Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 330/2017-T
Data da decisão: 2017-11-02  IRS  
Valor do pedido: € 7.253,81
Tema: IRS - reinvestimento e art. 10.º, n.º 5 do CIRS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A… e B…, contribuintes números … e n.º…, respectivamente, residentes na Rua…, …, …, …– Cascais, doravante designados por Requerentes, apresentaram em 19/05/2017 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, no qual solicitam a anulação da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada e, consequentemente, de parte da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016 …  do ano de 2014.

 

  1. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou em 11/07/2017 como árbitro Francisco Nicolau Domingos.

 

  1. No dia 26/07/2017 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

  1. Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 26/07/2017 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo (PA).
  2. Em 29/09/2017 a Requerida apresentou resposta, na qual defende a improcedência integral do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. O tribunal em 06/10/2017 perante a ausência de prova  a produzir, a inexistência de matéria de excepção a conhecer antes de apreciado o mérito e a desnecessidade de convidar as partes a corrigirem as suas peças processuais decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu 8 dias para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou prazo limite para proferir a decisão arbitral.

 

  1. As partes apresentaram as alegações finais escritas em 16/10/2017 e 23/10/2017, respectivamente, mantendo as suas posições iniciais.

 

 

  1. POSIÇÕES DAS PARTES

 

Os Requerentes começam por alegar que o Serviço de Finanças de Cascais … procedeu à correcção oficiosa da declaração de IRS do ano de 2014 nos seguintes termos: i) redução de € 85 561,00 para € 81 426,00 do valor das despesas necessárias e efectivamente pagas, por considerar que os encargos com impostos e despesas notariais só serão considerados aquando da alienação do imóvel;  ii) redução de € 176 179,03 para € 94 187,56 do valor dos empréstimos a deduzir ao valor de realização, por considerar que só o valor em dívida respeitante ao empréstimo com a finalidade de «aquisição» deverá relevar e iii) redução de € 393 820,97 para € 285 000,00, do valor do reinvestimento relevante, por se considerar  que para tal fim não importa o montante aplicado na realização de obras no imóvel adquirido.

Os Requerentes insurgem-se única e exclusivamente nestes autos relativamente à correcção iii), isto é, a redução do valor do reinvestimento emergente da desconsideração dos montantes despendidos na realização de obras de melhoramento no imóvel.

No seu juízo, a utilização da conjugação alternativa «ou» ao invés de «e» no art. 10.º, n.º 5, al. a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), à data do facto tributário, significa que não estamos perante requisitos cumulativos. Ou seja, o reinvestimento também ocorre quando se efectua a aquisição do imóvel e a realização de obras neste para afectação a habitação própria e permanente. Trata-se da aquisição de um imóvel latu sensu, com vista à sua recuperação, para afectação a habitação própria e permanente.

Em suma, se os Requerentes decidiram proceder ao reinvestimento do valor de realização da venda da sua habitação própria e permanente num imóvel para o afectar ao mesmo fim, com base nas obras de melhoramento que consideram essenciais para o reinvestimento, é destituído de qualquer fundamento jurídico considerar que ambas as situações, quando isoladas, estão abrangidas pela norma de exclusão, mas que quando se verifiquem cumulativamente tal já não acontece.

Peticionam ainda os Requerentes que a Requerida seja condenada a proceder ao reembolso da parte do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios.

A Requerida defende que o acto tributário impugnado dever-se-á manter na ordem jurídica.

Para tanto defende-se por impugnação, sustentando que a aplicação da delimitação negativa de incidência vertida no art. 10.º, n.º 5 do CIRS exige o cumprimento de dois requisitos: i) no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor de venda deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para aquisição do imóvel alienado for reinvestido na aquisição de outro imóvel ou  na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, exclusivamente com o mesmo destino (habitação própria e permanente) e ii) o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere o número anterior (imóvel para habitação ou terreno para construção, situado no território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal), sempre que efectuada nos 24 meses anteriores.

