspectiva do TJUE, a aquisição e detenção de participações só pode dizer-se actividade económica se envolver a “interferência directa ou indirecta” na gestão das participadas pelo que sempre que uma holding intervenha activamente na gestão das participadas podemos dizer que através delas exerce uma actividade económica, justificando-se reconhecer-lhe a qualidade de sujeito passivo e o direito à dedução do IVA em que incorra a montante.

 

6.58. Assim, no que diz respeito à aquisição de participações sociais, o TJUE tem entendido de que esta não dá corpo a uma actividade económica para efeitos de IVA mas, contudo, também aqui se poderá dizer que há actividade económica quando a aquisição vise a interferência directa ou indirecta” na gestão da participada.

 

6.59. No entanto, se bem analisarmos o alcance da qualificação é, neste caso limitado, na medida em que a aquisição de participações constitui uma operação passiva e não operação activa pelo que os custos incorridos com uma aquisição de participações (por exemplo, custos com consultoria jurídica ou financeira), não podem por isso associar-se a uma concreta operação a jusante, apenas podendo ser associados à actividade geral que a empresa desenvolve não constituindo nunca custos directos mas despesas gerais, semelhantes às despesas em que uma empresa incorre com vista à aquisição de tantos outros activos.

 

6.60. Assim, o IVA suportado em despesas necessárias a uma aquisição de participações será dedutível, nos termos gerais, querendo isto dizer que será integralmente dedutível quando o sujeito passivo apenas realize operações tributadas e parcialmente dedutível quando o sujeito passivo, a par de operações tributadas, realize operações isentas.[19]

 

6.61. No que diz respeito à detenção de participações, devemos considerá-la sempre como sendo uma operação desprovida de conteúdo económico e, por isso mesmo, fora do campo de aplicação do IVA. [20]

 

6.62. Já quanto às condições em que a gestão de participações pode dar lugar a actividade económica seriam sumariadas, mais tarde, no Acórdão Harnas & Helm, de 1997 (proferido em 6 de Fevereiro de 1997, no âmbito do processo C-80/95) nos termos do qual o TJUE sentenciou que estas operações dão corpo a uma actividade económica quando se verifique uma de três condições:

(a) serem realizadas no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos;

(b) serem realizadas com vista a assegurar a interferência directa ou indirecta na gestão da sociedade em que foi tomada participação; ou,

(c) constituírem o prolongamento directo, permanente e necessário de uma actividade tributável.

 

6.63. Assim, a noção de que uma holding só exerce actividade económica quando de algum modo intervém na via das participadas é razoavelmente intuitiva sendo que o critério de que o TJUE se tem servido [para aferir da interferência directa ou indirecta na gestão das participadas] é de que existe intervenção apenas quando a sociedade-mãe realiza prestações tributáveis em proveito das afiliadas, como sucede quando a estas conceder financiamento, presta consultoria ou serviços informáticos.

 

6.64. Nestes casos, o TJUE declarou que “(…) a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma atividade económica na aceção do artigo 9º, nº 1, da Diretiva IVA, na medida em que implique a realização de transações sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2º desta diretiva, tais como a prestação de serviços administrativos, contabilísticos, financeiros, comerciais, informáticos e técnicos pela sociedade holding às suas filiais”.[21]

 

6.65. A este respeito, como se refere no Acórdão do TJUE de 5 de julho de 2018 (C-320/17, Marle Participations SARL/ Ministre de l’Économie et des Finance), “há que sublinhar que os exemplos de atividades que traduzem uma interferência da sociedade holding na gestão das suas filiais, que figuram na jurisprudência do Tribunal de Justiça, não constituem uma enumeração exaustiva” sendo que “o conceito de interferência de uma holding na gestão da sua filial deve, portanto, ser entendido no sentido de que abrange todas as operações constitutivas de uma atividade económica, na aceção da Diretiva IVA, efetuadas pela holding em benefício da sua filial”, explicando que “(…) as operações relativas às acções, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos podem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA. É esse nomeadamente o caso quando tais operações são efectuadas no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos ou para efectuar uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação”. [22]

 

