Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 330/2022-T
Data da decisão: 2022-11-15  IRS  
Valor do pedido: € 80.914,89
Tema: IRS: Tributação de rendimentos de filhos menores; residente não habitual; art. 16.º da LGT; art. 13.º e 16.º do CIRS.
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Sumário:

I – O tribunal arbitral é competente na medida em que se impugnam liquidações adicionais de IRS, independentemente de qualquer ato relativo à não concessão do estatuto de residente não habitual.

II – Os rendimentos de capitais dos filhos menores são tributados de acordo com o regime fiscal aplicável aos filhos (não são residentes não habituais), independentemente de os pais beneficiarem desse regime (residente não habitual).

 

 

***

Decisão arbitral

Os árbitros Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro (na qualidade de Presidente), Dr. Francisco Melo e Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares, designados pelo CAAD para formar o Tribunal arbitral coletivo, constituído em 2/8/2022, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

A..., contribuinte n.º ... e B..., contribuinte n.º ..., casados, residentes fiscais em Portugal, com domicílio na ..., ..., ..., ...-... Almancil, em nome próprio e na qualidade de pais dos menores C..., contribuinte n.º..., D..., contribuinte n.º..., E..., contribuinte n.º ... e F..., contribuinte n.º..., apresentaram um pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n,º 1, al. a), e 6.º, n.º 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT) com vista à declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, a ilegalidade parcial das liquidações de IRS n.ºs 2017..., 2018..., 2020..., 2019 ... e 2020..., relativos aos exercícios de 2015 a 2019, por ilegalidade quanto ao montante de € 7.801,57 (2015), € 16.061,28 (2016), € 19.449,94 (2017), € 18.014,55 (2018) e € 19.587,53 (2019), respetivamente, num total de imposto de € 80.914,89 (doc. 1 a 5 do Requerimento Inicial).

É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT. Os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros.

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 2/8/2022.

A AT respondeu por exceção e impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente – como se analisará adiante. Nas alegações finais, Requerentes efetuaram resposta escrita relativamente à questão da exceção, em respeito do contraditório.

Por desnecessidade e inutilidade, não se efetuou a reunião do artigo 18.º do RJAT e foi prescindida a prova por declarações de parte, por a matéria ser apenas de direito – melhor dito, porque os factos provados e relevantes para o processo são aceites por ambas as partes, tudo conforme Despacho arbitral de 4/10/2022.

As alegações finais foram escritas – e, nelas, as partes reproduziram e sistematizaram, no essencial, os argumentos esgrimidos nas suas peças escritas, de forma expressa ou por remissão para os seus articulados.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Perante os argumentos das partes, há dois tipos de questões que importa analisar e decidir:

a) Questão prévia: O CAAD não teria competência para analisar se os filhos beneficiam ou não do estatuto de residentes não habituais, porque tal exigiria um procedimento prévio e próprio, ou não efetuado ou cujo indeferimento (de benefício fiscal) implicava a reação contra esse ato administrativo antecedente, como condição sine qua non – e o Tribunal Arbitral só pode analisar a ilegalidade de liquidações de imposto (nos termos do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT).

b) Questão de fundo: quando os sujeitos passivos residentes de IRS a quem incumbe a direção do agregado familiar (pais) tenham optado, em IRS, pela tributação conjunta, e sejam ambos “residentes não habituais”, então, nesse caso, as regras de tributação dos pais (como “residentes não habituas”) devem ou não estender-se aos rendimentos (de capitais) obtidos pelos seus dependentes, filhos menores não emancipados, independentemente desses filhos não beneficiarem, eles próprios, do estatuto de “residentes não habituais”.

 

2. Da exceção

Na resposta, a Requerida invoca exceção, no sentido de que os Requerentes solicitam (direta ou implicitamente) que aos filhos menores devia ser concedido o regime de “residentes não habituais” – mas o Tribunal Arbitral não tem competência para isso, porque: a) só pode analisar liquidações de imposto e nunca o ato de indeferimento desse benefício fiscal; b) o Tribunal Constitucional (Acórdão 718/2017, Proc. 723/2016 de 15/11/2017) indicou que o ato de indeferimento de pedido de residente não habitual é um ato destacável, tendo de ser objeto de recurso próprio e autónomo, não reconduzível à impugnação de liquidações de imposto dele consequentes.