Observa que, se é verdade que os Requerentes tinham o seu domicílio fiscal no imóvel alienado e afectaram o adquirido a habitação própria e permanente, por outro lado, o art. 10.º, n.º 5 do CIRS não admite em simultâneo a aquisição do imóvel e as obras de melhoramento do mesmo destinado a habitação própria e permanente.

Finalmente defende que não deve proceder o pedido de condenação no pagamento dos juros indemnizatórios, visto que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) fez a aplicação da lei nos termos em que, como órgão executivo, está constitucionalmente vinculada, pelo que não se pode falar em «erro imputável aos serviços» e, assim, o pedido deve ser indeferido.

            Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:

  1. Se o acto tributário impugnado deve ser anulado por erro sobre os pressupostos de direito;
  2. Se a Requerida deve ser condenada ao reembolso do imposto indevidamente entregue e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1.  SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. Os Requerentes adquiriram em 30/11/2001, por € 139 663,41, um imóvel sito na Rua…, n.ºs … e …, Cascais, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art. ... .

4.1.2. O imóvel destinou-se a habitação própria e permanente dos Requerentes.

4.1.3. O prédio descrito em 4.1.1. foi vendido pelos Requerentes no dia 18/07/2014, por € 570 000,00.

4.1.4. Para a realização da referida venda os Requerentes incorreram no pagamento de uma comissão de intermediação bancária no montante de € 81 426,00.

4.1.5. Com o produto da alienação os Requerentes procederam, nomeadamente, à amortização de um empréstimo bancário no montante de € 94 187,56, contraído para a aquisição do imóvel alienado.

4.1.6. No dia 18/08/2014 os Requerentes adquiriram, por € 285 000,00, o imóvel sito na Rua …, …, …, …, …, inscrito na matriz predial da União das Freguesias de … e … sob o art. … .

4.1.7. O imóvel destinou-se a habitação própria e permanente.

4.1.8. Na data de celebração da escritura pública de compra e venda, o imóvel descrito em 4.1.6. dispunha de licença de utilização.

4.1.9. No imóvel descrito no número anterior os Requerentes realizaram obras de melhoramento, no montante de € 69 547,34.

4.1.10. No preenchimento do anexo da declaração de IRS do ano de 2014, os Requerentes indicaram a intenção de reinvestimento do montante de € 393 820,97.

4.1.11. Esse valor pode ser decomposto da seguinte forma: i) € 354 659,46, correspondentes ao valor reinvestido na aquisição de novo imóvel para habitação própria e permanente e o valor das obras realizadas no mesmo; ii) € 85 561,00, respeitantes às comissões de intermediação imobiliária e despesas notariais e iii) € 176 179,03, a título do valor do empréstimo à data da alienação do bem.

4.1.12. Os Requerentes foram notificados em 29/06/2016 da seguinte divergência na declaração de rendimentos de IRS do ano de 2014 - «Comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimento declarados».

4.1.13. A AT procedeu, nomeadamente, à correcção do valor do reinvestimento relevante para € 285 000,00, por considerar que: «…para efeitos da não tributação da inerente mais-valia realizada, conforme previsto no n.º 5 do art. 10.º do Código do IRS, as hipóteses aí mencionadas não são cumulativas».

4.1.14. A AT procedeu à liquidação adicional de IRS do ano de 2014 (2016…), no montante de € 20 725,10, no qual se computam € 813,90, a título de juros compensatórios.

4.1.15. Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa de tal liquidação em 23/11/2016.

4.1.16. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 19/05/2017.

4.1.17. Os Requerentes não foram notificados de decisão da reclamação graciosa até ao dia 19/05/2017.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados.

 

5. MATÉRIA DE DIREITO

 

O thema decidendum destes autos consiste em determinar se é possível cumular o reinvestimento na aquisição de um imóvel com a realização de melhoramento neste.

É então necessário perscrutar o quadro normativo aplicável. Dispunha o art. 10.º, n.º 5 do CIRS (à data do facto tributário) que: «São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições: a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;  b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores; c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir».