6.66. E como se refere no AC TCAS nº 552/17.6BESNT, de 17-01-2019 (Relatora Ana Pinhol), “acresce dizer, que as referidas operações são actividades económicas, desde que se verifique alguma das seguintes hipóteses: - a aquisição ou a detenção de participações seja acompanhada pela interferência, directa ou indirecta, na gestão das sociedades participadas, na medida em que tal implique a realização de operações sujeitas a IVA; - a aquisição ou a detenção de participações seja efectuada no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos com vista à interferência, directa ou indirecta, na gestão das sociedades em que se verificou a tomada da participação; ou, - a aquisição ou a detenção de participações constituir o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável.(…). Com efeito, resulta do probatório (e não impugnado) a recorrida exerce a actividade de gestão de participações sociais, prestando às participadas serviços técnicos de gestão, identificação de novas oportunidades de negócio, apoio nos processos de negociação, apoio na gestão e na tesouraria, serviços de planeamento e estratégias de mercados, apoio na gestão de recursos humanos e na área de compras e ainda serviços de controlo, manutenção preventiva e recuperação nos edifícios de escritório e fabris. (…). Por estes serviços, a recorrida cobrou fees de gestão e emitiu a respectiva factura com IVA liquidado (…). Decorre do que antecede que a recorrida não se limita a adquirir, deter e alienar participações sociais, tendo efectivamente uma interferência activa na gestão das sociedades em que participa. Como se esclarece no Acórdão Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (entendimento que já vinha do acórdão Portugal Telecom, no ponto 37), «(…) o artigo 17.º, n.º 2 e 5, da Sexta Directiva [actual artigo 168.º da Directiva 2006/112 e corresponde aos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA] deve ser interpretado no sentido de que: os custos ligados à aquisição de participações nas suas filiais suportado por uma sociedade holding que participa na sua gestão e que, a esse título, exerce uma actividade económica devem ser considerados parte dos seus custos gerais e o IVA pago sobre estes custos deve, em princípio, ser integralmente deduzido, a menos que algumas operações económicas realizadas a jusante estejam isentas de IVA nos termos da Sexta Directiva, caso em que o direito a dedução só deve operar segundo as modalidades previstas no artigo 17.º, n.º 5 da Directiva» (…)”.

 

6.67. Assim, concluiu-se no Acórdão referido no ponto anterior que “resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais”, em linha com o entendido pelo TJUE (vide ponto 6.64., supra).[23]

 

6.68. Em resumo, no que diz respeito às SGPS importa ainda salientar que decorre do respectivo regime legal que o seu objecto social único é a gestão – e não a mera detenção – de participações sociais, o que adicionado ao facto de a própria lei lhes reconhecer competência para a prestação de serviços de administração e gestão às participadas, resulta no exercício de uma actividade económica para efeitos de IVA sendo que, a tal conclusão não obsta o facto de o seu único objecto social ser “a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas” (o qual também não releva para efeitos de aferição do direito à dedução do IVA, devendo este ser determinado em conformidade com os critérios gerais. [24]

 

6.69. No caso de inexistir a referida relação directa entre os inputs e os outputs tributados, importa ainda verificar se o direito à dedução do IVA deverá ser reconhecido sempre que as despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços se qualifiquem como despesas gerais da actividade e integrem os elementos constitutivos do preço das operações realizadas pelo sujeito passivo que conferem direito à dedução. [25] [26] [27] [28]

 

6.70. No caso em análise, no âmbito da inspecção tributária realizada na Requerente, em 2021, pela Requerida, foi entendido que todo o IVA deduzido pela Requerente “(…) nos períodos 2014 a 2017, não confere direito a dedução à luz do disposto no nº 1 do artigo 20º do CIVA porquanto (…)” entendeu a Requerida que “a A... SGPS não prestou quaisquer serviços técnicos, de análise de novos negócios de coordenação e acompanhamento da abordagem comercial das suas participadas, em suma, de gerir essas participações sociais. Esta asserção assenta, nomeadamente, no facto comprovado de, no espaço temporal compreendido entre 2014 a 2017, a A... SGPS não ter procedido à emissão de qualquer fatura às suas participadas, não se verificando (…) que a participação da A... SGPS nas associadas tenha sido acompanhada de uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações; Considera-se que os serviços por si adquiridos foram, exclusivamente, utilizados na mera actividade de gestão de participações sociais, não sendo esta, por si só, considerada uma actividade económica, isto conforme tem sido o entendimento da jurisprudência nacional e comunitária (…)” (sublinhado nosso).