Nas alegações finais, os Requerentes respondem à exceção, argumentando, em síntese: impugnaram liquidações adicionais de IRS (precedidas de pedido de revisão oficiosa antecedente); no Requerimento inicial não estribam a sua posição em qualquer indeferimento de pedido de residente não habitual formulado pelos filhos – e seu alegado indeferimento; a sua argumentação é apenas a de que os filhos menores terão esse estatuto (de residente não habitual) por imputação ou decorrência da sua concessão aos pais, na interpretação que fazem de vários preceitos legais (do CIRS e LGT e CRP).

Entende-se que o Tribunal Arbitral é competente – e a exceção deve ser considerada improcedente: os Requerentes pedem a anulação parcial de liquidações adicionais de IRS; e não estribam a sua posição em qualquer pronúncia, direta ou implícita, sobre o ato administrativo de indeferimento dos eventuais pedidos de residência não habitual em nome dos filhos; advogam que os filhos menores teriam esse estatuto, por mera imputação da tributação dos seus pais. Ou seja: no caso dos autos, só se analisam liquidações adicionais de imposto, partindo e terminando no deferimento deste pedido em nome dos pais – e seu âmbito e natureza em relação aos filhos, nas liquidações de IRS dos anos de 2015 a 2019.

Em suma: o tribunal é competente para analisar as liquidações adicionais de impostos em causa, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT. E não existem outras exceções ou nulidades que obstem ao conhecimento do pedido.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a) Os Requerentes (pais) são residentes fiscais em Portugal; entre 2015 e 2019 beneficiaram do regime relativo ao Estatuto dos residentes não habituais – que impõe, entre outras coisas, a isenção dos rendimentos de capitais de fonte estrangeira (em concreto com origem no Reino Unido).

b) Os Requerentes têm quatro filhos: entre 2015 e 2019, eram todos eles menores não emancipados: C..., D..., E... e F... .

c) Os filhos são residentes fiscais em Portugal e não têm o estatuo de residentes não habituais (não lhes foi concedido pela AT).

d) Entre 2015 e 2019, os pais optaram pela tributação conjunta dos seus rendimentos em sede de IRS, com integração dos dependentes (filhos).

e) Entre 2015 e 2019, os filhos auferiram rendimentos de capitais de fonte estrangeira (com origem no Reino Unido).

 

 

 

f) a AT tributou esses rendimentos dos filhos segundo o regime normal de tributação – não lhes aplicando o benefício fiscal dos residentes não habituais, nos seguintes montantes (os quadros seguintes identificam os montantes e os valores reclamados pelos Requerentes [“imposto erroneamente calculado”], e aceites pela AT, apenas quanto à vertente quantitativa).

 

 

 

g) Inconformados, os pais deduziram pedido de revisão oficiosa solicitando a anulação parcial das liquidações de IRS de 2015 a 2019, com argumentos vários, no sentido de que aos rendimentos dos filhos se aplica o regime previsto para os residentes não habituais;

h) Perante o indeferimento expresso desse pedido – apresentaram a presente ação arbitral.

 

 

3.2. Factos não provados

Não há factos não provados com efetiva relevância para a boa decisão da causa.

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada (art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT).

Os factos provados baseiam-se em documentos juntos aos autos, cujo conteúdo é aceite pelas partes, até pela sua natureza: declarações de IRS, cartões de cidadão e outra documentação pública.

É importante referir que as partes não divergem na vertente quantitativa do facto tributário – mas apenas em relação à questão jurídica da imputação ou não dos rendimentos dos filhos no estatuto de residente habitual dos pais.