            Assim, o normativo exclui de tributação os ganhos provenientes da transmissão de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do agregado familiar, caso este proceda, no prazo supra descrito, ao reinvestimento do valor de realização, deduzido da amortização de um eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel.

            A aquisição do imóvel a que legislador se refere terá de se destinar a habitação própria e permanente e pode ser efectuada pela aquisição de um imóvel para habitação já edificado, da aquisição de um prédio urbano classificado como «terreno para construção» e através de melhoramento ou ampliação de um imóvel, na medida em que desta forma o sujeito passivo faz integrar no seu património um novo prédio urbano com a finalidade supra descrita.

            A este respeito sustenta a doutrina[1]: «O reinvestimento pode ser feito na aquisição directa de habitação ou de terreno para a construção de imóvel, ou ainda na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel; nos dois últimos casos – aquisição de terreno para a construção e construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel – a lei estabelece (nas alíneas b) e c) do n.º 6) condições temporais apertadas para a afectação do imóvel à habitação própria e permanente. De outra forma, poderia protelar-se a construção ou o melhoramento e frustrar-se (…) o escopo normativo».

A teleologia subjacente à norma encontrar-se-á em não onerar fiscalmente o direito à habitação[2]. Ou seja, esta norma de exclusão da incidência destina-se à promoção da propriedade do imóvel destinado a habitação permanente.

Revertendo tal interpretação para o caso concreto, se o fundamento da exclusão da tributação consiste na neutralidade da efectivação do direito fundamental à habitação e se os Requerentes adquiriram um prédio para habitação própria e permanente já inscrito na matriz como urbano e com licença de utilização, a sua pretensão não pode proceder.

E não se invoque em sentido contrário que: «…a mais-valia decorrente da transmissão de imóvel que constitua habitação própria e permanente do sujeito passivo poderá ser excluída de tributação, caso o valor de realização, i.e. o produto da venda, seja reinvestido na aquisição (latu sensu, como a seguir se verá) de nova habitação própria e permanente.», decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 60/2012-T, de 31/07/12 e em que assumiu a função de árbitro, o Dr. JAIME  CARVALHO ESTEVES, invocada pelos Requerentes no seu pedido de pronúncia arbitral. Isto é, no juízo dos Requerentes, seria possível cumular a aquisição de um imóvel para a habitação própria e permanente com a realização de obras de melhoramento neste.

Sucede que em tais autos, como resulta da matéria de facto provada, os Requerentes adquiriram um imóvel que necessitava de obras de recuperação para o tornar habitável, alegaram e provaram que realizaram obras em tal imóvel com essa finalidade. Ou seja, ambas as operações são necessárias à efectivação do direito à habitação.

Ora, no caso concreto tal não sucede, isto é, se os Requerentes adquiriram um imóvel destinado a habitação e ainda assim realizaram obras neste, o direito à habitação dos Requerentes em nada é onerado fiscalmente, pelo que, a sua pretensão anulatória tem, repete-se, de improceder.

Na verdade, as despesas aqui em questão constituem, isso sim, encargos com a valorização dos bens, isto é, obras que se traduzem na valorização do imóvel e, como tal, podem ser utilizadas no âmbito da determinação do valor de aquisição, nas condições descritas no art. 51.º do CIRS. Pelo que, se o tribunal agora as considerasse nada impedia que se o imóvel fosse alienado no prazo fixado em tal normativo, o seu montante concorresse para a determinação do valor de aquisição.

Em suma, a pretensão dos Requerentes improcede in totum.

As questões do direito ao reembolso e da condenação no pagamento de juros indemnizatórios são de conhecimento prejudicado.

 

6. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais.

 

7. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 7 253,81, nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), na medida em que os Requerentes pretendiam a anulação parcial do acto de liquidação de IRS.

 

8. CUSTAS

Custas a suportar integralmente pelos Requerentes, no montante de € 612, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de Novembro de 2017

 

 

O árbitro,

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 



[1] JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 413.

[2] ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS): Anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, pág. 168.