 

6.71. A Requerente, quer no direito de audição que exerceu quanto ao projecto de RIT, quer em sede de pedido de pronúncia arbitral, veio contrapor a posição da Requerida, referindo para o efeito que:

 

6.71.1.   Por um lado, “da jurisprudência do TJUE resulta claro que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas do Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio (…)” e,

6.71.2.   Por outro lado, veio manifestar intenção de demonstrar “(…) uma interferência (…) na gestão das sociedades por si participadas”, apresentando com referência aos anos de 2015, 2016 e 2017 documentação que visava suportar a existência de empréstimos concedidos pela Requerente às suas participadas para suprir carências de tesouraria destas, bem como procurou demonstrar pagamentos efectuados, em 2015, 2016 e 2017, a diversos “fornecedores” das participadas, traduzindo-se os mesmos em empréstimos a estas entidades.

 

6.72. Adicionalmente, a Requerente veio anexar ao processo arbitral, em 01-07-2022, prova documental (cuja junção foi requerida previamente), e cuja admissibilidade foi acima analisada (vide pontos 6.8. a 6.10.), num conjunto de 6 documentos, procurando demonstrar (i) a disponibilização de software às suas participadas (contratado à empresa B...) de gestão, quer comercial, quer de Recursos Humanos e análise de gestão de empresa aos mais variados níveis (controle de stocks, movimentos de fornecedores e de clientes, análises de rentabilidades, gestão de tesouraria, etc.), correspondente ao comumente designado como sistema integrado de gestão empresarial), num total de seis licenças, bem como (ii) a existência de empréstimo à participada E..., (disponibilizado para esta fazer face a acordo de pagamento a fornecedor homologado por transação judicial).

 

6.73. Note-se que ao abrigo das regras de repartição do ónus da prova (abstratamente definidas na lei, quer nas disposições gerais do Código Civil, quer em disposições especiais ou avulsas), nos termos do disposto no artigo 342º do CC, cabe àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado e àquele contra quem a invocação é feita incumbe provar os factos excetivos (impeditivos, modificativos ou extintivos) do direito invocado.

 

6.74. Assim, à Requerente cabia a “missão” de comprovar que reunia as condições para poder deduzir o IVA suportados, nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, nas suas aquisições (de bens ou serviços) dado que as mesmas eram utilizadas no exercício de uma actividade económica desenvolvida junto das suas participadas, através da interferência directa ou indirecta, na gestão daquelas entidades.

 

6.75. E foi precisamente isso que a Requerente pretendeu demonstrar com os documentos que anexou ao processo (quer com o pedido, quer posteriormente) tendo, contudo, ficado um pouco aquém do que seria esperado para comprovar a referida interferência na gestão das suas participadas.

 

6.76. Com efeito, atento o acima exposto, bem como a matéria dada como provada no Capítulo 5. desta Decisão Arbitral, é convicção deste Tribunal Arbitral que não foi inequivocamente demonstrada, pela Requerente, a existência de uma interferência directa ou indirecta na gestão das suas participadas, na acepção da mais recente doutrina do TJUE porquanto:

  • Não foi referido e/ou apresentado como prova documental qualquer contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Requerente e as sociedades participadas (em conformidade com o referido no artigo 4º, nº 2 do diploma que regula o regime jurídico das SGPS), relativo à prestação de serviços técnicos de administração e de gestão prestados às sociedades participadas, nos termos previsto no nº 1 daquele artigo 4º do regime jurídico das SGPS; [29]
  • Não foi também referido e/ou apresentada a referência a qualquer débito (através da respectiva factura) efectuado pela Requerente às suas participadas (e, note-se, legalmente previsto no acima referido artigo 4º, nº 2 do diploma que regula o regime das SGPS), para os anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, relativo a serviços técnicos de administração e de gestão prestados pela Requerente às sociedades participadas;
  • Não foi referido ou evidenciado qualquer pagamento dos serviços referidos no ponto anterior por parte das sociedades participadas à Requerente; [30]
  • Não obstante a Requerente ter evidenciado suportar custos com licenças associadas a programa de software de gestão da B..., não demonstrou que repercutiu o custo associado ao mesmo na esfera das suas participadas, e na medida da utilização de cada uma delas do referido programa, não tendo apresentado no processo evidência de qualquer débito (através de respectiva factura) deste tipo de serviço, não apresentando assim prova de que tratou esta prestação de serviços (informáticos) como uma operação tributável;
  • Não obstante ter evidenciado a existência de transferências (em 2015, 2016 e 2017) da Requerente para pagamento de débitos de terceiros (comerciais, legais e tributários) às sociedades participadas, registando esses valores como empréstimos a estas sociedades, os registos contabilísticos daqueles movimentos financeiros destinaram-se a suprir, como diz a Requerente, a falta de liquidez e/ou carências de tesouraria verificada, em alguns momentos nas sociedades participadas, não sendo os mesmos suportados por contratos, não havendo evidência que se traduziram em operações sujeitas a IVA (mas dele isentas, nomeadamente de acordo com artigo 9, nº 27 do Código do IVA);
  • Seguindo a orientação da jurisprudência dominante, quer do TJUE, quer do TCAS, de que “a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais” (vide pontos 6.64. e 6.67., supra), entende-se que a Requerente, face à prova apresentada (que conduziu à factualidade dada como provada), não consegui demonstrar que prestou às suas participadas serviços técnicos de administração e gestão que se traduziram numa actividade económica (para efeitos da acepção do disposto no artigo 4º, nº 2 da Sexta Directiva ([31]), na medida em que nenhum dos alegados serviços prestados às sociedades participadas implicou, na esfera da Requerente, o tratamento dos mesmos como verdadeiras prestações de serviços sujeitas a IVA, a suportar pelas sociedades participadas.[32]

 

6.77. Assim, atento o acima exposto, o IVA suportado pela Requerente com as aquisições de serviços nos anos de 2014 a 2017 não deve ser considerado como dedutível, em conformidade com o defendido pela Requerida.

 

6.78. Em consequência, os actos de liquidação adicionais de IVA objecto do pedido, por não padecerem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito (radicada na errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 19º e 20º, nº 1 do Código do IVA), deverão ser mantidos na ordem jurídica.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.79. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC em vigor (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.80. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.81. Nestes termos, face ao acima exposto, da análise efectuada resulta que deverá ser imputada à Requerente a responsabilidade em matéria de custas arbitrais.

 

7.      DECISÃO

 

7.1.   Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, determinando-se a manutenção, na ordem jurídica das liquidações adicionais de IVA objecto do pedido;

7.1.2.     Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 48.004,76.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Outubro de 2022

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] A Requerente indica, por mero lapso, a data de 22-11-2021 que é anterior à data das liquidações.

[3] Este montante é de EUR 46.213,57, tratando-se de um lapso que não tem impacto no valor total das liquidações indicado pela Requerente, nem no montante do valor do pedido arbitral.

[4] Este montante é de EUR 1.089,86, tratando-se de um lapso que não tem impacto no valor total das liquidações indicado pela Requerente, nem no montante do valor do pedido arbitral.

[5] Segundo a Requerida, tal entendimento e solução legal encontra acolhimento na Jurisprudência deste Tribunal Arbitral, assim se tendo decidido em caso análogo (Processo n.º 48/2015-T, com decisão de 3 de Outubro de 2015, citada na decisão do processo n.º 626/2018-T).

[6] Note-se que esta questão não se coloca relativamente ao ano 2017 porquanto a Requerente no pedido refere que “(…) o direito a liquidar relativo ao ano 2017 iria caducar em 01-01-2022”, tendo a liquidação adicional sido notificada antes desta data.

[7] Vide “Código de Procedimento e Processo Tributário”, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 5.ª ed., 2006, pág. 786.

[8] Artigo do Código do IVA respeitantes ao “facto gerador e exigibilidade do imposto” e “exigibilidade do imposto em caso de obrigação de emitir factura”.

[9] Vide Prof. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 4ª Ed, Almedina, 2006, pág. 599, 605, 609 e 611.

[10] Vide Acórdão do STA (Processo nº 0402/12, de 14-06-2012), Relator Conselheiro Ascensão Lopes.

[11] Montante que a Requerida entende ter sido indevidamente deduzido, pelos motivos apresentados no RIT e Capítulo 3 desta decisão.