 

4. Matéria de direito

4.1. Questões a decidir e argumentos das partes

Como referido, a questão a decidir é a seguinte: quando os sujeitos passivos residentes de IRS a quem incumbe a direção do agregado familiar (pais) tenham optado, em IRS, pela tributação conjunta, e sejam ambos “residentes não habituais”, então, nesse caso, as regras de tributação dos pais (como “residentes não habituais”) devem ou não estender-se aos rendimentos (de capitais) obtidos pelos seus dependentes, filhos menores não emancipados, independentemente desses filhos beneficiarem, ou não, eles próprios, do estatuto de “residentes não habituais”. Se assim for, os rendimentos de capitais dos filhos com origem no exterior estarão isentos de IRS; se assim não for, então os rendimentos de capitais dos filhos serão tributados, da forma como indicado pelas liquidações impugnadas.

A argumentação essencial dos Requerentes é, em síntese, a seguinte: em IRS, optando os pais pela tributação conjunta, os rendimentos dos filhos são imputados e integram a composição dos rendimentos do agregado familiar – em que os pais têm a incumbência da direção da família e são os sujeitos passivos de IRS; e, por consequência, com a sujeição dos rendimentos obtidos pelos dependentes ao regime de tributação aplicável aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos a quem incumbe a direção do agregado familiar. Se os pais possuem o Estatuto de residentes não habituais – então os rendimentos dos filhos também beneficiarão de tal regime, porque se imputam aos rendimentos dos pais, os sujeitos passivos de IRS. E sustentam esta sua posição em Manuel Faustino, “O Elemento Subjetivo do Facto Tributário em IRS – Um Contributo para a sua Compreensão”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor António Carlos dos Santos, Almedina, 2021, págs. 715 e ss.

A Requerida contrapõe dizendo que o Estatuto de residente não habitual não pode ser estendido aos filhos, pois uma coisa é o agregado familiar e outra coisa esse estatuto especial de tributação – que impõe uma leitura aplicativa prudente e cautelosa, de acordo com a sua teleologia. O art. 72.º e 81.º do CIRS não fazem estender automaticamente o estatuto de residente não habitual aos filhos cujos pais beneficiem desse regime.

 

4.2. Os rendimentos dos pais e os rendimentos de capitais dos filhos – o estatuto do residente não habitual

A questão dos autos é inusual: por regra, os filhos não têm rendimentos – mas se tal acontecer, então, nesse caso, possuem (são titulares) de rendimentos de capitais (e não de trabalho, dado o seu estatuto de menores). É isso o que sucede no presente caso: os rendimentos de capitais são dos filhos.

Quando assim é, o CIRS tem de solucionar várias questões. Desde logo, porque os menores não têm capacidade tributária (capacidade para o exercício de direitos), ela tem, por regra, de ser suprida pelos seus pais, no exercício do poder paternal – art. 124.º do Código Civil e art. 16.º, n.º 3, da LGT.

Em tese, o legislador tinha duas possibilidades:

- Ou impunha que cada filho menor entregasse uma declaração de IRS (melhor dito, os pais, no exercício do poder paternal);

- Ou essa declaração é inserida na declaração de IRS dos pais, integrando o seu agregado familiar e considerando a lei os rendimentos e deduções do agregado familiar (rendimentos e despesas).

O CIRS optou por esta segunda via, o que se compreende: a) por simplificação; b) porque os filhos, por regra, não possuem rendimentos – ou pelo menos, significativos; c) porque é mais fácil efetivar o mandato constitucional de discriminação positiva do agregado familiar (art. 104.º, n.º 1, da CRP), nomeadamente as deduções à coleta (por efeito das despesas que incorrem com a subsistência e manutenção dos filhos – diminuição do imposto a pagar pelos pais, por existência de cada filho menor e pelos encargos em que incorram, com cobertura legal (exemplo, despesas de saúde ou de educação) – cfr. art. 78.º, do CIRS); e d) como forma de dar cumprimento à obrigação geral de tutela do poder paternal sobre os filhos menores.

 

Mas esta asserção – os rendimentos dos filhos são inseridos na declaração dos pais – não implica forçosamente que os rendimentos dos filhos possuam o mesmo regime legal de tributação dos seus pais.

Os rendimentos são dos filhos (e não dos pais); os pais apenas suprem a incapacidade dos filhos, no exercício do poder paternal (art. 124.º do Código Civil), com a sua inserção da declaração de IRS dos pais. Os rendimentos são dos filhos, submetidos ao regime fiscal que lhes compete – e não, de forma necessária, ao regime fiscal dos pais.