[12] Como refere CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2.ª edição, página 312 (citado no referido Acórdão do STA), “em face do disposto no art. 36.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário, é de concluir que se atribui natureza declarativa ao acto administrativo de liquidação”.

[13] Neste âmbito, note-se que de acordo com o disposto no artigo 87º, nº 1 e 3 do Código do IVA, “(…) a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença” sendo que “as inexactidões ou omissões podem igualmente ser constatadas (…) através de exame dos seus elementos de escrita (…)”.

[14] Neste âmbito, veja-se nomeadamente, a caracterização das SGPS efectuada no Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo P 179/2016-T, de 31-10-2016 e que aqui será seguida e Acórdão Arbitral 269/2017, de
27-02-2018.

[15] Esta questão tem assumido particular destaque pelo TJUE em diversas das suas decisões, como é o caso do Acórdão Petroma (proferido em 8 de maio de 2013 no âmbito do processo C-271/12), no qual se refere que “o direito a dedução constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que se exerce imediatamente em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (…). O regime das deduções assim estabelecido visa aliviar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante dessa forma a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente do seu fim ou do seu resultado, na condição de essas atividades estarem elas mesmas, em princípio, sujeitas a IVA”.

[16] Adicionalmente, são ainda abrangidos pelo direito à dedução aqueles que se tornem devedores do imposto por via do mecanismo de reverse charge previsto nos artigos 194º a 199º da Diretiva IVA.

[17] Como esclarece Sérgio Vasques, a referência a “operações tributadas” serve para deixar claro que só quando se dá a aplicação efectiva do imposto nas operações activas se torna possível a dedução do imposto incorrido nas operações passivas sendo que, pelo contrário, quando as operações activas beneficiem de isenção simples, fica excluído por princípio o direito à dedução e o sujeito passivo passa a ocupar posição semelhante à de um consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições. Por outro lado, só quando as operações activas beneficiem de isenção completa é que se mantém intocado o direito à dedução, sendo a essas isenções que se refere o artigo 169º, nas suas alíneas b) e c).

[18] Por isso, tem o TJUE salientado várias vezes que as normas da Diretiva IVA que preveem limitações do direito à dedução (artigos 176º e 177º daquela Diretiva) têm caráter excepcional no âmbito do sistema IVA, derrogando o princípio da neutralidade, pelo que devem ser sempre objeto de interpretação restrita.

[19] Neste sentido, vide o Acórdão Cibo (proferido em 27 de setembro de 2001, no âmbito do processo C-16/00).

[20] Neste sentido, vide Acórdão Sofitam (proferido em 22 de junho de 1993, no âmbito do processo C-333/91).

[21] Vide, nomeadamente, Acórdãos Floridienne e Berginvest (C-142/99, de 27 de setembro de 2001), Cibo Participations (C-16/00, de 6 de setembro de 2012), Portugal Telecom (C-496/11, de 16 de julho de 2015), Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C-108/14 et C-109/14).

[22] Vide Acórdãos TJUE, de 20-06-1996 (caso Wellcome Trust Ldt, processo n.º C-155/94, de 29.10.2009 e caso AB SFK, processo C-29/08).

[23] Note-se que, como referido, a Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977foi revogada pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, sendo que o artigo 4º, nºs 1 e 2 daquela têm correspondência no artigo 9º, nº 1 desta, nos termos do qual se entende por “actividade económica qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência”.

[24] Refira-se que isto mesmo foi decidido pelo TJUE no Acórdão Portugal Telecom (proferido em 6 de setembro de 2012, no âmbito do processo C-496/11), nos termos do qual se concluiu que se for de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa [uma SGPS que, no âmbito da prestação de serviços técnicos de administração às suas participadas, lhes refactura, com IVA, os custos incorridos com a aquisição de serviços de consultoria e outros] teria o direito, ao abrigo do artigo 17º, nº 2, da Sexta Diretiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito à dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objeto social das referidas sociedade ou da sua atividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua atividade principal.

[25] Nesta matéria, vide decisão do TJUE (Acórdão Abbey National) proferida em 22 de Fevereiro de 2001, no âmbito do processo C-408/98, no qual foi considerado que “se os diversos serviços adquirido pelo transmitente a fim de realizar a transmissão apresentam uma relação directa e imediata com uma parte claramente delimitada das suas actividades económicas, de modo que os custos dos referidos serviços fazem parte das despesas gerais inerentes à referida parte da empresa, e que todas as operações incluídas nessa parte da empresa estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado, este sujeito passivo pode deduzir a totalidade do imposto sobre o valor acrescentado que onerou as despesas que efectuou para adquirir os referidos serviços”.

[26] Neste âmbito, o TJUE pronunciou-se sobre esta questão, concretamente quanto aos serviços adquiridos por uma sociedade holding (serviços de auditoria de sociedades, intervenção no quadro da negociação do preço de aquisição de ações e montagem da tomada de controlo das sociedades em matéria jurídica e fiscal), no Acórdão Cibo Participations SA (proferido em 27 de Setembro de 2001, no âmbito do processo C-16/00), no qual foi considerado que apesar de não se verificar uma relação directa e imediata entre os vários serviços adquiridos por uma holding no âmbito da tomada de participação numa filial e uma ou várias operações a jusante que confiram direito à dedução, os custos dos serviços adquiridos se enquadram nas despesas gerais do sujeito passivo e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa; nessa medida, conclui o acórdão, aqueles serviços têm uma relação directa e imediata com o conjunto da atividade do sujeito passivo

[27] A este propósito, como salienta Mariana Gouveia de Oliveira, a verificação deste critério “deve implicar uma dupla análise: por um lado a análise de uma relação funcional, i.e., a existência de uma ligação funcional/causal entre o input e a actividade tributável do sujeito passivo e, por outro, uma relação económica, i.e., um reflexo ao nível do preço dos outputs”, visando com essa análise simultaneamente funcional e económica aferir “se os inputs se relacionam com a manutenção da fonte produtora da actividade tributável, à semelhança do critério utilizado para efeitos de aferição dos gastos dedutíveis em sede de IRC e se esses custos são susceptíveis de se projectarem na formação dos preços dos outputs tributáveis (ainda que no caso concreto, por vicissitudes externas, se acabem por não repercutir efectivamente)”.

[28] A este propósito, Sérgio Vasques refere que “o TJUE hesita entre um critério funcional, que olha à razão de ser dos custos, e um critério económico, que atende à repercussão dos custos sobre os preços que o sujeito passivo pratica. As decisões do TJUE em matéria de participações sociais deixam ver, no entanto, que um critério económico se mostra largamente inoperante, por ser geralmente impossível comprovar a integração de um custo no preço dos bens e serviços transaccionados pelos operadores económicos, dependente de um conjunto muito variado de circunstâncias. A repercussão do custo sobre os preços poderá, quando muito, ser presumida. E por isso o recurso a um critério funcional acaba por revelar-se sempre determinante na fixação do nexo com uma dada operação passiva ou com o conjunto das actividades tributáveis”.

[29] Recorde-se aqui o referido no ponto 6.31. de que “nos termos do artigo 4º do referido diploma legal, às SGPS é permitida a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações (…)” (nº 1) devendo aquela prestação de serviços “ser objecto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração” (nº 2) (sublinhado nosso).

[30] A excepção a esta constatação, sem relevância para a análise em causa (porque fora do âmbito temporal em análise), diz respeito às cópias das facturas anexadas com o direito de audição ao PRIT, as quais dizem respeito ao “Acompanhamento e Gestão por parte do Eng. W... durante o ano 2018” e ao “Acompanhamento e Gestão por parte do Eng. ... durante o ano 2019”, facturado no final de cada um daqueles dois anos)

[31] Atual artigo 9º da DIVA.

[32] E, neste âmbito, refira-se de novo que “o mecanismo para obter a neutralidade do imposto será aquele que permite que um sujeito passivo possa deduzir, ao imposto que liquidou ao seu cliente, o IVA que suportou quando adquiriu bens e serviços para realizar essa operação tributável garantindo-se, desta forma, que esse imposto suportado não irá constituir encargo para esse agente” sendo que, em termos de condição substantiva, para que o IVA seja passível de ser dedutível é necessário que estejamos perante um sujeito passivo de IVA e que os bens ou serviços adquiridos tenham sido utilizados para os fins das suas operações tributáveis (vide pontos 6.14. e 6.15.).