Assim, se os pais têm um benefício fiscal próprio (e por lei, pagam menos IRS pelos seus rendimentos), tal não se aplica automaticamente aos rendimentos dos filhos. Esses rendimentos são incluídos no IRS dos pais – mas não possuem o mesmo regime fiscal dos rendimentos dos pais.

Imagine-se que o pai tem um benefício fiscal de menor tributação por ser deficiente; será que os rendimentos dos filhos não deficientes terão automaticamente esse regime, apesar de não serem deficientes? Claro que não. Os rendimentos são dos filhos – e não dos pais, que apenas os administram, na tutela do poder paternal e inserem-nos, na declaração de IRS dos pais, por cumprimento desse mandato.

Claro que o apuramento do rendimento será nesse caso mais complexo, por seriação de rendimentos por titular e por imputação apenas de alguns ao benefício fiscal; mas isso não é argumento para defender a tese oposta, por dois motivos: mesmo em relação aos rendimentos dos cônjuges, já tinha de se fazer tal separação; e a complexidade não é de tal modo excessiva, como se comprova no caso dos autos, em que a AT conseguiu cindir os rendimentos por titular e aplicar-lhes regimes fiscais diversos (e as partes não contestam a vertente quantitativa da correção tributária).

Esta argumentação pode ser analisada por outro prisma: o agregado familiar não é o sujeito passivo do IRS; os sujeitos passivos são as pessoas a quem incumbe a direção do agregado familiar (os pais); em termos próprios em relação aos seus rendimentos; no exercício do poder paternal em relação à declaração e tributação dos rendimentos dos seus filhos menores – tudo inserido na mesma declaração de IRS.

Assim sendo, a resolução do tema dos autos passa pela análise do regime dos residentes não habituais – que corresponde a um benefício fiscal complexo, para averiguar se uma vez concedido aos pais, tem ou não de se estender ou imputar aos filhos.

Por lei, este estatuto depende da verificação de certos requisitos: a) os sujeitos não residirem em Portugal nos últimos cinco anos; b) tornarem-se residentes fiscais em Portugal; c) e solicitação da sua inscrição nesse regime.

E, cumpridos tais requisitos, os sujeitos beneficiarão de um benefício fiscal de largo espectro: que se traduz, por regra, no caso concreto, na isenção de tributação em Portugal, durante 10 anos, dos rendimentos de capital com origem no exterior.

Trata-se, assim, de um benefício fiscal sujeito a pedido (como as partes concordam); e que exige a verificação de requisitos específicos do sujeito passivo (que os pais preenchiam e os filhos não têm de preencher automaticamente – ou por já terem nascido em Portugal, ou por terem residido no estrangeiro, por menos de 5 anos).

Logo, não se pode concluir que a verificação dos pressupostos em relação aos pais – implica a automática verificação dos pressupostos em relação aos filhos; e porque os pais teriam de o solicitar aos filhos, no exercício do poder paternal – e se recusado, poderiam recorrer juridicamente desse ato de indeferimento de benefício fiscal, numa ação em que a arbitragem fiscal não tem competência.

Logo, não se pode concluir que os filhos menores têm o Estatuto de residentes não habituais por imputação desse estatuto no seio dos seus pais.

Do mesmo modo, o tema da opção pela tributação conjunta não procede. Desde logo, pela argumentação anterior, com base na constatação de que os rendimentos são dos filhos e que a imputação não tem o espectro que os Requerentes pretendem. Mas mais ainda: pode suceder que um só dos progenitores (pais) tenha direito a esse regime (o outro por exemplo foi não residente em Portugal por menos de 5 anos anteriores): como se faria então? Só metade dos rendimentos dos filhos beneficiariam do regime? Não faz sentido.

E do mesmo modo, não se pode concluir que pelo facto de os pais terem o estatuto – que os filhos também o teriam inelutavelmente.

Com efeito, o estatuto dos residentes não habituais é um benefício fiscal cujos pressupostos têm uma natureza pessoal, perante as concretas vicissitudes dos próprios, que não podem ser imputadas ou assumidas pelos seus filhos menores.

Logo, as liquidações de IRS são legais – e não devem ser anuladas.

Os Requerentes invocam ainda a violação de preceitos de natureza constitucional: a legalidade, a igualdade e a capacidade contributiva.

Mas não têm razão. Bem ao invés, a solução ditada na Sentença é a única que assegura e respeita esses princípios:

  1. Desde logo, o princípio da legalidade e tipicidade: os benefícios fiscais são matéria coberta por este princípio, que exige concreta e detalhada descrição do seu exato espectro e requisitos, efetivada através de lei da Assembleia da República, em si mesma ou por Lei de autorização legislativa (art. 103.º, n.º 2, da CRP e art. 165.º, n.º 1, al. i) da CRP). Ora, a imputação de rendimentos dos filhos no regime de IRS dos pais isso não consta de forma expressa na lei: nem quando o CIRS define os sujeitos de imposto – art. 13.º do CIRS; nem quando se recorta o regime dos residentes não habituais (benefício fiscal) – art. 16.º e 81.º do CIRS; nem, em geral, quando se aborda a temática dos sujeitos passivos na Lei Geral Tributária, no recorte da capacidade tributaria (art. 16.º da LGT). Donde, pretender estender-se o benefício fiscal a quem não reúne os requisitos, por imputação do regime de seus pais não se adequa nem com a letra da lei, nem se coaduna, também, com o seu espírito (o benefício fiscal, sob pedido e reconhecimento, restringe-se aos rendimentos de sujeitos que preencham determinados requisitos apertados, de não terem residido em Portugal nos cinco anos anteriores e preencham demais requisitos). E veda-se a analogia nos elementos essenciais do imposto (art. 11.º, n.º 4, da LGT).
  2. Por outro lado, assegura-se a igualdade: todos os que preenchem os requisitos e solicitam a aplicação do regime têm direito ao benefício fiscal – e quem não reúne as condições a ele não tem direito, a ele não pode aceder; numa forma geral e usual de funcionamento de qualquer benefício fiscal, que em si mesmo não viola a igualdade fiscal.
  3. E por fim, e este argumento é fulcral, os filhos revelam capacidade contributiva – ao possuírem os rendimentos, que são seus, mas geridos e declarados pelos pais, no exercício do poder paternal. E quem tem capacidade contributiva, deve ser tributado, se não beneficiar de uma isenção subjetiva que o exima de imposto, como é o caso.

 

Por fim, importa analisar um último segmento: não se pode anular a liquidação (em parte), com base na argumentação de que alguns dos filhos preencheriam os requisitos do regime do residente não habitual. Por duas razões:

Primeiro: porque não o pediriam; ou se pediram e foi indeferido, não recorreram desse indeferimento – e o acórdão do Tribunal Constitucional (Acórdão 718/2017, proc. 723/2016 de 15/11/2017) é claro, salvo melhor, quanto à necessidade de recorrer desse ato prévio.

Segundo: porque não é essa a argumentação dos Requerentes; arrogam-se do direito dos filhos por imputação (extensão) do direito dos pais, independentemente da verificação ou não dos requisitos nos filhos.

 

5. Decisão

De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente a exceção deduzida pela Requerida, sendo, por isso, o tribunal arbitral competente para a decisão do mérito da causa
  2. Julgar totalmente improcedentes todos os pedidos dos Requerentes
  3. Mantendo as liquidações impugnadas de imposto (IRS de 2015 a 2019)
  4. E, do mesmo modo, mantendo na ordem jurídica o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa
  5. Condenar os Requerentes às custas deste processo

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 80.914,89 – como foi indicado pelos Requerentes e aceite pela Requerida.

 

7. Custas

Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2.754,00€ (dois mil setecentos e cinquenta e quatro), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.

Notifique-se

 

Porto, 15 de novembro de 2022

 

 

 

 

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(Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro – Árbitro Presidente)

 

 

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(Dr. Francisco Melo – Árbitro Adjunto)

 

 

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(Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares – Árbitro Adjunto Relator)

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária)